sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Fala sério! A um juiz não é dado o direito de ser leviano


       Existe uma diferença, que não é sutil, entre ser polêmico e ser leviano. Um magistrado, pela posição que ocupa e principalmente pelo Poder ao qual representa, deveria ter clareza absoluta desses conceitos. O juiz Siro Darlan, atualmente na mídia por ter concedido habeas corpus aos black blocs recentemente presos, concedeu uma entrevista (endereço para acesso no final do post) onde superou a imagem de magistrado polêmico para flertar perigosamente com a estupidez e a irresponsabilidade. Antes de mais nada, quero deixar claro que minhas críticas, a seguir, não se devem, em absoluto, a sua decisão de conceder a liberdade aos acusados. Essa é matéria técnica, e deixo aos técnicos opinarem. Meus questionamentos dizem respeito as colocações, na minha opinião, irresponsáveis, de um representante do Poder Judiciário. Seguem dois trechos da entrevista (a entrevista inteira daria uma tese de doutorado) e minhas argumentações a respeito.
        “O Ministério Público é uma inutilidade. Ele é muito eficiente quando lhe interessa. Mas há situações em que o MP se omite. Hoje estamos com prisões superlotadas porque o MP é eficiente na repressão do povo pobre, do povo negro. 70% do sistema penitenciário do Rio de Janeiro está vinculado a crimes de drogas, o que efetivamente não tem nenhuma periculosidade. Vender droga ilícita é absolutamente igual ao camarada que vende cachaça. São drogas. Mas a nossa sociedade resolveu criminalizar a venda de determinadas drogas. E coincidentemente quem vende é a população mais pobre. Isso coincide com o interesse de exclusão social dessa população.”
         Vender droga ilícita não é, em nada, igual a vender cachaça. Primeiramente, porque a venda de drogas (maconha, cocaína, crack) é ilegal, e chama-se tráfico, coisa que um juiz deveria saber e, publicamente, condenar. Segundo, porque a venda de drogas, cachaça, cerveja ou whisky, ocorrem em contextos completamente diferentes. Como são igualmente diferentes seus efeitos orgânicos, sociais e (sim!) na criminalidade e violência. Coisa que qualquer idiota (que não fume maconha) sabe, mesmo os que vivem atrás de mesas, em gabinetes, ou bebericando Freixenet. E drogas são consideradas ilegais porque nossa sociedade, em algum momento, assim entendeu. E cabe a sociedade ditar as normas de conduta que entende como corretas. Normas essas, que nossos legisladores, eleitos por toda sociedade, traduzem em forma de leis. Assim funciona uma democracia representativa em um Estado Democrático de Direito. Aos juízes, cabe fazer cumprir as leis vigentes, elaboradas por nossos legisladores legitimamente eleitos, concordem com elas ou não. Como cabe a cada um de nós cidadãos seguir as mesmas leis, concordemos ou não com as mesmas. Em não concordando, resta a todos nós, cidadãos e magistrados, o legítimo direito a manifestação, a crítica e ao voto. Ou a disputar um cargo no legislativo. Mas, em nenhum momento, o direito a livre manifestação, dá a um magistrado, que não é um idiota ignorante, e que representa, acima de tudo, o Poder Judiciário, o direito de se posicionar publicamente como se um ignorante inconsequente fosse. Quando um magistrado chama o Ministério Público de inútil, é muito mais que uma reles ofensa de um cidadão qualquer. É uma afronta grave a seriedade de uma instituição, e ilustra o desrespeito desse senhor pela responsabilidade com o cargo que ocupa.  