sexta-feira, 29 de março de 2013

Poliana, a encantadora de multidões


Poliana resplandecia de contentamento e jubilo. Por vezes até ela mesma duvidava de sua sagacidade e capacidade de articulação. Ou sua alteza era de uma articuladora muito acima da média, ou seus aliados eram mesmo muito simplórios e toscos. E pensar que Poliana era ainda tão jovem. Mais jovem que a tradicional confraria que hoje lhe apoiava: a Irmandade do Fogo. Boa parte dos irmãos de fogo já estava na dura lida do comércio de influências e compra e venda de favores quando a doce Poliana largara as fraldas. Com alguns deles a rainha aprendera os primeiros passos na difícil arte da enrolação. Outros lhe corrigiram as primeiras oratórias esganiçada nos palanques da vida de aprendiz de populista. Parte deles lhe torcera o nariz quando jurara fidelidade eterna à ousada aliança de seu clã com a velha e tradicional Irmandade do Fogo. Sepultadas as raízes históricas, a história de Poliana tomou o rumo do sucesso. De socialite socialista, discriminada dentro de seu clã, passara a ser a menina dos olhos daqueles que um dia lhe atiraram pedras.  Hoje, após tão pouco tempo, Poliana manipulava com maestria até as raposas mais traiçoeiras da tradicional irmandade. As raposas deviam estar mesmo velhas e senis. Já não enxergavam direito ou se contentavam mesmo com ninharias. Coisas da idade. O mundo dá mesmo voltas, e se continuar nesse ritmo, não tardaria o dia em que sua alteza conseguiria dar nó até em pingo d’agua ou na fumaça que sobraria quando todos os históricos confrades virassem cinzas. Méritos a Poliana. Pena não poder divulgar essa sua magnífica obra em seus adorados cartazzes e banners. Se fosse assim tão explícita, até seus míopes aliados seriam obrigados a enxergar o óbvio. E por falar em cartazzes, sua alteza já não aguentava mais de saudades de suas relíquias da ilusão de ótica. Aqueles que acreditavam que Poliana ficaria traumatizada por sua desastrosa e quase fatal propaganda ostensiva, subestimaram novamente a rainha. Poliana aprendera com seus erros. Hoje, mais madura e coerente, repensara seus valores e apostara em um projeto novo de marketing. Nos mesmos moldes de seu consagrado programa de um buraco no asfalto por habitante. Publicidade em seu novo reinado ganhara proporções ministeriais, com todo o caro aparato necessário para uma obra tão fundamental a seu reino. Com a criação de um ministério da comunicação, se faltavam creches, esgoto e remédios, sobrariam propaganda e circo a seus adoráveis súditos. Uma simples e singela questão de prioridades. Só os tolos e os idealistas não compreendiam seu inovador e ambicioso plano de inclusão das minorias no mundo fantasioso e colorido dos outdoors. Agora, cada um de seus súditos teria direito a seu próprio outdoor. Ou pelo menos pagaria por eles, num justo e democrático processo de inclusão de recursos públicos em divulgação e mídia. Pelo menos era essa a intenção da socialista Poliana, para deleite até dos mais ortodoxos companheiros de seu clã. Se a seu povo faltasse o pão, se alimentariam de ilusões. Sonhos e ilusões nutriam e sustentavam o povo em Mundo Real. Sorte de Poliana que algumas ideologias nunca mudam. Apenas trocavam as encardidas bandeiras das causas sociais pelos grandiosos e dispendiosos banners das causas próprias. Triste, mas colorida sina de seu povo, pensa Poliana, a encantadora de multidões. 

