sábado, 24 de dezembro de 2011


Querido Papai Noel

Neste Natal espero que me tragas um saco cheio de boas desculpas para ofertar aos meus súditos no próximo ano. Desculpas enfeitadas e coloridas para cada promessa grandiosa que fiz e não cumpri. É lógico que não foi por culpa minha. Trata-se, é óbvio, de um típico caso de bullying contra essa gloriosa rainha. Uma elite dominante, antidemocrática e preconceituosa me persegue impiedosamente por pura inveja de meu desnorteante sucesso.
Vê se providencia logo uma boa dose de chuva, que o negócio tá ficando preto - e seco - por aqui. Se a água não rolar por essas bandas, logo nesse novo ano tão decisivo, mais uma das minhas propagandas enganosas irá correr barragem abaixo.
Como bondosa e magnânima soberana, peço para o meu humilde povo, muita, mas muita saúde. Que os doentes não se acumulem na fila do desrespeito como em Horário Eleitoral. Que não se lembrem, nem precisem, de todos os curandeiros que prometi que iriam cair de pára-quedas em suas cabeças ao menor sinal de indisposição. Por um mero erro de cálculos, perdi o período do plantio e esqueci como se faz a colheita desses insignificantes profissionais. Ao contrário do que me diziam alguns bobos da corte, curandeiros não nascem do chão como inço, nem brotam nos buracos do asfalto. Acho que agora aprendi. No próximo ano não devo ter problemas com essa tropa, pois os abundantes curandeiros da Irmandade do Fogo certamente descerão dos palanques, dispostos a trabalhar por seu povo. Tudo em troca de muito pão com lingüiça e salada de repolho, é claro.
Por falar na Irmandade do Fogo, peço que esta continue humildemente a minha sombra. Está tudo muito confortável assim. Gosto cada vez mais dessa turma. Eles sabem o que é ter senso de humor e espírito esportivo. Perdoam docilmente cada uma das minhas pequenas traições e deslealdades. Sabem compreender que o fogo do poder queima em minhas veias, e conseguiram abandonar as velhas raízes históricas por amor a Poliana.
Não posso esquecer dos meus queridos companheiros de clã. Que esses conservem seu espírito servil e sua excêntrica miopia, que alguns apelidaram de ideologia. Que essa constelação de parceiros continue a obedecer sua alteza ao mínimo estalar de dedos e que se esmerem com devoção a abanar bandeirinhas e a carregar sobre os ombros esta sua soberana absoluta. Precisarei deles no próximo ano, por isso velho Noel, lhes dê bons braços e nada de senso crítico.
Para finalizar, estimado Noel. Gostaria de pedir um singelo mimo para essa nobre rainha. Que a odiosa Oposição volte a hibernar, esperando pelo seu príncipe encantado, Zangão - o sisudo. E que este velho e caquético príncipe cumpra sua antiga promessa de final de ano e vá pescar ou jogar bingo, deixando de atormentar essa jovem Poliana. E se não for pedir muito, gostaria que no ano novo que se aproxima, você tire todas as pedras do meu caminho, espante os pardais agourentos de meu reinado e cubra de piche os incontáveis buracos do meu reino.
Abraços fraternos da ardilosa e incorrigível Poliana.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Os fantasmas de Poliana


- É o fim! O fim! Como se não bastasse que Justiça tenha resolvido tirar a venda dos olhos com mais freqüência que o habitual, agora essa velha surda e moribunda resolveu começar a falar! E o pior de tudo, dando uma de piadista! Tripudiando da rainha e sua corte! – uma revoltada Poliana discursava a seus fieis Bobos.
- É mesmo uma pouca vergonha alteza, Justiça ridicularizar nossa corte dessa forma. – exclama um dos bobos reais.
- Eu sempre disse que essa tal Democracia não podia dar coisa que prestasse! – concorda solene, o camarada Boina Verde.
- Façam alguma coisa seus Bobos! Coloquem Justiça em seu devido lugar. Calem essa boca sarcástica e devolvam a venda aos olhos dessa velha decrépita! – continua a indignada rainha, com o costumeiro tom de voz esganiçado.
- Tu é louca Poliana! Com Justiça não podemos nos meter! – fala amedrontado um dos representantes do clã.
m- É claro que podemos, seus covardes! É só vocês fazerem os costumeiros telefonemas e-mails anônimos com umas ameaçazinhas que essa velha entra rapidinho na linha.
- Isso Poliana, nós fazemos com os outros reles mortais, com Justiça a coisa muda de figura.
