sábado, 28 de dezembro de 2013

Onde falta discernimento, abundam os vendilhões


Como não podia deixar de ser, a turma de Poliana não conseguira virar o ano sem mais um último puxão de orelhas de Justiça. Que ao menos seja o último, esperam os súditos um tanto céticos. A velha mentecapta, perseguidora cruel de Poliana e sua corte, não respeitava nem o período de festividades. Para quem não enxerga, escuta ou fala, era bem assanhadinha essa fulana. Será que não tirava férias a megera? - se questionavam os revoltados aliados da rainha na Câmara de Vendilhões.
Uma pena ver uma estratégia tão inteligente e refinada ruir bem mais rápido que o tempo que levara para ser planejada. Um ano inteiro de meticuloso planejamento e articulação. Os vendilhões de Poliana ainda não conseguiam entender os incoerentes e absurdos argumentos de Oposição, aceitos e confirmados por Justiça. Desde quando assumir o trono no impedimento da rainha podia ser visto como atribuição do vendilhão maior da pequena Câmara? Coisa mais sem cabimento ou lógica. No entendimento unânime do grupo dos treze, aos vendilhões cabiam dar nome à ruas e votar favoravelmente aos projetos da rainha. Apenas isso. Talvez devessem aprofundar mais os conhecimentos de suas atribuições para não fazerem papel de idiotas novamente. Sorte de todos, de o povo que deveriam representar saber ainda menos do assunto. Azar do grupo que a nanica Oposição, além de ter boa memória, tenha feito o dever de casa. Uma verdadeira surpresa aos aliados que Justiça entendesse de leis. Quem sabe devessem contratar Justiça para umas aulinhas de reforço nas férias de verão. Dessa forma, poderiam evitar mais uma ridícula exposição pública de ignorância daqueles que deveriam legislar e representar, ao invés de unicamente vender apoio em troca de poder e carguinhos. Ou quem sabe pudessem, os dignos representantes eleitos pelo povo, usar o cérebro e o bom senso, vez que outra, mesmo contrariando os interesses reais, apenas para postergar a inevitável atrofia por desuso. A servidão dos tolos é o espelho dos medíocres.

domingo, 22 de dezembro de 2013

As Reflexões Natalinas de Poliana



Natal. Tempo de reflexões. Até para Poliana, a rainha da ilusão de ótica e pouca afeita a questionamentos que pudessem levar a constatações desagradáveis para ela e sua corte. Mas esse ano, como nunca antes, sua alteza precisava agradecer ao Bom Velhinho. Ao velho Noel e a esclerosada Justiça que, mais que o idoso barrigudo, demonstrara conveniente disposição para empurrar com a barriga os pequenos deslizes de uma rainha com mais prepotência do que cérebro. Poliana amadurecera muito nesse ano. As semanas passadas na clausura de sua torre, determinadas por uma Justiça intransigente e excessivamente zelosa com essas bobagens de infrações e legalidades, fizeram a monarca enxergar o que sua redoma cor de rosa lhe ofuscara por quatro anos: o populismo garante a quase eterna permanência no poder, mas uma Justiça ultrajada pode colocar tudo a perder. Convinha a Poliana um pouco de trato com a coisa pública e o mínimo de discrição nos seus contumazes desvios éticos.
E Poliana conseguira. Nesse ano, seus adoráveis bobos aprenderam a lição. Já não se jogavam nos recursos públicos como porcos em lavagem. Estavam mais comedidos. Um pouquinho por vez, e em pequenas porções, era o que ensinavam os nutricionistas e as velhas raposas e eternas sanguessugas do poder, aliadas de Poliana e de seu clã. Nada tão transparente ou abusivo que pudesse render manchetes de jornais e despertar a velha e caquética Justiça. Seguindo essa receita, seu reinado passara um ano inteiro sem sequer um grande escândalo da rainha e sua corte. Palmas a Poliana! Nada como ter a cabeça permanentemente na guilhotina, a mercê dos frágeis e intempestivos humores da famigerada Justiça, para que a doce e temperamental monarca colocasse um pouco de freio em sua ânsia por dinheiro fácil.
Essa nova postura de sua majestade trazia certa melancolia à Poliana. Nesse ano, seu pé de meia não seria tão recheado como nos natais anteriores, suspira a rainha. Se tivesse de continuar nesse ritmo de prudência e moderação, acabaria por ter de sobreviver com o irrisório salário de monarca. Um verdadeiro despautério, indigna-se sua alteza. Sorte de Poliana ainda ser sócia majoritária da Laranja Empreendimentos, e de sua OP - Organizações Poliana - continuar se expandindo com a mesma ligeireza de outros tempos. Este ano, além dos conhecidos ramos de panifícios e prazer e entretenimentos, aplicara em grandes e longínquos latifúndios pantaneiros. Só esperava que seus companheiros do MSTT (Movimento só Tramoia e Trago), não resolvessem ocupar a área e prejudicar suas jogadas.  Nada como ter bom faro para aplicação de dinheiro fácil em negócios limpos. Pelo menos, nesse ponto, seus adoráveis súditos podiam ter a certeza de que o suado dinheiro dos contribuintes estava rendendo bons investimentos. Para Poliana e seus sócios, ao menos. “E tem neoliberal que acredita que recursos públicos nunca são bem administrados!” – pensa a renovada Poliana, rainha da transparência e da ética, pendurando as meias natalinas na árvore.

