segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Poliana, a mãe do bode


 Na antessala do palácio real, Poliana encarava atentamente o animal. Olhos nos olhos, como era seu feitio. Nossa prestimosa rainha, olhava firmemente o bichinho, enquadrando-o ameaçadoramente. “Daqui você não sai. Daqui ninguém lhe tira.” - ameaça a magnânima, ao pobre acuado animal.
Poliana, todos desconfiavam, era soberana absoluta na hora de colocar o bode na sala. Fazia isso com maestria inigualável. Onde nenhum problema havia, nossa monarca era rápida em arrumar um enrosco e criar dor de cabeça aos seus súditos. E lenta, demasiado e calculadamente lenta, na hora de resolver o problema criado por ela. Quanto mais tempo o contribuinte vier a sofrer, mais rápida e gloriosa será a ascensão de Poliana, a salvadora dos pobres contribuintes indignados. Fora assim com o fechamento das rótulas. Criara o caos para, anos mais tarde, vender a solução que não seria necessária se Poliana e seus bobos não existissem. Poliana e sua trupe eram até hoje enaltecidos por consertar o problema que eles próprios ciaram. E se nossa alteza fora infalível na hora de dificultar a mobilidade urbana, mostrava-se imbatível no momento de infernizar aqueles que pretendiam apenas estacionar. Por muitos meses, estacionar nas vias centrais de seu reino seria uma cruel e cansativa penitência aos motoristas. Obra de Poliana, é claro! Para que facilitar, se você pode complicar, era o lema da rainha. E quando os humores dos motoristas e comerciantes ameaçavam explodir, nossa monarca surge com a solução: estacionamento rotativo pago! Sim! O mesmo que antes havia. Antes, bem antes, de Poliana colocar o fedorento bode na sala. Que fantástica ideia, acreditavam os exauridos motoristas. Como é que ninguém pensara em uma solução tão simples e lógica?! Só mesmo Poliana para ter ideia, assim, tão prática e despojada. Sorte desse povo contar com uma rainha tão conhecedora dos problemas do reino.
Mas antes de dar o absoluto fim ao drama dos motoristas, Poliana precisava alimentar e engordar um pouco mais o bode. Criar ainda mais revolta e descontentamento. Deixar os contribuintes ainda mais indignados. Não por não terem onde estacionar, mas por não conseguirem encontrar uma viva alma a quem pudessem pagar pela maldita vaga ocupada. A honestidade dos motoristas e contribuintes, acostumados a honrar seus débitos, transformava as avenidas em desertos de veículos. Os súditos honestos, vagavam desarvorados pelas ruas em busca de alguém a quem pudessem quitar o valor devido por cada minuto estacionado. Não encontrando ninguém, partiam apavorados, ou deixavam bilhetes constrangidos nos parabrisas dos automóveis. Quem deve, teme, pensam os contribuintes. E quem lucrava com o caos e constrangimento dos honestos, era ela, Poliana, a rainha do bode na sala. Enquanto os idiotas penam, Poliana sorri, satisfeita. Nada está tão ruim que não possa piorar um pouquinho, pensa Poliana. Quando o estacionamento estiver tão caótico quanto o trânsito e as esburacadas ruas do reino, nossa alteza solucionará o problema com um simples toque em sua varinha de condão. E todos serão eternamente gratos a Poliana, a rainha-mãe do bode, e madrasta dissimulada dos motoristas sem estacionamento.