- Se não dá pra ameaçar ofereçam a ela um carguinho! – sugere a sempre prática rainha.
- Pelo amor de Deus Poliana, chega de falar bobagens! Justiça acordou e nos deu um puxão de orelhas. Agora nós temos que nos readequar. Chega de mais confusão, já estamos atolados até o pescoço! – exaspera-se Líquen, enquanto Poliana fazia beicinho. – Temos que rever essa enorme lista de carguinhos. São mais de cem boquinhas que precisamos mudar de tetas para ludibriar Justiça. Não se esqueçam que Justiça pode até dar uma de engraçadinha, mas bem no final sempre damos um jeitinho de enrolar a otária.
- Que carguinhos que a esclerosada achou imorais? Figurinha antiquada, decadente... – continua a jovem rainha com despeito.
- Vamos ver... Chefe dos mortos! Pelo amor de Deus Poliana, de onde você tirou uma idéia dessas. Criar uma chefia de defuntos?!
- Uma idéia muito boa, seu estúpido! – indigna-se a rainha, com o queixo empinado. - Eu morro de medo de almas penadas, por isso criei um carguinho para garantir que nenhuma rebelião no cemitério venha a tirar o meu sono.
- Eu achei essa idéia de nossa alteza brilhante, como sempre. – apóia uma puxa-sacos do SindiPelego – Com todas as mentiras que nós temos vendido ao povo nos últimos anos, é bem capaz de que algumas almas ultrajadas se ergam do túmulo. Melhor não arriscarmos.
- E o que diabos é isso aqui? Chefe do chefe dos motoristas?! De onde você tirou essa idéia rainha? – continua Líquen tentando manter a calma diante de tanto despropósito.
- Essa foi uma necessidade, Líquen. O chefe dos motoristas não sabia dirigir, então precisei solucionar prontamente o problema, criei mais um carguinho para resolver de vez a questão. Você me conhece bem, eu resolvo tudo rápido e eficientemente. Olho no olho! É assim que eu sou.
- Por vezes eu acho que nossa rainha é meio estrábica. – sussurra um dos representantes da irmandade do fogo fazendo graça.
- Acho conveniente, rainha, você manter seus olhinhos de biscuit mais abertos e menos sonhadores. – aconselha Líquen, continuando na revisão dos carguinhos. – E essa chefia do controle de sais, o que é isso?
- Todos vocês sabem bem como sou exigente com meus banhos de ofurô. Preciso de alguém que fiscalize diariamente a temperatura da água e os sais de banho adequados a meus humores. Vocês não querem ver sua alteza irritada, não é? - desafia Poliana em velada ameaça.
- Claro que não rainha! – respondem prontamente todos os ressabiados bobos, nada dispostos a presenciar as costumeiras crises histéricas da magnânima.
- Devo concluir que a mesma justificativa serve para esse cargo de Diretor de Fiscalização do Estoque de Bombons de Amarula. – continua Líquen conformado com o ridículo da situação. – E essa Chefia da Etiquetagem do Patrimônio Real? Tenha dó, Poliana. Dar um cargo de chefia pra alguém colar etiquetas! Não é a toa que a inerte Justiça resolveu acordar! Com tanta imbecilidade devemos erguer as mãos pro céu por Justiça não nos jogar no calabouço ou cortar nossas cabeças!
- Credo Líquen! Você hoje está muito rabugento. Tínhamos de acomodar nossos companheiros, ora bolas. E você bem sabe que eles geralmente não sabem fazer quase nada, mas colar etiquetinha até uma criança consegue executar. Por isso criamos essa boquinha. Tem chefe, sub-chefe e diretor só para essa importante função. Cada um é responsável por uma cor de etiqueta, tudo muito útil para nossos contribuintes e imprescindível ao andamento do reino.
- E essa aqui, rainha? Tem Chefe do café, Diretor do chazinho e Encarregado dos biscoitos! – aboba-se Líquem levando as mãos a cabeça.
- Isso é fundamental Líquen! - defende um companheiro de clã – Com tanta reuniãozinha que fazemos, alguém precisa garantir que não faltem essas preciosidades para nos manter nutridos e acordados.
- Aqui! Achei pelo menos dois cargos úteis! – alegra-se Líquen - Diretor do serviço de Folders, Cartazzes e Banners e Encarregado do Setor de Ilusionismo da Orquestra Partidária (OP). Isso sim é relevante. Garante o embelezamento do reino, serve para iludir os súditos e ainda por cima reverte em bônus extras para nossas meias e cuecas! Parabéns rainha!
