sábado, 23 de novembro de 2013

Assombração midiática atinge a saúde real

Depois de tanto tempo apenas lidando com os corriqueiros problemas asfálticos do reino, com Imprensa Livre acomodada e Justiça hibernando, Poliana já estava desacostumada com os escândalos e denúncias em seu reinado. Pois eis que, para surpresa da rainha, os fantasmas vieram assombrar sua majestade. Imprensa Livre noticiara acusações assombrosas no nosocômio público do reino. Questões de trocas de sílabas e de faturamentos, alegava a corte real. Mas Poliana ficara assustada, sempre tivera medo de fantasmas.
- Que história é essa de pacientes fantasmas, meus bobos? Eu sempre fui informada que fantasma mesmo na saúde havia só o bobo da pasta, que só aparece vez por outra no setor e só para assombrar! – afirma sua alteza com sarcasmo.
- É apenas denuncismo tolo e sem fundamento rainha. Nada para se preocupar. Coisa de uma Imprensa Livre desocupada e sem assunto, só isso. – afirma tranquilamente um dos bobos nosocomiais.
- O que realmente ocorreu? – questiona a monarca.
- Nós só trocamos um nome, umas letras, umas datas e uns dígitos. Só isso. Pura distração. – responde o outro.
- Mas Imprensa Livre anda gritando, com aquela boca enorme de trombone, que estão pipocando no reino outras denúncias dos mesmos “errinhos” tolos. Estão nos acusando de faturar em cima de pacientes e procedimentos fantasmas! – queixa-se a rainha, ultrajada.
- Nós já esclarecemos tudo Poliana. Comprovamos com nossos dados de marketing, que noventa e cinco por cento dos pacientes atendidos por nós não se queixam nem dos serviços nem do faturamento irregular.
- Claro! Nossa prestativa ouvidoria não fala ainda com os fantasmas, acredito. Vocês acham que alguém vai engolir essa conversinha fiada de vocês?! Nem eu engulo! Imprensa Livre deve estar gargalhando ao imaginar nossas pesquisas, tão idôneas e transparentes, a ponto de perguntar aos usuários: “O senhor esteve internado por diarréia, mas nós cobraremos do sistema de saúde por um transplante cardíaco. O senhor se sente satisfeito com seu coração novo?” Façam-me o favor! – irrita-se Poliana.
- Isso não acontece Poliana. Não há irregularidades desse nível, podemos garantir. – afirma o bobo.
- Lógico que não. Tenho certeza absoluta disso. Nosso nosocômio ainda não faz transplantes cardíacos. Mas se fizerem uma auditoria profunda, vai faltar osso no reino para tanta fratura, não é mesmo meus queridinhos? – acrescenta a rainha, caprichando no sarcasmo para provar que não era tão estúpida como se fazia parecer.
- É que nós somos referência para toda a região no atendimento dos quebrados, rainha! – apressa-se em justificar outro pomposo assessor nosocomial.
- Sem dúvida! E o povo da região se quebra mais em um ano do que os soldados em toda guerra do Vietnã. – ironiza ainda mais a monarca.
- Os acidentes de trânsito estão cada vez mais freqüentes, alteza. – continua o outro, quase perdendo o rebolado e desfazendo o penteado.
- E, a julgar pelos números, a colonada daqui deve fazer rally de trator todo dia. E são péssimos motoristas! Mas chega de papo furado e de osso mal remendado! Quero que vocês resolvam esse caso e afastem os fantasmas do meu reinado. Não quero Justiça novamente no meu calcanhar. Só de pensar nisso já sinto uma dor nos tornozelos. – queixa-se Poliana.
- Dor nos tornozelos, é? Quem sabe, vamos até o nosocômio público, rainha? Eles te fazem um raio x e colocam um gesso só pra imobilizar. Depois trocam o gesso umas vinte vezes. E com um pouco de sorte, no final, podemos faturar uma cirurgiazinha de quadril! Se você receber uma cartinha do sistema de saúde, nem leia. Rasga e joga fora. E quando nosso serviço de ouvidoria ligar para sua casa, não se esqueça de agradecer pela excelência do serviço recebido! – orienta o prestativo assessor, arrumando o penteado e estufando o peito, como um legítimo pavão ornamental da corte real na saúde.
- Fechado! Estou mesmo precisando de um atestadinho. – responde a alteza, resolvendo mais uma pequena crise de perseguição midiática aguda, sem maiores intercorrências ou complicações. Essa conta, como todas as outras, quem paga é o contribuinte. Adoentado ou não.





