domingo, 16 de abril de 2017

Odebrecht, a mãe de todas as bombas

E o tão anunciado e esperado fim do mundo enfim chegara. As apocalípticas delações finalmente vieram a público. Por mais que suspeitássemos de seu conteúdo, vê-las assim fora das sombras causavam um estranho misto de apreensão e redenção. Os meandres do poder começavam a ficar claros ao povo. Nefastos, putrefatos e indigestos meandres. Assim como as cifras. Astronômicas cifras, capazes de deixar zonzos aos pobres e incautos que ainda aturdidos assistiam aos trechos que lhe eram jogados impiedosamente nos telejornais. Ainda mais assustadoras que as vultuosas somas descritas, era a calma e a clareza quase enervante dos delatores ao relatarem episódios tão desprezíveis de nossa história. A riqueza dos detalhes e a desgraçada crueza dos fatos impedem a qualquer um desconfiar da veracidade da sordidez delatada. Em frente à televisão, o povo sente um sufocante aperto na garganta e uma ânsia de gritar que alguém pare o filme, não pode ser este o enredo. Mas, é. Sempre fora, afirmam os narradores com a convicção dos que tudo sabem e já nada temem.  

E havia nomes para todos os gostos, siglas de todas as torcidas, ideologias de todos os odores. Ex-presidentes para satisfazer toda era democrática. Existe apenas pecado no lado de baixo da linha do Equador. E por outros continentes também, afinal nossa corrupção endêmica é padrão exportação.

E na narrativa quase hipnótica dos delatores, estes afirmam que caixa 2 é algo absolutamente corriqueiro. Como ir ao banheiro.  Não existe eleição sem caixa 2, afirmam.  Simples assim!  Feito café com açúcar ou pão com margarina, pensa o povão, remexendo-se desconfortável nas poltronas. Então todos aqueles milhões e milhões... eram só pão com margarina, coisinha pouca afinal. É o que querem que acreditemos. Como parece fácil aceitar que Ministros da Fazenda (Ministros de Estado!), como se office boys fossem, movimentassem milhões de dinheiro sujo, dinheiro não declarado, com a desculpa de financiar campanhas, como se fosse pouca coisa. Não é! Isso é crime! E ao ouvi-los discorrer sobre o assunto parecem falar sobre compras em shoppings centers, pagas com dinheiro deles, e não sobre dinheiro nosso financiando interesses deles. Coisas de tal forma surreais que provavelmente são incompreendidas por boa parte de nosso povo, incapaz de conceber tamanha desfaçatez.

Nos vídeos divulgados ao mundo há espaço para tudo. Seriedade, solenidade, arrependimento, descontração, descaramento. Até lição de moral do velho poderoso chefão dos empreiteiros corruptos querendo posar de pobre vítima do sistema.  Páginas de nossa história que levaremos meses para saborear e desvendar totalmente. As amizades insólitas que construíram um mito de pés de barro que um dia jogaria o país na lama, com certeza prometem ser um volumoso capítulo desse circo de horrores. Aguardemos.

Que essa hecatombe que se abateu sobre nós sirva para separar o joio do trigo. Se não restar trigo, é hora da semeadura.

 

 

 

 

sábado, 8 de abril de 2017

Cem dias, fim de trégua

Passados cem dias, a lua de mel acabara. A tradicional trégua concedida aos novos gestores da coisa pública chegou ao fim. É hora de mostrar a nova cara prometida em Horário Eleitoral. Se não o retrato completo, um rascunho convincente ao menos. É o que esperam os súditos.