- Já que você tocou no assunto do desenvolvimento econômico de nossos bolsos, lembrei de um fato que aconteceu essa semana e me deixou revoltada! Uma imoralidade sem precedente!
- O que foi que deixou nossa íntegra rainha tão escandalizada? – preocupa-se um companheiro.
- Só de lembrar já sinto o sangue ferver! Estou irritadíssima com tamanha sem-vergonhice ocorrida no nosso reino. – exclama Poliana com o dedo em riste. – Um dos nossos subordinados foi flagrado com o carro oficial do palácio em frente a um motel!
- É mesmo? Que pouca vergonha! – exclamam os bobos
- É isso mesmo alteza. É essa imagem que nossa rainha tem que vender ao seu povo. Uma monarca que luta pela moralidade no reino. Até Justiça irá se comover com a ira da rainha ao saber que um dos seus bobos usou veículo oficial para ir ao motel em pleno horário de trabalho.
- Ir no motel com carro do palácio não é nada. Já cometemos atos libidinosos maiores que este. O que me deixa enlouquecida é que o tal motel era uma espelunca de beira de estrada e não o fabuloso motel da Laranja Empreendimentos, um dos grandiosos investimentos das Organizações Poliana. Isso sim é uma indecência sem precedentes! Façam alguma coisa seus molóides!
- Pode deixar rainha. Tomaremos as medidas cabíveis para corrigir este absurdo. – afirma Líquen muito senhor de si. - Criaremos um carguinho só para controlar e direcionar as escapadinhas de nossos bobos em horário de expediente.
- É assim que se fala Líquen! Vamos colocar nosso reinado nos trilhos da moralidade. – aplaude Poliana satisfeita com a solução.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Em busca de um escudeiro real


A sempre alegre e festiva comitiva de pajens, bobos e bajuladores oficiais de Poliana, nesse dia se reunia para tratar de assuntos mais sombrios. O semblante circunspecto de Líquen mostrava que a pauta da reunião prometia ser ainda mais longa e pesada do que as tradicionais assembléias do estrelado clã da rainha.
- Da forma em que as coisas estão não podem continuar, companheiros e companheiras. Precisamos mudar nossa estratégia, e logo. Temos que proteger a rainha das desgraças do reinado.
- Nós sabemos disso Líquen, temos nos esforçado, mas parece que a rainha só atrai coisa ruim. Tudo gruda nela, como ranho ou meleca. Parece uma maldição!
- Mas nós temos de melhorar a blindagem e reforçar a retaguarda, estamos dando muito espaço pra Oposição avançar.
- Isso é verdade, a retaguarda da rainha já tá que é uma gamela, coitada.
- Por isso nós temos que agir. Afinal nós somos um grupo coeso. Temos de defender a rainha dos abutres e algozes.
- É isso, mesmo! Nós somos fieis ao ideal de justiça e ao reinado, e estaremos sempre junto a nossa majestade.
- Você sabe Líquen, que eu e Poliana temos certas desavenças. Somos de facções rivais nas nossas disputas pelo estrelato no clã. No entanto, pelo clã, esqueço todas as rasteiras e picuinhas e ergo com orgulho o estandarte escarlate. – responde altiva, uma velha matriarca do clã.
- É disso que precisamos. União! Todos lutando juntos por um ideal, como nos velhos tempos. - exulta, emocionado o companheiro Boina Verde.
- Que satisfação poder contar com o apoio de todos os nossos companheiros nesse momento. Nossa rainha ficará radiante com a disposição de vocês. O que nós precisamos é um escudeiro para Poliana. Alguém disposto e corajoso para tomar a frente nas situações difíceis. Destemido e com iniciativa para assumir a culpa das pequenas imperfeições da rainha.
- Ótima idéia! Brilhante! – concordam todos do grupo, satisfeitos com a solução estratégica.
- Que bom que vocês gostaram. Quem de vocês se habilita?
-Nós! – responde o grupo surpreso.
- Claro, o escudeiro real só poderá sair de nossa constelação de amigos. Tem de ser alguém alinhado com nossa ideologia, obscuridades e promessas vazias. Quem vai ser?
Um constrangedor silêncio toma conta do recinto. Os presentes se olhavam com cara de criança que fez arte e procura alguém para por a culpa.
- Eu adoraria, mas não posso Líquen. Estou muito gordo e fora de forma pra acompanhar a maratona de eventos e churrascadas da rainha. – salta o atarracado membro do SindiPelego, demonstrando agilidade nata na hora de fugir de um trabalho.
