domingo, 30 de junho de 2013

O socialismo coerente da turma de Poliana

Poliana adentra no salão real com sua eterna pose altiva e aristocrática. Com o nariz empinadinho, no mais legítimo orgulho da realeza, anuncia para sua constelação de bobos e pajens:
- Vocês viram só, seus molóides, como se administra uma revolta popular? Aprendam comigo, a rainha do ilusionismo e das multidões. – vangloria-se sua alteza, para o cada vez mais perdido e acuado grupo de estrelas decadentes.
- Você conseguiu conter os manifestantes, Poliana?! – pergunta, aliviado, um companheiro de clã.
- Como você fez isso, Poliana, se nem a Rainha Mãe conseguiu essa façanha? – surpreende-se um bobo da corte - Aliás, a rainha mãe está mais mal assessorada que você, alteza. Nunca antes na história do Gigante Adormecido, um soberano conseguiu enrolar tanto. Nem a língua. Sorte que temos o futebol para ofuscar tanta asneira dita em rede nacional.
- A Rainha Mãe vai ter de pagar por suas más companhias e assessorias, como eu, talvez um dia, tenha de pagar pelas minhas. – reflete Poliana, num lapso momentâneo de autocrítica. – O que importa nesse momento de crise aguda de moralidade coletiva, é driblarmos a fúria das massas.
- E como você, magnânima, conseguiu isso? – pergunta um dos presentes.
- Eu ainda não consegui. Mas está tudo encaminhado para isso. Com a ajuda do meu serviço de marketing, mídia e maquiagem, patrocinada por recursos públicos, estarei anunciando, com muito alarido, que não haverá aumento das passagens do transporte coletivo no reino até a Copa do Mundo de 2014! Uma reivindicação histórica de meus adoráveis e sofridos súditos. Um reinado democrático e participativo como o nosso, precisa ouvir a voz das ruas e atender ao clamor das massas! – exclama, emocionada, a sempre sensível soberana.
- A solução que você vai apresentar vai ser essa, alteza? Não reajustar as passagens? – indaga um dos pajens.
- Isso mesmo! Não é uma idéia brilhante e inovadora? Vocês conhecem algum monarca nesse país que tenha tido uma idéia tão genial como essa? – pergunta a rainha, com o peito estufado de orgulho.
- Na verdade, alteza – começa, constrangido, um dos companheiros presentes – pelo menos uma dezena de reis e imperadores fizeram o mesmo anúncio, só nessa semana.
- Gente sem criatividade que ousam plagiar Poliana! – revolta-se a monarca, tentando encerrar o rumo desconfortável da discussão.
- Mas o preço das passagens no nosso reino não é reajustado há três anos, rainha. Não parece ser essa a motivação principal dos manifestantes. Eles pedem mais qualidade no transporte, isso sim, além de muitas outras coisas, bem mais complexas. – pondera um dos bobos.
- Se querem transporte de qualidade, que andem de automóvel, ora bolas! Ou melhor. Com toda essa buraqueira, que nós democraticamente distribuímos por todo o reino, que andem de trator, isso sim! Esse povinho anda muito exigente e petulante com essa onda reacionária de rebelião das elites. – afirma a afetada e convicta majestade.
- A questão parece ser mais profunda, rainha. – continua o companheiro, preocupado – Não acredito que essa medida possa contentar os revoltadinhos de plantão. O povo que foi para as ruas exige mais. Mais saúde e educação. Mais moralidade no trato com a coisa pública. E eles são muitos!
- Moralistas! Temos de combater esses moralistazinhos sem partido. Vamos direcionar esses revolucionários das grandes causas para a simplicidade das causas de fácil digestão. Não podemos permitir que essa onda de protestos, sem cabimento ou cabresto, reavive a memória fraca de nossos súditos. – alerta a magnânima.
