quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Golesminha: de colador a pregador


A torre da rainha deposta mais parecia um comitê de partido, tamanho o número de companheiros e militantes que confabulavam na sala. Nem na clausura, Poliana podia usufruir um pouco do sossego que o retiro forçado parecia prometer. Quem pensava que a antiga soberana aposentaria assim as sapatilhas, errara redondamente. Quem fora rainha jamais perderia o gosto e o jeito para o mando e o desmando.
- Estamos preocupados com a rejeição do Golesminha. O passado terrorista grudou no homem como cola. Nem querosene tira. – relata o marqueteiro ansioso.
- Que coisa, né? Vocês estavam mal acostumados, isso sim. Tinham a mim, com meu passado cor de rosa e uma jornada triunfal e resplandecente. Agora tem que engolir o Golesminha que já se sujou antes mesmo de chegar no cocho. Bem feito pra vocês seus xiitas! – delicia-se Poliana com o drama de seus companheiros de clã.
- Não se esqueça Poliana, que se não fosse por seu reinado cheio de buracos e enroscos com Justiça, nós não estaríamos nessa situação. Se você não tivesse a péssima mania de colar suas fotos em qualquer panfletinho e jornaleco, não teria sido deposta e nada disso seria necessário. – lembra Líquen, eterno assessor para debates e momentos de crise.
- Propaganda enganosa e marketing estapafúrdio foi o que movimentou nosso reinado de oportunismo durante todos esses anos. Não fosse por isso não teríamos nos mantido no poder por tanto tempo. Tudo que fiz, fiz por nosso clã. Não lembro de nenhum de vocês, os xiitas, reclamarem quando o dinheiro público gasto em propaganda fajuta retornava ao FARC (Fundo de Amparo e Restituição da Companheirada) – defende-se, ultrajada, a antiga monarca. – Todos vocês deram um jeitinho de meter a mão e se lambuzar na minha sujeira, não é?
- Chega! Não é hora de discutirmos quem se locupletou mais com a coisa pública. – intervém Líquen - Precisamos garantir que nossa locupletação coletiva e inclusiva não pare por aqui. Ainda há muito a se explorar nesse reino tão rico, isso acho que é ponto pacífico, não é?
- Claro! De acordo companheiro! – respondem em uníssono o pessoal do SindiPelego.
- Outro povo tão compreensivo e caridoso vai ser difícil de encontrar. Temos de nos agarrar a ele com unhas, dentes e bandeiras! – instiga o representante do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), mobilizando o grupo.
- Se precisar usamos foices! – exalta-se o quase sempre sonolento membro do MSTT (Movimento Só Tramoia e Trago)
- Assim não vai dar certo, Líquen! – rebela-se Poliana, com sua eterna pose de socialite socialista que sempre desagradara a ala mais ortodoxa do clã – Quem convidou essa gente? - cochicha - Como é que vocês querem criar uma imagem de Golesminha “tradição, família e propriedade”, se atrás dele andam esses barbudos desgrenhados que parecem ter saído direto da gerrilha do Araguaia?
- Mas eles são a fina flor do movimento socialista, Poliana? Eles e o Golesminha se criaram juntos. Colavam fechaduras juntos nas ruas desse reino. Queimavam pneus, trancavam estradas, colocavam porcos em agências bancárias...
- Ah, tá bom. – enerva-se Poliana, revirando os olhinhos de biscuit – Também xingavam o Paulo Salim e gritavam fora Collor! Eu lembro bem. Parece que foi ontem. Pelo visto só a barba continua a mesma, o resto se perdeu na mesma vala ou valerioduto.
- O Golesminha é uma estrela de raiz. Precisamos respeitar sua história no nosso clã. – continua Líquen.
- O nosso clã há muito tempo cuspiu em sua história e só cria raiz no solo fértil do poder. Para continuarmos com nossas raízes no trono, as mãos na chave do cofre e as meias repletas de propinas, precisamos fazer o Golesminha deslanchar. E ninguém deslancha com essa cara de Trotskista arrependido que vocês inventaram pra ele. Tem que melhorar esse marketing. – sentencia Poliana
- E o que você sugere, gloriosa Poliana? – pergunta o marqueteiro oficial à popular, e muito boa de voto, rainha deposta.
- Uma reformulação completa. Começando pelas más companhias. Nada de barba, foice ou essas camisetas encardidas e horrorosas. Nem camiseta do Woodstock! Nossos súditos são muito conservadores. Temos de cativá-los, não espantá-los. E podem começar diminuindo o número de estrelas nos impressos. Coloquem só uma, bem pequeninha lá no cantinho.
- Mas a estrela, Poliana?! É nossa marca! – indigna-se uma fundadora do clã.
- Poliana tem razão. Precisamos nos desgrudar um pouco da estrela. Estrela lembra a constelação de escândalos que andamos colecionando nos últimos tempos e todas as pichações que o Golesminha fazia no passado. O povo daqui é muito reacionário, não está preparado para esse nosso novo paradigma de governo inclusivo e...
