sábado, 29 de dezembro de 2012

A derradeira TPM da rainha


Poliana olhava ressentida para o grupo de companheiros que a cercava. Seus aliados já demonstravam sinais de cansaço depois de horas correndo atrás de sua alteza. Os melhores negociadores e enroladores da equipe real foram chamados às pressas ao palácio para tentar contornar a situação. Nem mesmos os bombons de amarula foram suficientes dessa vez. Poliana estava irredutível. Seus bobos da corte entreolhavam-se prevendo mais uma calamidade para encerrar o tumultuado reinado. Todos conheciam as crises de destempero da rainha e sua teimosia desmedida. Quando ela teimava, teimava. Ninguém conseguia meter um pouco de bom senso na coroada cabeça. O gênio difícil da rainha, sua teimosia e intransigência e o peso da coroa eram exatamente as causas de toda a confusão em que estavam metidos a monarca e sua vasta corte agora.
- Você precisa entregar, Poliana. Não tem mais jeito. Não torne as coisas ainda mais difíceis e escandalosas do que já são. – argumenta Líquen, o amorfo, pela milionésima vez.
Poliana encontrava-se trancada na sua redoma de vidro fumê fortemente agarrada a sua adorada coroa. Decidira, em um ato de pirraça e rebeldia, que não entregaria a coroa a seu sucessor. Fosse ele quem fosse. Vermelha de raiva, batia o pezinho miúdo no chão e gritava:
- Não dou, não dou, não dou! Ela é minha! Só minha!
- Mas Poliana, é só por algumas semanas. Nós temos certeza que você vai vencer Justiça e recuperar a coroa loguinho. – acrescenta um dos bobos da Irmandade do Fogo
- Conversa pra boi dormir. Vocês estão me enrolando com isso há meses. Na minha frente garantem que vou vencer, e pelas minhas costas planejam quem vão colocar no meu trono. Meu trono! Eu não confio em nenhum de vocês, seus lacaios.
- Rainha, nós estamos nos esforçando ao máximo para salvá-la de Justiça. Eu mesmo já mobilizei meio mundo lá na sede do poder central. É preciso ter paciência e fé nos apoiadores de nosso clã. – afirma Líquen com a confiança adquirida pelos anos no ramo de compra e venda de emendas parlamentares.
- Enrolação! Vocês acham que eu sou como o povo que nós enrolamos há décadas? Se nossos companheiros de clã não conseguiram livrar a cara dos mensaleiros, vão se preocupar com uma rainha de um reinozinho de fim de mundo como eu? Essa coroa é minha! Eu conquistei! Ninguém me tira.  – berra a rainha, enterrando a coroa na cabeça.
- Nós todos, seus fieis bobos da corte, somos e sempre seremos solidários a você, Poliana. Estamos todos no mesmo barco. – apela mais um membro da Irmandade do Fogo.
- Mesmo barco uma ova! Só quem vai ser jogada para fora do barco sou eu. Vocês vão continuar usufruindo dos seus carguinhos por mais um tempo. E só estão ao meu lado enquanto eu tenho a coroa. Apenas estão preocupados em manter suas mordomias, seus ingratos!
- Mas você tem que pensar em nosso clã, Poliana. Se nós não conseguirmos vencer a reacionária Justiça precisamos assegurar que nosso grupo se mantenha no poder. Esse sempre foi nosso plano: décadas com as mãos firmes no poder e nas chaves do cofre, é claro. – pondera Líquen, com ares de Zé Dirceu.
- É isso mesmo querida companheira Poliana. Você sabe o quanto nós lastimamos essa perseguição que você esta sofrendo. Mas precisamos preparar o terreno e não desviarmos de nosso caminho. – acrescenta com voz mansa e a eterna postura servil, o solidaríssimo companheiro Golesminha.
- Nem vem Golesminha. Não adianta vir se chegando pro meu lado abanando o rabinho feito um poodle. Você mais do que ninguém está vibrando com minha decapitação. Você sempre quis o meu lugar! Sempre! Agora vai ter o apoio de nosso clã. Traidor!
- Jamais, Poliana. Isso nunca passou pela minha cabeça, adorada rainha. Eu sempre estive ao seu lado sem qualquer ambição de lhe tomar o trono. – afirma o companheiro Golesminha, um pouco enrubescido, chacoalhando a clássica franjinha.
- Já chega! Não é hora de discutirmos a sucessão. Em poucas horas você vai precisar entregar a coroa Poliana. Isso é um fato. Não adianta fazer escândalo. Você tem que se comportar como a rainha boazinha e doce que nós vendemos para o povo todo esse tempo. Era só o que faltava você aparecer como uma louca histérica na hora de repassar a coroa.
- É isso mesmo, rainha. Pelo menos nesses últimos momentos do seu reinado, tenha um pouco de bom senso. Nós já estamos atolados até o pescoço em escândalos, não precisamos de mais nenhum. Entregue a cora Poliana. – suplica um dos pajens
- Não é só a coroa, vocês não entendem? Como é que eu viver sem tudo isso aqui? Sem meu trono. Sem minha redoma de vidro fumê! A vista do reino é perfeita de dentro da minha redoma. Eu não vou suportar viver lá fora, onde tudo é meio esburacado e fedorento. Eu vou murchar como uma flor fora da estufa. – choraminga a rainha, fazendo beicinho e acariciando teatralmente a coroa.
- E o que você acha de se mudar para uma outra redoma, novinha em folha? – pergunta Líquen tendo uma de suas brilhantes idéias.
- Uma outra redoma? De vidro fumê cor de rosa? – indaga a rainha demonstrando apreciação.
- Isso mesmo. Uma redoma ainda mais bonita e blindada que essa, em um lugar privilegiado onde você vai poder ver todo nosso vasto reino.
- Com um trono?
- Claro, um confortável troninho só pra você.
- E com estoques de bombons de amarula? – empolga-se Poliana, com seus olhinhos de biscuit brilhantes de entusiasmo.
- Uma despensa cheinha. – garante Líquen
- Fechado! Podem pegar essa porcaria de coroa. Ela fica mesmo apertada na minha cabeça. E você companheiro Golesminha, vai ter que dar um jeito nessa franja horrorosa se for ficar mesmo com o trono. Ela não combina nadinha com esse modelo de coroa. Vamos lá, estou louquinha para conhecer minha nova moradia. Vamos seus molóides! Até a meia noite vocês ainda tem obrigação de me paparicar. Tragam os meus sais de banho e as toalhas de algodão egípcio. E não esqueçam dos bombons. – ordena a sempre surpreendente Poliana , deixando o recinto sem ao menos olhar para trás.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Natal de Poliana



A ilustre e popular Poliana teima em não aprender com seus erros. Mesmo o chacoalhão de Justiça em seu jeitinho próprio de governar não serviu para colocar sua alteza nos trilhos da sensatez. Nossa magnânima continua a afirmar aos quatro ventos que toda e qualquer pendenga ética, moral ou judicial de seu reinado de oportunismo ou de seus aliados oportunistas, foram apenas acidentes de percurso, sem qualquer dano relevante ou digno de nota. Salvo talvez, a boa imagem de seu reino ou ao abençoado bolso dos fieis contribuintes. Mas isso são apenas miudezas de pouco valor para a eterna Poliana. Nada que valha um panfletinho ou outdoor desperdiçado. Ao que parece o peso da coroa atrofiou de vez o cérebro de sua alteza.  
Para ajudar nossa adorada rainha no novo e promissor ano que se avizinha pediremos ao velho Noel que neste Natal brinde Poliana com doses generosas de bom senso, humildade, moralidade, parcimônia, zelo com a coisa alheia, juízo, senso crítico, ética, coerência, decência e principalmente: respeito as leis, as instituições e ao Estado Democrático de Direito.
Que o bom velhinho leve embora o que lhe excede em autoconfiança, arrogância, assessorias incompetentes e mal intencionadas, aliados interesseiros e descompromissados, ganância, imoralidade, teimosia, intransigência, estrelismo e más companhias.
Que mantenha o dinamismo, a jovialidade, a simplicidade e o talento impar em valorizar e manter a aliança que a suportou.
Que conquiste a capacidade de reconhecer erros, de voltar atrás em decisões equivocadas, de ouvir e aceitar críticas a seu reinado sem tomá-las como afrontas ou meras implicâncias com sua ilustre e respeitosa figura.
Que adquira o discernimento de não voltar a acreditar que o poder, por maior que pareça, será eternamente benevolente com suas tolices. O poder cobra o preço que só os tolos haverão de pagar. Que o preço a ser pago por nossa popular rainha seja aprender a aprender com seus equívocos e tolices.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Os Fantasmas de Poliana