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O festival de egos inflados da corte da rainha

No reino de Poliana os coloridos balões do festival de balonismo da região enchiam o céu de beleza. Já na Câmara de Vendilhões alguns egos conseguiam se achar mais inflados que as belas alegorias da festa. Vendilhões do clã da rainha e da Irmandade do Fogo, base de sustentação real - quase surreal em tempos mais remotos - alfinetavam-se dentro e fora da plenária. Chegava a ser tragicômico ver seres ideologicamente tão distintos, mesmo para aqueles que, há muito, extinguiram as ideologias em prol de bons carguinhos, se digladiando nas surdinas, para em seguida defenderem de mãos dadas, como humildes servos de uma seita, todas as propostas da rainha.

Cômicos mesmo eram os discursos. Ah, os discursos! Quanta perfeição semântica na total ausência de coerência. Vê-los, assim, empertigados na tribuna, usando os mesmos surrados conceitos, que ao que parecia, sequer conheciam os significados, causava sempre certa desesperança melancólica naqueles que ainda tentavam preservar um pouco de cérebro e lucidez em meio ao vácuo existencial prevalente. Assistir um ilustre, e até então destemido representante sindical, erguer a voz contra a terceirização do trabalho. Bradar com a eloqüência dos devotados a uma boa e justa causa, combatendo a precarização da mão de obra (obra de governos neoliberais passados que detonavam os direitos dos trabalhadores, é claro), afirmando com a convicção própria dos idealistas natos, que terceirizar é negar os direitos trabalhistas duramente conquistados e submeter os trabalhadores a regimes escravocratas, emociona até o mais empedernido reacionário classe média e elitista. Pena, que ao baixar das cortinas, e no apagar dos holofotes, o mesmo sindicalista defensor dos direitos trabalhistas e crítico severo do trabalho semi-escravo de um capitalismo neoliberal, defenda, com a mesma voracidade e “coerência”, a importação terceirizada de mão de obra quase escrava de médicos de uma fantasiosa ilha caribenha, onde com certeza, qualquer quebra de contrato se negocia no paredão. A escravidão, assim como as convicções, só depende de que lado da chibata, ou do poder, se está. Assim nos ensinam os ilustres vendilhões dos trabalhadores e do povo, em qualquer reino ou arquipélago, neoliberal ou socialista. Onde se compra ideais, também se vendem consciências. A preços módicos e irrisórios. Por cestas básicas, sabonete, papel higiênico, charutos ou carguinhos. Leiloa-se o conteúdo e a substância, mas sem perder o discurso jamais.