- Pode parar! – interrompe rapidamente Poliana - Isso é outra coisa que tem que mudar. Esse vocabulário enjoativo. Ninguém aguenta essa ladainha de vocês. Vocês podem vir vestidos de Barbie, mas é só começar com esse papo de inclusão, inclusivo, participativo que já acende uma estrela bem no meio da testa. Tentem falar como pessoas normais, pelo menos nos próximos 30 dias. Outra coisa são as cores. Nada de vermelho! Usem azul, rosa, pêssego. O pistache tá super na moda. Vermelho só nos pequenos detalhes.
- O que mais? – indaga o marqueteiro anotando cada dica da articuladora Poliana.
- O pior é o que fazer com o desarranjado Golesminha. Isso sim, vai ser um suplício! Temos de dar um banho de loja nele. E tratem de fazer com que aqueles fiapos de franja fiquem sempre arrumados para trás. Usem Super Bonder se precisar. – acrescenta a antiga rainha, não perdendo a oportunidade de fazer piada - Nada de bermudas e chinelo de dedos. Só terno escuro e camisa branca.
- Mas ele não vai parecer muito das elites dominantes.. Ops! Desculpe, vou corrigir o vocabulário. Quero dizer, ele não vai parecer muito longe do povão?
- Pelo contrário, ele vai arrebanhar multidões. Vamos forrar de preto aquele livro surrado que ele sempre carrega embaixo do braço, O Capital. Vai parecer uma Bíblia. De hoje em diante sepultaremos o terrorista arruaceiro Golesma Bonder e nascerá o pastor Golesminha paz e amor.
- Nossa, parece perfeito. Você é mesmo majestosa Poliana! – elogia entusiasmado o marqueteiro, batendo palminhas de contentamento. – Já vou providenciar tudinho.
- Muito obrigada Poliana por sua contribuição. Espero que funcione. – agradece o companheiro Líquen, ainda preocupado.
- Se não funcionar, meu caro Líquen, só nos restará uma saída. – responde Poliana, lixando pacientemente suas delicadas unhas.
- Que saída, magnânima? – pergunta o outro curioso
- Trocar o Golesminha, é claro!
- Trocar?! Mas trocar por quem?!
- Por um repolho! É a única opção. É oriundo da agricultura familiar, que sempre causa boa impressão. Cai bem com quase tudo. Poucas pessoas tem algo realmente muito grave contra um simples repolho. Salvo uma certa flatulência. E é praticamente impossível que exista algum repolho xiita, Leninista ou mesmo Guevarista nos quadros de nosso clã! - afirma Poliana e após alguns segundos, estranhando o silêncio de Líquen, ergue-se alarmada e pergunta: - Nós temos?!
- Na verdade, temos sim. Dois repolhos e três berinjelas. - informa Líquen desanimado.
- Essa não! Pelo visto vamos ter que seguir o caminho da roça, isso sim! Que mundo ingrato meu Deus! Até quando vou ter de pagar por algumas poucas, mas decisivas, decisões estúpidas na vida. – lamuria-se a chorosa Poliana, com bem menos estrelas nos olhos do que no glorioso inicio de sua jornada. 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Grandes alianças, novos desafios


A conhecida dupla causava alvoroço por todas as ruas onde passava. Não havia gente nesse reino que não conhecesse as duas figuras que caminhavam lado a lado. Ambos haviam sido estrelas desse reino distante. Cada qual com sua grandeza e suas incorreções. Hoje se juntavam para eclipsar outra estrela. Um objetivo comum unia esses antigos rivais.
- Quem diria, hein Zangão? Nós dois andando assim, do mesmo lado. – comenta Chucrute entre um aceno e outro para as pessoas no alto das casas.
- É. O mundo dá voltas. – concorda Zangão, o sisudo, econômico até nas palavras.
- Trezentos e sessenta e cinco dias e seis horas, um ano, é o tempo que a Terra leva para dar a volta em torno do sol. E um dia para concluir uma volta em torno do próprio eixo. – explica de forma calma e arrastada, o alemão - Você sabia disso, não é?
- Ouvi dizer. – responde o outro, conciso como sempre.
- Então vejamos. Eu fui rei por quatro anos, daí você me tirou a coroa. Você reinou por oito anos e então veio Poliana. Lá se foram quatro anos. São dezesseis voltas em torno do sol, e em torno de si devem ter sido...
- Em resumo. – interrompe Zangão impaciente – É como eu disse. O mundo dá voltas.
- E se continuar no rumo que está, vai virar de cabeça para baixo. – acrescenta Chucrute um tanto divertido com a cara fechada do novo companheiro de andanças.
- Pelo visto, já virou. - afirma o homem mais velho enquanto cumprimentava um grupo de comerciantes. - Vê se tem cabimento todos esses banners e outdoors espalhados pelo reino. Quanta mentira colorida! Enquanto isso o antigo castelo está caindo aos pedaços. Deve ser o que se chama hoje em dia de tombamento. Deixar tombar de vez.
- É o conceito novo que a turma de Poliana implantou no reino: a realidade virtual. Tudo é virtualmente perfeito e maravilhoso nas propagandas pagas com recursos públicos. - esclarece Chucrute dobrando mais uma esquina - Você alguma vez chegou a imaginar que nós dois estaríamos juntos um dia? - pergunta o ariano, sempre questionador.