sábado, 23 de março de 2013

Macarrão de letrinhas no país do carnaval


Com um suspiro de desalento o velho fecha o jornal e joga sobre a mesa. Acordar aos primeiros raios de sol, preparar o mate e ler os jornais do dia, era a rotina diária desse octogenário.  Orgulhava-se intimamente de se manter informado e conseguir conservar ainda sua mente aguçada, apesar da idade. Quisera ter podido estudar mais em sua mocidade distante. Mas eram outros aqueles tempos e outras as prioridades. O trabalho no campo e a necessidade de ajudar seus pais no sustento da família lhe afastaram precocemente dos bancos escolares. Lembrava-se como se fosse hoje dos quilômetros que tivera de andar para chegar à pequena escola onde cursara até o quarto livro. Eram tempos difíceis aqueles de sua infância. Épocas de penúria que, se não deixaram marcas no corpo, moldaram o caráter do homem que fora na vida. Ainda hoje, mergulhado em recordações, quase podia sentir o frio da geada que se infiltrava sem piedade em suas surradas alpargatas no caminho que levava até a escola. Recordava com respeito da serena e paciente professora que lhe ensinara a juntar as primeiras letras. Da freira austera que ralhava com ele e seus amigos pelas molecagens e peraltices de criança. Apesar das dificuldades sentira-se triste ao ter de deixar o colégio. A oportunidade de aprender era uma graça a que poucos tinham acesso naqueles anos longínquos. Um presente caro que o menino que fora soube reconhecer.
Olhando novamente o jornal que a pouco abandonara, o velho suspira novamente. Educação deixara de ser um presente e passara a ser obrigação do Estado e de uma sociedade que se propusera a evoluir. Uma dádiva, se assim fosse de fato. Hoje se dispunha de estradas, escolas, transporte e o tão sonhado acesso ao ensino. Mas o agigantamento de seu país parecia ter apequenado as mentalidades e as ambições. Pelo menos é o que enxergava esse velho ignorante e míope. Na ânsia de mostrar ao mundo seu crescimento como nação desenvolvida, transformaram a educação em mera alegoria carnavalesca. Houve épocas em que se sonhava com justiça social, onde o acesso à educação seria a justa forma de ascensão dos pobres e desfavorecidos. Devia ser teoria, pensa o ancião cabisbaixo. Preparar macarrão instantâneo parecia ser a nova fórmula para a tão alardeada inclusão das minorias. Estranho processo pedagógico esse: macarrão e circo para nossa sociedade pensante. Para esse velho esclerosado parecia apenas uma forma rápida e barata de aniquilar massa crítica. Tudo com a conivência silenciosa e omissa de nossos educadores, lastima o idoso, sentindo uma saudade doída de sua professora de infância.  Talvez devesse ter estudado menos. Ter aprendido a pensar devia ser o que lhe causava essa inquietante angustia no peito. Sorte dessa nova geração não ter de passar por isso, conclui o velho tristonho. Tomara que nossos jovens ainda saibam calcular as medidas da receita de macarrão instantâneo. Se não souberem, sempre se pode criar cotas para estes também. Em um futuro, não muito distante, existirão cotas para quem sabe ler e escrever nas universidades, afinal, esses serão por fim, as minorias em nosso gigante e evoluído país da copa, das olimpíadas e do miojo. 

domingo, 17 de março de 2013

A Eterna Fumaça Negra da América Latina


O mundo inteiro parara e aguardara, em ansiosa expectativa, pela consagrada fumaça branca que surgiria no céu. Os verdadeiros cristãos oravam com fervor. Os céticos faziam ares de pouco caso. Os cínicos cultivavam descrença e desesperança. Houve até quem fizesse apostas em bolões um tanto pecaminosos. Mais uma estratégia de marketing, acreditavam outros, para angariar fieis desacreditados na milenar doutrina. E eis que, mais rápido do que contavam os céticos e os cínicos, o novo Papa fora escolhido. E para desalento de outros, cativara rapidamente a multidão de católicos. Um pontífice simples e despretensioso. De olhar cândido, sorriso tranquilo e postura humilde. Um Jesuíta, apenas. Menos do que esperavam os apostadores. Mais do que sonhavam os descrentes na Santa Igreja. Mas, em tempos de informação instantânea, as retaliações e os ranços surgiram na velocidade da luz, turvando com a fumaça negra das acusações a imagem do primeiro Francisco das multidões. O Papa apoiara ditaduras e tiranos, bradavam alguns nas redes sociais, com o mesmo ardor com que erguiam-se em defesa de ditadores caribenhos e questionáveis democracias bolivarianas. A contradição e a tirania pareciam estar na alma da velha América Latina. Gravadas a ferro, fogo e devoção. Das veias abertas de nossa América Católica ainda jorravam paixões cegas e alienadas e o sangue quente e rubro dos miseráveis. Os miseráveis defendidos por Francisco, o novo pontífice.
Que estranha luta manchava o solo desta América Latina. Que estranha sina carregava esse sofrido povo. Um povo humilde e devoto, sempre pronto a abraçar as mais estapafúrdias ideologias, os mais cruéis e insolúveis ditadores ou populistas. O poder emana do povo, enquanto o mesmo povo chafurda na lama densa da miséria, da desigualdade e da corrupção. Os poderosos continuavam os mesmos, travestidos com pompas, glórias e utopias vazias de significado prático. A miséria, a fome e a desigualdade mudaram de cara e de cheiro nas propagandas institucionais de cada demagógico país da latino-américa dos excluídos. Um povo, soberano povo, sutilmente alijado do poder da educação, da cultura e do livre arbítrio, mas sabidamente detentor do poder do voto. O voto que mantinha quadrilhas. O mesmo voto que sustentava tiranos. O eterno voto que perpetuava desigualdades e alicerçava a pobreza dessa gente sofrida. Mas, assim mesmo, o democrático e sonhado voto.  Graças aos céus pelo poder do voto, bradavam aqueles que defendiam ditaduras caribenhas, em uma cruzada de incoerências. A escolha do Papa deveria ser por aclamação popular, acreditavam esses mesmos. Quem sabe um conclave em alguma rede social ou em algum espetáculo virtual, onde as virtudes fossem sutilmente transformadas e os defeitos virtualmente maquiados para deleite da intelectual sociedade cibernética e para manutenção da associação de excluídos pelo cabresto da ignorância original. Que Deus proteja e ilumine Francisco das contradições de sua América Católica que, como dizia o poeta, “sempre precisará de ridículos tiranos.” Tiranos escolhidos pelo povo. Essa é a nova ordem de nossa peculiar e maravilhosa América Latina.  A América de Francisco das multidões e dos excluídos.