Sozinha em sua redoma de vidro fumê, folheando velhos livros de grandes figuras da história mundial, Poliana afogava suas mágoas e desilusões da forma que mais gostava: degustando caixas e mais caixas de bombons de amarula. Depois de tantos deslizes cometidos ao longo de seu escandaloso reinado, o pecado da gula certamente seria perdoado no dia do juízo final. E o juízo final parecia cada vez mais próximo para nossa voraz rainha. Se não tivesse ido com tanta fome ao pote, talvez não tivesse entornado o cocho. Ou se não tivesse escolhido bobos e aliados igualmente tão gananciosos e descomedidos, lastima-se sua alteza acariciando sua adorada coroa.
Erguendo-se tropegamente Poliana repete a frase que ouvira de seus companheiros tantas vezes nos últimos dias. Quem sabe se repetisse mil vezes conseguisse convencer a todos, até a si mesma:
- Um delito tão pequeno! Eu não posso cair por algo tão insignificante!
- É claro que pode, caríssima! Pequenos tropeços já derrubaram grandes homens.
Assustada, Poliana se volta para a estranha voz e prontamente reconhece o homem de chapéu, sentado na poltrona, e que lhe lançava um certo olhar de deboche por trás da fumaça do charuto que trazia entre os dedos.
- Mas eu só cometi uma pequena asneira. O erro tolo de fazer propaganda quando não era permitida. Só isso! – defende-se sua alteza, ofendida.
- Ora, ora, minha cara. Você cometeu várias tolices e não foi apenas essa a que lhe derrubou. – afirma o homem, tirando um isqueiro do colete e reavivando a chama do charuto que esmorecia. 
- O que você entende disso Capone? Você é só um fantasma que veio me assombrar, não conhece meu reino nem meu reinado!
- Mas conheço a arrogância e a soberba, cara. Conheço o gosto que o poder tem. Sei como é pensar que se está acima das leis dos homens. Sei como é infringir todas elas. E, assim como você, sei como é tropeçar em ninharias.
- Você era um gangster! Um mafioso! Bem diferente de mim! – indigna-se a rainha.
- Nisso você tem razão, cara mia. Essa é a grande diferença entre nós. Eu tinha uma organização. Um grupo com regras e conceitos rígidos, a nosso modo é claro. Mas eu mantinha as rédeas curtas e firmes sobre meu grupo. Existia certo código de ética entre os gangsters em meu tempo. Você, Poliana, escolheu muito mal seus asseclas. Homens sem limites, sem qualquer senso de ética. Há que se ter ética, Poliana. Até mesmo na contravenção. Você, como líder de organização, não soube impor limites em sua turma. Assim como eu, tropeçou em seu próprio ego. Você e eu, rainha, acabamos nos deixando enrolar por nossos menores pecados.
- Mas eu não vou cair! Eu tenho o apoio do povo. O povo me idolatra! – afirma a monarca insolente.
Do outro lado do recinto uma nova voz se faz ouvir:
-O povo está ao lado dos fortes e foge dos fracassados, majestade. O povo que ontem lhe carregou no colo com honrarias e glórias, será o mesmo que lhe virará as costas e lhe chamará de facínora ao cerrar das negras cortinas. – afirma a outra figura saída das trevas da embriagada rainha.
Poliana observa esse outro conhecido personagem. De pé, muito ereto e altivo, cabelo bem penteado e engomado, de postura autoritária e arrogante em seu uniforme onde se sobressaia a imponente suástica.
- Adolf? – questiona a rainha incrédula.
- A seu inteiro dispor majestade. – responde a ilustre personagem.
- Você também veio se intrometer no meu reinado e na minha desgraça?! Agora que eu estou afundando na lama até os mortos resolveram tripudiar de mim! O que você entende do meu reino? Você foi um tirano, eu sou uma soberana adorada por meu povo, viu seu Adolf Hitler!
- Eu também fui idolatrado por meu povo, magnânima. O povo alemão me venerava. Lotavam as ruas e praças para me ouvir falar. Meus discursos e minhas palavras proféticas, assim como as suas, comoviam e mobilizavam as massas. Minhas ideias e convicções, por mais doentias que pareçam hoje para vocês, reles mortais, convenceram milhares. Eu era Deus! Mas até os deuses caem, Poliana.
- Você era um ditador! – afirma a rainha indignada.
- Um ditador com o apoio das massas, magnânima. Não se iluda. As massas foram e sempre serão massas de manobra. Na minha ditadura e no seu reinado democrático. O povo só enxerga o que nós queremos que ele enxergue. O povo alemão queria uma Alemanha limpa. Era isso que eu vendia a ele. O povo não precisava ver os horrores do holocausto. Ao povo bastava a imagem de uma Alemanha progressista, forte e patriótica. Era isso que eu lhes mostrava em propagandas e discursos.  O mesmo ocorre em seu democrático reinado, majestade. O seu adorado e ingênuo povo quer um reino feliz e harmonioso, como uma marchinha de carnaval. E é isso que você oferece a seus súditos, Poliana, em marketing, mídia, banners e alegorias. Mas ao final do carnaval, vem a quarta feira de cinzas e você precisa se preparar para esse dia, minha rainha.
- Mas eu não quero cair! Não aceito isso! É uma injustiça! Uma perseguição!
Nisso, um novo vulto se aproxima da rainha discursando:
-Na verdade, companheira Poliana, é uma perseguição midiática de uma elite reacionária e antidemocrática que detém o poder nesse reino desde o seu descobrimento. – sentencia uma conhecida voz, de timbre um tanto mais rouco, mas não menos carismático e hipnótico.
- Luiz?! É você mesmo? Pensei que já estivesse preso! Quer dizer... – corrige-se prontamente a embaraçada rainha - ... sabe como é, com os meus problemas atuais só pego uns flashes aqui outro ali dos telejornais e você parece mais atolado que eu em escândalos ultimamente.
- Como você companheira Poliana, eu estou sendo vítima de um grande complô armado para desestabilizar esse grande projeto, idealizado por mim, de um país democrático e justo para nossos comparsas. Assim como está ocorrendo com você Poliana, eu e nossos amigos mensaleiros estamos sendo perseguido por um judiciário antidemocrático que resolveu cumprir a Constituição e o código penal e passar por cima das regras básicas de conduta impostas por meu partido. Uma total insubordinação as autoridades instituídas. Uma violação clara ao Estado Democrático de esquerda, companheira! – inflama-se o velho líder, sem jamais perder a vergonha ou a compostura.
- Eu concordo plenamente companheiro Luiz Inácio! Até que em fim alguém lúcido nessa minha noite de embriaguez! Eu só ouvi tolices essa noite. Alias, tenho ouvido e lido tolices a semana inteira. Ainda bem que você apareceu Luiz! Só você pode me compreender. – exclama a monarca emocionada.
- Bem, bem.  – rosna Capone erguendo-se da poltrona – Melhor irmos embora Adolf. A sala ficou cheia demais. É muito ego para pouco espaço, meu caro. Vamos tomar um Whisky. Por minha conta, é claro.
- Tem razão Capone. O ar ficou um tanto pesado. – acrescenta o empertigado militar, franzindo o diminuto bigode – Vamos brindar a arrogância dos tolos, a soberba dos fracos de caráter, e ao tênue fio que sustenta os poderosos a ignorância de seu povo. E a Justiça! Que seja cega, mas certeira!
- E aos pequenos tropeços! – sorri Capone, abraçando efusivamente Adolf pelos ombros. – Que estrago farão os pequenos tropeços quando esses egos inflados atingirem o solo árido de uma cela, hein Adolf? Nós sabemos! – gargalha o mafioso enquanto o ariano lançava um sorriso de escarnio para a dupla que permanecia no recinto.



sábado, 8 de dezembro de 2012

O Cortejo da Impunidade no Império da Estupidez


Na democrática praça do reino o espetáculo não chegava a encher os olhos. Dezenas de pessoas ocupavam o largo. Bandeiras vermelhas, novinhas em folha, se agitavam. Eventuais aplausos mais efusivos ressoavam, mas não chegavam a contagiar a massa um tanto descomposta. Discursos eloquentes e acalorados levavam a plateia mais fanática ao delírio. Mas o calor que se impunha era o do sol escaldante, não o da comoção popular com que sonhara a rainha e sua vasta corte. Vasta corte que, ao que parecia, preferira aproveitar a manhã ensolarada para atividades mais caseiras do que a de apoiar sua trôpega soberana. Palavras de ordem tentavam acordar os ânimos mais dormentes. Ilustres e importantes figuras pesavam e se arrastavam no palco da festa. Tentando manter a compostura e a pose de monarca injustiçada e perseguida, Poliana olhava aquela meia dúzia de gatos pingados pensando se haveriam braços suficientes para carregá-la. Melhor ficar no palanque do que se arriscar cair ainda antes do que as previsões apontavam. Mais um fiasco em sua meteórica e promissora carreira. Talvez devesse ter ouvido seus críticos ao invés de seus aliados. As coisas pareciam não estar correndo como planejaram seus companheiros, pensava a já desiludida rainha. Mas a ideia era boa e tentadora. A velha luta dos fracos e injustiçados contra a crueldade de uma elite desalmada. A pobre e perseguida Poliana seria, mais uma vez, carregada pelos braços do povo como a estrela que sempre fora. Seu povo era um povo solidário quando a causa era justa e nada poderia ser mais justo do que uma orquestrada revolta popular contra a reacionária e antidemocrática Justiça. Na cartilha de seu clã Poliana aprendera que justiça era apenas uma palavrinha bonita que se usava em discursos eleitoreiros e na falta de coisa melhor para dizer. Era conveniente que fosse assim. Cega, surda e muda, Justiça fora evocada centenas de vezes pelas vozes alteradas e revolucionárias dos militantes da grande causa do clã de Poliana. Uma relação perfeita que a prepotente Justiça não soube valorizar. Justiça resolvera se rebelar e cometera o mais imperdoável dos erros: julgar e aplicar as leis, sem distinção de cores ou facções. Erro crasso, que o poderoso clã não deixaria passar em branco. Era hora de mostrar à insubordinada Justiça que a voz do povo é a voz de Deus e que o povo come na mão de Poliana e de seus poderosos amigos. Precisavam atar as mãos dessa criatura insolente e quem sabe lhe arrancar o cérebro. Esse era o plano do seleto grupo de mentes brilhantes que cercavam e sustentavam Poliana. Enquanto as raposas mais ardilosas moviam mundos, e muitos fundos, na sede do poder central para lobotomizar Justiça, a patrulha ideológica da rainha mobilizava o povo contra esse monstro reacionário e vil que perseguia sua alteza. Poliana e seus asseclas mal podiam esperar para ver a reação de Justiça frente a toda essa mobilização. Os membros do núcleo duro do poder tentavam esconder o sorrisinho de escárnio pelo golpe que se vislumbrava certeiro.  Cochichavam, os mais ousados e impertinentes, que já tinha gente abandonando o reino para fugir da verdadeira lavada promovida pela rainha e sua trupe. A fórmula era perfeita, mas faltara o ingrediente principal. Seu povo não comparecera, e Poliana não conseguia entender o que poderia ter acontecido. Não fora por falta de convite, afinal carros de som e propaganda maciça não faltaram. Menos ainda pela escassez de pão com linguiça. Transporte então, nem se falava, frotas de ônibus e prometidas excursões de apoio vinham de reinos que Poliana nem ao menos conhecia.  E mesmo com todo o trabalho de seus companheiros, o povo, seu povo, deixara Poliana sozinha. Preferira fazer as compras de Natal. Quanto pão com linguiça desperdiçado, lastima a rainha a beira das lágrimas. Olhando de soslaio, com seus olhinhos de biscuit lacrimejantes, Poliana já percebia seus companheiros mais chegados se afastando. Ninguém queria ser fotografado ao lado da monarca decadente. Nos bastidores do espetáculo, depois de cerradas as cortinas e longe dos holofotes, seus aliados afirmavam a rainha que a guerra estava ganha. Ainda existia o photoshop que transformava dezenas em milhares, e nisso a companheirada era imbatível. Além de tudo, não devia esquecer do alinhamento fisiológico que já lhe garantira a coroa uma vez e certamente lhe livraria da guilhotina iminente. Justiça não é páreo para nosso grupo, Poliana! – asseguravam seus fieis e influentes companheiros. A Justiça serve aos fortes e se aplica aos fracos, esse é o lema de nosso clã e nós daremos um jeito de fazer com que Justiça  não se esqueça disso novamente. “Tomara que eles estejam certos e que Justiça não conteste essa nossa velha máxima, afinal já havia jurisprudência em contrário.” – suspira a desarranjada rainha, arrumando desajeitadamente a escorregadia coroa na cabeça.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A Insolência do Poder