E no pacato e hospitaleiro reino de Campo Pequeno as coisas não seriam diferentes, bem sabe Chucrute, o novo monarca, já sentindo o peso da tão almejada coroa. Fora escolhido para ser o furacão da mudança, pois hoje sentia-se como uma singela baforada, ligeiramente cálida. E seria cobrado por isso, estava ciente. É chegada a hora de dar a cara a tapa e de mostrar que espécie de monarca será. São conhecidas de todos as dificuldades financeiras das contas públicas. Dificuldades essas que já eram esperadas por Chucrute durante a disputa ao trono. Portanto, o novo rei não pode dizer que não sabia. Como não poder justificar a demora no cumprimento das promessas por conta da burocracia da coisa pública, pois já fora rei e conhece a fundo o engessamento da paquidérmica máquina. Se vida de rei é difícil, a de quem volta ao trono é ainda pior, estava aprendendo o ariano, a essas alturas bem mais circunspecto que o habitual.

Sentado no amplo salão real, Chucrute parecia um tanto solitário no entardecer desses cem dias. O castelo não era o mesmo de seu reinado anterior, refletia. As infiltrações e a decadência eram evidentes. Precisava evitar que essa decadência se infiltrasse em seu reinado, pensa, um tanto aflito. O trono também não lhe parecia tão confortável como fora em outros tempos. Sinal de envelhecimento de seus glúteos, com certeza. Deveria ter escutado sua esposa e se dedicado um pouco a prática do Pilates nesses 16 anos, constata massageando as nádegas doloridas. Algumas coisas não mudaram com o tempo, constata. Poder e vaidades eram algumas delas. A disputa por poder e a fogueira de vaidades na política continuam idênticas. Que desgraça! Conhecido pela memória espetacular, capaz de lembrar até a quinta geração de todos os seus súditos, nosso prodigioso monarca não poderá sequer alegar não se recordar dos asquerosos meandres do poder.

 Olhando seu amado reino através das janelas do castelo, Chucrute suspira desanimado. – Talvez fosse uma boa ideia colocar a redoma de vidro fumê de Poliana novamente por aqui. Só por uns dias, é claro! A realidade é tão deprimente. – titubeia um suspiroso Chucrute, o prometido tornado da mudança, já ansiando por um pouco de ilusão de ótica, eterno ópio dos reis desse adorável lugar.

 E se o reinado é de mudança - embora curiosamente algumas moscas permaneçam as mesmas - no reino dos Botas Amarelas as mentalidades continuam tacanhas. No que concerne o bom uso do dinheiro público todos são unânimes em erguer a bandeira da moralidade. Moralidade essa que se esvai rapidamente quando o dinheiro público deixa de regar os interesses desses mesmos grupos de baluartes da moral de cuecas rotas. O ar de profundo ultraje e mágoa – com direito a narizinhos empinados e tudo – pelo corte de recursos do contribuinte para canarinhos e galos, merecia premiação com o troféu “Gente Estúpida”. O mesmo vale para os adoradores de corridas de automóveis, que se debulham em lágrimas nas redes sociais pela falta de aporte financeiro ao evento. Seria um chororô divertido se não fosse ridículo e absurdo que pessoas não tenham a menor noção de que dinheiro público não é para financiar clubes de futebol ou competição de rally. Como não é, absolutamente, para reformar salões comunitários ou instalações religiosas de quaisquer credos. Clubes de futebol que não contam com torcida suficiente para se manterem em pé, que fechem as portas. Comunidades religiosas que não conseguem se organizar com o auxílio de seus fiéis, que rezem ao ar livre sob as bênçãos de Deus. Dinheiro público, dos contribuintes, não pode socorrer as cadeiras e arquibancadas vazias de eventos, igrejas, salões, ginásios ou estádios. Dinheiro público é para socorrer os doentes amontoados em cadeiras e macas nas emergências superlotadas de hospitais. Quem  não consegue entender isso é estúpido ou de caráter deturpado. Aqueles que convenientemente esquecem a bandeira da ética na hora de defender a “doação” de dinheiro público para seus clubes, congregações e agremiações de qualquer natureza, que tenham ao menos a decência de pendurarem suas cuecas rotas em mastros e exibi-las em praça pública com os dizeres: Moralidade para os outros, dinheiro público para os meus!