sábado, 9 de novembro de 2013

Tem galinha de macumba nas obras de Poliana

No meio da rua uma multidão cada vez maior se aglomerava. Motoristas abandonavam seus carros e se acotovelavam no tumulto tentando descobrir o que ocorria. Pedestres curiosos paravam para bisbilhotar. A polêmica toda começara em meio as obras de repavimentação asfáltica da rainha, na principal avenida do reino. Tudo seguia o rumo esperado, com muito trânsito, confusão, piche e pó de brita. Motorista chato reclamando. Gente desocupada palpitando. A cada vez mais farta assessoria de marketing real, fotografando cada brita que pulava nos buracos e postando nas redes sociais. Nada que não fosse esperado e tolerado em uma obra dessa monta. Mas, eis que, no horário de pico do trecho em reformas a situação chegava a ser cômica. Um dos principais cruzamentos do reino tinha as sinaleiras desligadas. Carros atravessavam-se perigosamente entre si. Pedestres ziguezagueavam apavorados tentando chegar sem fraturas ao outro lado da rua. Caos era pouco para descrever o quadro. Foi nesse momento que uma miúda idosa que passeava com seu Pincher, grita:
 - Onde eles estão! Meu Deus será que ninguém se deu conta?! Eles caíram nos buracos e estão sendo soterrados de asfalto! – desespera-se a senhora correndo para o centro do canteiro de obras.
Aí sim, a situação que já era caótica, tornou-se dramática. Dezenas de pessoas acompanharam a anciã na tentativa de salvar os soterrados.
- Ajudem! Eles devem estar embaixo daquela camada de piche! Parem logo o rolo compactador! – ordena a idosa, ajoelhando-se no chão e começando a revolver o piche com as próprias mãos. Centenas de outras mãos solidárias se misturaram as dela cavando no pó e na brita. Até o Pincher auxiliava.
- Não tem ninguém aqui! Vamos para aquela outra área! Espero que não seja tarde demais para aquelas pobres almas. – emociona-se a senhora comandando o pelotão de salvamento para mais um buraco recém recapeado.
Um motorista que abandonara o carro no meio do cruzamento para descobrir o que ocorria, questionou a um dos presentes o que estava havendo.
- Pessoas acidentalmente caíram nos buracos do asfalto e foram soterrados por piche. Estamos tentando encontrá-las.
 - Que horror! Eu tenho uma pá no carro, vou buscar para ajudar! – apressa-se o outro prestativo.
Com um fato tão grave acontecendo no reino, eis que surge Poliana, a prestimosa rainha para tomar pé da situação. Vestindo terninho branco, scarpins pêssego, o capacete de rainha proletária e cercada por dezenas de bobos da corte, questiona ao grupo:
- Que diabos vocês estão fazendo no meu asfalto novinho! Ficaram loucos! Passaram anos reclamando dos buracos no asfalto, e quando eu resolvo dar fim neles, vocês sentem saudades e criam todos novamente! – grita Poliana fazendo todos pararem com o tom imperativo da monarca.
- Não é isso dona rainha! – responde a idosa dirigindo-se à Poliana para um afetuoso abraço de súdita deslumbrada com o carisma real.
- Sai pra lá velhota! Nem vem com essas mãos empoeiradas pra cima do meu trajinho. Explica o que é essa bagunça toda?
- É que os pobres homens devem ter sido soterrados na obra. Não estão em lugar nenhum. Ninguém os vê há horas. Pode olhar para o trânsito Poliana, o que você vê? – pergunta a perspicaz idosa.
- Uma sinaleira piscando. Um monte de motoristas completamente perdidos. Ninguém sabe quem vai e quem fica. Um motociclista que acabou de colidir com um cone. A ambulância da SAMU. Um cabeludo fazendo malabarismo com bolinhas e cuspindo fogo. Uns mal educados cuspindo palavras de baixo calão... A mim parece uma ótima encruzilhada para Oposição fazer um despacho de macumba. – constata Poliana, serenamente.
- Isso mesmo, visionária rainha! E você está vendo eles? – questiona a idosa.
- Eles quem mulher?! Você acha que caberia ainda mais gente nesse cenário catastrófico? Quem você acha que ainda falta? – irrita-se sua alteza, quase perdendo o eterno sorriso populista.
- Os Azulzinhos! O pessoal do trânsito! Que ajudam a coordenar o tráfego em momentos de caos! Eles não estão aí. Acho que o rolo compressor passou por cima deles. – reponde a idosa com os olhos rasos de lágrimas. – Não conseguimos salvá-los. – lastima a boa velhinha fungando e sendo acompanhada por várias outras pessoas do grupo.