- Memória, alteza? – pergunta um confuso aliado real.
- Claro, seu estúpido! Já pensou se esses manifestantes resolvem relembrar todas nossas trapalhadas no poder? O desvio de pedras. A máfia dos pardais. As falsas impressões que nós pagamos com dinheiro público. Os alvarás para a companheirada. Os rolos e enrolos no estacionamento rotativo. Seria uma catástrofe sem precedentes e de conseqüências nefastas para nós.
- Nem nos fale rainha. – suspira um dos bobos, sudorético. – Sem falar em todas as falcatruazinhas que todos suspeitam, mas ninguém conseguiu provar ainda.
- E se todo esse barulho incomodar Justiça e aquela velha caquética resolver tirar a bunda de cima do meu processo? Já pensaram no que vai ser de mim? Eu posso ser novamente caçada como uma lebre! Vocês pensaram na desgraça que seria um processo democrático de escolha de um novo monarca com toda essa onda utópica e sem fundamento de moralidade?
- Seria o nosso fim! – apavora-se o coeso grupo.
- Isso mesmo! Seria nossa extinção. Por isso, companheirada, precisamos usar todos os meios para alcançar nosso único fim: continuar no poder. Vamos vender na mídia, nas redes sociais e em nossos outdoors, que tudo que o povo queria e precisava era que as tarifas do transporte público continuassem as mesmas. Nem que para isso vocês precisem andar de ônibus, a partir de agora. – ordena Poliana.
- Andar de ônibus?! Nós?! Você ficou louca, Poliana. Eu nunca entrei num trambolho daqueles na vida. Nem nos tempos de faculdade. Eu sempre fui de Van! – escandaliza-se um ortodoxo membro do clã, abanando-se com a boina do Che Guevara.
-Corta essa, Poliana! Eu não vou deixar meu Audi A3 com teto solar enferrujando na garagem, nem mesmo pela revolução socialista! – indigna-se outra rubra estrela.
- Fala sério, rainha! Como é que eu vou me acomodar naqueles bancos apertados e com toda aquela gentarada suada, no final do dia?! – ergue-se, com dificuldade, um volumoso companheiro da facção mais socialista do clã de Poliana. - E nem tem parada na frente do MacDonald’s! Eu não passo um dia sem um Big Mac e uma Coca gigante. Eu sou fiel aos meus ideais! Não posso ser conivente com esse modelo capitalista que privilegia as oligarquias e os monopólios dos donos de empresas de transporte coletivo. – conclui, coerente como sempre, a boa e velha estrela.
- Vocês têm de me ajudar! É por nossa justa causa! Pela sustentabilidade dos seus carguinhos! – exaspera-se a rainha.
- A causa é justa, Poliana. Mas não precisa radicalizar! Nós podemos ir para as ruas, com bandeiras e ideologias fajutas. Mas andar de ônibus é um exagero! – manifesta-se outro representante dos movimentos sociais.
- Está bem! – concorda Poliana, dando-se por vencida. – Vocês não precisam andar nos transportes públicos como o resto dos contribuintes. Mas vão ter de convencer a torcida de que o jogo foi ganho pelo povo. E sem impedimento ou jogada desleal. E que a voz de Poliana é a voz de Deus e representa legitimamente o anseio dos manifestantes e da sociedade.
- Fechado! Vamos pro facebook, galera! Manipular as massas de alienados representantes das elites capitalistas! Moralistas sem ideologia alguma. Viva Chávez e Fidel! Abaixo a ditadura da direita sonolenta! Fora os hipócritas do ManiFest –  o movimento dos coxinhas reacionários representantes da direita golpista! – urra o fanático comunista, sempre fiel as causas e convicções socialistas – “Se fosse, pelo menos, o movimento dos hambúrgueres...” – pensa, entre uma mordida e outra de seu Big Mac, pago com o suado e merecido salário de proletário e explorado assessor parlamentar.