- Nem nos meus pesadelos. – responde o sisudo, nem um pouco diplomático. – Mas agora é hora de pensar no futuro do reino. Não podemos deixar que o lugar onde criamos nossas raízes acabe, isso sim, em um verdadeiro pesadelo.
- É assim que se fala! Essa não é só nossa meta conjunta, é nossa obrigação. Por ela esquecemos até nossas implicâncias. Não podemos deixar que Poliana e seu clã transformem nosso lar em reduto de ratos e larápios. O futuro dessa terra e de seus filhos depende de nossa aliança – afirma o ariano convicto, abanando para os transeuntes.
- Temos de defender o dinheiro suado dos contribuintes. Olha só quanto buraco! Onde é que essa gente enfia nosso dinheiro, meu Deus?! Devem gastar tudo em propaganda e marketing. Que enorme desperdício de dinheiro! – revolta-se Zangão, com sua eterna e conhecida preocupação com as finanças.
- Olá dona Filomena! Que saudade! – Chucrute dirige-se a uma idosa beijando-a calorosamente na face. - E o velho Astrogildo, como está. Melhor do reumatismo?
- Vai se levando seu Chucrute. O véio tá deitado, tá com dor nas junta e farta remédio nos postinho. Mas que sastifação ver o senhor aqui! E o senhor seu Zangão! Vamo chegando. – convida a senhora, hospitaleira.
- Hoje não dá, dona Filó. Mas me fala da sua cunhada Oldearina e do filho da prima da vizinha dela, o Clodoaldo, como estão todos. E a cachorrada! Pelo visto a Rapunzel tá prenhe de novo! – exclama fazendo festa para a vira-latas pançuda que se achegava. – E o Sansão, tá dormindo, aquele gato preguiçoso?
- O Sansão morreu, seu Chucrute. Já tava veinho, o pobre.  – lamenta a senhora.
- Ó, que pena. - lastima, apertando a anciã contra o peito - Mas nós temos que ir, dona Filomena. Outro dia, com mais tempo, eu venho tomar um mate com a senhora e seu Astrogildo e comer aquele bolo frito que só a senhora faz. - despede-se, beijando novamente a comovida idosa.
- Eu não sei como você faz isso. – diz Zangão, balançando a cabeça com um discreto torcer de lábios que quase parecia um sorriso.
- Faço o que? – pergunta o outro, após desvencilhar-se de mais um festival de beijos e abraços.
- Guardar todos esses nomes. – responde Zangão enquanto apertava solenemente a mão de dezenas de pessoas e respondia com cortesia os inúmeros cumprimentos.
- Eu tenho facilidade com nomes e excelente memória. – responde Chucrute, dando de ombros.
- Mas saber o nome até dos cachorros!? Bota memória nisso! – exclama o outro, quase divertido.
- Falando em memória, eu ainda não esqueci aquela história da caixa preta, viu? – acrescenta Chucrute enquanto beijava uma mãe com cinco filhos e passava distraidamente uma criança mijada para os braços de Zangão.
- Pois esqueça. Eu já esqueci. – responde Zangão, depois de devolver o “presente ensopado” ao novo amigo - A caixa preta, a essas alturas, com tantas voltas e tanto tempo, desbotou. Já virou cinza, isso sim.
- Tá bom. Vou deixar passar. Pelo menos por enquanto. Temos que nos concentrar em derrubar nosso alvo, depois resolvemos nossas diferenças. Opa! Cuidado com o buraco! – alerta Chucrute, puxando o outro pelo braço.
- Isso mesmo. Vamos pensar em nosso objetivo e esquecer o passado. Vamos unir nossas qualidades para superar nossos defeitos. Sem críticas, um aos defeitos do outro. Que tal? – propõe Zangão.
- Ótima ideia! Me da cá um abraço, seu ranzinza – exclama Chucrute, com seu jeitão efusivo, pegando Zangão desprevenido e tacando-lhe um abraço apertado.
- Não exagera! – rosna Zangão, pouco afeito a demonstrações exageradas de afeto, mesmo em suas antigas excursões a Horário Eleitoral. – Daqui a pouco vai me beijar também. Ninguém nunca lhe disse que você às vezes se excede?
- Sem críticas! – lembra Chucrute, não dando importância para os resmungos do outro - Cuidado com o buraco! – avisa, puxando novamente Zangão pelo braço.
- Eu tô vendo! Como que não ia ver um buraco desse tamanho!
- Sei, lá. Sabe como é? Na sua idade os reflexos são mais lentos... – responde o alemão, fazendo troça.
- Que idade, que nada! – retruca Zangão ofendido – Duvido que você tenha o meu fôlego quando chegar na minha idade. – acrescenta encolhendo a barriga e estufando o peito – Isso se chegar lá.
- É, até que você está em forma. Nós já fizemos uma boa pernada hoje.
- Anos de prática. E experiência. Isso nós dois temos. É uma das nossas vantagens.
- Mas é bom voltarmos agora. Tá muito esburacado por aqui e não quero correr o risco de ver o meu “velho” novo amigo torcendo o tornozelo. – continua Chucrute, novamente implicante.
