Existe
uma diferença, que não é sutil, entre ser polêmico e ser leviano.
Um magistrado, pela posição que ocupa e principalmente pelo Poder
ao qual representa, deveria ter clareza absoluta desses conceitos. O
juiz Siro Darlan, atualmente na mídia por ter concedido habeas
corpus aos black blocs recentemente presos, concedeu uma
entrevista (endereço para acesso no final do post) onde
superou a imagem de magistrado polêmico para flertar perigosamente
com a estupidez e a irresponsabilidade. Antes de mais nada, quero
deixar claro que minhas críticas, a seguir, não se devem, em
absoluto, a sua decisão de conceder a liberdade aos acusados. Essa é
matéria técnica, e deixo aos técnicos opinarem. Meus
questionamentos dizem respeito as colocações, na minha opinião, irresponsáveis, de um representante do Poder Judiciário. Seguem
dois trechos da entrevista (a entrevista inteira daria uma tese de
doutorado) e minhas argumentações a respeito.
“O
Ministério Público é uma inutilidade. Ele é muito eficiente
quando lhe interessa. Mas há situações em que o MP se omite. Hoje
estamos com prisões superlotadas porque o MP é eficiente na
repressão do povo pobre, do povo negro. 70% do sistema penitenciário
do Rio de Janeiro está vinculado a crimes de drogas, o que
efetivamente não tem nenhuma periculosidade. Vender droga ilícita é
absolutamente igual ao camarada que vende cachaça. São drogas. Mas
a nossa sociedade resolveu criminalizar a venda de determinadas
drogas. E coincidentemente quem vende é a população mais pobre.
Isso coincide com o interesse de exclusão social dessa população.”
Vender
droga ilícita não é, em nada, igual a vender cachaça.
Primeiramente, porque a venda de drogas (maconha, cocaína, crack) é
ilegal, e chama-se tráfico, coisa que um juiz deveria saber e,
publicamente, condenar. Segundo, porque a venda de drogas, cachaça,
cerveja ou whisky, ocorrem em contextos completamente diferentes.
Como são igualmente diferentes seus efeitos orgânicos, sociais e
(sim!) na criminalidade e violência. Coisa que qualquer idiota (que
não fume maconha) sabe, mesmo os que vivem atrás de mesas, em
gabinetes, ou bebericando Freixenet. E drogas são
consideradas ilegais porque nossa sociedade, em algum momento, assim
entendeu. E cabe a sociedade ditar as normas de conduta que entende
como corretas. Normas essas, que nossos legisladores, eleitos por
toda sociedade, traduzem em forma de leis. Assim funciona uma
democracia representativa em um Estado Democrático de Direito. Aos
juízes, cabe fazer cumprir as leis vigentes, elaboradas por nossos
legisladores legitimamente eleitos, concordem com elas ou não. Como
cabe a cada um de nós cidadãos seguir as mesmas leis, concordemos
ou não com as mesmas. Em não concordando, resta a todos nós,
cidadãos e magistrados, o legítimo direito a manifestação, a
crítica e ao voto. Ou a disputar um cargo no legislativo. Mas, em
nenhum momento, o direito a livre manifestação, dá a um
magistrado, que não é um idiota ignorante, e que representa, acima
de tudo, o Poder Judiciário, o direito de se posicionar publicamente
como se um ignorante inconsequente fosse. Quando um magistrado
chama o Ministério Público de inútil, é muito mais que uma reles
ofensa de um cidadão qualquer. É uma afronta grave a seriedade de
uma instituição, e ilustra o desrespeito desse senhor pela
responsabilidade com o cargo que ocupa. Gostaria de perguntar a esse
senhor: a quem, em sua visão abrangente do mundo, interessa “a
exclusão social dessa população mais pobre?” A sociedade? Ao MP?