domingo, 23 de junho de 2013

A revolucionária Poliana

Poliana olhava assombrada através das vidraças do castelo. Mesmo com toda chuva que caía, uma multidão se aglomerava em frente ao prédio. Do alto, com a visão embaçada de sua redoma, a rainha não conseguia distinguir os dizeres nos cartazes. Manifestos de apreço a sua alteza, com toda certeza, deduzia Poliana, a crédula.
- Que maravilha! O povo clama por mim! Nenhuma rainha é tão popular e adorada pelos súditos como eu, não é verdade meus bobos? – indaga a sempre deslumbrada monarca.
- Claro, alteza! Você é um verdadeiro fenômeno. – responde um dos pajens um tanto quanto constrangido.
- Tragam minha capa de chuva. Eu vou lá fora me atirar nos braços receptivos do povo. Meus súditos adoram carregar sua rainha nos braços! – exclama a efusiva rainha.
- Acho que não é uma boa idéia, Poliana. O povo que está lá fora parece estar justamente farto de carregar nossa corte nas costas. – responde um dos companheiros de clã.
- Como assim? Não entendi. – questiona a monarca, confusa.
- Não se trata de um manifesto local. Muito menos de reverência a sua maravilhosa e brilhante figura, magnânima. - esclarece um dos bobos - Essa manifestação é uma verdadeira rebelião das massas que está acontecendo em todo território do Gigante Adormecido. Você não viu na TV e nos jornais?
- Vocês sabem muito bem que eu não costumo perder tempo com essa Imprensa Livre golpista. Só assisto novelas e o BBB. – responde a rainha com ar de enfado – Quer dizer que está havendo uma rebelião popular, é? Mais um motivo para nós irmos às ruas, seus bobões! – afirma Poliana convicta.
- Você não entendeu bem, adorada rainha. – acrescenta o companheiro Golesminha, rodeando sua alteza de forma aduladora, como um poodle. – O povo está nas ruas com gritos de guerra e reivindicações.
- Fantástico! Vamos pegar nossas bandeiras vermelhas e marchar ao lado do povão. Não podemos perder uma oportunidade dessas de manobrar as massas a nosso favor. E fazer filmagens para Horário Eleitoral.  Onde é que estão os companheiros do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago)? E você que é membro do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), o que está fazendo deitado nesse sofá? Peguem os bonés, as camisetas e as foices e vamos pra rua!
- Não é tão simples assim, alteza. – responde um companheiro – O povão não nos quer junto deles, dessa vez. Colocaram naquelas cabeças ocas  que nós fazemos parte do problema, portanto não podemos tomar partido das manifestações. Coisas dessa nova elite de jovens reacionários.
- Vocês estão querendo me dizer que esse barulho todo não foi orquestrado por nosso clã, nem por nossos apoiadores? – pergunta a rainha, perplexa.
- É isso mesmo, rainha. Nós nem sabíamos o que estava acontecendo. Veio de surpresa, como uma avalanche. – esclarece um dos líderes da FarsaSindical.
- Não é possível! - exclama a cada vez mais abobalhada Poliana, olhando novamente pela janela. – Toda aquela gente lá fora, e nós não estamos no comando?!
- Isso mesmo, companheira. É uma multidão sem cabresto ideológico. – responde desiludido outro companheiro.
- Como foi que vocês deixaram uma catástrofe dessas acontecer, seus estúpidos?! – grita Poliana, a beira de mais um chilique real, dessa vez justificado.
- Não é culpa nossa, rainha. É um movimento que se espalhou por todo Gigante Adormecido. São milhares de pessoas nas ruas em protesto, principalmente jovens.
- Mas eles protestam contra o que e a favor de quem? Não pode ser coisa de Oposição, ela não tem capacidade para isso.
- São rebeldes sem causa. Lutam por saúde, educação, segurança pública, menos impostos e tarifas, contra a corrupção e o desvio de verbas.
- Só?! – espanta-se, ainda mais, a sempre decidida e visionária monarca – Mas desse jeito essa gentarada está pensando em mudar o país! Que coisa mais sem cabimento. De onde surgiu uma idéia estapafúrdia dessas? E o que nossa classe de monarcas e imperadores do povo estava fazendo que não viu esse verdadeiro tsunami surgir no horizonte?
- Estavam fazendo, o que nós sempre fazemos, viajando, assistindo os jogos de futebol, desviando verbas, contando propinas... coisinhas simples do dia a dia.
- Precisamos agir rapidamente. Não podemos permitir que essa cambada de arruaceiros continue a gritar. Vamos seguir a cartilha de nosso clã. Precisamos relembrar essa turma que quem inventou a democracia fomos nós e que o monopólio das causas populares também é nosso. Temos de dar um jeito de nos infiltrar nesse movimento estúpido e tomar as rédeas dessa manada. Para isso precisamos criar uma causa objetiva e empurrar goela abaixo dos desordeiros.
- Mas que causa seria essa, Poliana?
- Sei lá. Algo de apelo para os jovens. Que possa entreter por um tempo essa juventude transviada e desviá-la desse caminho perigoso e sem volta.
- Eles pedem passe livre no transporte público. – lembra um companheiro.

