domingo, 10 de agosto de 2014

A desconexão de sentido nos discursos da Rainha Mãe


No grande reino do Gigante Adormecido, eram feitos os últimos preparativos para mais uma majestosa turnê a Horário Eleitoral. Em poucos dias, o povo adentraria novamente nesse festivo e fantasioso mundo, onde sonhos e ilusões alimentariam a toda gente.
Para enfrentar mais essa difícil maratona, a companheirada preparava a Rainha Mãe para as, cada vez mais temíveis, sabatinas e debates ao vivo. Na impossibilidade de usar seu novo método de fabricar pizzas - ter acesso prévio as perguntas e ao gabarito - só restava a Rainha Mãe estudar e ensaiar. E, tendo em vista as conhecidas dificuldades de nossa monarca suprema em discursos de improviso e entrevistas, seria necessário muito, muito estudo.
- Majestade! É fundamental que a senhora não se mostre, jamais, exaltada com o entrevistador. - aconselha, calmamente o marqueteiro oficial.
- Exaltada?! Ora, meu querido! Eu vou te falar uma coisa... tem um negócio que é importante... e importante, é preciso que se diga, é uma coisa que tem importância... - começa a Rainha Mãe, com sua característica fala professoral – Eu nunca... jamais... e em nenhum momento, me exalto! - conclui, com um rosnado.
- Sim, é claro magnânima. - contorna o outro, para escapulir da mordida - Mas, apenas para ilustrar, a senhora pode chamar seu interlocutor de “querido” sem lhe mostrar os dentes caninos. Prosseguindo, seria aconselhável, com base no histórico de seus discursos, que sua alteza evitasse as explanações sobre geografia.
- Você está dizendo isso por causa daquele pequeno deslize que cometi num discursinho bobo e sem importância para a Comunidade Internacional, não é? Eu sei que errei ao dizer que a Zona Franca de Manaus era a capital da Amazônia. É claro que eu, como Rainha Mãe, sei perfeitamente que a capital da Amazônia é Tocantins! - pausa para reflexão - Quero dizer... é o Pantanal! O Pantanal não... como é mesmo o nome? .... Vocês me entenderam, companheirada! Amazônia, Pantanal, são todos estados repletos de crocodilos Australianos!
- Nós entendemos Magnânima! - adula um dos companheiros, para interromper o raciocínio trensloucado.
- E é importante que se diga – continua a Rainha Mãe - do comprometimento de meu reinado com a questão ambiental. E a questão ambiental abrange o ambiente como um todo, e não somente o meio ambiente. Eu não me preocupo com só metade do ambiente, não! Eu me preocupo com o desmatamento dos crocodilos australianos do nosso Pantanal, mas também com o desmatamento das árvores das matas! Árvores plantadas pela natureza. Essa é uma consciência que eu tenho. E consciência é uma coisa que se cultiva, como as cebolas da floresta Amazônia.
- Certo. - continua, abobalhado, o adestrador de animais exóticos – Uma questão que deve se repetir nessa turnê, é a respeito dos 150 mil, em dinheiro, que a senhora guarda em casa.
- Olha! Eu vou te falar uma coisa... Eu guardo dinheiro embaixo do colchão sim! Quem, nesse reino, não tem 150 mil guardado debaixo do colchão? Eu te respondo: todo mundo tem! Todo mundo tem esse dinheirinho guardado pra dar prum filho tomar um sorvete, comprar um BigMac ou fazer uma viagenzinha. Nos tempos de hoje, não é seguro aplicar dinheiro na poupança. Não com essa política econômica que está em vigor. - pausa para reflexão – Quero dizer, nossa política econômica é segura e confiável, os bancos é que não são confiáveis. E tem também a inflação, que é importante destacar, é uma grande conquista de nosso reinado. Vocês me entenderam, né?
- Perfeitamente, alteza. - desvia-se o marqueteiro, mais perdido que o ministro da economia. - O próximo tema polêmico, e que deve fazer Oposição deitar e rolar, é a questão que envolve nossos companheiros e aliados na formulação de perguntas e gabarito de respostas na investigação dos rolos em nossa empresa pública de petróleo.
