domingo, 29 de novembro de 2015

A Tristeza de Noel



           Imóvel, no banco da praça, o velho Noel observava o movimento na avenida. O ir e vir assoberbado dos pedestres. O fluxo frenético dos veículos. O desarvoro dos tempos modernos. Atrás dele, o martelar ritmado das construções românticas de mais um Natal brilhante e iluminado na cidade. Eram dias de poesia, fé e nostalgia. Todo o povo era consumido por um profundo e inexplicado sentimentalismo nostálgico. As preparações para as festas natalinas contagiavam a todos.
           Só o velho Noel sofria. Sofria, ali sentado, uma inerte e volumosa alegoria, apenas. Sentado, estático, sem o ônus ou a benção de poder desviar o olhar, ou aliviar o destino. Naquele banco da praça, ridiculamente imóvel, fora jogado. E fadado estava, até depois das festividades, a visualizar dia após dia a decadência da história de um povo. O velho prédio histórico a sua frente se deteriorava a olhos vistos. O velho Noel já o vira nos áureos tempos de esplendor, quando parecia resplandecer firme e altivo em frente à praça. O símbolo de um lugar e de um povo que se faziam prósperos. Agora, as rachaduras carcomiam as antes sólidas estruturas. A pintura se desprendia da fachada como se vergonha tivesse de acompanhar o velho prédio em sua ruína. As sacadas, de peitoril trabalhado, pareciam se curvar, talvez em sinal de conformada desistência, certamente prova de desrespeitosa negligência.  Até mesmo os João de Barro deixaram de construir seus ninhos sobre as antigas janelas, nessa primavera. Há que se preservar a integridade física de seus filhotes, provavelmente pensaram os passarinhos. A umidade dos últimos dias fazia verter água das paredes revestidas de musgo, feito lágrimas.  Chorava o velho prédio, pensava Noel. Ninguém notava. Ocupados, todos, com o ritmo frenético de suas próprias vidas, não tinham tempo de erguer os olhos para o prédio histórico que agonizava, abandonado a própria sorte. Acostumados estavam há décadas de tê-lo ali, zelando pelo futuro e relembrando o passado. Em breve, talvez não estivesse mais, lastimava Noel, com um desconfortável aperto na garganta. Quando enfim, o velho prédio se fizer ausente, todo o povo sentirá o vazio da história e a ânsia da revolta e da indignação tardias. Já fora assim em outros tempos e outras histórias. Uma pena que só a ruína e a ausência definitivas sejam capazes de despertar um povo.
            Apenas nesse Natal que se avizinhava, desejava o velho Noel, deixar sua desconfortável posição de adorno festivo e poder desviar o olhar do sofrido prédio, como fazia o povo que circulava nas calçadas e aqueles que em seu interior geriam o presente e o futuro dessa gente e dessa terra. Uma discreta umidade se acumulava nos cantos dos olhos do velho Noel e, lentamente, escorria pela rechonchuda face. Chorava o velho Noel, acompanhando o pranto sentido do antigo prédio.
 
 

domingo, 15 de novembro de 2015

Os extremistas do relativismo ideológico


        Os franceses assassinados nos atendados terroristas em Paris não merecem nossas lástimas. As famílias que choram a perda de seus entes queridos e a população que, acuada e amedrontada, teme andar pelas ruas da Cidade Luz, não são dignas de nossa solidariedade. São hipócritas todos aqueles que se comoveram com o terror na França.  Para sofrer, indignar-se, solidarizar-se ou horrorizar-se com a barbárie terrorista há que se ter um criterioso currículo politicamente correto. Quem não chorou Mariana, não merece perdão. Os franceses, e o mundo, não foram às ruas em solidária comoção pela tragédia de Mariana. Os brasileiros também não. Perdemos, todos, o direito de prantear as vítimas de Paris. É o que pregam os teóricos do relativismo ideológico.
            O relativismo rasteiro daqueles que, por ideologia ou estupidez, tentam minimizar o terror e constranger a indignação legítima da sociedade frente à selvageria, merece desprezo. Quem busca justificativas de qualquer natureza para atentados terroristas em qualquer parte do mundo, é digno de asco. O terrorismo tem o ódio como ideologia. Quem compactua com terroristas tem o mau-caratismo como alicerce.  Os mortos de Paris, foram executados por serem ocidentais. Ocidente que, com seus pecados e agruras, preza e defende a liberdade. Liberdade de opinião, de manifestação e de crença. Liberdades intoleráveis para os assassinos do Estado Islâmico.
            Os que louvam a outro Deus, merecem o inferno e a execução fria, sangrenta e impiedosa, é a convicção dos extremistas do Estado Islâmico. Os que choram outros mortos, que não os seus mortos, são hipócritas merecedores de escárnio, acreditam os extremistas do relativismo moral. Choremos nós, os não alienados por extremismos, pelas vítimas da fome, da malária, das catástrofes, da falta de assistência em saúde, da violência, da irracionalidade e do terror. Oremos, com nossas crenças, pelas vítimas de Mariana e Paris, enquanto ainda temos liberdade de orar. Prezemos sempre e incondicionalmente, pela igualdade, fraternidade e liberdade, valores desprezados e combatidos pelos extremistas de qualquer ideologia.