- O “velho” aqui veio preparado. Se você não notou eu estou calçando meus Guides. Posso caminhar mais uns quilômetros. Vamos lá, vou te mostrar quem é velho, seu alemão beijoqueiro. – acrescenta Zangão apertando o passo e subindo mais uma ladeira.
- Guides, é? Pensei que fossem Conga. – grita Chucrute gargalhando e correndo para alcançar o novo parceiro dessa singular caminhada que ainda movimentaria muito os ânimos desse nada pacato reino.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Um novo herói surge no reino: Golesma Bonder


Na ampla sala a noite já se vislumbrava pelas enormes vidraças. Os únicos residentes da torre de mármore eram a rainha deposta, Poliana, e seu fiel parceiro de clausura, Espelho Mágico. Nessa noite, Poliana navegava na internet após um longo e desgastante dia bancando a ventriloca do companheiro Golesminha. O mundo virtual sempre fora mais convidativo para a antiga rainha. Algumas coisas pareciam não ter mudado, mesmo após sua decapitação precoce.
- Você viu só essa, Espelho Mágico. O Golesminha é a sensação nas redes sociais.
- É mesmo? Então a campanha finalmente decolou?
- A dele não, mas a daquela famosa supercola tá bombando. É a piadinha do momento. – informa Poliana, soltando risinhos de deleite.
- Hora, Poliana! Você não devia rir assim da desgraça de um de nossos companheiros. – repreende Espelho Mágico.
- Não devia, mas me divirto. Ele e todos os membros ortodoxos do clã, aqueles que até esses dias faziam arruaça em porta de banco e trancavam o trânsito no reino, sempre me discriminaram por eu não ter saído dos tais movimentos sociais. Eu sofri bullying a vida toda por ser uma socialite socialista. Agora eles estão pagando por toda Super Bonder desperdiçada nas fechaduras dos portões de indústrias.
- É. Essa é uma mancha no passado do Golesminha, que vai ser difícil de tirar. Como diz o ditado, quem apanha não esquece.
- E Super Bonder na fechadura dos outros é refresco. – acrescenta Poliana. – E pelo que eu fiquei sabendo de nossos companheiros, a perícia do Golesminha com a dita arma é mesmo de impressionar.
- Sério? Ele nunca grudou os dedos? – questiona o Espelho, cada vez mais curioso.
- Parece que não. Só a franja, uma vez, ficou colada na porta de uma câmara fria em um frigorífero. Nada de muito grave. E ele conseguiu sair na surdina, sem deixar pistas.
- O que ele estava fazendo na câmara fria, elas não tem fechadura?
- Um atentado terrorista. Ouvi dizer – confidência Poliana baixando o tom de voz e olhando cautelosa para os lados – que ele foi treinado por aqueles movimentos de guerrilha, lembra? MR 13, Vanguarda Populista ou sei lá que nome tinham, eu nunca fui muito engajada, você bem sabe.
- Sim, sim, não vem ao caso, eram todos uma perda de tempo mesmo. Continua Poliana. – pede o Espelho em expectativa.
- Pois então. Ele foi treinado para o uso específico dessa arma. Fácil de guardar, de comprar e que só exigia muita perícia no manejo: a Super Bonder. Com um mísero tubo, se podia manter centenas de trabalhadores do lado de fora das empresas, vários empresários - que eles chamavam pela alcunha de donos do poder ou opressores - fulos da vida, e o maldito capital empacado.
- Nossa! Que estratégia perfeita.
- Pois é. Nem eu acreditei que o Golesminha, aquele mocorongo, pudesse participar de um esquema tão ardiloso e elaborado.
- E dava certo? – indaga o Espelho Mágico, cada vez mais envolvido na história.
- Claro que sim. Enquanto um grupo do nosso clã fazia um gritedo, cantava aquelas músicas surradas de protesto, se atirava no chão e esperneava para distrair a massa, o Golesminha agia, na camufla. Ele é o legitimo James Bonder! Ou melhor Golesma Bonder!
- Nossa Poliana, fiquei todo arrepiado com essa história.
- Também não precisa exagerar Espelho Mágico! Eu, durante todo meu reinado, fiz coisas muito mais impressionantes! Quer que eu comece a enumerar cada uma delas? – exalta-se a antiga monarca em um acesso de ciúmes.
- Não precisa, minha eterna rainha. Ninguém jamais vai superar todos os seus feitos. – adula o outro para não perder o final do enredo – Mas você ainda não explicou o que o Golesminha estava fazendo na tal câmara frigorífera. Que espécie de atentado terrorista ele estava executando? Era uma bomba?
- Não. Que bomba, nada. Bomba vai ser quando ele chegar ao trono. – afirma Poliana para em seguida continuar seu emocionante relato - Naquele dia, o plano era mais trabalhoso e exigiu muito do songamonga do companheiro Golesminha. Como todo mundo no reino já sabia da tática de colocar cola nas fechaduras, ele se obrigou a boicotar os empresários de outra forma. Entrou sorrateiro no frigorífero e colou, uma por uma, todas as asinhas dos frangos. Foi uma crise no reino. Não teve, por semanas, coxinha de asa para vender. Foi um escândalo! Saiu até no Fantástico.
