segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A estrela escondida


Em Horário Eleitoral a nova moda eram os tons pastel. Os candidatos à disputa vestiam-se de azul, verde água e branco. Nada de cores quentes. No máximo um laranja desbotado. Tudo tão pálido e insosso quanto os atletas principais da disputa.

A companheirada, quem diria, usava de todos os artifícios para desgrudarem-se de seu símbolo maior: a reluzente estrela. A antes gloriosa estrela agora era omitida ou relegada ao plano de fundo. Tão diminuta e apagada que era quase impossível enxergá-la. Os companheiros que sempre exibiram com orgulho o vermelho de suas ideologias, hoje vestem-se de azul calcinha, amarelo esquálido e branco. Não seria de se estranhar que em breve adotassem alguma ave tropical como símbolo. Tudo é possível no campo da desfaçatez.

No reino de Poliana, em plena reta final do julgamento da Rainha Mãe, a estrela afastada, seus companheiros deixam de lado o discurso de golpe e se alinham aos algozes de sua alteza. Nem uma singela menção ou defesa de sua companheira nas redes sociais ou em manifestações públicas nesses últimos e decisivos dias. Não há protestos, choro ou gritos de guerra. Os punhos erguidos foram trocados por um virar de costas. A rainha fora impiedosamente abandonada pelos seus. Sem remoço ou vergonha.  Ideologias, símbolos e convicções mostram o que valem, nada.

Tirando as novas cores da disputa todo resto era mais do mesmo. Muito bate coxa pelas ruas. Beijos e abraços no povão. Depoimentos lacrimosos de pais e mães de família exemplares e filhos prodigiosos. A bíblia como livro de cabeceira. Jingles sofríveis em tempos de recursos escassos e maquiagem limitada. Tudo muito cansativo. A desesperança do povo era manifesta com um dar de ombros perante a corrida já iniciada. O povo estava cansado. Não via luz ao final do túnel. As expectativas do povo eram tão pálidas quanto os tons e a superficialidade das propostas e dos candidatos ao trono, onde o novo, o mesmo, e o de sempre, parecem tão miseravelmente iguais. Mediocridade daria a cor e o tom dessa disputa.

 

sábado, 20 de agosto de 2016

Amizade cor de rosa

E foi finalmente aberto o festival pirotécnico de Horário Eleitoral. Era hora de afinar os discursos e deixar a coerência de lado, novamente. No curioso reino de Poliana golpistas e golpeados andavam, mais uma vez, de mãos dadas, como irmãos. Feitos do mesmo barro, alimentados nas mesmas tetas, sustentados pelas mesmas propinas. A ladainha de golpe e traição estaria abolida por essas bandas. Pelo menos nas próximas semanas. Para tanto, a companheirada fizera uma nova interpretação dos ensinamentos de Marx. Mais valia o poder nas mãos, e os bolsos cheios de propinas, que uma ideologia vazia.

Assim, os companheiros lançavam mão do Manual de conduta socialista em época de alianças espúrias. E era preciso ensaiar para não errar no figurino ou tropeçar no roteiro. A palavra golpe, e todas as suas derivações, estavam terminantemente proibidas. O que já emudeceria boa parte da militância bitolada que só conhecia esse termo. O vermelho teria de ser abolido definitivamente. Nem camisetas de time de futebol seriam toleradas. A companheirada agora vestiria branco, a cor da paz, e o rosa. De preferência rosa bebê. Tudo muito angelical. Che Guevara, então, nem pensar! Nade de gravuras de barbudos, sequer Raul Seixas ou Bob Marley. E as estrelas? Ah, as estrelas! Precisariam ficar escondidas. O companheiro mais ortodoxo que optasse por manter a estrela rente ao corpo, deveria usá-la nas cuecas onde não pudesse ser vista. Os seguidores da velha e boa estrela precisariam arrumar outro símbolo de seus ideais para pendurar no peito ou estampar nas bandeiras. Um nabo parecia ser a escolha mais substanciosa, uma síntese de suas convicções e do conteúdo de seus escolhidos para essa próxima disputa. E, os outrora destemidos e esperneantes companheiros, aceitavam as novas regras como cordeirinhos.