domingo, 23 de agosto de 2015

Mortadela, a nova ideologia


 Poliana estava injuriada. Em tempos de manifestantes vestidos de verde e amarelo tomando as ruas, também Poliana fora alvo de palavras de descontentamento e revolta de seus súditos. Até aí, tudo certo. A tolerante Poliana era capaz de identificar e respeitar as tendências. E a nova moda em todo Gigante Adormecido era essa estranha massa com as cores da bandeira e cantando hinos, ao invés de gritos de guerra. Um tanto démodé, acreditava Poliana, torcendo seu empinadinho nariz.
O que Poliana não podia aceitar era o total silêncio de seus companheiros nos dias seguintes. Nenhum ato de desagravo, ou mesmo de apoio a Rainha Mãe, acorrera no reino de Poliana. Sequer uma passeatinha patrocinada pelos Companheiros Unidos no Trambique (CUT). Nada de ruas interrompidas em horário de pique, ou porcos obstruindo a entrada de bancos. Ou mesmo um pneuzinho queimado na praça central. Nada! Nadinha. Nem bandeiras, nem estrelas, nem balões vermelhos. Só o silêncio. Onde estariam seus companheiros, questionava-se a monarca. Não podiam alegar que estavam trabalhando. Afinal, Poliana bem sabia que os que não mamavam na fonte sem fim dos movimentos sindicais, mamavam nas inesgotáveis tetas dos contribuintes de seu reino. Estavam sempre a serviço do clã estrelado.
Onde foi que se meteram esses energúmenos, esbravejava em pensamento nossa socialite socialista. Até das redes sociais haviam desaparecido. Ao invés de frases de Che Guevara ou de deboche a elite verde-marela, só se viam receitas de comida e bandeiras de time de futebol. Um disparate em momentos de crise política e de popularidade do clã estrelado. Crise! Devia ser essa a explicação para o sumiço da companheirada, reflete Poliana. A crise atingira o bolso de todos, lastima nossa rainha. Certamente escassearam os recursos para o tradicional pão com mortadela, iguaria bastante apreciada pelo exército vermelho. Nos tempos atuais, mesmo os mais engajados companheiros não saiam de casa para defender suas inabaláveis crenças sem um bom sanduíche de mortadela que lhes dessem substância. Se havia uma coisa que Poliana aprendera em todos esses anos de seguidora da estrela, era que toda convicção precisa de uma consistente ideologia para se manter firme e sólida. Sem ideologias não há argumentos ou motivações legítimas, ensinava seu clã. A mortadela era a nova ideologia de seu clã, constata Poliana. Um recheio a altura do que se tornaram os companheiros. Que fase! - choraminga Poliana. Mais que a falta de moralidade, o que ainda afundaria irremediavelmente seus companheiros seria a falta de mortadela. Que a mortadela sempre abunde, como abundam as propinas, implora a sempre otimista Poliana.

domingo, 9 de agosto de 2015

A melancólica melodia das panelas


   Na TV, o programa dos companheiros anuncia: o apocalipse está chegando. Para alguns telespectadores mais sarcásticos ele já havia chegado há 12 anos. E, como informa o mestre-salas da propaganda, o apocalipse se materializará na forma de um horripilante e agourento monstro que arrasta correntes e ameaça a todo o povo de Gigante Adormecido. O tal monstro anunciado pela companheirada chama-se crise política! Crise política é que anda apavorando o povão, segundo o marqueteiro real. Novamente, aos mais atentos, as coisas parecem carecer de sentido e lógica, afinal, quem parecia acuada e sitiada pela tal crise política era a Rainha Mãe. O povo sofria a cada dia com a crise econômica, e milhares de eleitores de nossa monarca passavam por grave crise de consciência e arrependimento. Mas, na mentalidade esquizofrênica do grande clã estrelado era a crise política a verdadeira vilã desse enredo. E quem criou a tal crise? Oposição, é claro. É Oposição que está a orquestrar protestos e a incitar o descontentamento popular. É culpa de Oposição o rápido e trágico desmoronamento de popularidade da Rainha Mãe. Oposição! Aquela Oposição que não é capaz de organizar sequer uma partidinha de futebol de várzea, está desestabilizando o reinado de sua alteza e todo Gigante Adormecido. Nossa monarca e seus aliados, como sempre, não parecem ter qualquer participação no problema.
    E a tal crise econômica? Ela de fato existe, finalmente admitem os adoradores de estrelas. Mas trata-se de uma crise mundial e não local, anuncia o presidente do clã, cada vez mais próximo de ave de mau agouro do que da ave de rapina que sempre fora. A situação da Grécia é uma prova contundente e inquestionável de que o mundo está em crise, mostram as manchetes na tela. E ela, novamente ela, Oposição, é que engana o povo fazendo parecer que a economia vai mal por conta de erros e despreparo da rainha e sua equipe. Uma total falta de sorte não poder alegar que tudo era devido a herança maldita dos últimos reinados. Esse era o mais ingrato preço a ser pago por tantos anos no poder. Essa diminuta crise, afirma sua alteza, é - como costumam ser as crises – passageira. Faremos, todos juntos, uma travessia rumo a dias infinitamente mais prósperos, conforta a soberana o seu povo. O povo não duvida da travessia. E está dolorosamente ciente de que encontra-se no barco, sem chance de abandoná-lo. O que boa parte do povo questiona e duvida é da capacidade da Rainha Mãe em evitar um naufrágio. Uma dúvida plantada por Oposição nas mentes vazias do povão, é evidente.
    Era para ser só uma propaganda em horário nobre. Mais uma entre tantas. Desculpas e mentiras caras e coloridas. Uma reedição da fábula de Horário Eleitoral. Mas acabou sendo muito mais do que se esperava. Tornou-se um símbolo. O símbolo da decadência do clã estrelado. O tom emocional, forte de suas propagandas, desaparecera por completo. Nenhuma trilha sonora ou imagem pungentes. Nem mesmo o fervoroso militante e ator que apresentava o espetáculo cinematográfico conseguia demonstrar um pouco de emoção, ou crença. Proferia palavras como um medíocre apresentador de telejornal. Já o grande ídolo e estrela guia dos companheiros voltara a usar a antiga barba, numa desesperada tentativa de se agarrar a popularidade e carisma que um dia tivera. Ou na ilusão que um dia fora. Parecia, no entanto, apenas um náufrago barbudo se agarrando em destroços. A estrela perdera o brilho. Uma pena. Quando tudo se mostrou uma gigantesca mentira, restava a sempre fiel militância, a emoção. Agora, não resta mais nada. Só o descompassado som das panelas.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Herdeiro da Pampa Farrapa