- Que horror! Os empresários, digo, os donos do poder, exploradores, devem ter ido a loucura. E eles sabem que foi o Golesminha?
- Claro que não. Ninguém sabe. Só nossos companheiros de clã. Quem souber tem que morrer. – afirma Poliana, amedrontando o pobre Espelho.
- Valha-me Deus! – benze-se o outro apavorado.
- E agora que você já sabe de tudo meu caro espelho, vamos para o paredão. – ordena Poliana, acostumada a ter todos os seus desejos prontamente obedecidos.
- O paredão?! Não Poliana! Eu não vou contar nada, eu juro! Tenha misericórdia! O paredão não, por favor! – suplica o Espelho em prantos.
- Tá louco, seu espelho estúpido! Hoje é terça-feira! É dia de paredão do Big Brother! Larga de frescura e liga logo essa TV! – ordena Poliana se atirando no sofá em frente a um desarvorado, e todo mijado, Espelho Mágico.

sábado, 19 de janeiro de 2013

A Ventriloca Poliana


Uma sudorética e esbaforida Poliana adentra na torre, jogando-se pesadamente no divã. No seu rastro o velho séquito de companheiros e vassalos, carregados de bandeiras, faixas e adereços.
- Meus sais! – ordena a degolada, mas sempre imperativa Poliana - Quero os meus sais! E uma bacia de água fria para meus pezinhos. Estou com os dedinhos em carne  viva. Maldita hora que fui aceitar essa missão ingrata. Onde é que eu estava com a cabeça? De esplendorosa rainha passei a dama de companhia do songa-monga do Golesminha. Nunca achei que eu chegasse a descer tanto na vida. - resmunga a rainha deposta, massageando os pés doloridos pelas andanças no reino.
- Não reclama Poliana, não pode ter sido tão ruim assim. – contemporiza o Espelho Mágico.
- Ruim?! É um calvário, isso sim. O Golesminha não engrena, não adianta. É tão vaselina que escorre por entre o povo e se esparrama no asfalto.  Por falar em asfalto, de quem foi a ideia de colocar todo aquele piche e pó de brita nas ruas? Olhem só os meus sapatos?! Uns Scarpin salmão, novinhos em folha! Agora parecem umas plataformas com tanto piche e brita, grudados. E o meu terninho, então? Todo empoeirado. Eu tô a legítima rameira de beira de asfalto. Que decadência meu Deus! Logo eu, sempre tão elegante e glamourosa. – lamuria-se a antiga rainha, com as os olhinhos de biscuit borrados.
- É um sacrifício necessário, gloriosa Poliana. Só seu carisma pode neutralizar a antipatia nata de nossa estrela escolhida para lhe substituir no trono, o companheiro Golesminha. – adula o Espelho Mágico.
- Estrela coisa nenhuma, o sujeito é um meteoro em rota de colisão com o solo. Alias, do jeito que andam as ruas do reino deve ter havido alguma chuva de meteoros nos últimos dias. Nunca vi tantos buracos! O que vocês fizeram na minha ausência? Não faz nem vinte dias que eu fui deposta e vocês já deixaram o reino uma buraqueira e imundice só. Nos tempos da rainha Poliana as coisas eram bem diferentes! Eu disse que não deviam ter dado a coroa, mesmo que provisoriamente, para aquele fedelho inexperiente do nosso clã. No mínimo ele deve ficar jogando videogame enquanto o reino vem abaixo e os buracos tomam conta das ruas. – acrescenta com o queixinho empinado do mais legítimo despeito - Tem buraco até nas lombadas! Tem buraco dentro de buraco! Pobre dos contribuintes. Vocês sabem quanto nós, pobre mortais, pagamos de impostos?
- Os buracos que você conheceu hoje Poliana, estão aí há anos. – informa Líquen, menos amorfo e mais enfezado que de costume - Foram regados e cultivados com afinco durante todo o seu democrático e participativo reinado, querida. Você só não os viu antes porque na sua redoma blindada tinha carpete e quando você visitava a periferia nós lhe carregávamos no colo. Bem vinda a Mundo Real companheira! – arremata o companheiro de clã.
- Ai que saudades de Horário Eleitoral! - suspira Poliana nostálgica - Até isso Justiça me tirou só para me castigar. Megera, intransigente e asquerosa! E maldito o idiota estúpido que inventou esse tal Estado Democrático de Direito. Deviam colocar esse cretino na cadeia, isso sim.
- Boa idéia. Nós estamos trabalhando nisso também, mas é um pouco complexo e precisamos de mais tempo. Primeiro temos de amordaçar Imprensa Livre, depois acorrentar Democracia e aí sim, aniquilar o Estado Democrático de Direito. Nosso clã espera alcançar essa meta nos próximos anos, é só ter paciência. – afirma Líquen, com a convicção dos que circulam há anos entre os ratos mais ardilosos do grande clã, na sede do poder central. - Enquanto esse dia não chega e Democracia ainda sobrevive, temos de dar um jeito de fazer o companheiro Golesminha emplacar. Como foram as peregrinações de vocês hoje? Conseguiram arrebanhar muita gente?
