sábado, 29 de dezembro de 2012

A derradeira TPM da rainha


Poliana olhava ressentida para o grupo de companheiros que a cercava. Seus aliados já demonstravam sinais de cansaço depois de horas correndo atrás de sua alteza. Os melhores negociadores e enroladores da equipe real foram chamados às pressas ao palácio para tentar contornar a situação. Nem mesmos os bombons de amarula foram suficientes dessa vez. Poliana estava irredutível. Seus bobos da corte entreolhavam-se prevendo mais uma calamidade para encerrar o tumultuado reinado. Todos conheciam as crises de destempero da rainha e sua teimosia desmedida. Quando ela teimava, teimava. Ninguém conseguia meter um pouco de bom senso na coroada cabeça. O gênio difícil da rainha, sua teimosia e intransigência e o peso da coroa eram exatamente as causas de toda a confusão em que estavam metidos a monarca e sua vasta corte agora.
- Você precisa entregar, Poliana. Não tem mais jeito. Não torne as coisas ainda mais difíceis e escandalosas do que já são. – argumenta Líquen, o amorfo, pela milionésima vez.
Poliana encontrava-se trancada na sua redoma de vidro fumê fortemente agarrada a sua adorada coroa. Decidira, em um ato de pirraça e rebeldia, que não entregaria a coroa a seu sucessor. Fosse ele quem fosse. Vermelha de raiva, batia o pezinho miúdo no chão e gritava:
- Não dou, não dou, não dou! Ela é minha! Só minha!
- Mas Poliana, é só por algumas semanas. Nós temos certeza que você vai vencer Justiça e recuperar a coroa loguinho. – acrescenta um dos bobos da Irmandade do Fogo
- Conversa pra boi dormir. Vocês estão me enrolando com isso há meses. Na minha frente garantem que vou vencer, e pelas minhas costas planejam quem vão colocar no meu trono. Meu trono! Eu não confio em nenhum de vocês, seus lacaios.
- Rainha, nós estamos nos esforçando ao máximo para salvá-la de Justiça. Eu mesmo já mobilizei meio mundo lá na sede do poder central. É preciso ter paciência e fé nos apoiadores de nosso clã. – afirma Líquen com a confiança adquirida pelos anos no ramo de compra e venda de emendas parlamentares.
- Enrolação! Vocês acham que eu sou como o povo que nós enrolamos há décadas? Se nossos companheiros de clã não conseguiram livrar a cara dos mensaleiros, vão se preocupar com uma rainha de um reinozinho de fim de mundo como eu? Essa coroa é minha! Eu conquistei! Ninguém me tira.  – berra a rainha, enterrando a coroa na cabeça.
- Nós todos, seus fieis bobos da corte, somos e sempre seremos solidários a você, Poliana. Estamos todos no mesmo barco. – apela mais um membro da Irmandade do Fogo.
- Mesmo barco uma ova! Só quem vai ser jogada para fora do barco sou eu. Vocês vão continuar usufruindo dos seus carguinhos por mais um tempo. E só estão ao meu lado enquanto eu tenho a coroa. Apenas estão preocupados em manter suas mordomias, seus ingratos!
- Mas você tem que pensar em nosso clã, Poliana. Se nós não conseguirmos vencer a reacionária Justiça precisamos assegurar que nosso grupo se mantenha no poder. Esse sempre foi nosso plano: décadas com as mãos firmes no poder e nas chaves do cofre, é claro. – pondera Líquen, com ares de Zé Dirceu.
- É isso mesmo querida companheira Poliana. Você sabe o quanto nós lastimamos essa perseguição que você esta sofrendo. Mas precisamos preparar o terreno e não desviarmos de nosso caminho. – acrescenta com voz mansa e a eterna postura servil, o solidaríssimo companheiro Golesminha.
- Nem vem Golesminha. Não adianta vir se chegando pro meu lado abanando o rabinho feito um poodle. Você mais do que ninguém está vibrando com minha decapitação. Você sempre quis o meu lugar! Sempre! Agora vai ter o apoio de nosso clã. Traidor!