Nessa manhã sua adorada cidade amanhecera mais triste. Até o céu se vestira de cinza como que a reconhecer a dor que calava a alma de seu povo. Que lamentável episódio esse, que movimentara a política local e manchara a história de sua gente. O velho não entendia de leis, de política ou de partidos, só entendia da vida. Particularmente nem guardava lá muita simpatia pelo governante em questão. Sua véia sim, o adorava. Tomara chimarrão com o homem uma única vez e foi amor a primeira vista. Desses que se leva para vida inteira. Carregava ainda hoje na carteira o santinho com a foto e o número do primeiro pleito disputado. Não fosse a serenidade alcançada com a idade, o velho ficaria enciumado com tanta devoção a outro homem. Mas sua véia era uma mulher leal, ao seu velho e ao seu prefeito. Por isso esse ancião sofria ao ver sua companheira tão tristonha. Fora traída sua parceira e isso o enraivecia. A estupidez e a ganância sempre lhe causaram asco. Quando as duas andavam juntas então, lhe tiravam do sério. Estupidez e ganância turvaram o brilho dos olhos de sua véia. Ser escolhido como líder por seu povo, para esse octogenário senil, era a maior honraria que um homem podia receber em vida. Ser aclamado de forma tão límpida e irretocável como aquele político fora, não lhe dava o direito de ser leviano. Impressionante a transformação que o poder causava nas pessoas. Transformava homens adultos em tolos inconsequentes. Deixar-se cegar por poder e ganância era próprio de todo mortal, mas permitir que a presunção e a arrogância que ladeiam o caminho dos poderosos suplantassem o bom senso, era fraqueza de caráter imperdoável para um líder. Um líder escolhido e ovacionado pelo povo. Incompreensível, para esse velho ignorante, era a revolta de alguns com o papel da Justiça nesse deprimente episódio. Não cabe a Justiça referendar a vontade do povo nas urnas. A vontade do povo é irretocável. A Justiça não pode ser mãe ou mesmo madrasta. À Justiça cabe apontar o erro dos tolos e inconsequentes e impor os limites que o excesso de poder e arrogância fizeram esquecer. Ser escolhido pelo povo não dá a ninguém o direito de infringir as leis como se estivesse a margem delas, acreditava o velho. Ser escolhido pelo povo dá ao eleito a obrigação de zelar por esse e se mostrar merecedor da confiança depositada nas urnas. Uma pena que os governantes com exagerada frequência se esquecessem desse detalhe, lastima o idoso. Os detalhes ainda não passavam desapercebidos por esse velho cansado. Chamara-lhe a atenção as incontáveis vezes com que esse jovem político tratara denúncias e sentenças graves contra seu governo como detalhes de pouco valor. De um representante do povo espera-se a grandeza de tratar o mais singelo delito de sua equipe como grave afronta a sua gente. Ao tratar as leis como reles alegorias sem importância, acabara, o jovem imaturo, derrubado por suas, talvez, menores transgressões. Um detalhe irônico, apenas. Tomara que esse moço aprenda com seus pequenos erros, suspira o velho se levantando. Precisava acalentar sua véia e tentar trazer de volta o brilho nos olhos que a estupidez e a ganância apagaram.

domingo, 25 de novembro de 2012

A espera de Poliana


Poliana, serena e tranquilamente, aguardava. Curioso o efeito que as tormentas provocam nas pessoas. Poliana sempre fora conhecida pelas crises de destempero e mau humor. Nesse momento de sua vida, em meio a tempestade, com risco de naufrágio, portava-se como uma digna monarca: firme e decidida. Faltava pouco, agora. Sua longa e angustiante espera estava chegando ao fim. Sete votos e um destino. Tão poucos votos para quem já tivera tantos! Seria risível se não fosse trágico, pensa a nobre e sofredora rainha. Uma verdadeira injustiça se sua alteza fosse condenada por delitos tão singelos. A mais pura ironia do destino. A propaganda ostensiva e maquiada, que vendia sonhos e fantasias, fora a marca registrada de seu reinado. Seus coloridos impressos e o marketing requintado garantiram a soberana o direito ao trono e a coroa. Seu povo, adorado povo, assim quisera, assim decidira. Se nem as falsas impressões de seu reinado, a falta de papel e de moralidade, os incontáveis tropeços éticos e de retidão, foram capazes de macular a imagem da rainha, seria um descalabro que uma propagandinha igual a tantas outras pudesse interromper sua gloriosa jornada. O que mais incomodava Poliana era esse inquietante silêncio que lhe cercava. Nessas horas, quando o barco está quase afundando, mas ainda há esperança, todos os seus aliados, alguns companheiros de anos, pareciam se afastar um pouco de sua alteza. Não muito, pois essa ainda detinha as chaves do cofre e o poder das decisões, mas o suficiente para correr se alguma coisa desse errado. Alguns pareciam torcer para ver o circo pegar fogo. Outros nem conseguiam dissimular o desejo de tomar logo o lugar da rainha. Tantos, em mal disfarçada ansiedade, esfregavam as mãos, loucos para verem a delicada cabeça real ser decapitada. Para surpresa de Poliana, Imprensa Livre e alguns odiosos e maledicentes críticos, se mantinham em moderada e resoluta expectativa. Estranho isso, reflete a hoje ponderada Poliana, quando eu estava com os pés bem firmes no convés, esses críticos asquerosos adoravam me chutar, agora que posso me afundar de vez, tenho de me cuidar mais com meus aliados e companheiros do que com meus inimigos declarados. Nada como uma marolinha depois da outra. Quando o barco está a deriva, os ratos mostram o que são: apenas ratos. Restará a sua alteza separar os que lhe serão úteis no futuro. E o futuro, a Deus pertence, pensa a crédula e confiante Poliana. E a voz do povo é a voz de Deus. E o povo já votou por Poliana. Só lhe restavam sete votos agora. Sete votos selariam seu destino. Deus estaria dando uma nova oportunidade, ao povo ou a Poliana. Agora só resta esperar.

sábado, 17 de novembro de 2012

O entardecer da República


Sentado em frente a televisão, o velho acompanhava as notícias com o desconfortável sentimento de déjà vu. Todo feriado eram as mesmas velhas e trágicas manchetes de dezenas de acidentes nas estradas. Sangue e morte pareciam escorrer pelas telas dos gigantes aparelhos. E que estranho fascínio pareciam ter tais cenas de tragédias e desgraças para as pessoas. Desde tenra idade acostumam-se as crianças com absurda e descabida de sentido, violência. As telas ficavam cada vez maiores como que a garantir aos espectadores que nenhuma réstia de agonia passasse desapercebida. Nessas horas o velho sentia saudades dos velhos aparelhos em preto e branco. Talvez fosse o diminuto tamanho de suas telas, ou quem sabe o tempo considerável que levavam para aquecer os fusíveis, o fato é que toda a família se amontoava em frente a TV em, hoje longínqua, comunhão. Sentia saudades do Vigilante Rodoviário, recorda o velho enquanto assiste as coloridas imagens de ônibus sendo incendiados. Nos antigos seriados não se precisava de cores para separar os mocinhos dos bandidos. Talvez fosse o excesso de cor que ofuscava o bom senso de seu povo, considera o velho. Ou quem sabe o tamanho exagerado das telas fizesse com que todos tivessem perdido o foco. Talvez precisasse retornar mais cedo a revisão com seu oculista, reflete o velho sentindo inquietante falta da turbidez que a catarata, extirpada pela precisão da tecnologia médica, lhe causava na distinção de cores e formas. Graças a maravilhosa evolução da ciência, hoje não se ficava mais refém de muitas das limitações da idade que antes lhe terminariam com a autonomia e independência. Liberdade era uma dádiva que este velho sabia apreciar e valorizar. Essa, assim como a TV preto e branco, em breve, não teria muita serventia a julgar pelo que mostravam as imagens do noticiário. Quando presos eram capazes de comandar atentados organizados em tantos lugares desse país sem que as autoridades conseguissem conter o terrorismo instaurado, algo virtualmente insano, pelo menos para um velho tolo, devia estar sucedendo. Devia ser a tal realidade virtual que tanto ouvira falar sem nunca compreender o sentido. Virtuais deviam ser as grades que, se supunha, privava a liberdade dos presos. Virtuais seriam os conceitos de certo e errado que deviam aquecer as leis que regem o virtual conceito de Estado de Direito. Virtual, com toda certeza, era a presença do Estado como mantenedor da ordem e da segurança de um povo, pensa o velho acompanhando a imagem de uma mãe com seu bebê dando uma entrevista de trás de um imenso portão de ferro.  Liberdade dependia de que lado, e de qual grade, se está. As coisas deviam estar muito mais desfocadas do que seu cérebro senil era capaz de entender, suspira o velho cansado. E podiam ficar piores, resigna-se o ancião com o semblante marcado pelos anos de experiências. Em épocas, nem tão distantes, o seio dos presídios produziram quadrilhas tão organizadas e ardilosas que foram capazes de dominar a toda uma nação sem a necessidade de fuzis e granadas, lembra o velho astuto. Não se detém ratos com grades. E os maiores ratos de sua pátria ainda estavam bem longe das grades e muito próximos do poder, lastima o idoso mudando de canal. Era hora da novela preferida de sua velha e já pressentia os passos lentos, mas decididos de sua companheira de décadas de alegrias e decepções. Não importava o tamanho do aparelho ou a precisão das imagens, sua véia ainda olhava para a tela com o mesmo deslumbre e devoção que há cinqüenta anos. Graças a Deus algumas coisas, virtualmente, não mudavam com o evoluir dos tempos, pensa o velho com seu enrugado sorriso.

