sábado, 26 de julho de 2014

A seleção de trapalhadas no reino de Poliana


Poliana estava injuriada. Bastava afastar-se alguns dias do trono, e seu reinado já infestava a mídia e redes sociais com denúncias de mais um fiasco. Dessa vez, no processo de seleção de servos reais. Só podia ser bruxaria ou olho gordo dos invejosos. Até mesmo quando as trapalhadas não eram obras diretas de seus companheiros, sobrava para a pobre e sofrida rainha. Devia ser alguma urucubaca! O mesmo dedo podre que Poliana demonstrara para escolher alguns de seus bobos, parecia contaminar seu reinado na hora de contratar empresas para seleções de serviçais. A monarca e sua corte atraíam fraudes e incompetência como um ímã.
Através do skype, Poliana, de férias, fazia uma videoconferência com seus bobos para resolver mais esse embrulho.
Pelas barbas de Fidel, companheirada! Onde foi que vocês foram encontrar essas duas empresas de fundo de quintal para realizar os concursos no meu reino? No pátio da sede dos Companheiros Unidos no Trambique (CUT), por acaso? Vocês não tem pena de me fazer passar tanta vergonha pública?! - queixa-se a rainha.
- Também não precisa exagerar, Poliana. Foram apenas alguns pequenos percalços nos tais processos seletivos. Nada que não estejamos contornando.- defende o bobo do marketing.
- Pequenos percalços, não é mesmo? E que rendeu muito assunto e polêmica nos últimos dias. Como é que conseguiram perder as provas de centenas de candidatos?! Alguém pode me dar uma explicação razoável? - indaga a rainha, irritada - E não me venham com aquele papo furado de extravio pela transportadora. Eu não sou tão idiota! No mínimo, nós tentamos favorecer alguns de nossos companheiros e, como de praxe, até nas picaretagens mais rotineiras conseguimos ser incompetentes. Por isso precisamos inventar essa desculpa ridícula e estapafúrdia.
- Na verdade, alteza, o veículo que transportava as tais provas caiu em um buraco no asfalto e não conseguimos resgatá-lo. Para evitar mais críticas a nosso reinado, optamos por colocar algumas cargas de brita e uma camada de asfalto sobre o escândalo e inventamos essa historinha de problemas com a transportadora para contentar a opinião pública. - esclarece o bobo.
- E, ao que parece, deu certo. Teve gente que conseguiu engolir essa conversa mole de que os cartões respostas foram “perdidos” por uma transportadora fantasma. Mas, da próxima vez, tentem se esforçar com uma enrolação menos estapafúrdia. - aconselha, severamente, a rainha. - E a outra empresa que nós contratamos, que está sendo acusada de plágio? Vocês não pediram nenhuma referência antes de contratá-la? Ela já havia participado de alguma seleção anteriormente? - questiona Poliana, desconfiada.
- Claro que sim, Poliana! Nós somos muito detalhistas, você sabe. Essa empresa contratada por nós, tem vasta experiência em seleções e concursos. Tem um currículo extenso. Já havia participado de vários concursos de beleza! Miss Erva Mate, Rainha do Salame e a disputada escolha das duas princesas étnicas da Festa do Leitão Atolado! - esclarece um dos bobões.
- Nossa! Estou impressionada com essas referências! Quanta qualificação!
- E tem ainda mais! Foram banca decisiva nas quermesses de junho. Classificaram cuidadosamente as melhores carapinhas de amendoim e as pipocas carameladas, em importantes festas juninas do interior.
- Eles parecem mesmo gabaritados.
- São qualificadíssimos, alteza! É só procurar na internet. Até os gabaritos das provas você vai encontrar por lá.- ressalta o bobo da mídia.
- Não entendo porquê os candidatos se queixaram de encontrar todas as questões do concurso na internet. Que povinho mais alienado e ultrapassado, não é mesmo?
- Você sabe como são enjoados esses tais candidatos, não é Poliana? Estão sempre prontos a criticar e reclamar.
- Sei. Eles deviam ter estudado menos e passado mais tempo na internet. Teriam se saído melhor nas provas.- constata a profética rainha – Mas como vamos contornar mais esse vexame público?
- Ainda estamos estudando o assunto, rainha.
- Que estudar, que nada, meus bobalhões! Nada de quebrar a cabeça. Procurem na internet! As respostas para todas as perguntas encontram-se lá, no Google! Só candidatos estúpidos é que não sabem disso, não é mesmo? Que Deus me proteja de serviçais assim tão preguiçosos e incompetentes.- clama sua alteza - Anulem o concurso e contratem outra empresa. - resolve a rainha, decidida como sempre.- Mas sejam mais criteriosos na escolha da próxima empresa. - aconselha a magnânima - Pesquisem detalhadamente seu perfil no facebook. Não vai ter erro dessa vez. Todos, até as empresas de fundo de quintal, são perfeitas no facebook. - conclui Poliana, resolutiva como sempre.