- Jamais, Poliana. Isso nunca passou pela minha cabeça, adorada rainha. Eu sempre estive ao seu lado sem qualquer ambição de lhe tomar o trono. – afirma o companheiro Golesminha, um pouco enrubescido, chacoalhando a clássica franjinha.
- Já chega! Não é hora de discutirmos a sucessão. Em poucas horas você vai precisar entregar a coroa Poliana. Isso é um fato. Não adianta fazer escândalo. Você tem que se comportar como a rainha boazinha e doce que nós vendemos para o povo todo esse tempo. Era só o que faltava você aparecer como uma louca histérica na hora de repassar a coroa.
- É isso mesmo, rainha. Pelo menos nesses últimos momentos do seu reinado, tenha um pouco de bom senso. Nós já estamos atolados até o pescoço em escândalos, não precisamos de mais nenhum. Entregue a cora Poliana. – suplica um dos pajens
- Não é só a coroa, vocês não entendem? Como é que eu viver sem tudo isso aqui? Sem meu trono. Sem minha redoma de vidro fumê! A vista do reino é perfeita de dentro da minha redoma. Eu não vou suportar viver lá fora, onde tudo é meio esburacado e fedorento. Eu vou murchar como uma flor fora da estufa. – choraminga a rainha, fazendo beicinho e acariciando teatralmente a coroa.
- E o que você acha de se mudar para uma outra redoma, novinha em folha? – pergunta Líquen tendo uma de suas brilhantes idéias.
- Uma outra redoma? De vidro fumê cor de rosa? – indaga a rainha demonstrando apreciação.
- Isso mesmo. Uma redoma ainda mais bonita e blindada que essa, em um lugar privilegiado onde você vai poder ver todo nosso vasto reino.
- Com um trono?
- Claro, um confortável troninho só pra você.
- E com estoques de bombons de amarula? – empolga-se Poliana, com seus olhinhos de biscuit brilhantes de entusiasmo.
- Uma despensa cheinha. – garante Líquen
- Fechado! Podem pegar essa porcaria de coroa. Ela fica mesmo apertada na minha cabeça. E você companheiro Golesminha, vai ter que dar um jeito nessa franja horrorosa se for ficar mesmo com o trono. Ela não combina nadinha com esse modelo de coroa. Vamos lá, estou louquinha para conhecer minha nova moradia. Vamos seus molóides! Até a meia noite vocês ainda tem obrigação de me paparicar. Tragam os meus sais de banho e as toalhas de algodão egípcio. E não esqueçam dos bombons. – ordena a sempre surpreendente Poliana , deixando o recinto sem ao menos olhar para trás.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Natal de Poliana



A ilustre e popular Poliana teima em não aprender com seus erros. Mesmo o chacoalhão de Justiça em seu jeitinho próprio de governar não serviu para colocar sua alteza nos trilhos da sensatez. Nossa magnânima continua a afirmar aos quatro ventos que toda e qualquer pendenga ética, moral ou judicial de seu reinado de oportunismo ou de seus aliados oportunistas, foram apenas acidentes de percurso, sem qualquer dano relevante ou digno de nota. Salvo talvez, a boa imagem de seu reino ou ao abençoado bolso dos fieis contribuintes. Mas isso são apenas miudezas de pouco valor para a eterna Poliana. Nada que valha um panfletinho ou outdoor desperdiçado. Ao que parece o peso da coroa atrofiou de vez o cérebro de sua alteza.  
Para ajudar nossa adorada rainha no novo e promissor ano que se avizinha pediremos ao velho Noel que neste Natal brinde Poliana com doses generosas de bom senso, humildade, moralidade, parcimônia, zelo com a coisa alheia, juízo, senso crítico, ética, coerência, decência e principalmente: respeito as leis, as instituições e ao Estado Democrático de Direito.
Que o bom velhinho leve embora o que lhe excede em autoconfiança, arrogância, assessorias incompetentes e mal intencionadas, aliados interesseiros e descompromissados, ganância, imoralidade, teimosia, intransigência, estrelismo e más companhias.
Que mantenha o dinamismo, a jovialidade, a simplicidade e o talento impar em valorizar e manter a aliança que a suportou.