domingo, 10 de março de 2013

A revolta dos decapitados paira sobre Poliana


A temporada longe do trono e de sua redoma de vidro fumê fizera maravilhas a Poliana. Sua alteza voltara revigorada e com uma nova visão do reino. Conhecera os buracos no asfalto ao menos, e tratara de colocar seus serviçais a cobri-los assim que reconquistara a coroa que lhe fora temporariamente confiscada. “Talvez eu deva sair com maior frequência de minha redoma.” – pensa Poliana – “ E sem a companhia de meu cortejo de pajens e bobos. A  algazarra e as adulações deles prejudicam minha visão e meu olfato.” – conclui a rainha, num rápido lapso de bom senso.
Não foram apenas os buracos no asfalto que nossa rainha aprendera a reconhecer. Amizades fraternas foram perdidas. Alianças desinteressadas se romperam. Discursos calorosos esfriaram. Interesses requentados voltaram ao cardápio. Depois de tudo isso, Poliana jamais seria a mesma. Nem sua majestade, nem sua corte de bobos. Satisfazer as novíssimas amizades parecera fácil no princípio. Bastava aplicar a velha fórmula matemática de trocar apoio por carguinhos. Mas acomodar tanta gente superava as leis da física. Eram muitos os glúteos para tão poucas poltronas. E cada um de seus aliados achava que seus adoráveis traseiros mereciam as mais robustas cadeiras. Como faltavam cadeiras em seu reino! - desesperava-se a experiente monarca. – Quase tanto quanto faltavam curandeiros e remédios. Mas desses últimos apenas seu povo sentia falta. Já a escassez de cadeiras e troninhos provocavam uma dor de cabeça danada em Poliana e muita dor de cotovelo em seus companheiros. Fazer o que? Poliana precisava decepar algumas cabeças. Cabeças pequenas, já que conseguira acomodar quase todos os ânimos do alto escalão. Mas cabeças pequenas também abanaram bandeirinhas e exigiam seu lugar nas turgidas e convidativas tetas públicas. A revolta dos decapitados ainda renderia alguns transtornos a Poliana. Por enquanto seus velhos e novos bobos da corte ainda se divertiam com a recém aberta temporada de caça as bruxas. Regozijavam-se perseguindo os serviçais de carreira dos quais não podiam simplesmente se livrar. Era puro deleite. Sua vasta corte adorava esse período de festividades. Alguns viviam apenas para esse momento, como seu povo para o Carnaval. Outros se dedicavam a caçada com muito mais disposição e ímpeto do que jamais se dedicaram a seu reino ou seus trabalhos. Se sua rainha conseguisse o milagre de transformar rancor e picuinhas em empenho e respeito pelo suado dinheiro dos contribuintes, conquistaria seu verdadeiro reinado de oportunidades. Uma pena que Vontade Política, sua varinha de condão, não surtisse efeito nesses casos. Aliás, Vontade Política sempre funcionara muito melhor em Horário Eleitoral. Devia ser o clima tenso de Mundo Real que circuitara a coitadinha.
Mas Poliana, agora mais madura e calejada, sabia que o fervor da caça as bruxas tinha tempo limitado. Logo, logo sua nova corte precisaria mostrar a que veio. Essa era a parte que Poliana mais temia. “Tomara que eu tenha feito as escolhas certas dessa vez.” – suspira a ressabiada rainha. Afinal, decisões muito mais simples, mas desastrosamente equivocadas, quase fizeram com que sua majestade fosse decapitada também. Sentir o fio da navalha tão próximo de seu delicado pescoço ainda causava certa revolta em suas entranhas reais. Quem sabe Poliana consiga escapar ilesa da revolta dos companheiros decapitados pela rainha. “ As cabeças cortadas não farão falta ao meu reinado, mas os braços que abanam bandeirinhas sempre podem ser úteis no futuro. Sorte minha, que meus aliados só guardam rancor dos adversários e jamais se voltariam contra a carismática e doce Poliana. Com todo meu traquejo e doçura não corro o risco de passar de rainha a bruxa.” – pensa Poliana, seguramente protegida da caça as bruxas.