A festa de lançamento de seus candidatos ao trono teve muito mais que pão, linguicinha e asa de frango torrada. Mais que uma Poliana esganiçante e lacrimosa nos discursos. Mais que cargos de confiança da rainha obrigados a participar da confraternização para garantir a boquinha. Foi pura emoção! Os companheiros, agora paz e amor, empunhavam com os olhos úmidos, suas novas bandeiras brancas com sutis traços de lilás. Alguns vestiam camisetas com a foto de Justin Bieber. Trocaram os chavões de Guevara por frases de padre Marcelo.  E, sob uma chuva de purpurina, todos, companheiros do clã estrelado e membros da irmandade do fogo, de mãos dadas, cantavam – não mais Vandré ou Chico – mas, o Rei. Olhos nos olhos, entoavam: “Você meu amigo de fé, meu irmão camarada. Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas... “. Um momento sublime. Digno de registro para posteridade.

Em tempos onde as certezas do povo são expostas com lava jato, os picaretas continuam irmanados em nome do poder, e uma estrofe melodiosa, cantada em uníssono, resume essa longeva aliança entre hipócritas e patifes: “Amigo, você é o mais certo das horas incertas.”

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Aberta a temporada de caça aos tolos

E Gigante Adormecido comemora o sucesso de sua festa de abertura dos jogos mundiais. Conseguimos, mais uma vez, provar ao mundo que em alegorias e fantasias somos imbatíveis. Tomara um dia cheguemos perto de entrar no ranking das nações seguras, organizadas e decentes. Enquanto títulos deste quilate tardam, que nos regozijemos com nossas ilusões para turista ver.
E Mesóclise, o rei tampão, alcançou o primeiro recorde do campeonato. Conseguira proferir as palavras da abertura oficial do evento em velocidade surpreendente. Tudo para escapar das vaias, conhecida arma do povo para demonstrar descontentamento. Falhara Mesóclise, apesar de sua agilidade ímpar. A saraivada de vaias o atingiram em cheio. Sua majestade conseguia a façanha de descontentar, simultaneamente, coxinhas e mortadelas. Essas duas vertentes rivais em uníssono vaiavam o rei, que segurava o microfone com a mesma vontade que agarrara-se ao poder ao longo de sua vida. Ufa! – suspira Mesóclise, terminada sua apresentação relâmpago. – Jamais contentá-lo-ei a todos. Ao menos contentá-lo-ia aos seus compadres. Era o que precisava em sua interinidade.
E, enquanto todo Gigante Adormecido assistia as disputas das várias modalidades olímpicas, no pequeno e pacato reino de Poliana um novo jogo ganhava as ruas, chamando a atenção de seu povo. Pessoas andavam pelo reino em uma caçada curiosa. Adentravam em igrejas e botecos. Invadiam os espaços públicos e festas de comunidades. Perturbavam missas, aniversários, casamentos e batizados. Sempre procurando por algo. Nem mesmo os velórios eram respeitados. Ah! O novo jogo virtual, verdadeira febre entre os jovens, chegara por aqui. O Pokémon Go! Sim, o aplicativo já baixara por essas bandas e fazia sucesso. Mas não eram jogadores perseguindo bichinhos virtuais o que mais se via pelo reino. Eram candidatos caçando eleitores. A dinâmica era a mesma de sempre: cada eleitor capturado valia um bônus, chamado voto. Para capturar eleitores os jogadores usavam armas de atração. Promessas vazias e pão com linguiça eram as mais atrativas iscas para pegar os mais bobos. Os eleitores mais criteriosos exigiam um pouco mais de destreza dos jogadores, como churrascadas com maionese e salada de repolho, e ofertas de uma boquinha no futuro. Ao final do jogo, que tinha prazo definido para terminar, os votos conquistados pelos jogadores seriam trocados por brindes. Maior o brinde, quanto maior o número de pontos alcançados: poder, cargos, carguinhos e, é claro, dinheiro público. Esse fantástico jogo estava apenas iniciando. Atingiria o ápice nas próximas semanas, com os jogadores cada vez mais vorazes em suas caçadas. O povo teria de se camuflar e rebolar para conseguir escapar da captura, e de se ver aprisionado pelos próximos quatro anos as mesmas mentiras e ilusões que são a alma desse jogo.
 

