segunda-feira, 27 de junho de 2016

Pirotecnia em tempos de crise

Poliana se preparava, eufórica, para a chegada de mais uma grande e inédita conquista de seu reinado. O reino estava em polvorosa com esse grande feito de sua monarca. Ruas eram asfaltadas e pintadas em tempo recorde. Flores coloriam as avenidas quase tanto quanto os belos banners promocionais. Até o tapume de um histórico – e permanentemente em reformas - prédio local, fora revestido de alegorias. Só o velho castelo da rainha continuava a desabar impunemente. Não era possível, nem mesmo à Poliana, maquiar a negligência com a velha e degradada estrutura. Adesivar aquele aglomerado de rachaduras e rebocos despedaçantes sairia muito caro. E Poliana era criteriosa com o dinheiro do contribuinte. Em tempos de crise era imperativo priorizar. E as prioridades de sua alteza vinham ao encontro dos anseios de seus súditos.
          Nessas épocas pouco alvissareiras, de grandes empresas locais fechando e desemprego alarmante batendo a porta do povo e onde até o feijão virara comida de elite, era preciso agir. E nossa monarca era conhecida por seus inflamados e esganiçantes discursos em defesa de seu povo. Pelo povo doaria seu próprio sangue, caso o banco de sangue local não estivesse há meio ano fechado, é claro. Mas não era hora de perder tempo com miudezas. Sua alteza pensava grande. Era para alegrar um pouco a vida dos súditos que sua corte se empenhava nesse importante empreendimento: a tocha olímpica! Nunca antes na história do reino o fogo grego passara por essas bandas. Poliana seria reconhecida para sempre por esse notável feito. O povo aguardava ansioso, tinha certeza, por este momento. Já vislumbrava a multidão a se acotovelar para ter o prazer de acompanhar a tocha em seu trajeto. Para garantir uma forte presença já convocara todos os seu bobos para correrem ao lado da tocha. Todos foram aconselhados a não exagerarem nos exercícios, afinal, boa parte dos bobos da rainha mal e porcamente trabalhavam e somente a cada quatro anos gastavam algumas calorias abanando bandeirinhas.  E nossa magnânima não podia se dar ao luxo de perder seus cabos eleitorais, vitimados por infarto, a poucos meses de Horário Eleitoral.
          Em seus planos, Poliana pensara em desfilar em um carro alegórico puxando o cortejo, mas fora desaconselhada já que tratava-se de um evento esportivo. Teria de se contentar em seguir a tocha no solo, sem muita pompa, infelizmente, lastima a monarca. Precisava caprichar no visual, para aparecer bem nas fotos. Imagem é tudo. Esse era quase um mantra de seu reinado. Tudo aquilo que falta ou não funciona, o que foi prometido e pedalado, é sempre acobertado por uma bela propaganda E muito, muito photoshop. Seu povo era crédulo, e adorava uma boa mídia e um pouco de circo. E o circo de Poliana já se armara com a bem-vinda tocha das olímpiadas.
          Precisava preocupar-se, isso sim, com a segurança do evento. Em outros locais desastres aconteceram como onças atacando o povo. Por aqui o risco era outro e muito mais grave. Atentados terroristas preocupavam a rainha. Seus serviços de monitoramento do facebook já identificaram grupos extremistas prontos a um atentado. E a facilidade de acesso dessa gente a armas letais era assustadora. Essa gente desalmada e alienada pensava em atacar a tocha com baldes d'agua e cuspe. Mas a imbatível Poliana defenderia o fogo olímpico com o próprio corpo. Seu povo carecia da tocha, mais que de remédios, segurança, transfusões e leitos de UTI. E Poliana, a rainha do supérfluo e das perfumarias, faria um evento memorável a seus súditos, e seria ovacionada, como sempre. Assim é o todos esperamos. E aguardamos.