sábado, 10 de novembro de 2012

A Encurralada Poliana


A nova edição de seu glorioso reinado ainda nem se iniciara e Poliana já se via pequena frente a tantos egos inflados e tanta sede de poder. Poliana bem sabia que seus bobos eram uns mortos de fome gananciosos, mas se as coisas continuassem nesse ritmo comeriam uns aos outros em curto espaço de tempo. Era preciso preservar o precioso fígado real. Poliana precisava ter cuidado. Não podia dar as costas a ninguém. Nunca se sabia de onde viria a primeira punhalada nas costas. Ai que saudades sentia dos famosos chutes nas canelas dados por Oposição. Comparadas as estocadas traiçoeiras de seus companheiros e aliados, Oposição fora quase um anjo de candura. A própria rainha, para garantir seu lugar no trono, fizera tantas falsas promessas de apoio e carguinhos, tantas articulações desprovidas de solidez e concretude, que agora encontrava-se baratinada para juntar tantas pontas soltas nessa enorme teia de interesses e interesseiros.
Mal sabia ela, a quase sempre alienada rainha, que a maior disputa hoje em seu reino seria por sua sucessão. Poliana mal conquistara o Troféu Popularidade, conseguindo manter a coroa em sua cabeça, e seus aliados já se engalfinhavam em quase sangrenta batalha para ver quem ficaria com o trono depois que a carismática rainha se aposentasse. A firme e sólida aliança que prometia dar sustentação a sua majestade nos próximos anos de reinado dava mostras de tornar-se uma perigosa argola em seu focinho. Ou uma incomoda coleira em seu delicado pescoço. Conseguirá nossa destemida e corajosa rainha driblar os grilhões e amarras impostos por seus parceiros e confrades? De onde virá o primeiro golpe que poderá desestabilizar sua alteza? Será um tiro certeiro e frontal dado pela impiedosa Justiça? Ou um tiro vindo do escuro, de trás de algum arbusto, de algum camuflado aliado real? Quem sabe alguma armadilha mais ardilosa, arquitetada por poucas cabeças matreiras dentro do nobre e rico seio de seu clã? De uma coisa Poliana tinha certeza, precisaria bem mais do que carisma e popularidade para escapar ilesa dessa vez. Com muito jogo de cintura, centenas de carguinhos, milhares de recursos públicos e muita lábia e articulação conseguiria sair desse jogo com apenas alguns arranhões. “Apenas por precaução, melhor dormir de armadura de agora em diante.” – pensa a eternamente confiante e otimista Poliana.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A Economista Poliana


Cortar, cortar, cortar! Canetear, canetear, canetear! Poliana já não agüentava tanta pressão. Estava ficando cada vez mais confusa. Confusas eram as desculpas que seus bobos precisavam arrumar para os cortes de Poliana. Até nossa desavergonhada rainha sentia certo constrangimento em assumir assim, publicamente, as dificuldades financeiras de seu espetaculoso reinado. Sorte de Poliana e sua vasta e dispendiosa corte, que Oposição voltara a hibernar. Tomara que Imprensa Livre resolva se fazer de desentendida só para variar. Seria vexatório para a rainha ser confrontada com alguns poucos flashes de Horário Eleitoral. Afinal, onde é que fora parar aquele reino empreendedor, transbordante de recursos que Poliana alardeara com tanta pompa em seus recentes desfiles alegóricos? De fato, o tal alinhamento estratégico foi, como quase todo grande feito da rainha, uma boa estratégia de marketing. Nada além disso. E todos aqueles vultuosos recursos que abarrotavam os cofres públicos em Horário Eleitoral, aqui em Mundo Real, devem ter saído pelo ladrão ou se esvaído em algum Polianoduto.
Agora Poliana precisava economizar. Lera dezenas de livros de economia, administração e até auto-ajuda. Assistira a todos os programas da Ana Maria Braga. Tudo levava a mesma desgraçada conclusão. Precisava começar cortando supérfluos. Coisas de pouca importância, que não fariam falta na engrenagem de seu reino e não causariam transtornos a vida de seus súditos e contribuintes. Se seguisse essa fórmula universal, Poliana só teria uma solução: teria de cortar seus adorados bobos da corte! Isso não poderia acontecer. Poliana bem sabia que eles ocupavam mais espaço no orçamento do reino do que nas suas quase sempre vazias repartições. Mas eram seus bobos de estimação, afinal. Faziam parte do PAC (Programa de Acomodação da Companheirada). Poliana não podia simplesmente largá-los assim, na rua da amargura, sem um carguinho para lhes aquecer. Teria de encontrar uma solução que não impactasse em suas alianças. Por isso cortaria coisinhas mais banais.  Diminuiria a oferta de alguns serviçinhos básicos de saúde, já que doente não reclama, e mandaria os serviçais da rainha mais cedo para casa. Com essas medidas economizaria muito no gasto de papel higiênico. Era impressionante a quantidade enorme de papel higiênico que essa gente toda gastava. Poliana tinha a convicção de que com essa drástica e sábia medida de contenção conseguiria equilibrar suas finanças. Não havia espaço para mais nenhuma grande cagada em seu reinado, disso Poliana tinha certeza. Por falar em papel, lembra-se Poliana satisfeita, precisava ordenar a seus marqueteiros reais que mandassem confeccionar e espalhar por todo reino, dezenas de seus bons e velhos cartazzes e banners. Poliana precisava mostrar ao seu povo o quanto era comprometida com o principio da economicidade. Seu zelo com a coisa pública e sua mão de ferro fechando as torneiras do desperdício seria o mote perfeito para seus novos informativos e comerciais de televisão. "Mal posso esperar para divulgar mais esse gloriosos feito de meu reinado de oportunidades. Graças a mim, recurso para publicidade e oportunismo nunca faltará nesse reino." - pensa Poliana com a calculadora em punho.

sábado, 27 de outubro de 2012

Os Conflitos de Interesse da Rainha


Poliana estava exausta. Precisava urgentemente de férias. Férias de seus bobos, pajens, assessores e apoiadores. Era tanta gente voando, feito moscas, sobre sua alteza que seus majestosos ouvidos zuniam. Se sua corte já era grande antes, maior e mais esfomeada ficaria com todas as novas e exigentes alianças que precisara firmar para garantir seu lugar no trono. Mal retornara da desgastante turnê a Horário Eleitoral e já precisava encarar mais uma interminável maratona de negociações de carguinhos e poltronas. A ganância de seus novos e velhos aliados fazia Poliana sentir saudades do humor sarcástico e acusador de Oposição. E pensar que alguns dos cruéis críticos de seu reinado já tinham alertado sua alteza de que assim seria. Pensando bem, seus invejosos e intolerantes críticos haviam previsto várias falhas e deturpações da realidade que Poliana só fora conhecer em Horário Eleitoral. Como será que essa gente detestável e sem escrúpulos conseguia adivinhar os defeitos de seu espetacular e aclamado reinado? Deviam ter alguma espécie de bola de cristal. Dessas que permitem prever o futuro. Magia negra, com certeza. Poliana não conseguia pensar em outra resposta para uma pergunta tão complexa. Talvez devesse questionar a seu amigo, doutor da retórica e da manipulação de mentes e de interesses, o Alquimista. Mas o Alquimista andava torcendo o nariz para a rainha. Também pudera. Poliana usara o velho, sua sabedoria, seu até então inquestionável poder supremo, para chegar ao trono. Por quatro anos tolerara seus conselhos, crises de estrelismos e exigências. Sustentara - com recursos públicos, é claro - seus medíocres,  descompromissados e pouco afeitos ao trabalho, pupilos. Agora que Poliana conquistara novamente a coroa, fizera o que era esperado de uma soberana: um pé na bunda do doutor! Pelo menos era o que pretendia. Poliana andava gritando aos quatro ventos que extirparia definitivamente com o velho mago de seu reinado. Com ele, e com qualquer influência sombria que o ancião tentasse infiltrar nas entranhas de seu poder. Conseguir isso seria tarefa árdua. Uma raposa velha, ainda era uma raposa. Ardilosa e traiçoeira. Convinha a Poliana tomar cuidado. Será que seus novos, e mais convenientes aliados, teriam força suficiente para sustentar a rainha em um confronto com o temível e intimidador Alquimista? Esperava que sim. Poliana apostara todas suas fichas nessa jogada. Tomara que não tenha escolhido o time errado. Caso contrário, Poliana teria ainda mais saudades da perseguição impiedosa de Oposição. Quisera a idade tenha abrandado o espírito vingativo do grande e poderoso Alquimista. - pensa Poliana, sentindo um frio nas entranhas e dirigindo-se apressadamente ao toilette. 