domingo, 15 de dezembro de 2013

O arrependimento de Golesminha

Em meio à confusão de badulaques trazidos por Poliana de sua recente expedição internacional, o seleto grupo de companheiros se reunia para ouvir os relatos de Golesminha sobre seu tour na China.
- Volto da China renovado, companheirada. Fiquei realmente impressionado com tudo o que vi naquele país. Como são evoluídos os Chineses, muito a frente de nós. Precisaremos nos esforçar para conseguir alcançá-los um dia.
- É mesmo, Golesma? Eu sempre fui cética em relação a China. Acreditava que todo o poderio econômico era mais uma falácia socialista. – surpreende-se a rainha.
- Que nada, Poliana! É impressionante a capacidade produtiva daquele povo. Eles são incansáveis. Chegam a trabalhar 12 horas por dia e nem reclamam hora extra!
- Nossa! Quanta dedicação! Nós aqui nos dedicamos ao governo fazendo turno único no verão. E lá eles fazem tudo isso em nome do socialismo Chinês? – pergunta a monarca.
- Na verdade, Poliana, a China avançou muito em seu regime socialista. O que eles têm hoje é quase um socialismo neoliberal.
- E o que diabos é isso, companheiro Golesminha? – questiona um membro do clã.
- É um modelo perfeito para implantarmos aqui companheiros!
- E como é que funciona?
- É um sistema que se baseia fortemente na economia de mercado, no lucro e no incentivo ao consumo.
- Mas isso não é capitalismo? – pergunta a rainha, confusa.
- Sim. Mas lá eles não têm esse monte de leis trabalhistas, encargos e direitos sociais que esse nosso capitalismo selvagem impõe.
- Ah, tá. Então é socialismo mesmo. – concorda Poliana.
- É. Mas pelo que conversei com os camaradas do governo, os imperialistas já estão se infiltrando no país e tentam desestabilizar o regime.
- Coisa da CIA, aposto! Devem estar monitorando as conversas da internet, os porcos! - indigna-se um membro mais ortodoxo do clã.
- Na verdade não. Quem controla e monitora os acessos na internet por lá é o próprio governo Chinês. São mais de dois milhões de funcionários 24 horas na vigilância cibernética, deletando qualquer difamação contra o Estado que possa surgir nessas horrorosas redes sociais.
- Espetacular! Já pensaram quando conseguirmos implantar essa vigilância por aqui? Quantos carguinhos para distribuir pra companheirada! – entusiasma-se outro.
- Mas continue Golesminha, como é que os imperialistas estão boicotando esse ideal de produção socialista? – interessa-se sua alteza.
- Instigando o povo mais alienado e ignorante a fazer greve e protestos pedindo melhores condições de trabalho e aplicação de leis trabalhistas.
- Que absurdo! – revolta-se o grupo em coro.
- E como é que o povo se presta para um papelão desses? – indaga o membro do SindiPelego.