 

 

 

quarta-feira, 22 de junho de 2016

As mentiras coloridas de Poliana


As coisas continuavam maravilhosas no reinado de Poliana. Pelo menos nos anúncios promocionais espalhados por todo reino. Os banners, outdoors e inserções na mídia, dão conta de um povo que esbanja saúde, felicidade e contentamento. O povo olha a tudo deslumbrado. Quisera um dia poder adentrar no colorido mundo das propagandas oficiais. Lá não faltavam remédios, exames ou leitos de UTI. Até o frio era mais acolhedor que no mundo real. Talvez houvesse emprego para o crescente número de trabalhadores desempregados, nesse midiático conto de fadas de Poliana e sua corte. Talvez não. De qualquer forma as coloridas gravuras enfeitavam o reino e desviavam a atenção das misérias reais e cotidianas. Sorte desse povo poder contar com uma rainha sempre disposta a plantar ilusões para colher votos. E esse era ano de colheita. Já era possível perceber as diferenças. Pois não é que os buracos no asfalto que por anos desesperaram os motoristas e contribuintes desapareciam a cada dia numa velocidade surpreendente. Vontade Política, a varinha de condão de Poliana, parece que enfim resolvera funcionar. Salvas a rainha!

 Vários bobos da corte retornaram à Câmara de vendilhões, em treino preparatório para a turnê a Horário Eleitoral que ocorreria em alguns meses. Mesmas caras, outras boquinhas. Mas os discursos na tribuna chegavam a ser cômicos. Ver a companheirada engatilhar a ladainha contra o golpe e a traição que vitimaram a Rainha Mãe de Gigante adormecido, a estrela impedida, ao mesmo tempo em que dividem como irmãos o poder com seus mais novos inimigos, era hilariante com pitadas de vergonha alheia. A total incapacidade dessa gente em manter um mínimo de coerência e vergonha merecia um estudo científico. Alguma proteína ou enzima responsável pelo senso de ridículo com certeza inexistia nesses corpos.

Já Poliana, esta sim, sabia como se portar em público. Nada de críticas ou o blá-blá-blá do golpismo. Nenhuma teoria conspiratória esdrúxula. Mantinha-se fiel a aliança que há anos lhe garantia o trono. Coroaria sua sucessora, tinha certeza. Apesar da companheirada! - bufa Poliana. Seus companheiros sabiam ser entediantes. Só Poliana conhecia os sapos vermelhos que tivera de engolir nesses anos todos. Poliana nunca fora uma estrela de raiz, mas era uma oportunista de primeira grandeza. Soubera surfar na boa onda vermelha e sugar da fruta até o caroço. Agora, quando a fruta virara uma passa, desidratada até as entranhas, nossa visionária rainha já se preparava para acampar em outro terreno, com pasto mais verdejante e promissor. Mas antes de abandonar em definitivo o barco naufragante, precisava garantir sua sucessão. Não era nada conveniente a nossa astuta monarca permitir que Oposição lhe tomasse o trono e tivesse acesso a todos os meandros desses anos de reinado. Oposição, a invejosa, se deliciaria mostrando que a realidade não era tão bonita e limpinha quanto mostram suas adoráveis e caras propagandas, pagas com dinheiro público. Já Oposição, continua a hibernar. Talvez venha acordar pouco antes dos jogos mundiais. Talvez não acorde jamais. O excesso de ego costuma deixar Oposição sonolenta.

Ao povo restam os sonhos, ilusões e, em breve, a tocha olímpica! Mais uma inutilidade midiática de Poliana, a rainha da ilusão de ótica. Que o fogo da tocha possa aquecer a todos aqueles desassistidos de políticas públicas, mas soterrados pelas mentiras coloridas do reinado de Poliana.