- Que nada. O homem é sofrível, não tem objetivo. Não tem visão de rei. Vive preso no passado, nos tempos daqueles nossos discursinhos enfadonhos de proletário explorado. Falta foco. Foco! Não se concentra. Cada vez que passamos por uma grande empresa ou mesmo um botequim, enfim, qualquer lugar que faça a economia do reino girar, o homem tem um ataque. Corre logo para primeira fechadura que encontra e fica na espreita.
- Fechadura? Vai dizer que o Golesminha sofre de voyerismo? Eu sempre achei ele meio mosca morta...
- Que voyerismo que nada. Ele sofre é de companheirismo, isso sim. Adora colocar golesminha nas fechaduras para impedir trabalhador de trabalhar. Você sabe que ele tem aquele velho cacoete de nosso clã de achar que o lucro é o oitavo pecado capital. Desde que o lucro não seja nosso, bem entendido.
- Precisamos disfarçar essa tendência dele mais para o Capital que para o Capitalismo. Não podemos assustar o empresariado em uma hora dessas. – preocupa-se Líquen
- É verdade. O reino já anda uma decadência. Já pensou se quem trabalha, investe por aqui e faz a economia crescer resolver ir em bora? Vai sobrar só a gente. Daí quem vai nos sustentar? – acrescenta um militante da FarsaSindical, assustado.
- Temos que dar um jeito no Golesminha, ele precisa endireitar, literalmente, sua postura. Adotar um discurso mais moderado e definitivamente, nada de tumulto em porta de empresa. - comanda Líquen, decidido.
- Impossível. Ele é um autêntico membro do nosso clã: completamente alienado. Só tem meia dúzia de palavras no seu repertório, que ele repete há décadas: exclusão, opressão, exploração, reacionário, elites dominantes, donos do poder, etc... Não tem como ele mudar o dialeto ortodoxo em apenas poucas semanas. Desistam. – afirma Poliana, estirada em seu divã, demonstrando pouco caso com o dilema do grupo.
- Então eu só vejo uma alternativa. – anuncia o sempre articulador, Líquen – Você, novamente, será nossa salvadora, adorada Poliana. Sim! Isso, mesmo. Nem adianta questionar. Seu futuro e a segurança de que nossas travessuras no poder continuarão acobertadas, dependem da ascensão do Golesminha ao trono.
- Eu faço o que posso, Líquen! Mas apesar de ser praticamente uma popstar, eu ainda não faço milagres! – indigna-se a antiga monarca.
- Nós não vamos precisar de milagre. A resposta esta nas escrituras de nosso clã. – responde Líquen, o aprendiz de mensaleiro – Vamos usar a velha arma em que nosso companheiro Golesminha é mestre.
- Uma foice? Eu não vou muito com a cara, nem com a franja dele, mas também não precisa exagerar Líquen! De degolada já basta eu em nosso clã. – alarma-se Poliana.
- Nada de Foice. O Golesminha sempre foi mais sorrateiro. Vamos usar Super Bonder! Na boca dele. De agora em diante, você Poliana, fala por ele. Ele não abre mais a boca. Só balança a cabeça concordando. Com sua lábia, seu carisma e o Golesminha de boca colada o negócio vai deslanchar!
- Ha, não! O que mais falta me acontecer? De monarca dinâmica e invejada, virei ventriloco do pegajoso Golesminha. Tudo por causa daquelas porcarias de impressos. É o meu fim! Tragam os meus sais! Meus sais! – teatraliza Poliana sem nunca perder a majestade.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Fim dos Tempos no Velho Reino de Poliana


E um novo reinado se iniciava. O tempo dos tropeços e trapalhadas chegara ao fim. Novos ciclos estavam começando. De a gora em diante tudo seria diferente, profetizavam os oráculos do grande clã de Poliana. E alguns tolos, como sempre, acreditavam.
Se o rei agora era outro, a corte e seus atrapalhados bobos continuavam os mesmos. Alguns súditos com dificuldades em aritmética e lógica, não conseguiam entender como é que se pretendia mudar o curso dos escândalos mantendo-se a mesma máquina torpe e viciada. Coisas de gente sem visão, diria a saudosa Poliana. Para dar certo ar de inovação e dinamismo adotava-se a velha dança das cadeiras, inventada pela sempre criativa Poliana, a rainha caída. Até mesmo os chacoalhões de Justiça seguiam o velho rumo e apontavam a alguns adoráveis bobos o caminho de casa. Tudo estava exatamente onde sempre estivera. Tudo, mas nem todos. Poliana seguia enclausurada em sua torre. Enclausurada sim, mas solitária jamais. Nesse dia, um cortejo de seus antigos bobos rodeava Poliana, quase tão bajuladores quanto nos seus tempos de majestade. Muitos a contragosto, era verdade. A maioria esperava não ter mais de suportar o humor irascível e a arrogância da antiga rainha. Mas a gravidade da situação obrigava a todos a aturar mais um pouco a sempre megalomaníaca Poliana.
Deitada em seu divã cor de rosa, Poliana olhava o grupo com o narizinho cada vez mais arrebitado e o mesmo olhar altivo de quando usava a coroa.