- E eu sofro de artrose. Lesão ocupacional, de tanto abanar bandeirinhas. Além disso, não enxergo quase nada. Só vejo estrelas, nada mais. – completa a idosa matriarca.
- Eu não tenho como animar a galera nos espetáculos da Orquestra Partidária (OP) e defender a rainha. Eu ia perder o rebolado. – defende-se Santo Jorge
- Ora bolas, convenhamos Líquen! Nós somos bobos, mas não somos trouxas. Quem é que vai querer entrar numa fria dessas? – pergunta um dos membros da Irmandade do Fogo.
- Mas não foram vocês mesmo que disseram que estariam sempre ao lado da rainha, para o que der e vier? – questiona Líquen indignado.
- Você está distorcendo as coisas Líquen! Nós estaremos sempre ao lado da rainha, enquanto ela estiver no trono para nos dar uns carguinhos e ainda vier uns troquinhos. Não pra levar chumbo de Oposição e Imprensa Livre!
- E você Boina Verde? Onde está o ideal de justiça, união e luta?
- Nesse caso camarada, está mais alinhado com a nova ideologia do nosso clã: só sei que nada sei.
- Não é possível que nenhum de vocês vá se sensibilizar com a situação desesperadora da rainha! – suplica Líquen
- Tenha dó, Líquen! Sem apelação! Daqui a pouco vai começar a evocar Fidel e Che, e cantar Pra não dizer que não falei de flores.
- É muito fácil pra você, que agora está com a vida mansa, investindo no ramo de compra e venda de emendas parlamentares. Nós só temos uns carguinhos, e nenhuma segurança. E depois, anda correndo a boca pequena no reino, que até os temidos irmão Grafite, que sempre foram cu e calça com Poliana, já estão abandonando o barco antes que este afunde.
- Não tem jeito, Líquen. Nós éramos ótimos na hora de fazer passeatinhas, trancar ruas e mobilizar multidões em nome de um ideal. Hoje, nem isso sabemos fazer mais. Estamos muito bem nessa nova vida, sem pudores ou ideologias para nos preocupar. O negócio é encontrarmos algum idiota fora dos muros do castelo pra executar essa tarefa.
- Mas quem? Quem toparia uma tarefa ingrata dessas? Na lista de seguidores do grande clã, já não há mais ninguém tão estúpido para aceitar a missão. Os que continuam nos seguindo só o fazem visando um carguinho ou comissão no fim do túnel.
- Nós podemos tentar cooptar alguém de Oposição! Pelo menos blindagem eles faziam bem, temos de admitir.
- Oposição?! Mas e nossos discursos e nossa ideologia onde ficariam?! – revolta-se a matriarca, abanando-se com as saias.
- Ficam onde estão há anos, no lixo! Deixa de hipocrisia companheira! – rosna Líquen. – Até que não é má idéia. Já que Oposição nos roubou Basco, o raivoso, podemos devolver na mesma moeda. Mas quem poderíamos tentar encantar ou subornar com promessas de poder e riquezas?
- Precisamos pesquisar. Eu gosto daquele menino meiguinho, estilo paz e amor da Câmara de Vendilhões... pode combinar com a imagem que queremos vender. – opina o membro da Irmandade do fogo.
- Vamos nos mexer e começar já nossa busca. Continuaremos tentando achar algum tolo dentro de nosso próprio quadro ao mesmo tempo em que vasculharemos os porões de Oposição. – ordena Líquen, o estrategista.
- E se mesmo assim não encontrarmos ninguém?
- Aí iremos ao Zoológico. Lá sempre tem um macaco Tião ou alguma anta pronta pra colar em Poliana.

domingo, 4 de dezembro de 2011

As Imprecisões da Oligofrênica Rainha


Os insuperáveis bobos da corte discutiam contrafeitos os últimos desagradáveis acontecimentos do reino, quando uma esfuziante Poliana adentra na recinto. O humor da rainha contrastava com as caras fechadas e pensativas de seus assessores e pajens. Poliana rodopiava e saltitava pela sala. Ria, o riso solto e puro das crianças em noite de Natal. Cantarolava baixinho uma alegre, mas pouco conhecida marchinha de seus tempos de fantasias carnavalescas, com muita pompa e purpurina: Eu digo Sim! Eu digo Sim! Até o fim! Mesmo afundando na lama, eu abro a boca e digo sim pra Poliana!Eu digo sim pra desordem! Eu digo sim pra imprecisão! Quando a saúde agoniza, eu me escondo e digo é que assim! Os bobos se olhavam desconfiados, sem entender o motivo de tanto contentamento da rainha quando o momento do reinado era, como de costume, de mais uma sucessão de trapalhadas e fiascos. Sem conseguir conter a curiosidade a presidente do SindiPelego pergunta a rainha:
- Qual o motivo de tanta alegria nessa manha tão fria, alteza?