- Tá louco! Isso é mais utópico que um socialismo que funcione. Temos de pensar em outro mote. Vamos reivindicar um mega show do Justin Bieber, o novo Chico Buarque desses jovens de classe média. E para coroar o processo democrático e de inclusão social dos adolescentes rebeldes, lutaremos até o fim pelo passe livre para a cura da acne! Nada, nas últimas décadas, foi tão ousado e revolucionário. A juventude vai abraçar essa causa e nós, os donos do poder, poderemos dormir tranqüilos novamente. Avante companheirada, vamos pra luta! Precisamos endurecer para não perder as mordomias jamais. – conclama a revoltosa Poliana, empunhando, como sempre, as bandeiras de suas causas próprias.

domingo, 16 de junho de 2013

FALA SÉRIO! Exercício de cidadania

As manifestações populares em nosso país, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio grande do Sul e Brasília, e que ganharam repercussão nacional e mundial nos últimos dias, merecem as devidas reflexões e considerações. Deixemos, por hora, de lado as ideologias, hipocrisias, utopias, cores partidárias e credos. Precisamos repensar nosso Estado, nossa sociedade e nossa Nação. Não nos parece sensato presumir que um movimento de tamanho contingente de pessoas e participantes e com tal estrutura e mobilização tenha sido motivado tão e unicamente pelo aumento da tarifas de transporte coletivo nessas capitais.  Seria cômodo e pueril resumir os fatos ocorridos a um mote tão pequeno e corriqueiro nesse país. As manifestações ocorridas nos últimos dias demonstram claros sintomas de que a sociedade brasileira encontra-se farta e sobrecarregada de tarifas, impostos e ineficiência estatal. A indignação de muitos brasileiros com a corrupção desenfreada, o descaso com a saúde e a educação, os desvios corriqueiros e imorais de verbas, os gastos estrambólicos de recursos públicos com estádios de futebol e outras perfumarias de pouco, ou nenhum valor para os contribuintes brasileiros, que ainda esperam de sua pátria o mínimo de dignidade que sua Carta Magna proclama, parecem estar mais ao centro das indignações coletivas. Indignações estas, valorosas, corretas e merecedoras de todo e qualquer apoio e elogio. A luta contra a corrupção, o desmando e o descaso aos interesses coletivos devem estar sempre no cerne de qualquer ideal que seja justo e criterioso em suas doutrinas.
No entanto, é preciso que sejamos coerentes e imparciais em nossas análises dos fatos. Qualquer um que tenha participado de movimentos coletivos sabe que dentre uma maioria comprometida e ordeira, existe uma minoria de baderneiros, descompromissados e arruaceiros. E existem aqueles que buscam se apropriar de uma causa coletiva em prol de interesses partidários. E que essa minoria desprezível, pode arruinar todo um processo de luta democrática e legítima, conquistada pelo exercício pleno da cidadania.  Para isso basta uma pedrada em uma vidraça. Duas ou mais ofensas a um policial. Uma cuspida bem acertada. Um soco, certeiro como um tiro de fuzil. No calor da batalha, nem todo mundo é  santo e todo vira latas vira Pit Bull, quando em matilha. Essa é a verdade nas gangs, nos guetos e nos dignos movimentos das causas sociais. Esse é a realidade  em qualquer movimentação popular de qualquer país do mundo. Só quem nunca participou, ou é demasiado hipócrita, acha que pode ser diferente.