- Tenho de admitir que dessa vez vocês conseguiram se superar meus queridos. – começa com a voz doce. – Nem eu, que conheço e acobertei todas as trapalhadas de vocês nesses últimos anos, acreditei que vocês conseguiriam fazer o que fizeram. Vocês merecem os parabéns!
- Você acha mesmo Polianinha?! Que bom! Você sabe que a última coisa que eu gostaria na vida era desagradar você companheira. – apressa-se o companheiro Golesminha, dando voltas em torno do divã com sua franjinha esvoaçante, todo prestativo e servil, como um Yorkshire que recebeu um agrado.
- Claro companheiro Golesminha. Vocês são, sem dúvida, insuperáveis. – continua Poliana com um timbre irônico – Eu devo agradecer a vocês por provarem a magnífica rainha que eu fui e sempre serei, e que vocês, seus molóides, são uns imprestáveis incapazes de fazer nada sem meu privilegiado cérebro no comando.
- Também não precisa exagerar, nós estamos nos esforçando, só que..
- Idiotas! Estúpidos! Eu fico menos de dez dias longe do trono e vocês conseguiram o impossível. Não só acordaram do coma a moribunda e desarranjada Oposição, como fizeram com que a velha decrépita juntasse todos os membros dormentes e inativos há anos. Tinha membro que não levantava mais nem com Viagra! Agora tá tudo lá, de pé e pronto pra luta! Seus incompetentes! E para arruinar ainda mais esse trágico enredo, vocês conseguiram, não sei como, desarranjar a sempre sólida e coesa Situação! Como é que isso foi acontecer em tão pouco tempo?! Expliquem-se!
- Nós não sabemos bem ao certo o que aconteceu, Polianinha. – começa Golesminha, torcendo as mãos, com o suor escorrendo pela larga testa que a franja tentava esconder – É tudo um esquema armado por Oposição para perseguir esse nosso novo modelo democrático e participativo de reinado e impedir que nós nos mantenhamos no poder por ...
- Chega Golesminha! Guarda essa conversa mole para os palanques. E trate de erguer a cabeça e falar com voz de homem se você pretende ser meu sucessor no trono. Desse jeito você parece mais afeminado que eu. – corta Poliana, sem perder o ar aristocrático e a oportunidade de alfinetar o companheiro de clã e antigo desafeto - Vocês só tinham que negociar carguinhos! Simples assim. Uma boquinha pra um, outra pra outro, até que todo mundo da Situação ficasse contente. O que não dava pra dar agora, prometia para mais tarde. Mais tarde dava um pé na bunda. Esse é o jogo do poder. Mais velho que a mais velha raposa de nosso clã e de todos os clãs desse reino. Mas nem isso vocês conseguiram, seus molóides! E a incompetência e falta de traquejo de vocês jogaram nossos aliados no colo de Oposição. E agora qual é o plano de vocês para consertar esse estrago todo?
- É por isso que nós estamos aqui companheira Poliana. – intercede Líquen, o amorfo, tentando contemporizar a situação e adoçar o ânimo melindrado da rainha deposta. – Todos nós sabemos e admitimos que nosso clã não é nada sem você, nossa eterna rainha. – continua adulador, causando desconforto em algumas velhas estrelas do recinto – Precisamos de sua ajuda Poliana. Sem você, será o fim de nossa jornada, de nossos carguinhos e mordomias.
- É isso mesmo companheira Poliana! Sem sua ajuda nós vamos ter de trabalhar. Vai ser nosso fim! – choraminga o representante do Companheiros Unidos no Trambique (CUT)
- Eu não sou mais rainha, não posso mais manter as mordomias de vocês. Não tenho mais nada com isso. – acrescenta Poliana, com ar de indiferença.
- Mas com seu apoio e dedicação, nós podemos eleger o novo rei para o trono e com isso manter nosso fiel e seleto grupo no poder. Só você pode nos ajudar Poliana. Ninguém, em todo reino tem seu carisma, sua popularidade, sua simpatia e desenvoltura. Ninguém ilude o povo como você. Com você ao nosso lado, nas ruas, nós venceremos Oposição e manteremos o trono, a coroa e os carguinhos.
- Como novo rei, meu sucessor, você quer dizer... o Golesminha?!
- Isso, isso! – entusiasma-se Golesminha batendo palminhas de contentamento.
- Ele é o nome escolhido por nosso clã para disputar a coroa, Poliana. Por isso, é que nós estamos pedindo que você nos ajude.
- Vocês não querem minha ajuda. Vocês querem um milagre! O homem não é consenso nem entre a facção dele no nosso clã. Não tem postura de rei. Fala como uma donzela arrependida. Puxa o saco até dos adversários. Até bem pouco tempo atrás fazia arruaça em porta de empresa, atrapalhava o trânsito e ofendia quem contribuía para o reino crescer. Depois adotou a postura paz e amor. Não defende nem diz nada. O que diz na frente, desmente nas costas.  É esse o rei que vocês querem que eu ajude a chegar ao trono?! – indaga a antiga monarca
- Sim. É esse o rei que nós queremos Poliana. – admite Líquen, um tanto constrangido com a dureza dos argumentos ouvidos.