sábado, 2 de março de 2013

Zangão e Chucrute tecem seus rumos


Os dois homens trabalhavam tranquilos na antiga sede de campanha, cada qual em sua poltrona, entretidos e compenetrados com seus novos afazeres.
- Acho que não está bom. Eu andei perdendo alguns pontos. – preocupa-se Chucrute, olhando atentamente e comparando com o cenho franzido, o gráfico e os pontos que tinha a sua frente. - O que você acha Zangão?
- Uma desgraça. Você vai ter de começar tudo de novo. – responde o outro, mal tirando os olhos de sua tarefa.
- Começar de novo não é problema para mim. Já deve ser a quinta vez, se não errei as contas. Eu sou sempre muito persistente. – reponde o alemão, nem um pouco desanimado com os sinais evidentes de fracasso.
- Não é persistência, é teimosia. Coisa de alemão. – responde Zangão, curto e objetivo como sempre. – Por falar em persistência, você teve notícias do Alquimista? Ele conseguiu fazer as pazes com Poliana?
- Parece que ainda não. Estão com as relações estremecidas. Poliana é um tanto rancorosa, você sabe. Mas ela vai acabar perdoando ele. Ninguém consegue guardar mágoa do Alquimista. Ele é tão cativante! – responde Chucrute com os olhos vívidos de admiração – Eu mesmo, não posso ver aquele mago falar. É só ele começar a discursar com aquela fala macia e sedutora, que eu já me arrepio todo e esqueço todos os desaforos que ele já me fez. O homem é um mestre. E eu sou uma manteiga derretida. – admite o ariano, dando de ombros e sorrindo.
- Eu já percebi. Bastaram dois ou três substantivos e algumas locuções adverbiais e você já estava chorando e beijando a careca dele.
- Eu beijei sua careca também, e você só rosna e resmunga, seu velho ciumento. – atiça Chucrute cutucando o outro, provocador.
- Ciumento, eu? Até parece! – bufa o outro, ajeitando os óculos no nariz. – Você beija até os postes!
- Eu adoro as andanças pelo reino. Sentir o calor desse povo hospitaleiro. Você não sabe o prazer que me dá conversar com nossa gente simples, de coração aberto. Ouvir cada dona de casa. Cada mãe de família. A história de suas vidas me enchem os olhos de lágrimas e o coração de esperanças. Eu sou assim. Simples e emotivo. – continua Chucrute já com os olhos rasos de lágrimas.
- E chorão. – resume o sisudo – Eu já me acostumei. Toma aqui um lenço de tergal. Ultimamente eu trago meia dúzia comigo. Mais um hábito que tive que mudar depois que comecei a conviver de perto com você.
- Podia trazer lenços descartáveis. São mais higiênicos. – informa Chucrute enxugando as lágrimas e devolvendo o acessório a Zangão.
- São muito caros. Do jeito que você chora ia me levar a falência. – resmunga o outro voltando a seus afazeres com seriedade.
- Eu estou me sentindo entediado. Ficar parado esperando é uma tortura para minha pessoa. – agita-se Chucrute na poltrona. - Nada acontece há dias nesse reino.
- Verdade. – confirma o sisudo.
- Será que Justiça não vai mudar de ideia? Até quando teremos que ficar de molho? Não é justo todo o dinheiro investido, todo esforço desperdiçado e todo apoio conseguido!
- E todo sapo engolido. – acrescenta Zangão, circunspecto.
- Isso também. – concorda o ariano. – Regados a muito Engov e Lacto-purga! – debocha irreverente o alemão.
- Justiça sempre foi meio lerdinha. Surpreendente foi ela ter trabalhado tanto nos últimos meses. Agora deve ter tirado férias. Mulheres adoram férias! Você sabe como Justiça funciona, não é? Ela precisa pensar muito antes de se decidir. – justifica Zangão, mais centrado e experiente e menos afoito que o outro.