Quando um grupo de pessoas, por mais bem intencionadas que estejam, por mais justas e legítimas que sejam suas causas, obstruem avenidas, impedem a passagem de outros, impossibilitam que trabalhadores cheguem a suas residências ou seus locais de trabalho, esse grupo impede o direito de ir e vir de outros cidadãos. Cidadãos também brasileiros. Sujeitos as leis, aos impostos, as tarifas e as mazelas desse país. E esses cidadãos, mesmo que simpatizantes da louvável e inquestionável causa de um país mais sério e digno para seu povo, têm o direito constitucional e inviolável de ir e vir. E esse direito magno, como o direito a saúde e a educação, deve ser respeitado. Por todos. Quando esse direito é violado, o Estado precisa intervir. Quando alguns manifestantes, mesmo que  a minoria, depreda patrimônio público e privado e coloca em risco a integridade de outros, torna-se preciso, justo e urgente que o Estado intervenha. É o que rege nossa Constituição. É o que esperamos, todos nós brasileiros.  Aqui, entra o papel da polícia. Brigada Militar, no estado do Rio Grande do Sul. Respeitosa, valorosa e reconhecida Brigada Militar dos gaúchos. Trabalhadores como nós. Não esperam, tenho certeza, os brigadianos, nem querem, ter de bater, agredir ou jogar bombas de gás lacrimogêneo em seu povo. São, eles, povo como nós, assalariados. Pagam impostos. Agonizam com seus familiares em emergências lotadas de hospitais públicos. Lastimam pela abundância de estádios de futebol e pela escassez de leitos e médicos em hospitais. Assim como nós lastimamos. Mas, quando a lei e a ordem estão ameaçadas, precisam intervir. Essa é a função da polícia militar. Intervir, quando necessário, e garantir a ordem e o respeito ao direito da maioria da população. Pelo bem do todo, pela manutenção da ordem e pelo respeito às leis e a Constituição Federal. Triste sina de sua profissão. Mas alguém tem de fazer. E eles fazem.  E por salários irrisórios. Fazem, por que é seu dever profissional. Não esperam reconhecimento. São pagos para isso. São, acima de tudo e de qualquer julgamento, profissionais. Mas, são pessoas, contribuintes, e seres humanos também.
Se houve excessos, e é mais do que provável que tenha havido, de ambos os lados (só os sonhadores,  os hipócritas e pseudo-intelectuais alienados, podem acreditar que em manifestações com centenas de participantes tudo será um mar de perfumadas rosas brancas) devem ser apurados e severamente punidos. Manifestantes desordeiros devem ser presos e condenados. Policiais que abusaram da força devem ser severamente punidos. A nós, sociedade desorganizada, mas revoltada e questionadora, deve ficar a semente de que a luta pelo certo e justo é sempre o melhor, por mais árduo que seja, caminho a seguir. O que precisamos, como sociedade, é aprender a lutar pelo que é certo e justo sem desrespeitar o direito dos outros. E sem nos permitir manipular por interesses de uma minoria que não representa nossas justas indignações. Esse é o mais exaustivo exercício de democracia. Exercício cansativo, e na maioria das vezes infrutífero, mas que precisa ser cultivado, adubado e regado, para que conflitos sangrentos não tenham mais vez nesse estado e nesse país. Para que um policial não tenha de lutar contra um dos seus, pois nada é mais nocivo à democracia do que iguais se digladiando como inimigos. Causas justas devem ser de todos. E todos, devemos respeitar as leis. Se as leis não são justas, lutemos para mudá-las. Enquanto isso, e apesar de tudo, são leis. Feitas para serem respeitadas.  Respeitemo-las, em prol da democracia e da ordem social. Lutemos todos os brasileiros por um país que não seja da Copa do Mundo ou das Confederações, mas que seja um país sério, decente e íntegro para seu povo. Busquemos o que é correto e ético, sem jamais perder de vista o que é legal. Esse é nosso dever de casa. Exercício pleno e contínuo de cidadania.