- Sabe como é, né companheiro, numa população daquele tamanho sempre vai ter quem se preste a ser massa de manobra. E por conta dessa gentinha desocupada, que não tolera ver o socialismo crescer, o governo se obrigou a fazer algumas concessões. Amentou de 90 para 98 dias a licença maternidade, por exemplo.
- Tudo isso! Que horror! O que essa mulherada vai ficar fazendo tanto tempo em casa?! Deve ser por isso que tem reduzido a quantidade de quinquilharias nas lojas de 1.99 daqui. Deviam pôr todas no olho da rua, isso sim. – irrita-se uma militante dos movimentos sociais.
- Mas para compensar, os bebês com 99 dias já podem começar a trabalhar. São usados para testar as chupetas e brinquedinhos, garantindo que nenhuma criança ocidental possa se engasgar com alguma pequena peça mal colocada.
- Que meiguinho! – exclama Poliana. – Pelo visto, companheiro Golesminha, você voltou realmente maravilhado com o regime Chinês.
- Maravilhado e arrependido, alteza. Pense que nós já poderíamos ter implantado um sistema idêntico aqui nos últimos anos, se eu não tivesse perdido tanto tempo com aquelas baboseiras de movimentos sindicais. Agora vai dar um trabalhão danado para desfazer a asneira. – lastima Golesminha, sacudindo a franjinha em desgosto. – E a sua viagem à Itália, Poliana, como foi? O sistema inovador de construção de casas é mesmo bom? – pergunta.
- Perfeito! O negócio já está fechado. Os italianos estão de malas prontas rumo ao nosso reino. Eu trouxe até umas amostras do produto para exibir a vocês. – empolga-se Poliana retirando uma caixa da bolsa. – As peças são leves e se encaixam perfeitamente. – explana a rainha espalhando o material no chão. - Tem um nome cumprido em Italiano, madin... qualquer coisa. Tá escrito aí na caixa. São isolantes térmicas, os italianos me afirmaram. Leves e fáceis de montar. Economizaremos em mão de obra, até uma criança é capaz de erguer uma casa com um material dessa qualidade. Não precisa de argamassa ou cimento. Não é uma beleza? – pergunta Poliana para o silencioso grupo.
- Mas rainha... isso são legos! – anuncia um dos bobos, a constatação já feita pelos demais.
- Que legos nada, seu estúpido! São os novos tijolos elaborados pelos italianos. Tem o nome do produto aí em baixo da caixa. Leia o que diz. Acho que é em latim.
- Aqui diz: made in China.
Após alguns minutos de reflexão, a sempre altiva e inabalável Poliana, dirige-se novamente ao grupo. – Melhor ainda! Mais uma grande inciativa de meu reinado. Poderemos anunciar em toda a mídia nossa preocupação com a segurança. Temos a garantia de que nenhuma criança se engasgará com algum pedaço das novas e inovadoras moradias populares. Afinal nosso produto passou pelo rigoroso teste de qualidade chinês! – sentencia Poliana, voltando a montar seu novo brinquedinho, sem perder a pose jamais.