Ao Judiciário? Qualquer que seja a resposta, a mera insinuação de
um representante do Judiciário de que existe o mais ínfimo
interesse por parte de qualquer um que seja, sociedade, Ministério
Público ou Judiciário, de discriminar pobres e negros, põe em
questionamento a integridade moral e ética de todo o povo, mas
fundamentalmente das instituições que devem garantir o direito de
todos, sem distinção de cor, credo ou condição social. Não se
trata, ressalto novamente, de um cidadão qualquer, que em conversas entre intelectualóides de botequim,
questiona a integridade de seu povo ou suas instituições. Trata-se,
isso sim, de um magistrado, representante do Poder Judiciário, a
criticar publicamente a moralidade e a retidão de toda a sociedade,
mas fundamentalmente das instituições legitimamente instituídas
para representá-la e defendê-la. Suas afirmações de que o MP é
omisso em algumas circunstâncias, mas eficiente na repressão do
povo pobre e dos negros, deixam transparecer a intensão de semear na
população o descrédito e a revolta contra o MP e o próprio
Judiciário (já que afirma que 70% dos presos não representam
“nenhuma” periculosidade), além de, mais grave ainda, estimular
a luta de classes, como suas próximas palavras deixam claro:
“...se
absolvo um pivete, um favelado que roubou, estuprou, a classe média
reclama. Quando o mesmo acontece com o filho dela, lá vêm as
justificativas. Dizem que o filho precisa de psicólogo, que está se
descobrindo. Enfim, usam argumentos justos e que deveriam valer para
todos, e não só para os filhos da classe média.”
Mais
um monte de imbecilidades, inconsistentes e infundamentadas, saídas
da boca do – ainda, por respeito as instituições e suas
importâncias - digno magistrado. Não são “argumentos justos” e
não devem, jamais, “valer” para ninguém. São verdadeiros
absurdos! Não têm qualquer fundamento estatístico, ou meramente
técnico, as observações levianas desse senhor. Se um familiar meu
ou seu (classe média ou alta) for condenado por estupro, eu - ou
você - como familiar, assim como qualquer familiar pobre ou
miserável, posso tentar desculpar ou defender os seus atos. Por
amor, afeto ou lealdade. Se um familiar meu, classe média ou alta,
ou de um pobre ou miserável, for condenado por estupro, a sociedade
(classe baixa, média e alta) vai exigir e almejar sua condenação.
A sociedade, independente de condição econômica, deseja a punição
para criminosos. Essa é a lógica. Não a lógica distorcida,
alienada e repulsiva desse juiz. A sociedade quer punição para os
criminosos. Os seres, individuais, querem benevolência para os seus
afetos. Fato normal ao ser humano. Para fazer com que as leis sejam
aplicadas a todos, sem distinção, desconsiderando lealdades, afetos
ou ideologias, é que existem os juízes. Quando juízes não sabem
em que lugar se colocar, as instituições e a democracia estão em
risco. As palavras e colocações públicas, simplistas, distorcidas
e pueris do juiz Siro Darlan, só servem para por em dúvida a
credibilidade do Judiciário. Ao ler posicionamentos tão
tendenciosos, vindos de um magistrado, só nos resta questionar a
capacidade desse senhor em aplicar as leis, por hora postas, a
despeito de suas - as dele - convicções pessoais. Para nós,
leigos, fica a incômoda impressão, que esse senhor julga conforme
sua consciência, crenças, achismos e ideologias. Quero crer, apesar
das evidências em contrário, que o faça como ditam as leis
atualmente vigentes.
Deste
audacioso e polêmico magistrado, doutor Siro Darlan, que colocou
publicamente em dúvida a integridade, a moral e a ética de seus
colegas e do Poder Judiciário, espero a hombridade e a retidão de
caráter para que leve até as últimas consequências as acusações
veladas que faz, utilizando-se dos recursos que, tenho certeza,
conhece e dispõe. Não sendo assim, lhe resta apenas a frouxidão de
esfincteres para se manter no limbo dos subterfúgios de palavras mal
ditas ou meio ditas em entrevistas desprovidas de bom senso e
fundamentos. Que, no futuro, se mantenha polêmico e inconsequente,
apenas nas reservadas conversinhas de botequim, regadas a drogas
lícitas. Quando novamente ousar se manifestar em público, que o
faça como um representante do Judiciário e honre o poder que
representa e o povo que o remunera. Se não se achar capaz de
suportar o peso dessa responsabilidade, a porta da rua é sempre um
digno caminho a seguir.
Íntegra
da entrevista disponível em:
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