sábado, 20 de outubro de 2012

A Solidão da Rainha


O grupo observava preocupado o isolamento opcional de sua alteza. Sozinha em seu adorado trono, Poliana dava as costas para a vasta equipe de aduladores reais. Alguns de seus aliados e companheiros demonstravam apreensão com algumas atitudes e discursos reais no retorno da exitosa excursão à Horário Eleitoral. Poliana parecia mais independente e autônoma do que gostariam seus asseclas. Tomara que tudo não passasse de ressaca pela mudança de fuso horário e pelo excesso de bajulações. Só faltava sua alteza resolver tomar as rédeas de sua corte e de seu reinado nessa altura do caminho. Seria uma tragédia para boa parte dos bobos da corte que Poliana decidisse usar o cérebro ao invés de se esconder atrás de seu carismático sorriso.
- Nós não estamos nada satisfeitos com essa pose de soberana de Poliana. Quem ela está pensando que é afinal de contas? - queixa-se um aliado.
- Ela é a rainha, ora bolas! Magnífica e aclamadíssima pelo povo. - lembra um companheiro.
- Ela pode ter a coroa, mas a cabeça é nossa! Ninguém dá as cartas no jogo que nós inventamos. - afirma insolente uma velha raposa da Irmandade do Fogo.
- A popularidade de Poliana lhe dá plenos poderes. Ela está acima até da Justiça! – defende uma inflamada estrela do clã ainda no clima festivo e romântico de Horário Eleitoral.
- Ela não seria nada sem nosso apoio. A rainha nos deve favores. Favores e carguinhos. Essa matemática ninguém muda. Muito menos Poliana.
- Mas ela anda falando umas coisas esquisitas. Anda dizendo que vai tomar decisões, que vai usar a caneta. – sussurra um dos bobos, preocupado.
- Vai usar a caneta nada! Ela não saberia usar nem o banheiro se não fossemos nós. – zomba um Irmão do Fogo – É só a gente entupir ela de bombons de amarula que no final a rainha nem vai se lembrar como fez a partilha dos carguinhos.
- Não sei não, minha gente. A rainha andou ouvindo muita coisa naquelas andanças por Horário Eleitoral. Vocês sabem como o povinho é linguarudo e adora se queixar. - lembra um dedicado representante dos movimentos sociais. – E teve todas aquelas coisas estragadas e mal acabadas que nós dizíamos pra ela que estavam as mil maravilhas... Do lado de fora da redoma de vidro fumê, o cheiro e as cores são bem diferentes, vocês sabem.
- Bobagem. Poliana é meio míope, todos nós sabemos. E só escuta o que é interessante para ela. Sempre foi assim, não ia ser agora que iria mudar. Se ela andou vendo ou ouvindo alguma coisa que não gostou tratou de esquecer nos abraços efusivos de seus súditos.
- Eu ainda tenho medo. Vocês sabem como a rainha é transloucada. Vai que ela tem uma daquelas crises e resolve botar ordem na casa? É capaz de querer trocar nossos apadrinhados por gente que trabalhe de verdade, daí sim vai ser um desastre! – apavorasse um companheiro.
- Impossível. Ela pode ser louca, mas não rasga dinheiro, não refuga propina e não vive sem poder.
- Mas e se o clamor do povo cegou a rainha? E se ela realmente decidir ditar as regra daqui por diante e resolver tomar as decisões conforme sua cabeça sem seguir nossa cartilha ou as nossas conveniências? Vocês já pensaram no baque que isso causaria para nossa aliança?
- Ia ser ridículo Poliana resolver trilhar o caminho da ética e da coerência nessa altura do campeonato. – ironiza um dos bobos, fazendo pouco caso.
- Se Poliana optar por abandonar o covil que lhe deu abrigo por todo esse tempo, nós vamos fazer com que ela sinta saudades do humor cruel da intransigente Justiça. Se a rainha achou que Justiça foi dura com ela, é por que ainda não experimentou o gosto amargo e vingativo de uma aliança partida. - sentencia, com voz sombria, um velho patriarca da Irmandade do Fogo, fazendo a companheirada ranger os dentes de pavor.

Enquanto isso, alheia, como sempre, as armadilhas e artimanhas de seus companheiros e parceiros de aclamado reinado, Poliana queimava neurônios com a situação a sua frente. Sobre a mesa jaziam, em desarrumado conflito, os dois parceiros da quase trágica solidão real. De um lado, o monstruoso quebra-cabeças, com muitas peças e pouco espaço. Do outro, a reluzente e convidativa caneta. Eu odeio esse jogo! – pensa Poliana. Não sei se nasci para isso. Talvez eu devesse ter seguido outro rumo. Devia ter escutado minha mãezinha e ter feito concurso para bancária. Que mundo cão! – choraminga Poliana, ajeitando a invejada coroa na delicada e confusa cabeça.


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A ofuscante estrela de Poliana


Poliana era aclamada pela multidão de militantes e apoiadores. Que maravilha ver toda essa gente alinhada com suas intenções. Eram tantas as pessoas verdadeiramente confiantes em seu reinado, que até Poliana se emocionava. Que espetáculo essa tal democracia! E como fora fácil iludir uma platéia tão esperançosa e carente de perspectivas. Um povo acostumado a futebol e circo, satisfazia-se plenamente com canchas de bocha e escorregadores, e esquecia com rapidez das imoralidades e desvios grosseiros de conduta. Esse era seu povo! Essa era a fórmula para se manter, eternamente, com as mãos firmes nas rédeas do poder. - pensa Poliana, satisfeita e exultante. Tivera sorte, admitia a vitoriosa rainha. Sorte de ter como adversária uma Oposição tão desmilingüida e raquítica. A sorte está do lado dos vencedores. Seus críticos teriam de engolir mais essa máxima e aturar Poliana por longos anos.
Agora era a hora de acomodar seus amigos. Amigos? A maioria queria comer o afamado fígado real. Que gente mais mesquinha e sem princípios! -  pensa a consagrada rainha - Teria de quebrar a coroada cabeça para acomodar tanta gente em seu reinado de oportunidades. Quantos glúteos para tão poucas poltronas! Alianças. Essas eram a fórmula perfeita para  chegar ao trono, mas também podiam se tornar o caminho mais rápido e pedregoso para se desestabilizar no poder. Mas antes de começar a acomodar os aliados, precisava acomodar seus próprios companheiros que planejavam cravar suas taquaras nas largas costas reais. Poliana já não sabia em quem confiar. Melhor não confiar em ninguém. O poder tinha um brilho mais intenso e sedutor que o da inebriante estrela de seu clã. Por poder e riquezas seus companheiros de enriquecedora jornada planejavam atraiçoar sua rainha. Poliana via-se em apuros. Se correr, Justiça pega, se ficar a companheirada come. Melhor pensar em um obstáculo por vez. Primeiro iria rezar aos céus para que a Justiça fosse tão cega, estúpida e cooptada como afirmavam seus defensores. Não seria nada fácil ludibriar a astuta Justiça, mas Poliana punha fé no poder de convencimento de alguns de seus importantes e bem relacionados amigos. Não seria essa Justiçinha metida a besta que poria fim no magnífico reinado de Poliana. Depois, só depois, daria um corretivo na companheirada. Colocaria cada qual em seu lugar. Tanto Justiça, quanto seus ambiciosos companheiros de clã precisavam aprender que Poliana pairava acima de todos, sustentada firmemente pelos acolhedores braços do povo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Limpando a casa


Na calada da noite, a pouca luz de lanternas, o grupo se movia desengonçado pelo castelo. Alguns caminhavam encurvados pelo árduo trabalho das últimas horas. No comando da operação: ela! A incansável e inquestionavelmente audaciosa e descarada, Poliana.
- Fica quieto! Baixa mais essas calças! - ordena a rainha, impaciente.
- Ai, Poliana! Isso tá gelado!
- Coloca essas xícaras, aí dentro! E os pires também! Não vai quebrar nada, hein!
- Mas tá difícil de ajeitar tudo isso aí, alteza.
- Quem manda usar cueca tão justinha! Mete tudo nessa coisa. Vai ter que caber.
- Eu tô tentando. Tem paciência, rainha. - resmunga o assessor real, rebolando um pouco para acomodar o desconfortável volume.
- E você aí, companheiro, enrola aquele tapete ali. – continua sua majestade, como sempre no comando da situação.
- É pra tirar as cortinas da sala real também, Poliana? – pergunta um dos pajens.
- Claro! Vamos levar tudo que conseguirmos. Encham os bolsos, meias e cuecas. O que não couber engulam! Depois arrumamos uma forma de recuperar.
- Mas Poliana, não precisamos nos apressar tanto assim. Ainda temos muito tempo pela frente. - argumenta um dos bobos da corte.
- Eu não vou arriscar! Vai que aquela mocoronga recalcada da Justiça resolve me expulsar daqui? Vamos pegar tudo que der. Não deixe pra amanhã o que você pode levar hoje. Esse é nosso lema, esse é meu jeito de governar. Vamos adiante! Temos muita coisa pra carregar! Embrulhem aquela foto área do reino. E não esqueçam os lustres do salão real.
- Mas esses lustres são muito pesados, alteza. - choraminga um dos bobos, como de praxe, não muito afeito ao trabalho.
- Não interessa, se virem! Rápido e sem barulho. Temos de sair logo daqui e sem chamar atenção. Já temos muitos holofotes sob nossos pecados. Cuidado para descer as escadas. Não quero nada quebrado. E não esqueçam o trono também.  Esse é meu!
Enquanto o seleto grupo de bobos e pajens da rainha, companheiros inseparáveis das locupletações reais, acomodava todo o material coletado as pressas em seus veículos, Poliana olhava desiludida para fora. O olhar tristonho e resignado de sua alteza trouxe uma áura de solidariedade e comoção aos sempre alegre e confiantes seguidores. Algumas lágrimas sentidas umedeciam os adoráveis e cândidos olhinhos de biscuit.
- Não chore rainha. As coisas não vão ficar assim, você vai ver. Nós vamos conseguir contornar essa situação e você vai poder continuar no seu castelo de ilusão e logro por muito tempo ainda. – consola um fiel companheiro, emocionado.
- Eu sei. - afirma Poliana, com voz embargada. - O que mais me dói no peito é ter de deixar para trás minha bandeira.
- Mas você não precisa abandonar a grandiosa bandeira de nosso clã, rainha! Essa magnífica bandeira escarlate já nos proporcionou tantos anos de mordomias e vida fácil e ainda tem muito a nos presentear. Nós continuaremos alinhados aos nossos ídolos mensaleiros. Não deixe que uma Justiça moralista acabe com seu ideal de enriquecimento fácil, Poliana. – suplica o companheiro preocupado.
Olhando firmemente para seu assessor, pensando por um minuto em como é que conseguira cercar-se por tanto tempo por gente tão estúpida, Poliana responde com seu conhecido timbre esganiçado: - Que porcaria de bandeira vermelha, que nada! Desse tipo eu tenho centenas na minha casa, seu molóide! Nem sei onde vou enfiar tanta taquara! - reclama, baixando a voz para não chamar atenção - Eu estou chorando por aquela bandeira enorme da praça em frente ao castelo. É muito grande, seu inútil. Não vai dar para levar! Eu planejava forrar minhas almofadas com ela. Agora não vai dar tempo de pegá-la. - conclui a rainha, fazendo beicinho.
- Ah, bom. - suspira um dos presentes - Aquela coisa verde e amarela, cafona e inútil. Eu particularmente acho que não vale nada, Poliana, mas se você quer... Não se preocupe. Depois que nós engambelarmos Justiça por mais alguns meses, você vai poder pôr a mão na bandeira também. Vai poder levar até o mastro, que é bem maior que suas taquaras. Nada é grande de mais para nós. - afirma outro companheiro conduzindo discretamente sua majestade para fora.
- Vocês prometem? - indaga a rainha, novamente assanhadinha.
- Claro! Vai ser fácil, fácil. Como lavar dinheiro ou favorecer os aliados. - acrescenta maroto e convicto outro membro da corte.
- E eu vou poder pegar o chafariz, também? E aqueles semáforos novos? - pergunta a rainha eufórica. -  Eu sempre quis aquele casebre caindo aos pedaços do outro lado da praça. Aquela porcaria vai dar muita lenha pras churrascadas de nosso clã. - empolga-se Poliana, como criança gulosa e afoita.
- Sem problemas, Poliana! Pode deixar com sua companheirada. Nós decepcionamos o povão, mas jamais faríamos isso com você, rainha. Em pouco tempo você vai poder levar desse reino, tudo quiser. Vamos fazer uma limpa. Palavra de companheiro! Só precisamos de algumas semaninhas... E você aí parceiro! Ajeita essa cueca e vamos adiante!
O seleto grupo, escolhido a dedo por Poliana, seguia seu rumo, alegre e festivo como sempre. Nada intimidava a Poliana e sua trupe. Essas ilustres estrelas prometiam pairar reluzentes e robustas, acima das leis e da honra. Ninguém, nesse reino tão pequeno, seria capaz de por fim a ânsia avassaladora por poder e enriquecimento desse grupo tão coeso e obstinado. No caminho de Poliana só havia duas pedras: o povo e a Justiça. Poliana, astuta e ardilosa, confiava cegamente na capacidade ímpar de seus companheiros em iludir e ludibriar a esses dois insignificantes atores.