domingo, 8 de novembro de 2015

Santo Jorge, o Ecobobo de Poliana


 O respeitado, e sempre na boca do povão, bobo das obras de Poliana, Santo Jorge, o padroeiro dos mecânicos e borracheiros do reino, andava revoltado. Quase tão revoltado quanto na época em que pedia impeachment de presidente corrupto,  sem que isso fosse golpe. Tempos outros, bem outros, é claro. Já estava farto de ser criticado nas desprezíveis redes sociais e motivo de cobranças por parte de Imprensa Livre. Ser bobo da corte tinha lá seus dissabores. Como eram agradáveis seus áureos e longínquos tempos de juventude socialista, onde dedilhar Vandré no violão e aplaudir seus companheiros queimando pneus em praças públicas era o máximo de esforço que precisava desempenhar pela boa e velha causa. Por vezes, sentia saudades da época em que era apenas o animador de torcida nos festivais pirotécnicos da Orquestra Partidária (OP). Sua ginga, molejo e simpatia garantiram seu sucesso e popularidade nesses eventos. Agora,como bobo, no entanto, era necessário mostrar mais que um bom rebolado, precisava executar obras de fato, não de promessas. E o povo de verdade, diferente do povo da democrática e midiática OP, mostrava-se bem mais crítico e exigente e muito menos ideologicamente adestrado e iludido.
E que povinho ignorante e atrasado era o povo desse reino! - bufa Santo Jorge, pedalando sua bike, enquanto escutava pelos fones de ouvido as lamúrias de alguns contribuintes em uma das rádios locais. - Só sabem reclamar do asfalto e dos buracos! - pedala com ainda mais vigor ao escutar um morador queixando-se de inúmeros buracos em uma importante avenida do reino. - Pura mentira! Conhecia bem aqueles buracos. Eram só quatro. Gigante, Sansão, Golias e Pitoco. É verdade que Pitoco crescera bastante nas últimas semanas e prometia, em breve, engolir os outros três. Mas eram apenas estes. Os restantes não podiam ser caracterizados tecnicamente como buracos (ele, formado em história, era profundo conhecedor do assunto). Eram depressões e erosões naturais, causadas pelo movimento das águas da chuva. Não tinham nem vinte centímetros de profundidade! Tratava-se de um processo natural e ecológico, e não cabia ao homem interferir. É preciso que se respeite a natureza! - acredita piamente Santo Jorge, o ecobobo real.
Um ouvinte da tal radio entra ao vivo para se queixar das dezenas de enormes buracos em sua rua. Sendo um dedicado bobo que conhece profundamente cada via e buraco desse reino, já sabia do problema. Era tudo muito simples e tecnicamente explicável. Uma obra em uma avenida próxima desviara o fluxo de veículos para essa rua nas últimas duas semanas. O trânsito excessivo, em quinze dias, é logico, acaba com qualquer pavimentação, não é mesmo? Só quem tem cérebro não consegue entender e aceitar. Coisa de gente sem noção de engenharia de tráfego, conclui Santo Jorge com desdém.
Outro contribuinte se manifesta no tal programa de rádio, reclamando da qualidade do asfalto que, segundo ele, se esfarela feito pão dormido. Quanta ignorância! - irrita-se o bobo das obras. - Trata-se de um inovador modelo de asfalto ecosustentável. A tal forma “farelenta” serve para permitir a boa penetração e absorção da água no solo e a alimentação permanente do lençol freático. É o reinado de Poliana pensando nas gerações futuras! Só os ignorantes maledicentes não conseguem enxergar algo tão básico e ecológico.
Após mais dois quilômetros pedalando e acompanhando meia dúzia de participantes do programa reclamando que as ruas onde residem estão intransitáveis e que não serão contempladas no inovador Projeto de Remendos Ostensivos, o PRO Poliana, Santo Jorge estaciona a bike e inicia sua sessão de alongamentos enquanto tenta se acalmar diante de tantos absurdos ouvidos. - Povo inculto e ignorante! Pobre Poliana, tão à frente de seu tempo, ter de governar para uma gente assim tão atrasada. Não sabem eles, os coitados, que a última moda na Europa é acabar com o asfalto e retornar ao bom e velho paralelepípedo? Pois esse é o projeto de Poliana e sua corte para os próximos cinco anos. Manter o asfalto apenas nas principais avenidas do reino e deixar que nas demais ruas os buracos se unam, se fundam e se aprofundem até que volte a pavimentação por pedras ou ao chão batido! Não é utopia! - sorri Santo Jorge, satisfeito. - Será realidade! Em breve nosso reino suplantará a Europa em pavimentação ecologicamente sustentável! Essa, sem sombra de dúvida, será a maior herança que Poliana deixará a seu povo. Vias de causar inveja à Europa. Trânsito padrão Índia. Descaramento padrão Venezuela. Incompetência padrão Brasil.
Sorte nossa, dos contribuintes, estarmos tão próximos dessa maravilhosa realidade, padrão mediocridade.  