domingo, 8 de dezembro de 2013

As expedições internacionais da ilustre comitiva real

Com Poliana ausente do reino em viagem internacional, os bobos gastavam os seus, agora reduzidos horários de trabalho, em produtivas rodadas de carteado. Entre uma jogada e outra, discutiam a missão internacional da monarca e de Golesminha.
- O que a rainha foi fazer mesmo na Europa? – questiona um companheiro da Câmara de Vendilhões, mais atento às jogadas e jogatinas, do que as ações de seu reinado e os interesses dos súditos.
- Poliana foi ver in loco a atuação de uma empresa que desenvolveu uma tecnologia diferenciada e inovadora que permitirá a construção de moradias populares de qualidade e baixos custos. Com isso, nossa rainha pretende alavancar ainda mais nosso programa de casas populares e atender ao sonho de moradias próprias de nosso povo.  – responde prontamente o bobo do marketing, enquanto jogava Candy Crush Saga no facebook.
- Esse aí, incorporou tanto o papel de marqueteiro oficial que até fala como se estivesse dando manchete de jornal. – cochicha um companheiro para os outros do grupo, provocando risinhos dissimulados.
- E quem é o engenheiro que foi acompanhar sua alteza? – questiona um dos pajens.
- Engenheiro? Nenhum. Já foram junto com a rainha dois bobos da corte. Ia ser muito recurso público desperdiçado ter de levar um engenheiro também. Imprensa Livre ia falar mal de nós. – responde outro bobo, mais bem informado.
- Mas Poliana não entende nada de obras, a não ser de inaugurações e aquelas visitas tolas com capacete e pose de operária para sair nas fotos das propagandas oficiais. E os dois bobos que estão com ela são tão topeiras quanto nós em matéria de construção civil. Ou seja, são três ignorantes avaliando questões extremamente técnicas. Os tais estrangeiros podem até mostrar casas feitas de legos que eles não vão saber a diferença. – constata um companheiro.
- Não corremos esse risco. Pedimos a um dos nossos engenheiros de carreira que desse umas aulinhas básicas para a rainha e seus acompanhantes. Ele mostrou a eles a diferença entre um tijolo e uma peça de lego, e entre cimento e massinha de modelar. Se a massinha de modelar não for cinza, Poliana com certeza saberá diferenciar. Nossos contribuintes poderão ficar tranquilos de que estão sendo muito bem representados no exterior e que todo o dinheiro público investido na viagem está sendo coerentemente aplicado. – reponde o marqueteiro oficial sem tirar os olhos de seu iPhone.
- Tomara. Por via das dúvidas vou construir minha nova casa nos moldes tradicionais. – resolve um dos pajens.
- E eles vão ficar tantos dias só pra ver tijolo?
- A comitiva real também estará aprofundando seus conhecimentos e trocando experiência quanto a uma nova proposta de transformação de lixo em energia. Mais um projeto ousado e grandioso que demonstra a preocupação da rainha com a questão ambiental. – relata novamente o bobo do marketing, com voz e jeito de anunciante das casas Bahia.
- Deviam procurar um projeto que transformasse lixo em asfalto, isso sim. Se nós levamos tantos anos e mal começamos a transformar buracos em asfalto decente, calculem quantas décadas levaremos para fazer lixo virar energia? Logo nós, que não temos energia nem para trabalhar. – constata um dos presentes, pegando mais uma carta do baralho.
- Pode ser, mas rende manchetes ecologicamente corretas. – acrescenta o bobo do marketing.
- E o Golesminha foi fazer o que na China? Lutar por melhorias nas condições de trabalho do proletariado do país e por garantias de direitos trabalhistas àqueles trabalhadores? – pergunta outro jogador.
- Que nada! Isso é coisa do passado para o companheiro e ex-sindicalista Golesminha, e para nós. Ele foi tentar estreitar relações com os empresários Chineses, para que possamos ter também nossa parcela de lucros e benefícios com a exploração da mão de obra Chinesa. – responde um representante da FarsaSindical.
- Nada como um dia depois do outro, ou um carguinho melhor que o último, não é mesmo? – pergunta, irônico, um companheiro de clã.
- Nada como uma trinca de Ases, isso sim. Bati! – grita outro eufórico.
- Que droga! Me desconcentrei com toda essa conversa inútil e perdi a jogada! – reclama o bobo responsável pela gerência administrativa do reino. – Mas já está mesmo na hora de ir para casa descansar. São quase 14 horas! Como o tempo passa voando quando estamos ocupados, não é mesmo? Ainda bem que no verão, os dias são mais longos, mas nossas jornadas de trabalho são mais curtas. Coitado do Golesminha! Se nessa viagem ele precisar acompanhar a jornada de trabalho dos Chineses, vai voltar exausto. Justo ele, que por anos surfou no sindicalismo para fugir do trabalho! Vai chegar aqui já pedindo férias. Vamos embora companheirada. O último a sair desligue o ar condicionado. Não se esqueçam que a economia e o bom uso dos recursos públicos é a principal preocupação de nossa adorada rainha, Poliana.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Gestão de futilidades