Que conquiste a capacidade de reconhecer erros, de voltar atrás em decisões equivocadas, de ouvir e aceitar críticas a seu reinado sem tomá-las como afrontas ou meras implicâncias com sua ilustre e respeitosa figura.
Que adquira o discernimento de não voltar a acreditar que o poder, por maior que pareça, será eternamente benevolente com suas tolices. O poder cobra o preço que só os tolos haverão de pagar. Que o preço a ser pago por nossa popular rainha seja aprender a aprender com seus equívocos e tolices.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Os Fantasmas de Poliana


Sozinha em sua redoma de vidro fumê, folheando velhos livros de grandes figuras da história mundial, Poliana afogava suas mágoas e desilusões da forma que mais gostava: degustando caixas e mais caixas de bombons de amarula. Depois de tantos deslizes cometidos ao longo de seu escandaloso reinado, o pecado da gula certamente seria perdoado no dia do juízo final. E o juízo final parecia cada vez mais próximo para nossa voraz rainha. Se não tivesse ido com tanta fome ao pote, talvez não tivesse entornado o cocho. Ou se não tivesse escolhido bobos e aliados igualmente tão gananciosos e descomedidos, lastima-se sua alteza acariciando sua adorada coroa.
Erguendo-se tropegamente Poliana repete a frase que ouvira de seus companheiros tantas vezes nos últimos dias. Quem sabe se repetisse mil vezes conseguisse convencer a todos, até a si mesma:
- Um delito tão pequeno! Eu não posso cair por algo tão insignificante!
- É claro que pode, caríssima! Pequenos tropeços já derrubaram grandes homens.
Assustada, Poliana se volta para a estranha voz e prontamente reconhece o homem de chapéu, sentado na poltrona, e que lhe lançava um certo olhar de deboche por trás da fumaça do charuto que trazia entre os dedos.
- Mas eu só cometi uma pequena asneira. O erro tolo de fazer propaganda quando não era permitida. Só isso! – defende-se sua alteza, ofendida.
- Ora, ora, minha cara. Você cometeu várias tolices e não foi apenas essa a que lhe derrubou. – afirma o homem, tirando um isqueiro do colete e reavivando a chama do charuto que esmorecia. 
- O que você entende disso Capone? Você é só um fantasma que veio me assombrar, não conhece meu reino nem meu reinado!
- Mas conheço a arrogância e a soberba, cara. Conheço o gosto que o poder tem. Sei como é pensar que se está acima das leis dos homens. Sei como é infringir todas elas. E, assim como você, sei como é tropeçar em ninharias.
- Você era um gangster! Um mafioso! Bem diferente de mim! – indigna-se a rainha.
- Nisso você tem razão, cara mia. Essa é a grande diferença entre nós. Eu tinha uma organização. Um grupo com regras e conceitos rígidos, a nosso modo é claro. Mas eu mantinha as rédeas curtas e firmes sobre meu grupo. Existia certo código de ética entre os gangsters em meu tempo. Você, Poliana, escolheu muito mal seus asseclas. Homens sem limites, sem qualquer senso de ética. Há que se ter ética, Poliana. Até mesmo na contravenção. Você, como líder de organização, não soube impor limites em sua turma. Assim como eu, tropeçou em seu próprio ego. Você e eu, rainha, acabamos nos deixando enrolar por nossos menores pecados.
- Mas eu não vou cair! Eu tenho o apoio do povo. O povo me idolatra! – afirma a monarca insolente.
Do outro lado do recinto uma nova voz se faz ouvir:
-O povo está ao lado dos fortes e foge dos fracassados, majestade. O povo que ontem lhe carregou no colo com honrarias e glórias, será o mesmo que lhe virará as costas e lhe chamará de facínora ao cerrar das negras cortinas. – afirma a outra figura saída das trevas da embriagada rainha.
Poliana observa esse outro conhecido personagem. De pé, muito ereto e altivo, cabelo bem penteado e engomado, de postura autoritária e arrogante em seu uniforme onde se sobressaia a imponente suástica.
- Adolf? – questiona a rainha incrédula.
- A seu inteiro dispor majestade. – responde a ilustre personagem.