sábado, 29 de setembro de 2012

A caçada a Poliana


Recostada nas almofadas, exaurida de todas as forças, Poliana acompanhava entorpecida o diálogo travado entre seus fieis parceiros de locupletações.
- Não sei não, companheirada. A coisa pode ficar feia desta vez.
- Bobagem. Nós já passamos por estradas mais esburacadas e pedregosas antes. Sempre tem alguém para tirar as maiores pedras do nosso caminho.
-Você quer dizer roubar as pedras, né companheiro – ironiza a cansada Poliana. – Se vocês não se atirassem que nem porco em lavagem em qualquer oportunidade de chafurdar na coisa pública, eu não estava nessa situação.
- Nós sabemos rainha. Agora aprendemos a lição. Nos próximos anos seremos mais cuidadosos. – afirma um dos asseclas, não parecendo muito arrependido.
- Não adianta ficarmos chorando sobre o lixo derramado. Temos de arrumar uma forma de continuar empurrando a sujeira para baixo do tapete por mais algum tempo.  O importante é que nosso clã é sempre muito unido. Uma mão lava a outra e as duas juntas lavam muito mais dinheiro sujo. Esse é o nosso lema. Essa é a nossa marca!
- E esse é meu jeito de governar! – Poliana, sonolenta, repete o jargão que era obrigada a dizer centenas de vezes na sua atribulada maratona em Horário Eleitoral.
- É só uma questão de interpretação e de que lado da sujeira você está. Se a imundice está do nosso lado é sempre perseguição, ou modernamente denuncismo. Nós não roubamos, apenas cometemos erros. – acrescenta um assessor folhando a cartilha do grande clã.
 - Mas nós já falhamos em tentar tirar Justiça da nossa cola. A coisa tá ficando preta até pra nossos mestres mensaleiros. Eu tô começando a ficar preocupado com o rumo que isso está tomando. Vocês já pensaram se o povo das bandas de cá resolve aderir a essa onda de moralidade? Vai ser nosso fim.
- Não tem problema, Justiça não está com essa bola toda por aqui. Ela se acha muito engraçadinha, mas não é páreo para nós.
- Nem Oposição é páreo para Poliana. Vocês viram a enorme popularidade da rainha?! É inacreditável!
- É inadmissível, isso sim! Eu devia ter tido índices muito maiores naquela pesquisa seus molóides! - indigna-se Poliana, que já estava quase adormecida – Vocês esqueceram que a tal pesquisa foi feita entre nossa militância? Tem gente do nosso time jogando contra mim, e quando eu descobrir quem são aí sim a coisa vai ficar preta. - ameaça sua alteza, entre um bocejo e outro.
- Nenhum de nós seria capaz de trair nossa rainha! – apressa-se em afirmar um representante da Irmandade do Fogo. – Nós seguiremos nossa majestade até o fim! Não vamos abandonar o barco. – acrescenta sem muita convicção.
- Assim eu espero. – continua Poliana, recostando-se ainda mais nas almofadas, pronta para um cochilo.
- Como eu dizia, nós só precisamos enrolar os súditos por mais poucos dias. Justiça nós vamos conseguir enrolar por anos a fio. Vai dar tempo de Poliana se aposentar.
- Acho que nossa estratégia de marketing está excelente. Precisamos continuar nos fazendo de vítimas perseguidas por uma Oposição sem princípios. O povão quase vai as lágrimas quando Poliana assume o papel de Joana d’Arc populista.
- E essa história de terrenos e desapropriações? Como vamos justificar?
- Reforma agrária, é claro. E se não funcionar vamos dizer que até nisso somos melhores que Oposição. A simplória recalcada não sabe nem superfaturar direito! Quando se trata de superfaturamento nós somos imbatíveis.
- Vocês não acham que devíamos ter um plano B, para a remota possibilidade de Poliana tropeçar e cair nas mãos da intolerante Justiça? – questiona um dos bobos, abaixando o tom de voz para não ser ouvido por sua adormecida rainha.
- Já estamos trabalhando nisso, companheiro. - cochicha uma das velhas raposas da Irmandade do Fogo – Se todo o lixo dos impressos soterrarem nossa adorada rainha, nós riscamos o fósforo e vamos adiante!  Tenho certeza - acrescenta em tom de troça- que Poliana nem vai reclamar em se tornar a Joana d’Arc de nossa boa causa.

Alheia a sorrateira conspiração que lhe cercava, Poliana dormia a sono solto em seu adorado castelo de ilusões. Dormia e sonhava. Em seu sonho corria desembestada por ruas cheias de buracos, pedras e pardais. Perdida em tantas rótulas e desvios, não conseguia encontrar seu castelo para alcançar seu adorado trono. Estava sendo caçada! Uma Justiça irônica e deformada estava em seu encalço. Preocupada em fugir da perseguição ferrenha de Justiça, nem percebia o que as sombras de seu reino escondiam. Camuflados, atrás dos arbustos, estavam alguns de seus aliados e parceiros. Munidos de traições, esperavam a hora certa de abater sua, até então conveniente e lucrativa, rainha. Aterrorizada, Poliana acorda. “Ainda bem que foi só um pesadelo.” Nenhum de seus confiáveis amigos ousaria trair a popular e crédula Poliana. – pensa sua majestade, voltando a seu mundo de sonhos e fantasias.