Na reunião semanal da rainha com sua corte, faltava espaço para tantos bobos e pajens. Para contentamento e escárnio dos serviçais de carreira, nessas horas até o alto clero participava das tradicionais danças das cadeiras que assolava a vala dos comuns (aqueles que não eram contemplados com carguinhos ou as benevolentes mãos protetoras e coniventes da companheirada). Por falta de cadeiras no recinto para acomodar tanta chefia, os coitados se revezavam em escala de treze minutos. Treze sentados, treze de pé. E todos torciam para a reunião não se alongar demais.
- Quero dizer a vocês todos, meus adoráveis bobos, que estou muito satisfeita com os novos projetos apresentados por vocês nesses últimos dias. Parabéns! – elogia Poliana para seu enorme séquito de prestativos vassalos.
- Muito obrigada alteza! Nós nos sentimos todos honrados em poder servi-la e agradá-la sempre. – agradece um companheiro emocionado e bajulador.
- Gostei particularmente desse novo modelo de vias públicas instaladas no centro no reino. Não acredito que tenha outro projeto semelhante no resto do mundo. Na viagem que farei a Europa nos próximos dias ficarei atenta a isso. Se for mesmo inovador, precisaremos patentear e divulgar! – entusiasma-se Poliana.
- De que projeto você esta falando, rainha? – questiona o bobo do tráfego.
- Das vias elevadas, é claro! – esclarece Poliana, radiante.
- Ah, as vias elevadas... – comenta o bobo completamente confuso, sem saber do que falava a monarca.
- Consegui escapulir de minha redoma ontem e fui caminhar na avenida. Pude perceber que em alguns pontos o asfalto quase ultrapassa a calçada. Imagino que a intenção seja dar maior visibilidade ao automóvel.
- Claro, alteza! É justamente isso! – improvisa o outro.
- Me emocionou principalmente a óbvia preocupação de vocês com os cadeirantes, que nesse novo modelo, nem precisarão de rampas!
- Isso mesmo, Poliana. Levamos meses desenvolvendo esse minucioso projeto de inclusão e acessibilidade. – ajuda a enrolar o bobo das obras.
- E em dias de chuva, nossos motoristas poderão circular até nas calçadas, de Jet Ski, o que auxiliará bastante na fluidez do trânsito, não é mesmo?
- Com toda certeza, rainha. Já estamos elaborando uma proposta de incentivo ao uso de Jet Skis no reino. É uma tendência moderna onde o trânsito flui melhor através do empoçamento das águas.
- Que bela iniciativa! A única coisa que me preocupou foram as nossas magníficas travessias elevadas para os pedestres. Em alguns pontos, pelo que vi, teremos de elevá-las tanto que talvez seja necessária a instalação de elevadores de acesso.
- Brilhante ideia magnânima! Travessias de pedestres com elevadores de acesso, com toda certeza é inovador e digno de muito marketing. – deslumbra-se o bobo da mídia e pirotecnia patrocinada pelo dinheiro público.
- Agora, teve um projeto apresentado por vocês essa semana que realmente me encheu de orgulho! É de iniciativas assim que o reino precisa. Gente como nós, capazes de estabelecer prioridades! Não podemos no ater as mesmices insignificantes de sempre: falta de leitos, de exames, de tratamentos, de creches e de esgoto. Precisamos saber captar do que realmente nosso povo precisa e anseia. E nós conseguimos ter a sensibilidade para ouvir o que nunca foi dito e tomar uma atitude. – discursa Poliana, gesticulando e esganiçando a voz, como nos palanques.
- A qual das dezenas de programas ridículos que eu postei no facebook esta semana, você está se referindo, Poliana? – pergunta o, ainda um pouco questionador, bobo do marketing.
- O que vai dar nome as ruas do cemitério, é claro! Uma necessidade urgente e básica, como remédios e saneamento, e que vai custar tão baratinho. Menos que os trezentos e tantos mil que prevíamos. Uma bagatela, para uma medida tão emergente e prioritária. Sorte nossa que existem empresas de fora do reino habilitadas para um serviço tão complexo, não é mesmo?
- Sorte mesmo. – concordam todos.
- Será que a tal empresa vai levar muito tempo para nomear todas as ruas do cemitério, rainha? – pergunta o marqueteiro.
- Oficialmente, um seis meses. Na prática, acho que terminam em uma tarde. Por quê? – indaga a monarca.
- É que nos próximos meses devemos estar distribuindo os nossos tradicionais informativos dos grandes feitos de nosso reinado, volumosos e recheados de meias verdades e coloridas mentiras. E se os endereços no cemitério já estiverem concluídos, pensei em aumentar as tiragens e enviar um para cada morador do local. – responde o marqueteiro oficial.
- Brilhante ideia, meu jovem e sábio bobo! Nossos informativos só servem para jogar recurso público na latrina e ajudar nossos companheiros de clã. Ninguém lê aquelas porcarias mesmo. Aumente as tiragens e mande um para cada túmulo. Com mais um de nossos magníficos e úteis projetos, os carteiros não terão como se perder nas entregas. E os serviços públicos de saúde devem ser informados dos novos endereços, para mandarem aquelas cartinhas tolas que estão me causando dores de cabeça e ameaças de auditoria. Os mortos, ao menos, não podem mais se queixar de superfaturamentos ou da ausência de políticas públicas de saúde. Sorte nossa, não é mesmo? – acrescenta Poliana, soberana inquestionável das prioridades fúteis e gestora acomodada de problemas emergentes.