sábado, 12 de julho de 2014

Fala sério! O apagão dos vira-latas


Um apagão imobilizou nossa seleção e calou milhões de torcedores Brasil afora. Derrota futebolística que ficará para sempre na memória dos brasileiros. Um dia que entrou para a história dos mundiais. Derrota do Brasil? Não. Derrota do futebol e da seleção brasileira. Nada além disso. Aos brasileiros sobraram os tão alardeados legados da copa. O maior legado que o nosso desempenho fracassado no futebol poderia deixar ao povo, seria um clarão de bom senso e senso crítico. Sonhos, esperança e ilusões, não são capazes de tornar um time com desempenho mediano campeão. Sonhos, esperança e ilusões, não serão, jamais, capazes de tornar um país medíocre em uma Nação evoluída e digna de verdadeiro orgulho. É preciso técnica, esforço, planejamento e competência. No futebol e nos governos. O Brasil provou que é capaz de organizar um evento mundial com qualidade. Seu povo provou, mais uma vez, ser um povo acolhedor, cordial, alegre e hospitaleiro. Nossos governantes comprovaram que é possível garantir uma segurança pública eficiente. Pelo menos aos turistas e nas cidades sede. Enfim, desempenhamos com louvor o papel ao qual nos propusemos: fomos ótimos anfitriões e patrocinadores de um espetáculo da FIFA. Tão somente isso.
         O que resta agora aos brasileiros, terminada a Copa das Copas? A mesma velha realidade de poucas semanas atrás. As prometidas melhorias em hospitais, rodovias, transporte público e aeroportos, não vieram. E não virão. Eram só sonhos e ilusões. As temidas manifestações populares que envergonhariam e desestabilizariam governos, não aconteceram. Eram só teorias conspiratórias. As influências da copa nos pleitos de outubro, não ocorrerão. São só análises passionais e desprovidas de fundamento.
        Ao mergulharmos novamente na realidade, padrão Brasil, nos cabe refletir em que momento nos deixamos convencer que precisávamos trazer um evento mundial ao país, para conseguirmos que nossos governantes se dispusessem a executar melhorias estruturais básicas e necessárias ao nosso povo. Quando nós, todos nós brasileiros, passamos a entender, e aceitar, que somente os holofotes da mídia internacional são capazes de fazer com que os líderes, eleitos por nós, demonstrem um mínimo de esforço no sentido de investir o nosso dinheiro em obras importantes a seu povo, é sinal de que quase tudo está desmoronando. Mesmo que menos da metade das obras prometidas tenham sido concluídas, se foram executadas para a copa, por que não foram executadas antes, e para nós, que as patrocinamos? As nossas necessidades não são importantes ou vistas como prioridades por aqueles que nós elegemos. As dos turistas estrangeiros sim. Para nossos representantes seremos sempre vira-latas, prontos a agradecer e nos contentar com parcos ossos descarnados. Vira-latas alegres, festivos e simpáticos, que não fazem feio aos olhos do mundo. Ao que parece, as demais obras inacabadas ou que sequer saíram do papel, serão engavetadas por décadas, a espera de um novo mundial que sirva novamente de estímulo a nossos governantes, já que os anseios e necessidades de seu povo não servem de estímulo algum. Servem apenas para, a cada quatro anos, conquistarem votos. Vendendo sonhos, esperança e ilusões, que se terminam em um simples apagão.