- Os azulzinhos! Vocês fizeram todo esse estrago no meu asfalto novinho para resgatar os azulzinhos! De onde tiraram a idéia estapafúrdia de que eles estariam logo aqui! Que coisa mais sem pé nem cabeça. A senhora deve estar esclerosada! Os azulzinhos estão de folga. Eu mesmo liberei os coitados. Estão todos se concentrando para uma atividade muito importante e motivadora para eles. Vão assistir ao show da Galinha Pintadinha. Eles adoram! A senhora não gosta do Galo Carijó? – continua Poliana, sorridente e conduzindo calmamente a idosa para longe do local onde se ouvia o refrão do espetáculo “Pó,pó, pó....pó,pó,pó, póooo...”

domingo, 3 de novembro de 2013

Pavimentando contradições

Poliana já estava desgastada de tanto ouvir reclamações. Não bastassem as críticas infames de Imprensa Livre (atualmente bem mais adestrada e domesticada), até seus bobos da corte davam de reclamar dos tais buracos no asfalto, quase um slogan do democrático e participativo reinado de sua alteza.  A monarca encontrava-se entediada com as mesmas cansativas queixas e lamúrias em quase cinco anos de reinado. Será que a elite golpista do reino não daria tréguas a rainha?
Para contentar os golpistas e silenciar a já moribunda Oposição, Poliana iria gastar um pouco dos recursos dos contribuintes para cobrir algumas crateras no asfalto e calar de vez as bocas maledicentes dos motoristas.
- Vamos colocar nos próximos dias mais um vultoso projeto de revitalização inclusiva e cidadã da pavimentação asfáltica da malha viária da região central do reino. – anuncia sua alteza, determinada.
- Graças a Deus, rainha! Não temos mais desculpas esfarrapadas pra tirar da manga e justificar quase cinco anos de negligência com o centro do reino. – suspira aliviado um representante dos movimentos sociais.
- Que brilhante idéia Poliana! O povo clama há anos por melhorias nas ruas do reino! – exulta outro bobo da corte.
- Ainda bem que você, Poliana, enfim conseguiu enxergar a situação precária de nossas ruas e avenidas. Tem lugar onde os buracos estão brigando um com o outro em busca de espaço! – opina um companheiro de clã.
- É a pura verdade rainha! Tem buraco engolindo buraco e bueiro se escondendo de medo de ser aniquilado nessa guerra desleal! – desabafa o bobo das obras no reino.
- Na minha rua já tem árvore crescendo nas crateras no meio da rua e as lombadas parecem valetas elevadas, pois é um buraco ao lado do outro. – acrescenta outro servo.
- Muito bem! Para acabar com tanta choradeira burguesa e elitista, estarei nos próximos dias, iniciando a primeira etapa da reformulação da pavimentação asfáltica para os burguesinhos desocupados e mimados do centro do reino!
- Bem dita seja voz alteza! E por onde começaremos o recapeamento?
- Pela avenida central, é claro! – declara Poliana, convicta e decidida.
- A avenida central? Ela não está lá grande coisa, mas as paralelas e perpendiculares estão em situação muito mais precária, rainha? – questiona um dos pajens.
- É verdade Poliana, tem ruas do centro muito mais necessitadas que a avenida central! – argumenta o bobo das obras públicas.
- As outras estão em estado deplorável! É uma buraqueira danada. A empresa que ganhou a concorrência para fazer o serviço, nossa parceira e amiga, teria de gastar muito asfalto para colocar aquele caos nos eixos. Seria muito gasto e pouco lucro com o dinheiro público. Por isso começaremos onde menos buracos existem. – replica a sempre coerente rainha.
- Mas Poliana, será essa uma boa estratégia?- questiona o preocupado marqueteiro real.
- Claro que sim, seu estúpido! Daremos recapeamento aos que menos precisam, mas onde a visibilidade é maior! Nossos amigos gastarão menos asfalto e nós gastaremos fortunas em marketing e mídia. Para cada buraco mal coberto espalharemos dezenas de banners e inserções em Imprensa Livre. Nossos súditos, cooptados e iludidos com tanta propaganda e marketing, se sentirão felizes e satisfeitos com um pouco de piche e pó de brita. E nós ganharemos popularidade e notoriedade. Essa é a eterna lógica do populismo, hoje, ontem e sempre. Como tão bem nos ensinou o eterno mestre Hugo! O povo, que paga a conta, se alimenta de ilusões e farelo de asfalto, nós, enriquecemos com os intermináveis recursos públicos e com os agradecidos votos de nossa eternamente maleável massa amorfa de súditos trabalhadores, simplórios e eternamente crédulos. – esclarece Poliana, soberana absoluta da neo democracia caudilhista.