- Você também veio se intrometer no meu reinado e na minha desgraça?! Agora que eu estou afundando na lama até os mortos resolveram tripudiar de mim! O que você entende do meu reino? Você foi um tirano, eu sou uma soberana adorada por meu povo, viu seu Adolf Hitler!
- Eu também fui idolatrado por meu povo, magnânima. O povo alemão me venerava. Lotavam as ruas e praças para me ouvir falar. Meus discursos e minhas palavras proféticas, assim como as suas, comoviam e mobilizavam as massas. Minhas ideias e convicções, por mais doentias que pareçam hoje para vocês, reles mortais, convenceram milhares. Eu era Deus! Mas até os deuses caem, Poliana.
- Você era um ditador! – afirma a rainha indignada.
- Um ditador com o apoio das massas, magnânima. Não se iluda. As massas foram e sempre serão massas de manobra. Na minha ditadura e no seu reinado democrático. O povo só enxerga o que nós queremos que ele enxergue. O povo alemão queria uma Alemanha limpa. Era isso que eu vendia a ele. O povo não precisava ver os horrores do holocausto. Ao povo bastava a imagem de uma Alemanha progressista, forte e patriótica. Era isso que eu lhes mostrava em propagandas e discursos.  O mesmo ocorre em seu democrático reinado, majestade. O seu adorado e ingênuo povo quer um reino feliz e harmonioso, como uma marchinha de carnaval. E é isso que você oferece a seus súditos, Poliana, em marketing, mídia, banners e alegorias. Mas ao final do carnaval, vem a quarta feira de cinzas e você precisa se preparar para esse dia, minha rainha.
- Mas eu não quero cair! Não aceito isso! É uma injustiça! Uma perseguição!
Nisso, um novo vulto se aproxima da rainha discursando:
-Na verdade, companheira Poliana, é uma perseguição midiática de uma elite reacionária e antidemocrática que detém o poder nesse reino desde o seu descobrimento. – sentencia uma conhecida voz, de timbre um tanto mais rouco, mas não menos carismático e hipnótico.
- Luiz?! É você mesmo? Pensei que já estivesse preso! Quer dizer... – corrige-se prontamente a embaraçada rainha - ... sabe como é, com os meus problemas atuais só pego uns flashes aqui outro ali dos telejornais e você parece mais atolado que eu em escândalos ultimamente.
- Como você companheira Poliana, eu estou sendo vítima de um grande complô armado para desestabilizar esse grande projeto, idealizado por mim, de um país democrático e justo para nossos comparsas. Assim como está ocorrendo com você Poliana, eu e nossos amigos mensaleiros estamos sendo perseguido por um judiciário antidemocrático que resolveu cumprir a Constituição e o código penal e passar por cima das regras básicas de conduta impostas por meu partido. Uma total insubordinação as autoridades instituídas. Uma violação clara ao Estado Democrático de esquerda, companheira! – inflama-se o velho líder, sem jamais perder a vergonha ou a compostura.
- Eu concordo plenamente companheiro Luiz Inácio! Até que em fim alguém lúcido nessa minha noite de embriaguez! Eu só ouvi tolices essa noite. Alias, tenho ouvido e lido tolices a semana inteira. Ainda bem que você apareceu Luiz! Só você pode me compreender. – exclama a monarca emocionada.
- Bem, bem.  – rosna Capone erguendo-se da poltrona – Melhor irmos embora Adolf. A sala ficou cheia demais. É muito ego para pouco espaço, meu caro. Vamos tomar um Whisky. Por minha conta, é claro.
- Tem razão Capone. O ar ficou um tanto pesado. – acrescenta o empertigado militar, franzindo o diminuto bigode – Vamos brindar a arrogância dos tolos, a soberba dos fracos de caráter, e ao tênue fio que sustenta os poderosos a ignorância de seu povo. E a Justiça! Que seja cega, mas certeira!
- E aos pequenos tropeços! – sorri Capone, abraçando efusivamente Adolf pelos ombros. – Que estrago farão os pequenos tropeços quando esses egos inflados atingirem o solo árido de uma cela, hein Adolf? Nós sabemos! – gargalha o mafioso enquanto o ariano lançava um sorriso de escarnio para a dupla que permanecia no recinto.



