domingo, 28 de fevereiro de 2016

O sorriso da madame

           O famoso e esperado casal desce do automóvel de forma altiva, quase glamorosa. Ela, a madame, de cabeça erguida e ombros eretos, percorre displicentemente o trajeto, sorrindo complacente para as câmeras. Ele, segue logo atrás, exibindo um meio sorriso, quase jocoso. Só não acenam para o público presente por terem sido orientados pela escolta a manter as mão às costas. Ares de festa do Oscar é o que se vê nas imagens.  Mas, eram apenas suspeitos de corrupção e lavagem de dinheiro sendo conduzidos à carceragem. O retrato mais emblemático de Gigante Adormecido, essa terra tão excêntrica. Verdadeira Jabuticaba.
           A expressão do casal não é de indignação, constrangimento ou revolta, como seria esperado de inocentes. Tão pouco, o ar sofredor dos muito culpados que tentam posar de vítimas. Eles sorriem desdenhosos para as câmeras. E o sorriso exibido é de puro escárnio. Deboche pelo país, por seu povo, por suas leis e pela Justiça. Desprezo pelo país da Jabuticaba e da corrupção. O mesmo escárnio e desdém que demonstra o grande Ilusionista com suas desculpas toscas e esfarrapadas e seu eterno e ridículo discurso de perseguição. A mesma zombaria dos apoiadores governistas que em programas de televisão tentam se desgrudar de um governo moribundo, como se não estivessem todos, há anos, no mesmo lado.
E, curiosamente, nada surpreende, indigna ou constrange o país do carnaval. Não somos todos corruptos, afirma a maioria do povo de Gigante Adormecido. Não. Mas somos todos coniventes, omissos, inertes e condescendentes. Somos o povo desse gigante eternamente hibernante. Somos a pátria que não se quer educadora. Somos a terra que não se faz próspera. Somos a Nação que não luta para evoluir. Somos uma gente que não pretende questionar ou agir. Que não valoriza as leis, a ordem ou o mérito. Somos uma gigantesca massa amorfa de manobra. Somos o país do futebol, da alegria, da hospitalidade e da falta de cerne, brio e dignidade. Somos a imagem escrachada de nossos representantes. Não somos melhores que eles. Eles são nossa criação e nosso espelho. Nem mais, nem menos. Somos merecedores dos corruptos que desfilam sorridentes e altivos rumo ao confinamento temporário. Somos dignos dos corruptos que se mantém a solta com ares de grandes líderes. Somos um povo que se contenta com migalhas e esmolas. Medíocre como os líderes que escolhemos. Indignos como os corruptos que elegemos. Gigante Adormecido, terra do samba, do carnaval e da imoralidade institucionalizada. Terra da inércia.
O sorridente marqueteiro parece ter a certeza de conseguir convencer a justiça de sua inocência. Tarefa fácil para quem conseguira eleger um poste e reeleger um desastre. Ilusões e mentiras coloridas sempre foram suficientes para o povo dessa terra. Talvez não sejam suficientes para a justiça. Esperemos para ver com que sorriso a madame deixará a carceragem. Nós, o povo, estaremos sempre sorrindo, afinal somos alegres por natureza.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Enterro dos ossos

O dia era para ser de festa, mas foi só uma quarta-feira de cinzas como tantas. O aniversário do grande clã estrelado foi o mais cinzento de sua história. Talvez o primeiro de muitos. Nada de festa, bandeiras, comemoração e discursos acalorados e raivosos. Apenas acanhadas postagens em redes sociais. O grande guru da companheirada aparecia, apagado e abatido, parabenizando os seus. Uma réstia deprimente do líder carismático que fora. Sem uma estrela no peito ou uma pincelada de vermelho para trazer um pouco de cor e calor ao vídeo. Nenhuma emoção. Nem amor, nem raiva. Até mesmo as tradicionais acusações conspiratórias e de vitimização saíam quase suspiradas, como se os últimos respiros fossem. Cinzas de promessas e ideologias de uma agremiação que se desintegrava dia após dia.

Sua sempre fiel militância já dava mostras de sentir-se traída. Por uma década toleraram os escândalos de corrupção que atingiam o grande clã. Os fins justificavam seus erros. E os fins eram revestidos de poesia e romance: justiça social e amor ao povo. Por anos bradavam, estimulados por seu líder maior, contra a elite mesquinha que odiava pobres e trabalhadores. Que por desprezar minorias difamavam e perseguiam aquelas almas abnegadas que lutavam pelos desfavorecidos (os descamisados de tempos mais colloridos). Quando se rouba por uma justa causa, o roubo se veste de honra. Quem usufrui de riquezas onde o povo carece de saneamento, saúde e dignidade, é a elite asquerosa. A elite fatura milhões, indiferente às mazelas de seu povo, assim acreditam os doutrinados da seita vermelha.

Enquanto o messias da companheirada recebia milhões para proferir palestras e seus prodigiosos filhos tornaram-se milionários em espetacular ascensão, a militância estrelada gritava contra as elites. Feito soldadinhos, marchavam no ritmo de suas contradições. Como marionetes, não se davam ao luxo de usar o cérebro e a razão. A militância questionadora de tempos longínquos tornara-se, a exemplo de seu clã, uma massa amorfa e putrefata de mentiras e falsidades. E não se envergonhavam, pois lhes restava “a causa”. Só que “a causa”, descobriam aos poucos, a conta-gotas, há muito fora vendida. Ou emprestada, em troca de sítios e apartamentos de veraneio, pequenos luxos dignos da elite. Até os militongos começavam a enxergar que os fins já não eram os mesmos que romanticamente acreditavam ser. Já os meios, ah os meios, eram bons meios para enriquecer os espertos.

E a companheirada ainda irá às ruas defender seu grande líder. Usarão os velhos e bolorentos chavões. Negarão os fatos e as contradições, como de hábito. Como náufragos, agonizantes, se agarrarão em todo e qualquer estilhaço flutuante de uma ideologia carcomida por mentiras. Ainda sonhavam com os fins. E o fim está cada vez mais próximo. Somente cinzas restarão. E o lúgubre enterro dos ossos.