domingo, 23 de setembro de 2012

Poliana segue seu rumo


Poliana tentava manter um andar altivo enquanto atravessava a multidão de admiradores que se aglomerava a sua frente. Sorria, orientava sua assessoria. Continue acenando e mandando beijinhos, estimulava um dos bobos reais. São só mais meia dúzias de criancinhas para carregar, rainha. - incentivava o marqueteiro. Para seus asseclas parecia tudo muito simples, pensa Poliana lutando para não gemer de dor a cada passo. Maldita seja essa tal semana Farroupilha! Precisava se lembrar no futuro de abolir de vez essa época de seu calendário de eventos. Para mostrar a seu povo o quanto seu reinado compartilhava do espírito aguerrido dos gaúchos, sua majestade fora obrigada a passar por intermináveis sessões de fotos e filmagens travestida de prenda farrapa. Em farrapos ficara seu entre pernas, isso sim! – lastima-se Poliana. Se pelo menos tivessem lhe dado um pangaré menos pançudo para montar! - resmunga, procurando manter o sorriso sofrido nos lábios. Seus quartos estavam em frangalhos. Mas o pior ainda estava por vir, suspira a monarca. Mais um belicoso confronto com Oposição lhe aguardava em seguida. Quisera conseguisse se esquivar das chicotadas da rançosa Oposição com a mesma desenvoltura com que desviara de toda bosta de vaca que estivera em seu caminho nesses últimos dias.
- Vamos recapitular suas respostas rainha? - sugere o marqueteiro, aproveitando cada parada para preparar sua alteza. - É preciso que você demonstre naturalidade e segurança na hora de enfrentar Oposição.
- Eu não preciso ensaiar nada. Eu sei muito bem o que tenho de dizer. Eu sempre falo e faço tudo de improviso. Esse é o meu jeito de governar. – afirma Poliana, convicta, continuando a caminhar.
- Já começou errado Poliana! Você não pode admitir que nós decidimos o futuro do reino só nos seus achismos, sem estudos ou embasamento. Assim Oposição vai deitar e rolar! – alerta um membro do clã.
- Não tem nada de achismos! Eu sou muito séria nas minhas resoluções. Não faço nadinha sem consultar o horóscopo do dia. E para decisões importantes, como as modificações no trânsito, por exemplo, eu tenho uma cartomante que é show de bola! Esse é o meu jeito de governar. E vamos adiante! – segue Poliana, entre beijos e abraços de seus sempre fiéis militantes.
- Você precisa ter algumas frases de efeito para usar quando Oposição enveredar para o esburacado caminho da imoralidade, rainha. – aconselha um dos pajens reais.
- Isso é fácil. Olha só: “o povo não quer saber disso, Oposição!” – repete Poliana, torcendo a boca em escárnio, para deleite de sua assessoria. – O povo gosta é de novela e futebol. Você e essa sua onda de denuncismos tolos! – acrescenta em tom de pirraça - Isso é só uma marolinha, Oposição. Tem um tsuname ainda por vir, mas nós vamos adiante! – exulta a rainha, batendo com o punho no peito.
- Excelente Poliana! Que tirada! – aplaude um dos bobos.
- E quanto a todos aqueles processos judiciais envolvendo seus amigos e companheiros, rainha? – continua o marqueteiro imitando Oposição.
- Isso é apelação! - ironiza a monarca – Nós vamos apelar até a última instância, Oposição! Vamos enrolar essa sujeira por anos. Esse é o meu jeito de governar! E, ao contrário do que andam dizendo, nós vamos adiante! Nem Justiça vai nos impedir. Se os mensaleiros engambelaram Justiça por anos, imagina o que eu e meu alinhamento fisiológico faremos nesse reininho interiorano. Justiça vai ter que me engolir! – acrescenta Poliana, com pose de Zé Dirceu.
- Maravilha! É assim que se fala rainha. E que palavras você tem para falar de honestidade?
- Eu não tenho palavra nenhuma. Nem sei do que você esta falando Oposição. A única palavra que eu lembro é desespero. – interrompe-se a rainha para corrigir em seguida – O seu desespero, é claro. Você só sabe dar chute nas canelas e bolada nas costas. Eu não sei ser assim. Eu só gosto de bolada nos bolsos. É assim que eu sou, e esse é o meu jeito de governar!
- E quanto ao bom uso dos recursos públicos? – instiga um pouco mais o marqueteiro.
- Nós usamos muito bem os recursos públicos! Você tem que ver o piso lá de casa. E a banheira, então? Uma belezura! E tem mais, deixar que alguns amigos metam a mão no dinheiro do contribuinte, não tem nada a ver com má gestão. O povo não se importa com isso. Só Justiça que dá bola para essas miudezas e ninharias. – esclarece Poliana afetadinha. - E tem mais, olha o nível, Oposição! - continua sua alteza, no seu tão bem ensaiado papel - Não me meça por sua régua, viu. - acrescenta com olhar enviesado - O meu reinado é medido por taquaras. Taquaras! E você conhece bem o tamanho das minhas taquaras. - conclui a rainha para uma assessoria deslumbrada.
- É isso aí, rainha! Oposição já está quase morta! - anima um companheiro, já na ante-sala da arena de debates.
- Muito bem, alteza. Oposição está quase desistindo! - berra um militante para o séquito que avançava.
- Falta pouco, rainha! Oposição já esta quase se afundando! - grita outro admirador.
- Obrigada meus bobos! - agradece a rainha, olhando afobada para os lados e sussurrando para o assessor mais próximo - Onde é que fica o banheiro? Eu já estou quase me cagando! Rápido! Vamos adiante! - ordena a sudorética rainha, andando desengonçada para o reservado.

sábado, 15 de setembro de 2012

Plantam-se bandeiras, colhem-se propinas


Sentados em torno da mesa, o estrelado grupo de bajuladores reais faziam uma avaliação crítica dos rumos da turnê a Horário Eleitoral. Poliana descansava em seu trono, enquanto um de seus pajens massageava-lhe os pezinhos calejados pelas intermináveis andanças na esburacada periferia do reino. Talvez devesse ter gasto mais em calçamento e asfalto, e menos em propaganda enganosa e ilusão de ótica. - pensa a rainha exausta, enquanto ouvia a discussão de seus bobos.
- Eu disse pra vocês companheirada, não é bom cutucar Oposição com vara curta. - alerta um dos membros do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago), puxando a camiseta vermelha para cobrir melhor a barriga. – Não podemos dar motivos para réplicas de Oposição.
- Que vara curta o quê?! Vocês já viram o tamanho das nossas taquaras? – pergunta um líder do SindiPelego, impressionado.
- É mesmo, eu nunca vi nada assim tão grande. Onde é que nosso clã consegue aquelas coisas enormes? Parece negócio de outro mundo. – concorda uma velha matriarca do grande clã.
- São importadas de Cuba, nossa ilha de fantasias, é claro. Nós temos uma plantação de taquaras geneticamente modificadas por lá - esclarece o camarada Boina Verde.
- Eu acho isso o fim! – intromete-se Poliana, como sempre injuriada. - Com toda a propaganda enganosa que andamos espraiando pelo reino, Oposição foi ficar impressionada com uma coisinha tão sem brilho ou esplendor como as nossas taquaras. De que adianta investir tanto dinheiro em marketing e photoshop, afinal?!
- Nem dá bola, rainha. Oposição é uma despeitada, isso sim. Ela morre de inveja do tamanho das suas taquaras, Poliana.
- E de quem foi a idéia de colocar aquelas pessoas na TV, dizendo que seguram as taquaras de Poliana por amor a nossa carismática rainha? – pergunta um membro da Irmandade do Fogo - Sei lá, mas elas não pareciam muito entusiasmadas com nossa causa.
- Os tempos são outros, meus amigos. – suspira o camarada Boina Verde, nostálgico. Antigamente tínhamos militantes cegos, mas gratuitos. Hoje precisamos pagar para cada bandeira erguida. E ainda temos de fornecer as taquaras! Pelas barbas de Fidel, o que o capitalismo selvagem e o neoliberalismo fizeram com nosso povo?! – exalta-se a velha estrela.
- Não foi o capitalismo, camarada. Foi o mensalão e nosso oportunismo sem limites, seu bobão. – elucida Poliana, a socialite socialista.
- Eu gostei daquele programa onde mostramos como nosso reino está florido e perfumado.- interrompe um dos bobos da corte - Eu nem sabia que tinha sido você, rainha, que havia inventado a primavera! Como você é ardilosa Poliana.
- Modéstia a parte companheiro, mas até os Ipês me idolatram! E por falar em perfume, ainda bem que a esclerosada Oposição esqueceu os tempos em que nós nos afundamos em lixo e chorume. – agradece sua alteza, erguendo as mãos para o céu.
- Oposição também esqueceu as enormes e desumanas filas do desrespeito nas casas de saúde, da falta de remédios e curandeiros, e da agonia dos doentes que esperam por...
- Nem eu sei do que você está falando, seu estúpido! – irrita-se Poliana. - Quem convidou esta toupeira para a reunião! - grita a destemperada rainha.
- Ele é um dos membros da OP (Orquestra Partidária), rainha. - cochicha um dos asseclas reais.-  Veio aqui para dar sua opinião e expor algumas demandas de sua comunidade.
- Se quer expor alguma coisa, vai expor uma dúzia de nossas bandeiras na sua casa, viu?! Agora não é hora dessas bobagens de confronto de idéias e opiniões. Agora, é hora de balançar a cabeçinha pra baixo e pra cima, viu? Assim! - demonstra Poliana, intimidadora.- Diga: sim! Assim! E vamos adiante! - ordena a sempre popular e democrática monarca.
- Eu achei muito boa a imagem da Poliana gaudéria. - interrompe, conciliador, um dos presentes - Você parece a reencarnação da Anita Garibaldi, alteza!
- Nossa equipe de marqueteiros está trabalhando na idéia de que foi nosso clã que inventou o orgulho gaúcho também. Aguardem! – esclarece Poliana, fazendo mistério.
- O que me preocupa, é que Oposição não esquece como nós chafurdamos em escândalos. - lamenta um companheiro, apreensivo.
- Isso aí é bobagem! Nosso povo não liga para essas tolices. – afirma Poliana -  Nós ergueremos cinqüenta taquaras para cada propininha que recebemos nesses anos. Para cada alvará ilegal: vinte taquaras! Para cada pedra afanada: duas taquaras! Para cada semáforo e lombada eletrônica que deixamos de lucrar: cinco taquaras! Para cada vaga de estacionamento: uma taquara! Para cada outdoor e panfletinho superfaturado: duas taquaras!
- Meu Deus! Aonde vamos arrumar tanta taquara, Poliana? – questiona um companheiro, pálido de preocupação.
- Não sei. Virem-se, seus molóides!  Compra e venda de popularidade é serviço de vocês. – sentencia sua majestade, anunciando em seguida: Agora eu vou gravar um dos nossos programetes em frente ao novo MacDonald’s. Nós vamos anunciar ao nosso povo que essa foi mais uma obra de meu empreendedor reinado. Uma demanda reprimida da OP, nossa fantástica ferramenta de participação popular! Isso é oportunismo e esse é o meu jeito de governar! - conclui, satisfeita, nossa astuta monarca. 