sábado, 8 de dezembro de 2012

O Cortejo da Impunidade no Império da Estupidez


Na democrática praça do reino o espetáculo não chegava a encher os olhos. Dezenas de pessoas ocupavam o largo. Bandeiras vermelhas, novinhas em folha, se agitavam. Eventuais aplausos mais efusivos ressoavam, mas não chegavam a contagiar a massa um tanto descomposta. Discursos eloquentes e acalorados levavam a plateia mais fanática ao delírio. Mas o calor que se impunha era o do sol escaldante, não o da comoção popular com que sonhara a rainha e sua vasta corte. Vasta corte que, ao que parecia, preferira aproveitar a manhã ensolarada para atividades mais caseiras do que a de apoiar sua trôpega soberana. Palavras de ordem tentavam acordar os ânimos mais dormentes. Ilustres e importantes figuras pesavam e se arrastavam no palco da festa. Tentando manter a compostura e a pose de monarca injustiçada e perseguida, Poliana olhava aquela meia dúzia de gatos pingados pensando se haveriam braços suficientes para carregá-la. Melhor ficar no palanque do que se arriscar cair ainda antes do que as previsões apontavam. Mais um fiasco em sua meteórica e promissora carreira. Talvez devesse ter ouvido seus críticos ao invés de seus aliados. As coisas pareciam não estar correndo como planejaram seus companheiros, pensava a já desiludida rainha. Mas a ideia era boa e tentadora. A velha luta dos fracos e injustiçados contra a crueldade de uma elite desalmada. A pobre e perseguida Poliana seria, mais uma vez, carregada pelos braços do povo como a estrela que sempre fora. Seu povo era um povo solidário quando a causa era justa e nada poderia ser mais justo do que uma orquestrada revolta popular contra a reacionária e antidemocrática Justiça. Na cartilha de seu clã Poliana aprendera que justiça era apenas uma palavrinha bonita que se usava em discursos eleitoreiros e na falta de coisa melhor para dizer. Era conveniente que fosse assim. Cega, surda e muda, Justiça fora evocada centenas de vezes pelas vozes alteradas e revolucionárias dos militantes da grande causa do clã de Poliana. Uma relação perfeita que a prepotente Justiça não soube valorizar. Justiça resolvera se rebelar e cometera o mais imperdoável dos erros: julgar e aplicar as leis, sem distinção de cores ou facções. Erro crasso, que o poderoso clã não deixaria passar em branco. Era hora de mostrar à insubordinada Justiça que a voz do povo é a voz de Deus e que o povo come na mão de Poliana e de seus poderosos amigos. Precisavam atar as mãos dessa criatura insolente e quem sabe lhe arrancar o cérebro. Esse era o plano do seleto grupo de mentes brilhantes que cercavam e sustentavam Poliana. Enquanto as raposas mais ardilosas moviam mundos, e muitos fundos, na sede do poder central para lobotomizar Justiça, a patrulha ideológica da rainha mobilizava o povo contra esse monstro reacionário e vil que perseguia sua alteza. Poliana e seus asseclas mal podiam esperar para ver a reação de Justiça frente a toda essa mobilização. Os membros do núcleo duro do poder tentavam esconder o sorrisinho de escárnio pelo golpe que se vislumbrava certeiro.  Cochichavam, os mais ousados e impertinentes, que já tinha gente abandonando o reino para fugir da verdadeira lavada promovida pela rainha e sua trupe. A fórmula era perfeita, mas faltara o ingrediente principal. Seu povo não comparecera, e Poliana não conseguia entender o que poderia ter acontecido. Não fora por falta de convite, afinal carros de som e propaganda maciça não faltaram. Menos ainda pela escassez de pão com linguiça. Transporte então, nem se falava, frotas de ônibus e prometidas excursões de apoio vinham de reinos que Poliana nem ao menos conhecia.  