terça-feira, 3 de novembro de 2015

FALA SÉRIO! As Peladas de Pelotas



Acadêmicas do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) fizeram, no último dia 26, uma manifestação em protesto à violência contra as mulheres (violência de gênero para quem não estiver adequadamente familiarizado com a nomenclatura moderna ou for um reles ignorante alienado). Pacíficas e legítimas representantes das mulheres, ditas, feministas. Mulheres, nós, que somos segundo alguns, uma minoria sem direito à voz e a vez, e que necessitamos de um “coletivo” qualquer que nos represente, que honre o sexo feminino - ou a categoria - como entendem algumas das estudadas manifestantes de Pelotas. Viraram notícia essas feministas manifestas. Ganharam a mídia e as redes sociais.
Envergonharam a imensa maioria das mulheres desse estado e desse país. Vergonha?! Sim! Como mulher me envergonhei ao ver os vídeos de estudantes dessa ilustre Universidade pública, seminuas ou completamente nuas, meio bêbadas ou plenamente chapadas e fora de si, balançando os seios em frente ao prédio da tradicional Universidade Federal de Pelotas, constrangendo os demais colegas que tiveram as aulas suspensas. Me enojei ao saber que urinavam em baldes e derramavam seus adoráveis dejetos revolucionários sobre as paredes do antigo prédio público. Prédio de uma tradicional Faculdade gaúcha. Lugar onde deveria se aprender a pensar, agir, e a cultivar o saber. Me envergonhei, como mulher, ao saber que algumas feministas-manifestantes masturbavam-se no saguão do prédio da histórica faculdade. Indignação, vergonha e rancor sentiram, tenho certeza, a imensa maioria das mulheres ao saberem que homens, também estudantes, foram agredidos, verbal e fisicamente, pelo simples e imutável delito de serem homens. Tudo isso em um ato que se dizia contrário a “violência de gênero”. Me revoltei, não como mulher, mas como indivíduo, contra a incoerência, a arrogância, e a soberba irracional daquelas desprovidas de senso crítico, de cérebro e de conteúdo. Me decepcionei enormemente, sem qualquer forma de acalanto, com as mal desculpadas linhas públicas divulgadas pela Universidade Federal de Pelotas, que se preocupou muito mais em não ferir os ideais do pequeno e despudorado grupo do que com a imensa maioria de seus alunos que tiveram seus direitos desrespeitados e as aulas suspensas.
Tenho certeza que as mulheres de Pelotas ou do Rio Grande, mesmos aquelas que sofrem no dia a dia violência de qualquer natureza, não sentiram-se representadas pela manifestação das jovens letradas, algumas futuras professoras, da UFPEL. Sentiram-se constrangidas. Se a violência contra a mulher é uma realidade da qual precisamos como sociedade discutir, coibir e combater, não será com cenas de masturbação explícita ou gritos de intolerância contra os homens que avançaremos um só milímetro. Felizmente, a nós mulheres, esse tipo de postura agressiva e totalitária não macula ou desmerece as mulheres, desvaloriza e empobrece apenas e tão somente as peladas de Pelotas. Que essas meninas, um dia tornem-se mulheres, e sejam dignas do gênero que tanto dizem representar. Por enquanto, são apenas tolas e inconsequentes. E não representam a ninguém, a não ser a elas mesmas.