domingo, 27 de março de 2011

Poliana na Palmatória



Era como voltar aos bancos escolares. Poliana tinha que ouvir atentamente cada palavra, guardar cuidadosamente todo novo ensinamento e fundamentalmente concordar com absolutamente tudo que seu mestre dissesse. O forte cheiro que empestou o reino após o desarranjo ético de Poliana e sua trupe, tirou do sério seu velho mestre, o Alquimista. E foram horas e horas de lições de moral e puxões de orelhas. Poliana, cabisbaixa, aceitava placidamente as reprimendas. O Alquimista, com seu invejável e inigualável poder da oratória, despejava sobre a embaraçada Poliana uma saraivada de verbetes e vocábulos. Poliana, com sua ensaiadíssima cara de consternação, não conseguia entender o significado da maioria das palavras, mas demonstrava-se uma aluna compenetrada e dedicada, pronta a acatar cada ordem de seu professor.
Poliana tinha imaginado que não precisaria mais passar por esses constrangimentos. Há algum tempo selara um pacto com o Alquimista que garantiria supremacia a sua rainha. Mas o poder, a fama e ouro fizeram com que Poliana deixasse o ilustre tutor a margem de seu reinado. Tão entretida encontrava-se a admirar sua própria imagem e a divertir-se com as orgias de seus amigos que esquecera de convidar o Alquimista para a festa. O Alquimista, apesar da imponência e sobriedades de sua figura também gostava de uma farrinha, principalmente quando era paga pelo contribuinte. Assim, por vários meses o grande mago, pacientemente observara e esperara, aguardando o momento certo de puxar novamente os tênues fios que o ligavam a Poliana, fazendo-a mover-se com a graça e a desenvoltura de mais uma de suas inúmeras marionetes. Não sabia nossa jovem e deslumbrada rainha, que o notável poder do Alquimista residia justamente na sua infindável capacidade de cobrar dívidas. Agora, chegara a hora de Poliana pagar, com recursos públicos é claro, o preço de sua ingratidão.

sábado, 19 de março de 2011

Fantástico! Tsunami chega ao reino de Poliana





Sentada confortavelmente em suas almofadas, de pijamas e pantufas, Poliana aguardava mais um episódio de seu reality show favorito. Não perdia uma só exibição, era fascinada por todo aquele jogo de intrigas e fofocas. Poliana adorava uma fofoca. Pois eis que estava assim relaxada, quando seu mundo foi atingido por uma fantástica onda de denúncias e acusações. Um verdadeiro Tsunami midiático! Um mar de lama que invadiu o reino, varrendo o pouco de credibilidade que Poliana ainda mantinha e emporcalhando mais o seu já putrefato relacionamento com o decoro e a moralidade. Por intermináveis minutos Poliana ficara ali, em frente a TV, em choque, como esperando o momento em que alguém anunciasse que tudo não passava de uma grande pegadinha. O trânsito! Ha, o trânsito. Quanto desgosto e transtorno já causara à Poliana! E quanta satisfação e deleite vinha proporcionando a Oposição e Imprensa Livre! Ao diabo com Imprensa Livre! Mal ditos sejam os companheiros de clã que – em tempos bem remotos é claro – tanto estardalhaço fizeram para libertar essa fulana. Agora, a ingrata, armava arapucas para perseguir pobres almas como Poliana. Não tinha, essa sórdida e traiçoeira figura, nem um pouco de senso de ética e gratidão por aqueles que tanto fizeram em nome da democracia e da liberdade de expressão. Esse mundo estava mesmo de cabeça pra baixo, pensa a desiludida e atraiçoada Poliana.
Pois foi justo o trânsito que obrigou Poliana a sair de seu estado de torpor. Em poucos minutos o tráfego de bobos no seu castelo era imenso. Seus bobos, pareciam ainda mais bobos, andavam aturdidos de um lado pra outro, colidindo uns com os outros como bêbados. A sinfonia de telefones enlouquecia os já naturalmente aparvalhados pajens de Poliana. Se já não conseguiam parecer convincentes sobre assuntos corriqueiros, como conseguiriam defender o indefensável sem confessar o inconfessável. Poliana fora pega tão desprevenida que esquecera até mesmo de lançar mão dos infalíveis jargões de seu clã. Não usara os velhos sofismas como perseguição midiática, factóides, manipulação de adversários ou interesses de representantes das elites que se sentiram agredidos por seu reinado democrático, participativo e inclusivo, blá, blá,blá... Ainda faltava a Poliana o traquejo para a enrolação de improviso. Precisava participar mais de assembléias, sindicatos e movimentos sociais, assim adquiriria o imprescindível cacoete para momentos de crise moral, modernamente chamada desvio ético.
Em meio ao nervosismo e preocupação, acende o sinal amarelo para Poliana. Como sempre ocorre, depois da enxurrada... vem a corredeira. E que corredeira. Pois corriam todos: Poliana, seus amigos, companheiros de clã, bobos e pajens. Se espremiam, pálidos e sudoréticos, nas congestionadas filas em frente aos banheiros do castelo. Não conseguiam, os coitados, diminuir a velocidade assombrosa de seus intestinos. O trânsito intestinal de Poliana e sua corte exigia medidas urgentes. Agora, ficara nítido, até mesmo para Poliana o desarranjo em que se encontravam. Que situação ridícula e mal cheirosa. Nem lombadas, nem furões impediam que vez por outra uma ou outra massa mais apressada escapasse impunemente gerando desconforto e constrangimento. O cheiro no castelo, que nunca fora muito agradável, em pouco tempo já era insuportável. Alguns bobos, com uma ligeireza surpreendente em outras circunstâncias, aliviavam-se atrás das moitas nos jardins do palácio. Toda solidez da imagem que Poliana lutara tão arduamente para construir parecia agora se esvair literalmente perna abaixo. Se o Tsunami midiático durou poucos minutos seus efeitos sobre a saúde física de Poliana e sua corte se prolongou a noite toda. Muitas idas e vindas ao banheiro depois, Poliana, exaurida e desidratada reflete que não havia arranjo e locupletação que compensasse o desarranjo por que passara.
Algo de bom devia restar de tudo isso. Poliana, que sempre gostara de uma boa mídia, dessa vez conseguira mesmo brilhar. Seu reino nunca fora tão falado, sua fama agora se espraiara além fronteiras. De fato seu reino transformara-se na Bola da Vez. Esse título ninguém mais lhe tirava, pensava a incontinente e emporcalhada Poliana.