Gostaria de perguntar a esse senhor: a quem, em sua visão abrangente do mundo, interessa “a exclusão social dessa população mais pobre?” A sociedade? Ao MP? Ao Judiciário? Qualquer que seja a resposta, a mera insinuação de um representante do Judiciário de que existe o mais ínfimo interesse por parte de qualquer um que seja, sociedade, Ministério Público ou Judiciário, de discriminar pobres e negros, põe em questionamento a integridade moral e ética de todo o povo, mas fundamentalmente das instituições que devem garantir o direito de todos, sem distinção de cor, credo ou condição social. Não se trata, ressalto novamente, de um cidadão qualquer,  que em conversas entre intelectualóides de botequim, questiona a integridade de seu povo ou suas instituições. Trata-se, isso sim, de um magistrado, representante do Poder Judiciário, a criticar publicamente a moralidade e a retidão de toda a sociedade, mas fundamentalmente das instituições legitimamente instituídas para representá-la e defendê-la. Suas afirmações de que o MP é omisso em algumas circunstâncias, mas eficiente na repressão do povo pobre e dos negros, deixam transparecer a intensão de semear na população o descrédito e a revolta contra o MP e o próprio Judiciário (já que afirma que 70% dos presos não representam “nenhuma” periculosidade), além de, mais grave ainda, estimular a luta de classes, como suas próximas palavras deixam claro:
        “...se absolvo um pivete, um favelado que roubou, estuprou, a classe média reclama. Quando o mesmo acontece com o filho dela, lá vêm as justificativas. Dizem que o filho precisa de psicólogo, que está se descobrindo. Enfim, usam argumentos justos e que deveriam valer para todos, e não só para os filhos da classe média.”
            Mais um monte de imbecilidades, inconsistentes e infundamentadas, saídas da boca do – ainda, por respeito as instituições e suas importâncias - digno magistrado. Não são “argumentos justos” e não devem, jamais, “valer” para ninguém. São verdadeiros absurdos! Não têm qualquer fundamento estatístico, ou meramente técnico, as observações levianas desse senhor. Se um familiar meu ou seu (classe média ou alta) for condenado por estupro, eu - ou você - como familiar, assim como qualquer familiar pobre ou miserável, posso tentar desculpar ou defender os seus atos. Por amor, afeto ou lealdade. Se um familiar meu, classe média ou alta, ou de um pobre ou miserável, for condenado por estupro, a sociedade (classe baixa, média e alta) vai exigir e almejar sua condenação. A sociedade, independente de condição econômica, deseja a punição para criminosos. Essa é a lógica. Não a lógica distorcida, alienada e repulsiva desse juiz. A sociedade quer punição para os criminosos. Os seres, individuais, querem benevolência para os seus afetos. Fato normal ao ser humano. Para fazer com que as leis sejam aplicadas a todos, sem distinção, desconsiderando lealdades, afetos ou ideologias, é que existem os juízes. Quando juízes não sabem em que lugar se colocar, as instituições e a democracia estão em risco. As palavras e colocações públicas, simplistas, distorcidas e pueris do juiz Siro Darlan, só servem para por em dúvida a credibilidade do Judiciário. Ao ler posicionamentos tão tendenciosos, vindos de um magistrado, só nos resta questionar a capacidade desse senhor em aplicar as leis, por hora postas, a despeito de suas - as dele - convicções pessoais. Para nós, leigos, fica a incômoda impressão, que esse senhor julga conforme sua consciência, crenças, achismos e ideologias. Quero crer, apesar das evidências em contrário, que o faça como ditam as leis atualmente vigentes.
       Deste audacioso e polêmico magistrado, doutor Siro Darlan, que colocou publicamente em dúvida a integridade, a moral e a ética de seus colegas e do Poder Judiciário, espero a hombridade e a retidão de caráter para que leve até as últimas consequências as acusações veladas que faz, utilizando-se dos recursos que, tenho certeza, conhece e dispõe. Não sendo assim, lhe resta apenas a frouxidão de esfincteres para se manter no limbo dos subterfúgios de palavras mal ditas ou meio ditas em entrevistas desprovidas de bom senso e fundamentos. Que, no futuro, se mantenha polêmico e inconsequente, apenas nas reservadas conversinhas de botequim, regadas a drogas lícitas. Quando novamente ousar se manifestar em público, que o faça como um representante do Judiciário e honre o poder que representa e o povo que o remunera. Se não se achar capaz de suportar o peso dessa responsabilidade, a porta da rua é sempre um digno caminho a seguir. 

Íntegra da entrevista disponível em:


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