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Poliana, a monarca placebo

Nossa prestimosa Poliana pode tardar, mas jamais falha. Nos últimos suspiros de seu reinado decidira, vejam só, atender as principais promessas feitas em sua primeira turnê a Horário Eleitoral. Finalmente, Vontade Política, sua varinha de condão, resolvera funcionar após tantos anos em permanente manutenção. O frio deveria ser a explicação! O inverno mais intenso das últimas décadas deve ter acordado Vontade Política. Pura coincidência esse milagre ocorrer tão próximo de um nova viagem ao mundo encantado e colorido de Horário Eleitoral. Neste ano, para desespero de Poliana e sua trupe, Horário Eleitoral não seria mais tão bonito e enfeitado como antes. A maquiagem e o photoshop estariam limitados por lá. Por isso, nossa rainha precisava fazer agora o que adiara por anos.
 
E, enfim, as consultas médicas nasceriam do chão, feito inço no verão. Nada mais de filas na espera por pronto atendimento. A super safra de médicos, tão alardeada e prometida, finalmente dera o ar da graça. E os atendimentos de saúde floresceriam como os Ipês. Pelo menos até o final da primavera. O velho mantra de seu tempo de pedra, trocar agendamento por respeito, resolvera acordar Poliana nos seus últimos tempos de vidraça. Seria uma temeridade que sua alteza fosse lembrada por Oposição de sua incompetência em cumprir uma surrada promessa. Sorte de Poliana a memória de seus súditos ser mais curta que resfriado. Se em Horário Eleitoral nossa monarca e seus aliados tinham todos os diagnósticos e terapêuticas, aqui em Mundo Real a saúde era merecedora apenas de medidas paliativas. E, pelo menos pelas próximas semanas, era preciso manter seus súditos em boa forma, afinal, saúde sempre fora uma boa moeda de troca nas competições quadrienais de Horário Eleitoral.
 
Segurança! Outro mantra de nossa alteza tão negligenciado em seu reinado. Era para serem apenas palavras ao vento que ninguém lembraria decorridos alguns meses, mas a insegurança do povo podia fazê-lo lembrar de suas - as de Poliana -  promessas vazias do passado. Para tranquilizar seus súditos, Poliana prometia transformar seu reino em um gigantesco Big Brother. Câmeras de videomonitoramento já estavam brotando nos postes, como musgo. Se funcionavam, ainda ninguém sabia, mas que chamavam a atenção, isso chamavam. Que essas novas máquinas consigam intimidar os bandidos mais do que as anteriores, que Poliana preguiçosamente deixou enferrujar até virarem sucata, para contentamento dos meliantes locais.
 
Poliana, inequivocamente, era excelente nos diagnósticos precisos das mazelas de seu povo, mas exageradamente lentinha em colocar as soluções em prática. O que motivava a monarca e sua vasta corte, não eram as necessidades diárias do povo, e sim suas próprias necessidades de votos. Uma pena que as competições em Horário Eleitoral só ocorram a cada quatro anos. Muito tempo para quem precisa de saúde e segurança. Tempo suficiente para Poliana enrolar, cozinhar em banho-maria, e ao final do segundo tempo de jogo, marcar um gol de mão. Sua alteza merecia a medalha olímpica em descaramento. E a conquistaria. Com o apoio do povo, que por anos aguardou por atendimento em saúde e sofreu com o abandono e a insegurança. O sofrido povo desse reino se alimenta de sonhos e ilusões, e contentava-se com remendos e remédios de última hora. Um povo que aceita apenas medidas paliativas, merece uma rainha placebo, muito mais farinha que conteúdo.