sábado, 8 de setembro de 2012

Poliana - a donzela ofendida


A compenetrada Poliana ensaiava em frente ao espelho o novo papel que desempenharia logo mais em Horário Eleitoral. Era preciso fazer cara de indignada, aconselharam seus marqueteiros. Uma indignação contida e com pitadas de benevolência. Precisava passar a seus súditos um ar angelical, quase virginal, assim todos se revoltariam com Oposição por ousar deflorar a imagem de uma rainha tão doce e contida. Até seus bons e velhos bobos da corte, acostumados a presenciar as incontáveis crises de histeria e descontrole de sua alteza, comoviam-se com essa nova Poliana que se apresentava em frente as câmeras.
- Eu hoje acordei um pouco revoltada. - começa a rainha, pousando candidamente as mãos sobre o colo – Não posso mais agüentar as calúnias e difamações que a rancorosa Oposição joga sobre mim. – comove-se Poliana já com os olhinhos de biscuit lacrimejantes. – Eu não consigo entender por que ela age assim! - soluça - Eu sempre a tratei com tanto tato e educação. Eu não tenho culpa de ser tão carismática e adorada por meu povo. Jamais imaginei que causaria tanta inveja a pobrezinha.
- É realmente lamentável tal comportamento, rainha. - interrompe o marqueteiro, com ar de desgosto, seguindo atentamente o script - O que mais magoa sua alteza com essa atitude mesquinha de Oposição?
- Esse negócio que ela anda falando sobre honestidade, é claro!É uma afronta!- continua Poliana, empertigada e com o queixo trêmulo de desgosto.
- É verdade, majestade, a senhora deve sentir-se muito ofendida com esses insultos. – lamenta pesaroso o marqueteiro aproveitando a deixa.
- Ofendida, não.Ultrajada! Oposição se acha grande coisa só por que descobriu meia dúzia de pequenos delitos cometidos em meu reinado de oportunistas. Nós já fizemos cada picaretagem maior e mais inteligente que essas tolices que ela fica jogando na minha cara. Ela certamente subestima minha astúcia e de meus bobos. Mas isso não vai ficar assim, viu Oposição! – acrescenta a monarca com o dedo em riste, olhando ameaçadoramente para as câmeras.
- É importante, rainha, que a senhora esclareça que nunca houve prejuízo para seus súditos nesses roubinhos sem importância.
- É isso mesmo. Quando nos pegaram em flagrante surripiando o que não era nosso, nós prontamente devolvemos. Por tanto não foi crime. Tentar roubar não tem nada a ver com honestidade, não é mesmo? Isso é oportunismo! Esse é o meu jeito de governar. -  completa a monarca, cruzando os braços sorridente. - O que é realmente lamentável é ser pego! Isso sim é o fim. – suspira Poliana continuando seu desabafo. – Outra coisa que me revolta é essa distorção que Oposição faz dos fatos. Burlar a lei para favorecer um companheiro é amizade. Pura lealdade, isso sim. Eu não consigo ver o que Oposição acha de errado nessas pequenas coisinhas. São apenas desvios éticos, como costumamos chamar no nosso clã de sanguessugas.
- E não houve qualquer dano aos cofres públicos?
- Dano nenhum. Meus adoráveis contribuintes nem se deram conta da falta de algumas moedinhas reais. O que são algumas centenas delas para um reino tão rico como o meu. Esse meu povo é muito solidário e compreensivo e tenho certeza que não pretende aderir a esse modismo tolo de ética e austeridade que anda rondando por aí.
- É bom salientar que a senhora afastou prontamente todos os envolvidos nesses errinhos básicos, não é mesmo?
- Claro que sim! Expulsei todos do castelo, imediatamente, logo após ter recebido as ordens da impiedosa Justiça. Eu não sou boba de desobedecer Justiça, né? Afinal, eu já tenho enroscos suficientes com esta aí também. – acrescenta Poliana dando uma piscadela marota para as câmeras. - Por falar em Justiça, essa foi outra decepção na minha vida. Parece ter sido contagiada com esses discursinhos populistas de ética e integridade. Nos últimos tempos deu de recriminar, com pose de doutora da retidão, até mesmo meus padrinhos mensaleiros! Um total disparate! – prossegue a altiva rainha mantendo a pose de monarca ofendida.
- E, com toda sua benevolência Poliana, existe algo que você gostaria de dizer para Oposição, sua infame e desleal perseguidora?
- Eu quero pedir a Oposição que me deixe em paz. É melhor parar de me provocar. Você não sabe do que sou capaz, viu Oposição? – ameaça a rainha com os olhinhos de biscuit faiscantes - Eu posso resolver atacar também, hein? – acrescenta olhando firmemente para a câmera. - Se você achou que meter a mão em uma pilha de pedras, favorecer a companheirada e superfaturar uns panfletinhos era imoral, você ainda não viu nadinha! Você não perde pra ver o que eu consigo fazer com algumas continhas no banco e duas dúzias de laranjas. Ninguém é páreo para a poderosa Poliana! – conclui a rainha lançando um último olhar mafioso para as câmeras e fazendo até o marqueteiro suar frio.

sábado, 1 de setembro de 2012

Poliana Paz e Amor


O ambiente das gravações estava enfumaçado pelos incensos, tornando o ar quase irrespirável.  No chão, sobre coloridas almofadas, vestindo longas saias ciganas e lenço na cabeça, estava Poliana – a monarca paz e amor.
- Polianinha, querida, seus ouvintes gostariam de saber como é a Poliana pessoa?
- Eu sou muito amável com meus súditos. Gosto muito das pessoas. Sempre procurei trabalhar cercada de muita gente. Por isso tenho tantos bobos e pajens a minha volta, sempre a me bajular. E eu amo as criançinhas também! Principalmente aqui, em Horário Eleitoral, onde todas são tão comportadas e limpinhas. Não sou de dar chutes na canela, como uns e outros por aí. – lastima Poliana, cruzando os braços com pose de virgem ultrajada.
- Então é por isso que você, amadinha, tem se empenhado tanto para transformar seu reino num bom lugar para seus súditos!Que adorável de sua parte! – adula o marqueteiro meloso - E quais foram as ações que você, alteza, mais se empenhou com essa sua generosa mente de rainha?
- A minha primeira ação como monarca foi a criação de empregos. Isso sempre foi uma prioridade para mim. Por isso, criei o PROUCA – Programa Um Carguinho por Apadrinhado. Com esse inovador programa de inclusão de velhos amigos em confortáveis troninhos públicos, conseguimos a geração de dezenas de empregos. E o melhor de tudo: tudo pago por nossos fieis contribuintes! – vangloria-se Poliana, cruzando os braços com cara de soberana séria.
- E como se deu a seleção para a harmoniosa distribuição desses carguinhos em seu império, rainha?
- Foi um complexo processo de seleção elaborado por experientes raposas de nossa aliança integrada e integradora. Critérios muito rígidos foram seguidos para que se fizesse o melhor uso dos empregos públicos. Atribuímos uma escala criteriosa de valores para o currículo dos candidatos e apenas os melhores colocados foram contemplados com esse benefício.
- Deve ter sido muito penoso para a sensível rainha, deixar tanta gente de fora dos desejados empreguinhos públicos. – acrescenta pesaroso o apresentador.
- Na verdade foi muito fácil, fofinho. Não ficou nenhum aliado de fora. Todo candidato a uma teta pública que abanou uma bandeirinha já conseguia nota oito. Mesmo que fosse em GreNal. Sabe como é, nós adoramos um bom circo para agradar o povão. Se tivesse freqüentado alguma churrascada ou pão com lingüiça na periferia, era mais um ponto no currículo. E você sabe como são mortos de fome a companheirada, né? E para finalizar a seleção, cada candidato preenchia um termo de compromisso de que participaria assiduamente de todas as tediosas reuniões da OP (Orquestra Partidária). Assim, conseguimos acomodar todos nossos amigos nos carguinhos públicos. E nossos adoráveis contribuintes nem reclamaram! Esse é o nosso jeito de governar! – conclui a benevolente Poliana, cruzando os braços e piscando maliciosa para as câmeras.
- Nossa, eu estou realmente impressionado alteza. Mas, mudando de assunto, como seu reinado tem enfrentado a confusão do trânsito de nosso reino?
- Confusão esta fazendo você, seu ignorante! - irrita-se a rainha, esquecendo o papel de riponga sequelada  - O tráfego em meu reinado é rápido e fluído, como meu trânsito intestinal antes dos debates na TV! Só você, Oposição, e os transeuntes é que não conseguem perceber isso! – indigna-se Poliana, mostrando os já conhecidos sinais de destempero e cruzando os braços emburrada.
- Mil desculpas, alteza! Eu certamente não me expressei bem. Eu prometo seguir o script daqui para frente. – acrescenta rapidamente o sudorético entrevistador - Aqui diz que ao invés de confusão no trânsito eu devo usar as palavras: maravilhoso projeto de mobilidade urbana. Vou reformular a pergunta: do que se trata esse maravilhoso projeto de mobilidade urbana - salienta bem o marqueteiro oficial - implantado de forma tão competente e tecnicamente sustentada por seu grandioso reinado de oportunidades, Poliana? Como foi realizado o estudo técnico para implantação de todas essas melhorias no trânsito?
- Foi tudo muito simples. Eu juntei os primeiros quatro bobos da corte que cruzaram o meu caminho e juntos definimos quais ações deveriam ser executadas. Nós fechamos uma rua aqui, outra lá... bloqueamos um cruzamento acolá, jogamos uns vasos no meio da rua para enfeitar a balburdia... Foi tudo muito divertido. Depois de tudo pronto nós contratamos uma empresa especializada para concordar com nosso projeto. Como os tais especialistas discordaram da minha idéia de trânsito seguro, eu engavetei o projeto! Tudo com o patrocínio de nosso paciente contribuinte, é claro. Essa sou eu! Magnânima! Esse é o meu jeito de governar. – acrescenta a rainha, altiva e sorridente, cruzando os braços pra câmera.
- E quais são as novas ousadas ações que a senhora pretende colocar em prática para a trafegabilidade do reino?
- Nós já estamos tomando medidas extremas, inovadoras  e originais, nos cruzamentos mais perigosos do reino. – continua Poliana, cruzando os braços com ar de séria e preocupada monarca.
- Vão tirar, finalmente, aqueles vasos do meio da rua? – pergunta entusiasmado o marqueteiro.
- Claro que não, seu bestalhão! Aqueles vasos são adorados pelos motoristas. Tornaram nosso trânsito mais ecológico e bucólico. Nossas novas medidas são muito mais drásticas. Estamos colocando semáforos! – exulta a rainha, cruzando os braços com cara de espertalhona - Sim! Semáforos!
- Que bom rainha! Com novos semáforos em locais de maior fluxo evitaremos acidentes! Brilhante idéia, Poliana!
- Não é bem isso. Nós estamos colocando semáforos onde já existiam semáforos. Ia ser muito complexo colocá-los em locais novos e problemáticos. Colocamos sinaleiras mais luminosas e brilhantes. Assim, a colonada de nosso reino fica tão fascinada com aquelas luzinhas piscando, que nem presta atenção em todos aqueles buracos no asfalto. Esse é o meu jeito de governar! – salienta Poliana,  cruzando os braços e sorrindo deslumbrada para as câmeras.