domingo, 9 de junho de 2013

Construindo Locupletações

- Eu não sei por que tanto falatório e polêmica no reino por causa do emprestimozinho que nós fizemos. – critica um companheiro revoltado.
- Essa colonada não gosta de se endividar. É um povinho meio tosco, não tem nossa visão empreendedora. – completa um membro da FarsaSindical.
- Tanto alarido por uma soma tão pequena. Essa gente não tem qualquer noção de dinheiro. – reforça sua alteza, lixando calmamente as unhas. – O que são 15 milhões, afinal? Uma ninharia dessas, eu guardo em casa.  Detesto ter de ir ao banco.  - completa com ar de enfado.
- E um pouco desse dinheiro nós vamos transferir para nosso FARC (Fundo de Apoio e Remuneração da Companheirada), não é mesmo?
- Não vai ser fácil dessa vez. É dinheiro quente. Vem através de transações bancárias. Fundo a fundo. Nada de fundilhos e meias na intermediação do processo. – lamenta outro companheiro.
- Isso não é problema para nós, seu bobo. Não se esqueça que eu, além de pós-graduada em ilusão de ética, sou perita em manipulação de contas e transposição de fundos de garantia. Modéstia a parte, naturalmente. – exibi-se Poliana, com o nariz empinadinho.
- Isso todo mundo sabe, rainha. Você é uma verdadeira lenda viva no sistema financeiro e de financiamentos. – elogia um dos aliados.
- Mas em que nós vamos investir esse dinheiro do reino, afinal? – questiona Poliana a sua seleta corte.
- Em um inovador e inédito projeto de revitalização da pavimentação asfáltica e reformulação da malha viária que garantirá um democrático e inclusivo programa de mobilidade urbana e trafegabilidade cidadã. – esclarece, de um só fôlego, o bobo das obras de ficção da rainha.
- Credo! Se tem uma coisa que eu detesto é essa mania do nosso clã de usar cinqüenta palavras para dizer o que apenas uma bastaria. Em resumo: tapa-buracos! – conclui a sempre pragmática Poliana.
- Também não precisa sintetizar tanto, rainha! – queixa-se o bobo, constrangido.
- Só para ver se entendi. Nós fizemos um empréstimo de 15 milhões, que o povo vai terminar de pagar em 24 anos, para tapar buracos no asfalto, recapear algumas ruas e asfaltar outras poucas, é isso?
- Isso, mesmo.
- Tendo em vista que o tempo de vida útil do asfalto deve girar em torno de cinco anos, quando terminarmos de pagar a conta e os juros, o reino já vai ter voltado à era do chão batido, não é mesmo?
- Mais ou menos, alteza. – responde um dos bobos, já temendo as duras críticas da rainha.
- Brilhante idéia! Não sei como eu não tinha pensado nisso antes. Vocês estão de parabéns companheirada! – exclama Poliana, satisfeita.
- Você está falando sério, Poliana? – pergunta um dos companheiros, desconfiado.
- Claro! – responde a rainha, consultando detidamente seu tablet. – Eu só preciso saber se as Organizações Poliana e a Laranja Empreendimentos, já possuem ramificações no ramo de asfalto também. Vocês lembram se nosso clã tem algum rolo nessa área?
- Não estou lembrado, rainha. Nós temos vários no trânsito, isso sim. Rodízio de dinheiro público nos estacionamentos, pardais, furões e lombadas eletrônicas... Mas asfalto, eu acho que ainda não.
- Vamos consultar meus empreendimentos pessoais. – continua Poliana, concentrada, correndo o dedo pela tela. – Gráficas e falsas impressões... automóveis... construção civil... pães e sonhos... sexo e entretenimento...mercado imobiliário... agronegócio... óleos e farelos... Papel higiênico e Pet shop?! Nem sabia desses aqui. – espanta-se a rainha. – É, acho que as Organizações Poliana não investiram, ainda, em asfalto e usinagem. É hora de diversificar meu ramo de atuação. – afirma Poliana, decidida.
- E como você vai fazer isso, alteza? Vai pegar um empréstimo bancário?
- Empréstimo?! Tá louco?! Com os juros do jeito que estão?! E eu lá sou mulher de me endividar, seu estúpido. Eu pago tudo a vista. E em dinheiro. Empréstimo eu sempre fiz com o dinheiro dos outros. Atualmente, com o dinheiro do povo, é claro. – esclarece Poliana, erguendo-se decida. – Agora, se vocês me dão licença eu preciso encontrar o Zé.
- O Zé?! Dirceu?!

- Não. Um Zé ninguém. Mais um novo sócio para a Laranja Empreendimentos. O Zé Dirceu é só um Mané perto da ardilosa e empreendedora, Poliana! – conclui a matreira rainha, piscando maliciosamente o olho para seus companheiros de empréstimos e locupletações coletivas.