Herdeiro. Que benção era herdar algo em tempos de crise. Um carro velho. Meia dúzia de patos e galinhas. Um terreninho no subúrbio. Ser herdeiro é praticamente uma glória nos dias atuais. Mas, herdar um estado falido poderia se caracterizar como um desastre. Desastre anunciado, calculado e presumido. E, o novo Herdeiro da Pampa Farrapa, não pode alegar que não sabia. Não sabia dos déficits? Sim, sabia. Não sabia dos descalabros na administração pública? Sim, sabia. Não sabia que assumiria um estado onde os gastos eram superiores as receitas? Sabia. Era sabedor, desde a campanha, de que precisaria deixar a politicagem de lado e administrar o problema como se um gestor, e não um político, fosse? Sim, sempre soubera. Portanto, ao herdeiro dessa pampa, não é permitido choramingar, é exigido que erga o pescoço em meio a lama, e porte-se como o gestor que a maioria de seu povo elegeu para administrar essa herança. Herança que infelizmente é de todos os gaúchos.
E falhou o Herdeiro da Pampa Farrapa ao se fazer ausente no primeiro, de muitos, anúncios lastimosos e desagradáveis a seu povo. Falhou como homem. Falhou como político. E falhou irremediavelmente como gestor. A um líder, escolhido por seu povo, não é dado o direito de se portar como um invertebrado qualquer. Os penosos anúncios feitos por sua equipe eram esperados, mas poderiam ser melhor digeridos, assimilados e tolerados, se saíssem da boca daquele que representa a escolha da maioria do povo gaudério. E o Herdeiro da Pampa Farrapa escolheu se ausentar. E, ausente estando, tornou-se merecedor de descrédito, asco, revolta e piadinhas.
Resta a nós, povo gaudério, aceitarmos as medidas duras, indigestas, mas sabidamente necessárias. Arcarão, os dignos funcionários de carreira, com o ônus de administrações populistas. Arcaremos todos, com a herança maldita de governos incompetentes. Mas, o atual herdeiro dessa pampa, que é de todos os gaudérios, precisa arcar com suas responsabilidades. Precisa dar a cara a tapa em momentos de revolta. Necessita vir a público mesmo quando a plateia lhe é hostil. É preciso se fazer presente quando a esperança dos gaúchos ameaça se fazer ausente. É o que se espera de um homem. É o que esperamos de um líder. É o que se exige dos eleitos. Se, o Herdeiro da Pampa Farrapa, não for capaz de olhar a seu povo, olho no olho, e assumir nossas dívidas e suas dolorosas soluções, não será, jamais, digno do povo que o elegeu. E essa pampa, outrora orgulhosa e próspera, estará fada ao naufrágio, sem um digno capitão que sirva de modelo a nossas façanhas, ou a nossa premeditada derrocada. Que esse povo, que um dia se vestiu de luta, possa contar com um líder que não abdique da honra. Honra e luta estão no cerne dos gaudérios. Nos resta tão somente esperar um líder merecedor desse povo. Que a espera não seja longa. O tempo já se faz curto, e nossas esperanças também. Que o Herdeiro da Pampa Farrapa, que se fez depositário das esperanças desse povo, se faça, logo, merecedor de respeito.