sábado, 5 de julho de 2014

As mulas da corte


Após o verdadeiro dilúvio que assolara a região na última semana, Poliana reúne-se com dois de seus bobos para discutir os problemas de mobilidade urbana do reino.
- Eu não aguento mais ouvir as queixas sobre esse maldito trânsito, meus bobos. Esse povinho só sabe reclamar. Queixam-se dos buracos que dificultam a locomoção e também da falta de locais para estacionar. Não decidem se querem andar ou parar. Querem mesmo é se queixar! O choratéu dos comerciantes, então, está me deixando louca. - reclama a perseguida rainha.
- O povo é muito exigente, Poliana. Quer tudo para ontem. Não sabem esperar. Estamos estudando uma forma de resolver definitivamente a questão das vagas de estacionamento. Mas o povo e os comerciantes precisam ter um pouquinho de paciência. - esclarece o bobo do tráfego.
- Estamos estudando isso há anos, meu bobo! Dava para fazer um doutorado no assunto. - ironiza a rainha.
- É que esse inovador modelo de parquímetros é bastante complexo. Mas com as mudanças que faremos nas ruas centrais e a ampliação do estacionamento oblíquo, iremos dobrar o número de vagas de estacionamento rotativo.
- Sei... Inovador, né? - resmunga sua alteza com certo sarcasmo - E essa história de dobrar o número de vagas, me parece história pra boi dormir. Mesmo com o estacionamento oblíquo, não consigo imaginar que se consiga duplicar as vagas no centro.
- Na verdade, rainha, nós dobraremos mesmo as vagas. Mas elas serão distribuídas de forma democrática e inclusiva por todo o reino. Não apenas no centro. Colocaremos parquímetros até na zona rural! - entusiasma-se o bobão.
- Era o que eu imaginava. - desespera-se Poliana - Os comerciantes vão adorar saber que seus clientes precisarão caminhar quilômetros para chegar ao centro.
- Ora, Poliana, o povo precisa deixar de ser tão acomodado! Uma caminhadinha básica faz muito bem para a saúde! - manifesta-se o bobo das obras, Santo Jorge – o exu tranca rua, trovador e desportista - terminando sua sessão de alongamentos.
- Você, meu caro bobo das obras, se conseguisse tapar buracos com a mesma velocidade com que fala bobagens, seria o mais produtivo dos meus bobos.- alfineta a monarca. - Sua última manifestação à Imprensa Livre de que não teríamos tantos problemas com os buracos se nossas ruas fossem de calçamento, foi uma pérola! Não sei o que é pior, aguentar sua cantoria nos corredores do castelo, ou escutar suas entrevistas.
- Obrigada rainha! - agradece o deslumbrado companheiro, dedilhando seu violão - As pessoas não reclamam dos buracos no asfalto, onde o asfalto não existe. É uma estatística impressionante! E além disso o calçamento é ecologicamente mais correto por permitir a penetração da água no solo.
- Nossos buracos no asfalto também. Alguns podem até ser usados como poços artesianos! - continua Poliana, ainda mais sarcástica.
- O problema de nossos súditos é que eles criaram a cultura do tapete negro. Querem asfalto em todas as ruas do reino. Na porta de suas casas. Uma visão burguesa e ecologicamente atrasada. - esclarece o bobo das obras, que como filósofo era um excelente animador de manifestações socialistas.
- Nossos tapetes negros estão parecendo mais uma suja colcha de retalhos. E mal remendada! Já tem buraco se criando até nas avenidas recém pavimentadas. - conclui a monarca.
- Culpa do comodismo e falta de comprometimento com o meio ambiente desse nosso povinho deslumbrado. Se não tivéssemos tantos veículos rodando, não haveriam tantos buracos e o meio ambiente estaria salvo.- continua o conhecedor e engajado bobo das obras.
- Quem sabe, meu adorável Santo Jorge, devêssemos deixar os buracos se unirem a ponto de voltarmos a era do chão batido? O lençol freático agradeceria. Os veículos circulariam com menor velocidade e, ainda, combateríamos a mentalidade burguesa, europeia e atrasada do tapete negro. - sugere a rainha.
- Seria perfeito, alteza! - entusiasma-se o companheiro.
- E poderíamos sugerir a substituição de carros por carroças. Ou mulas! Uma mula ocupa bem menos espaço no estacionamento que os veículos tradicionais. Mataríamos dois problemas com uma ideia idiota só. E de brinde, acabaríamos com a choradeira dos conservadores com relação ao nosso projeto de revitalização do mato. A velharada irá ao delírio ao ver o velho mato ocupado novamente por mulas.
- Perfeito rainha! - entusiasmam-se os dois bobos responsáveis pela mobilidade urbana.
- Meu único problema nos próximos anos – reflete Poliana, circunspecta - será o que fazer com todo o esterco produzido por esses dois sábios bobos juntos. Era bom pensar em construir uma esterqueira no castelo, afinal, se seus bobos não eram suficientemente competentes na produção de soluções práticas para os súditos, produziam bosta em inacreditável abundância. Tudo, ao menos, era ecologicamente sustentável.