Após poucos segundos de reflexão Poliana ergue-se do divã e anuncia decida: - Eu acho a escolha perfeita! Ninguém teria o biotipo melhor para sintetizar a atual fase de nosso clã. Depois da gloriosa e magnifica Poliana, o invertebrado e pegajoso companheiro Golesminha! E para conseguir o milagre de eleger essa caricatura, só mesma a sempre ardilosa e maquiavélica Poliana. E vamos adiante! – comanda Poliana, a eterna rainha da contradição.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Poliana na Clausura


O amanhecer frio e nublado condizia com o atual estado de espírito de Poliana. Esta, andava de um lado a outro de sua nova e enorme sala. Olhava distraída a ampla vista do reino que as grandes janelas propiciavam aos hoje nostálgicos olhinhos de biscuit. Vez por outra, soltava um suspiro condoído. Não seria fácil acostumar-se a essa nova vida de monarca deposta. O antigo título lhe caía tão bem! Colara-se a seu nome em perfeita simbiose: rainha Poliana. Do trono já não sentia tanta falta. Com ele guardara uma relação mais de parasitismo, e Poliana aprendera com seus companheiros que sempre era possível parasitar, mesmo longe do poder. O confinamento é que estava lhe incomodando. Se a intransigente e radical Justiça mantivesse sua perseguição desmedida, Poliana estaria condenada a permanecer oito anos nessa enorme torre de mármore. Obrigada a assistir, de um local privilegiado, a todos os fatos do cotidiano do reino sem contudo participar da festa. Nem um reles carguinho poderia ganhar de presente. Sem ao menos uma corja de bobos a lhe bajular. Que maldição haviam rogado contra a doce e inofensiva Poliana? Pura bruxaria, sem sombra de dúvida.
Poliana estava na torre há menos de três dias e já se encontrava injuriada com o que via de seu reino.
- Um piá! Um fedelho que mal largou as fraldas. Deram a minha adorada coroa para um pirralho que até esses dias andava todo mijado pelo milharal! É o fim! – indigna-se Poliana, gesticulando dramaticamente.
- Mas você já sabia que seria assim, Poliana. Estava tudo arrumado por nosso clã. Você concordou com tudo. – lembra com a voz serena o velho Espelho Mágico.
- Eu estava meio entorpecida com todos aqueles bombons de amarula. Vocês me trapacearam, isso sim! – afirma revoltada.
- De qualquer forma, magnânima, nós precisávamos colocar um dos nossos no trono. E o jovem Farofinha era o que tínhamos no momento. – argumenta o conciliador Espelho Mágico
- Porque não colocaram logo o Golesminha? Ele já anda se achando o novo rei há semanas, todo empertigadinho, chacoalhando aquela franjinha ridícula e abanando até pras pombas da praça. – ironiza afinando a voz e imitando o velho companheiro de clã.
- Não podíamos queimar o Golesminha agora. Ia estragar nossos planos futuros. Por isso escolhemos o jovem Farofinha que é insosso e cai bem com qualquer coisa. Se não agrada, também não desagrada.
- Ele não tem nenhuma experiência, nenhum traquejo social. Vai ser um fiasco, você vai ver. – continua Poliana com nítido despeito.
- Ele veio dos movimentos sociais e traz a força do homem do campo, da agricultura familiar. Isso sempre comove o povão e faz os intelectuais verem estrelas onde só há lixo.
- Que agricultor coisa nenhuma! Esse guri caiu, assim como eu, de paraquedas no nosso clã. Enxergou uma oportunidade de se infiltrar nesses movimentos barulhentos e sem qualquer serventia para o povo, enrolou os pobres dos colonos, começou a mamar nas tetas desde cedo e nunca mais largou. Da vida no campo não entende nada. Não sabe a diferença entre uma mandioca e um repolho. Guarda essa conversa mole pro povão, Espelho Mágico. Eu sou cria da companheirada, conheço todas essas artimanhas.
- Desculpe, Poliana. Você tem razão. Mas precisamos nos contentar com ele até que consigamos eleger outro de nossos companheiros para o trono. Não podíamos correr o risco de deixarmos as chaves do cofre com gente que não fosse de nossa matilha.
- Mas tinha de ser justo ele? Ele é tão jovem! Não deve nem saber roubar direito.
- Nem vai ter tempo pra isso, Poliana. E depois, não se esqueça de que você sempre se orgulhou de ser uma jovem rainha.
- É justamente isso que está me enlouquecendo, você não entende?  Eu fui e sempre serei a rainha mais jovem, destemida e empreendedora desse reino. Esse outro é, e sempre será, um piá de bosta! Vão querer tirar até o meu título de mais jovem rainha também? Eu já não fui humilhada o bastante?! – acrescenta fazendo beicinho. – O mais irônico de tudo, é que a única que pode me libertar dessa torre é a malvada Justiça. Só ela pode mudar meu destino e permitir que eu arranque a coroa daquele pivete insolente. Que destino cruel! Onde foi que eu errei?! – exclama a rainha deposta e a cada dia mais descomposta, jogando-se chorosa no divã.