- Esse tema é muito relevante. E eu te digo que é relevante porque envolve a confluência de múltiplas, várias e inúmeras questões. Veja bem... Nossos companheiros...aliados...compadres, todo mundo sabe, não têm capacidade pra abastecer seus próprios carros. Não sabem sequer estacionar. A menos que fosse para estacionar em uma gorda teta pública, porque nisso são especialistas. Mas, voltando ao meu raciocínio, quem é que vai acreditar que esses meus energúmenos seriam capazes de formular uma só pergunta, de duas frases, sobre petróleo? É um absurdo! Ninguém! Repito e garanto: ninguém, em meu reinado entende bosta nenhuma de petróleo! Se entendêssemos de petróleo não teríamos afundado, em tão curto tempo, nossa maior empresa do ramo! - esclarece, enfática, nossa Rainha Mãe.
- Vamos mudar de tema. - anuncia o marqueteiro, a essas horas descabelado - E na questão religião... A senhora é uma pessoa que crê?
- Claro! Eu creio! Eu creio muito, sabe? Todas as noites eu leio a....a...aquele livro... aquele livro grosso que fala para quem crê...Como é mesmo o nome? Não é O Capital. Esse é outro bom livro. Eu creio muito nesse livro, também. Mas eu leio aquele outro... O Diário de Um Mago!... Não!..Bíblia! É, a Bíblia! Sim! Esse é o título do livro que leio toda noite. Só tinha me dado um branco agora, e esqueci o nome do tal livro. - esclarece a devotada e crédula rainha – Eu sempre respeitei e segui as leis e lições da Bíblia e de Deus. Quando eu, ainda jovem, fazia parte de um grupo terrorista, eu rezava muito. Toda noite, enquanto limpava minha arma e preparava os assaltos e sequestros do próximo dia, eu rezava. - emociona-se a Rainha Mãe, nostálgica – Eu pedia a Che, a Fidel, e até a Deus que nos protegesse. Eu sempre segui tudo que ditava a doutrina e a fé comunista...Quero dizer, a doutrina cristã! Eu sou cristã há muito, muito tempo, sabe? Quase quatro anos. E nesses quatro anos eu até falei com o Papa! E, quero te dizer, que o Papa é uma pessoa bem normal. Apesar de usar vestido, né? Mas sabe, que eu sempre defendi o direito dos homens de usarem vestidos. Somos defensores das liberdades e das minorias. Mas esse cara, o Papa, fala um portunhol igualzinho ao nosso. Até os Argentinos conseguem entender sem problemas! E esse negócio da globalização do nosso portunhol, só aconteceu graças a nossa política de expansão dos cabos de fibra ótica submarinos. Então, com isso, é possível concluir, que a fibra ótica tem um papel importante na divulgação do cristianismo, não é mesmo?
- Acho melhor darmos uma pausa para descanso. - declara o marqueteiro, confuso e exaurido.
- Eu só quero terminar esse assunto, para não perder minha linha de raciocínio.- interrompe, em seu conhecido estilo imperativo, a Rainha Mãe. - Para vocês terem uma ideia, os cabos de fibra ótico, que ligam nosso reino a Europa, são tão resistentes, que nem mesmo aquele negócio que aconteceu no Japão... Como é mesmo o nome? Aquilo que aconteceu em Fufugima? ... O Katrina! ... Não! O tsunami! Pois bem, nem o tsunami Katrina, que aconteceu no Japão, mais especificamente na fronteira com a Ucrânia, conseguiu romper nossa comunicação com a Europa. - pausa para reflexão – Claro, que eu sei que o Japão não fica mais na Europa. Ele passou a pertencer à Asia depois da Segunda Guerra, né? O mundo todo sabe disso. Mas o que está em debate nesse momento é nossa importância estratégica na resolução da crise no Oriente Médio... - prossegue nossa articulada rainha, em uma profusão de palavras desconexas e desprovidas de sentido, para uma plateia que, mesmo composta por seus assessores, companheiros e asseclas, não conseguia conter a estupefação e o tédio. Ao que parecia, essa turnê a Horário Eleitoral, prometia muito mais que os tradicionais shows pirotécnicos. Seria quase uma tragicômica peça de teatro. Sorte do povo, poder se divertir com essa gente que devia estar construindo o futuro desse reino e desse povo.

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