E mesmo com todo o trabalho de seus companheiros, o povo, seu povo, deixara Poliana sozinha. Preferira fazer as compras de Natal. Quanto pão com linguiça desperdiçado, lastima a rainha a beira das lágrimas. Olhando de soslaio, com seus olhinhos de biscuit lacrimejantes, Poliana já percebia seus companheiros mais chegados se afastando. Ninguém queria ser fotografado ao lado da monarca decadente. Nos bastidores do espetáculo, depois de cerradas as cortinas e longe dos holofotes, seus aliados afirmavam a rainha que a guerra estava ganha. Ainda existia o photoshop que transformava dezenas em milhares, e nisso a companheirada era imbatível. Além de tudo, não devia esquecer do alinhamento fisiológico que já lhe garantira a coroa uma vez e certamente lhe livraria da guilhotina iminente. Justiça não é páreo para nosso grupo, Poliana! – asseguravam seus fieis e influentes companheiros. A Justiça serve aos fortes e se aplica aos fracos, esse é o lema de nosso clã e nós daremos um jeito de fazer com que Justiça  não se esqueça disso novamente. “Tomara que eles estejam certos e que Justiça não conteste essa nossa velha máxima, afinal já havia jurisprudência em contrário.” – suspira a desarranjada rainha, arrumando desajeitadamente a escorregadia coroa na cabeça.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A Insolência do Poder


Nessa manhã sua adorada cidade amanhecera mais triste. Até o céu se vestira de cinza como que a reconhecer a dor que calava a alma de seu povo. Que lamentável episódio esse, que movimentara a política local e manchara a história de sua gente. O velho não entendia de leis, de política ou de partidos, só entendia da vida. Particularmente nem guardava lá muita simpatia pelo governante em questão. Sua véia sim, o adorava. Tomara chimarrão com o homem uma única vez e foi amor a primeira vista. Desses que se leva para vida inteira. Carregava ainda hoje na carteira o santinho com a foto e o número do primeiro pleito disputado. Não fosse a serenidade alcançada com a idade, o velho ficaria enciumado com tanta devoção a outro homem. Mas sua véia era uma mulher leal, ao seu velho e ao seu prefeito. Por isso esse ancião sofria ao ver sua companheira tão tristonha. Fora traída sua parceira e isso o enraivecia. A estupidez e a ganância sempre lhe causaram asco. Quando as duas andavam juntas então, lhe tiravam do sério. Estupidez e ganância turvaram o brilho dos olhos de sua véia. Ser escolhido como líder por seu povo, para esse octogenário senil, era a maior honraria que um homem podia receber em vida. Ser aclamado de forma tão límpida e irretocável como aquele político fora, não lhe dava o direito de ser leviano. Impressionante a transformação que o poder causava nas pessoas. Transformava homens adultos em tolos inconsequentes. Deixar-se cegar por poder e ganância era próprio de todo mortal, mas permitir que a presunção e a arrogância que ladeiam o caminho dos poderosos suplantassem o bom senso, era fraqueza de caráter imperdoável para um líder. Um líder escolhido e ovacionado pelo povo. Incompreensível, para esse velho ignorante, era a revolta de alguns com o papel da Justiça nesse deprimente episódio. Não cabe a Justiça referendar a vontade do povo nas urnas. A vontade do povo é irretocável. A Justiça não pode ser mãe ou mesmo madrasta. À Justiça cabe apontar o erro dos tolos e inconsequentes e impor os limites que o excesso de poder e arrogância fizeram esquecer. Ser escolhido pelo povo não dá a ninguém o direito de infringir as leis como se estivesse a margem delas, acreditava o velho. Ser escolhido pelo povo dá ao eleito a obrigação de zelar por esse e se mostrar merecedor da confiança depositada nas urnas. Uma pena que os governantes com exagerada frequência se esquecessem desse detalhe, lastima o idoso. Os detalhes ainda não passavam desapercebidos por esse velho cansado. Chamara-lhe a atenção as incontáveis vezes com que esse jovem político tratara denúncias e sentenças graves contra seu governo como detalhes de pouco valor. De um representante do povo espera-se a grandeza de tratar o mais singelo delito de sua equipe como grave afronta a sua gente. Ao tratar as leis como reles alegorias sem importância, acabara, o jovem imaturo, derrubado por suas, talvez, menores transgressões. Um detalhe irônico, apenas. Tomara que esse moço aprenda com seus pequenos erros, suspira o velho se levantando. Precisava acalentar sua véia e tentar trazer de volta o brilho nos olhos que a estupidez e a ganância apagaram.