sábado, 12 de março de 2011

Poliana, rainha do Carnaval da Orgia


Nossa, mas que folia! Até Poliana se surpreendera com o gosto pelas orgias carnavalescas de alguns de seus bobos e companheiros de clã. O marasmático carnaval do reino foi sacudido pela estrondosa farra de seus amigos. Quanta festa e animação. Arrebentaram mesmo a boca do balão. Tudo é claro, regado aos inesgotáveis recursos públicos. Pois se são públicos, são de todos: todos os amigos de Poliana. Nossa nobre rainha, desde que se tornara soberana, muito vinha se empenhando para colocar em prática seus profundos conhecimentos socialistas “quem não vivia a se servir, não servia para Poliana.” Que mal pode haver em se permitir um pouco de divertimento àqueles que tanta dedicação e comprometimento demonstraram a sua majestade. Aos companheiros que suaram a camisa em comícios e quase desenvolveram tendinites abanando bandeirinhas. Poliana não poderia permitir que membros ilustres, verdadeiros caciques de seu clã, padecessem de tédio nesses feriados. Justo estes, tão corretos e esforçados, mereciam mais do que confetes e serpentinas. Pessoas assim de raro e inestimável valor eram dignos de dádivas, oferendas, monumentos e, é claro, cartazzes – Poliana era aficionada por cartazzes.
A liberada e visionária Poliana sempre estivera a frente de seu tempo. Fora ela, todos lembram, a pioneira criadora do dia do bandeiraço livre. Um dia especial ofertado a seus bobos para festejar o direito ao pleno exercício do total descaramento e a abolição definitiva da moral e da ética em seu reinado. Poliana detestava hipocrisia, sempre defendera a transparência. Era preciso ser coerente com seus princípios. E seus princípios de tão claros e transparentes tornaram-se quase invisíveis a olho nu.
O problema é que o barulho e a algazarra de seus amigos acabaram chegando aos ouvidos sensíveis e ranzinzas de Imprensa Livre. Esta, pobre e mal amada, juntamente com meia dúzia de rancorosos, inconformados por não terem sido convidados para a tal suruba, montaram o seu próprio espetáculo. Um festival de reprimendas e descomposturas. Aqueles discursos cansativos e bolorentos sobre moralidade e decência. Conceitos tão velhos que até mesmo Poliana e seu clã, por tantos anos detentores do monopólio destas virtudes, há muito já haviam abandonado tais falácias. Foram úteis por algum tempo, mas agora não serviam nem mesmo em Horário Eleitoral. Somente a decrépita e enfadonha Imprensa Livre era capaz de ressuscitar, em pleno carnaval, princípios e valores tão ultrapassados e obsoletos. Será que ainda havia gente no reino capaz de acreditar nessas asneiras? Poliana duvidava, mas era melhor não arriscar. Por isso, em frente ao espelho preparava sua melhor cara de quarta-feira de cinzas. Ensaiava um ar de contrariedade com toques de surpresa ressentida. Em poucos minutos estava pronta a apresentar ao grande público sua mais nova fantasia: Poliana – a lastimosa.