- Sei, sei. Assim são as mulheres. Pensam, pensam, pensam e mudam de ideia como mudam de sapatos. E você deve saber melhor do que eu a quantidade absurda de sapatos que uma única mulher tem. E isso que elas só têm dois pés.
- Calcule a quantidade de vezes que Justiça ainda pode mudar de opinião! – alarma-se Zangão balançando a cabeça, resignado.
- Nem me fale uma coisa dessas. Se Justiça continuar nesse ritmo, nosso reino vai entrar para o livro dos records como a terra com maior número de reis por habitante no mais curto período de tempo. – replica Chucrute.
- Para quem já deve ter o maior número de escândalos, não vai fazer diferença. –responde Zangão.
- E por falar em escândalos, até esses andam parados no reino. Faz dias que não estoura nenhum. Será que a turma de Poliana tomou juízo e entrou nos eixos afinal?
- Duvido. Eles andam é desarranjados. Ninguém sabe mais de que lado está. Pelo menos nisso, Justiça, como boa e velha mulher, conseguiu baratinar a companheirada. Vai levar alguns dias até Poliana botar ordem na casa. Aí sim, as falcatruas vão começar a saltar como antes.
- Pode ser que Justiça interfira. – completa Chucrute esperançoso, atrapalhando-se um pouco com a difícil e atribulada tarefa que executava.
- Se ela não estiver no Caribe. Nas Ilhas Cayman. – completa Zangão, tirando os óculos para examinar o resultado de seu trabalho.
- Temos que confiar em Justiça. – afirma Chucrute, levemente exaltado ao ver que seu trabalho parecia não estar evoluindo a contento.
- Justiça é digna de toda nossa confiança e merecedora de nosso respeito absoluto e inquestionável. – sentencia Zangão, convicto. – Mas é mulher. E como toda mulher está sempre sujeita a seus ataques de fúria desmedida e ternura excessiva. Cabe aos homens de bom senso, dormir de touca, de pantufas e de armadura.
- Isso você aprendeu sendo cinco vezes rei? – pergunta o questionador Chucrute.
- Não. Aprendi dormindo várias noites no sofá da sala. – responde o outro com um leve sorriso.
- Ah, sei como é isso. Viu só? Nós dois temos alguma coisa em comum! – gargalha o alemão se contorcendo na poltrona ao imaginar o sisudo, de pantufas e chambre, dormindo apertado em um sofá. Após vários minutos de rizadas, ele retorna ao seu trabalho e exclama com desagrado: - Que droga! Deixei escapar mais uns pontos!
- Você não tem jeito para essas coisas Chucrute! Você é muito afoito. Nós passamos a tarde inteira aqui e você não produziu nada. Olha só eu. Já terminei meu trabalho. – informa Zangão,  em tom de crítica.
- Nem vem que não tem, Zangão! Você tem muito mais prática que eu. Está aposentado há anos, só jogando paciência, palavras cruzada e aprendendo trabalhos manuais. Eu só tive minhas primeiras aulas de tricô essa semana! É claro que você largou em vantagem. – indigna-se o ariano um tanto vermelho de frustação.
- Que seja. Mas você não fez nem a gaitinha do pulôver! Eu terminei o meu todinho. – vangloria-se Zangão.
- Terminou coisa nenhuma! Faltam as mangas! – alerta Chucrute, jogando as agulha de lado e cruzando os braços emburrado.
- Não é um pulôver, é um colete, seu bobão. Não tem mangas. Todo mundo sabe que eu adoro coletes. – informa Zangão vestindo sua obra prima de confecção moderna.
- Ah, é. Tinha esquecido do seu gosto clássico para roupas. Você vai ir vestindo ele pra casa? – pergunta Chucrute, já esquecido da pequena desavença e adquirindo novamente o ar otimista e brincalhão.
- Nem pensar! Minha mulher detesta os meus coletes. Se eu chegar em casa vestindo um negócio desses vou ter de dormir na sala de novo. E você sabe como é né Chucrute, na minha idade a coluna já não aguenta essas orgias. – informa Zangão piscando o olho para o companheiro de lãs, agulhas e confabulações.