- Eu tenho que estar rubra de contentamento meus bobos, pois mais uma vez provei que como sempre tinha razão. Só os tolos e aqueles com certo grau de senso crítico é que não são capazes de perceber que eu sempre, tenho razão. Mesmo quando me equivoco. – responde Poliana com o delicado nariz empinadinho de soberba.
- E o que foi, magnânima rainha, que a senhora com tanta precisão e certeza acertou dessa vez? - questiona, ocultando a desconfiança, um puxa sacos de confiança da Irmandade do Fogo.
- Que as tais pesquisas de popularidade estavam redondamente erradas é claro! Eu disse que era tudo um complô armado para me desmoralizar. Colocar um bando de amadores para julgar a popularidade da translumbrante Poliana, era visto que não conseguiriam enxergar as coisas direito. Ficaram cegos, os tais pesquisadores, com o brilho estonteante de minha reluzente pessoa. Agora toda a armação esta sendo desmentida e minha honra será finalmente lavada! – regozija-se a rainha inflada de orgulho.
Líquen, um pouco preocupado com o excesso de auto-estima da eternamente egocêntrica rainha, resolve intrometer-se nos delírios reais:
- E o que foi que levou você, Poliana, a chegar a mais uma dessas estupendas e ponderadas conclusões, dignas das mentes brilhantes dos membros mais ortodoxos e bitolados de nosso clã?
- Os fatos, meu caro e amorfo Líquen! Você não tem acompanhado os últimos fatos do reino companheiro? Será que você anda tão alinhado com mensaleiros e ongueiros que esqueceu do nosso reinado? Cuidado para não alinhar demais nossas cuecas com as cuecas lá de cima, hein! Vai que ao invés de emenda tudo acabe em remendos. – satiriza a rainha, cuspindo no cocho onde costuma se lambuzar.
- Você poderia explicar melhor esses tais fatos alteza? – contemporiza um membro da FarsaSindical, também familiarizado e alinhado com propinas e descaramentos.
- Vocês meus alienados bobos, não enxergam um palmo na frente do nariz! Não sabem interpretar uma situação. Vocês não viram as inegáveis evidências da popularidade da rainha mostradas em todos os meios de comunicação nesses dias? Será que vocês são cegos! – ergue-se altiva a soberana absoluta do reino e com a arrogância própria dos donos da verdade prossegue seu discurso: - Até Imprensa Livre teve de se ajoelhar aos meus pés pedindo clemência. Está em todos os jornais. As fotos e manchetes não mentem, como aquelas pesquisas amadoras e pré-fabricadas. O povo se acotovelava e se empurrava. Milhares deles. Pessoas pulavam muros. Até a polícia precisou ser chamada. Toda essa gente disposta a enfrentar qualquer obstáculo e imprecisão, apenas para ter o privilégio de servir a magnífica Poliana! Isso sim é popularidade! Nunca antes na história desse reino algo assim foi visto!
- Hah, não... - murmura o grupo desanimando.
- Hah, sim! Sim! E tem mais. Muito mais! Recebi em apenas três dias centenas, talvez milhares de cartas. Todas endereçadas a rainha. Não comecei a ler, mas obviamente são manifestações de apreço e admiração a melhor rainha que esse até então desconhecido reino já teve.
- Cartas, rainha? Posso ver uma delas? – pede Líquen já antevendo a desgraça.
-É claro, meu caro Líquen. Pode pegar qualquer uma daquela imensa pilha. – aponta Poliana enquanto rodopia eufórica pela sala.
Líquen lia, com o costumeiro rosto sombrio, algumas das inúmeras cartas que estavam sobre a mesa. Enquanto isso, os demais bobos e pajens aguardavam o parecer em expectativa. Com cara de quem esperava um carguinho e ganhou um tapinha nas costas, o companheiro Líquen anuncia ao grupo:
- As tais cartas, nada mais são do que os milhares de recursos dos candidatos da seleção para servos reais, reclamando de imprecisões e irregularidades nas provas. Não tem nenhum elogio, mas tem cada palavrão...
Alheia a tudo, como sempre, Poliana se admirava no espelho, cantarolando sua musiquinha preferida: Eu digo sim! Eu digo sim, pra Poliana e seu reinado!