domingo, 6 de março de 2011

As aventuras carnavalescas de Poliana



Finalmente é Carnaval! Poliana adorava o Carnaval. Toda aquela gente alegre e sorridente. Tanta cor, brilho e alegorias. Os miseráveis esquecem suas mazelas e desfilam garbosos pelas ruas. Os famintos saciam-se de fantasias e ilusões. Os descontentes e insatisfeitos, satisfazem-se com brilho e purpurina. Tudo igualzinho a Horário Eleitoral! Que maravilhosa festa popular!
Como não poderia deixar de ser, Poliana - a benevolente - num de seus inúmeros e desinteressados gestos de bondade, resolveu dar folga a todos os seus servos nesses festivos dias. Mal noticiara sua decisão e seus numerosos bobos e pajens desapareceram como mágica. Poucas coisas faziam com que seus bobos se movimentassem tão rápida e eficientemente. Além de uma bela e robusta teta, eles adoravam mesmo era uma boa folga. Mesmo aqueles que pouco ou quase nada faziam, desempenhavam tudo isso muito melhor em casa. A questão era que, em poucos minutos, Poliana já se via sozinha em seu castelo. Sem supervisão, Poliana podia, após tantos meses, deixar sua redoma de vidro fumê e circular livremente pelo reino. Finalmente um pouco de liberdade para a dinâmica rainha. E Poliana não se fez de rogada, queria aproveitar cada minuto de independência e autonomia. Deixando para traz os portões do castelo respirou profundamente o bem vindo ar da liberdade. “Nossa, que cheiro horrível!” - exclama a nauseada Poliana. Alguém deve ter usado os muros do palácio como mictório ou havia algo, além de Oposição, a se decompor nas redondezas. Olhando para os lados, Poliana percebe muito lixo nas esquinas e ruas. “O que faria tanto lixo assim em seu reino?” Após refletir por alguns minutos lembra-se de há poucos dias, ter visto de sua janela pessoas empunhando vassouras e latões de lixo. É claro, é carnaval! Tudo isso deve fazer parte dos adereços do famoso Bloco do Sujo, que modernamente deve ser chamado de Bloco do Lixo. Como era original e criativo seu povo! Sempre pronto a inovar, extraindo prazer e ânimo da sujeira e dos dejetos. Um maravilhoso povo, que além de se saciar com sobras era capaz de vibrar e comemorar a cada ano o carnaval.
Erguendo os olhos, Poliana estranha a aparência decadente de seu castelo. “Deve ser isso o que se chama de tombamento de patrimônio histórico. Espero que os alicerces estejam em melhor estado que a fachada.” E a fonte d’água em frente ao palácio? Devia estar sofrendo de algum mal súbito. Jorrava água de forma desordenada, em golfadas e gorgolejos, sem nenhuma beleza ou harmonia. Que diferença das belas fotos que Poliana se habituara a ver penduradas em seu salão imperial. Provavelmente esse espetáculo grotesco de turbulência das águas deveria fazer parte de algum projeto de combate a mosquitos, certamente alguma brilhante idéia de seus adoráveis bobos.
Após alguns minutos percorrendo com seu veículo esporte as avenidas do reino, Poliana já sentia as costas doerem com tantos solavancos. Como haviam se proliferado os buracos no asfalto. Seus bobos da corte já haviam lhe esclarecido que os buracos eram uma medida desconfortável, mas necessária em prol do ambientalismo. Serviam para permitir a penetração da água no solo e a preservação do lençol freático. Tudo muito ecológico e eco-sustentável, nada além disso. Encantada com todas os magníficos cartazzes e banners que via distribuídos pelas ruas, Poliana se distrai e quase perde o controle após um forte tranco. Com agilidade desvia de uma enorme cratera a sua frente. “Isso deve ser um poço artesiano.” Seus bobos estavam mesmo preocupados com o abastecimento de água e engajados com preservação do meio ambiente, pensa Poliana, orgulhosa de seus pupilos. Achando que já vira o suficiente, resolve voltar ao palácio. Mas, após dezenas de tentativas, não conseguia encontrar uma forma de chegar ao castelo. Havia tal emaranhado de retornos, desvios e atalhos, que Poliana se perdera. Andava em círculos, desorientada. Logo ela, tão centrada, perdera o rumo e a direção. Que coisa estranha! Devia ser excesso de folia. O carnaval tem dessas coisas.
Ao fim do dia, exausta com sua aventura, Poliana toma mais uma de suas importantes decisões. Nunca mais sairia de sua agradável redoma, sem levar uma boa bussola e seus confortáveis e convenientes óculos cor de rosa.