domingo, 12 de junho de 2016

A escassez de pães de queijo na clausura

E a crise atingira a Rainha Mãe na clausura, feito frente fria. O povo há meses apertava o cinto por necessidade de sobrevivência. Pois o cinto da rainha afastada fora apertado por ordem de Mesóclise, o rei tampão. Pura mesquinharia dos golpistas, queixa-se o vasto séquito estrelado. Estavam tolhendo o legítimo direito de ir e vir da monarca impedida, agora desumanamente sentenciada ao regime semiaberto. Ter um único avião a sua disposição era praticamente uma humilhante tornozeleira eletrônica. Para viajar pelo reino, pulando de palanque em palanque fazendo a cansativa política do mimimi, teria de se deslocar em aviões de carreira ou ter aeronaves fretadas por seus próprios companheiros.  Não bastasse tamanho atentado aos direitos humanos, retiravam até a comida de sua mesa. Precisaria reduzir o consumo de pães de queijo! Verdadeiro absurdo para quem já gastara em um mês o equivalente a cinquenta salários dos contribuintes com esse item fundamental da cesta básica socialista. Persistindo esse descalabro autoritário seria obrigada a comer feijão, alimento que escasseava no prato do povo, mas conhecidamente indigesto para a antiga corte comunista acostumada as mais caras iguarias do mundo capitalista, pagas com dinheiro público. Da forma como as coisas andavam acabaria tendo de  pagar do próprio bolso até mesmo um cafezinho. Quanto disparate.
Sorte da rainha injustiçada poder contar com a solidariedade de seus seguidores, que já se uniam para promover uma gigantesca campanha de arrecadação de alimentos. Seus companheiros, é preciso fazer justiça, sempre foram rápidos na luta pelos necessitados. Suas entusiasmadas manifestações em defesa de condenados por corrupção e formação de quadrilha foram emblemáticas, bem como as inovadoras vaquinhas para quitar fianças de larápios do dinheiro público. Curiosamente, os ventos golpistas que totalitariamente apearam a Rainha Mãe do poder trouxeram a companheirada para o front de luta contra a corrupção. Os mesmos que com punhos erguidos enxovalhavam Justiça pela prisão de conhecidas estrelas, agora gritam contra a corrupção dos outros. Afinal, a corrupção vermelha é mais limpinha e tem cheiro de inclusão social e defesa das minorias. Para a imensa maioria do povo, no entanto, toda corrupção fede. Os corruptos, de todas as matizes e ideologias, acostumados ao próprio cheiro, não percebem o odor de material putrefato. Assim como o olfato, a moralidade e a vergonha na cara são seletivas entre os governantes de Gigante Adormecido. A conta da corrupção não. Essa é sempre paga pelo povo, assim como o feijão, os pães de queijo e o cafezinho.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Traição de raposas e as raposas traídas

Suave música ambiente e troca de sussurros. Homens brancos, ricos e velhos vestindo apenas cuecas e meias. Não era uma sauna. Nem algum tipo de suruba. Suruba por essas bandas, só com dinheiro do povo. Trata-se de reunião ministerial. Com a nova onda de gravações clandestinas atingindo velhos caciques do poder, o negócio era prevenir. Nem as velhas raposas eram confiáveis. E onde todos devem, todos temem. Uma desgraça para Mesóclise, o rei interino, que não conseguia manter o mesmo gabinete por duas semanas seguidas.
 
A cada gravação divulgada, mais e mais aliados se atolavam em ilícitos. E o lema do rei era: se precisar cortar cabeças, cortá-lo-ei. Nesse ritmo, acabaria cortando o próprio pescoço. Era o preço a pagar por uma vida inteira entre más companhias. Será possível que não haja uma viva alma relativamente honesta entre seus velhos aliados? Alguém que pudesse assumir uma pasta sem que esteja enredado nas teias de Justiça? E afinal de contas, nenhum dos seus escolhidos poderia ter tido a decência de lhe informar antes de aceitar o posto de seus enrolos nada republicanos? Pelo visto, constata Mesóclise, articular e confabular no parlamento parecia ser bem menos complexo que governar. E em poucas semanas de seu reinado já aprendera essa dura lição. Fatiar governo e leiloar carguinhos para atender interesses, e permanecer próximo de investigados por corrupção era uma boa forma de fracassar. Sua antecessora já provara isso.
Precisava mudar o rumo. Era imperioso que mostrasse a que veio. O povo exigia serviço. E moralidade. E o rei interino sabia que seu tempo era curto. O povo nas ruas não tardaria a acordar novamente exigindo a sua, por enquanto, coroada cabeça. E para atender as expectativas do povo de Gigante Adormecido precisava cercar-se de homens – e mulheres! Outra de suas dores de cabeça. – que representassem seriedade e honestidade. Quando foi que honestidade e seriedade passaram a ser valores tão em desuso no meio político? – questiona-se Mesóclise, reflexivo. Em meio tão degradado e degradante, precisaria de muita sorte nas próximas escolhas. E o tempo se esvaía. Ou acerto de vez o rumo, ou degolar-me-ei com as entranhas de meu próprio partido. Acertá-lo-ei! – promete o rei Mesóclise, com o queixo erguido, tentando manter a dignidade, vestindo apenas samba-canção e meias sociais.
Era uma nova fase de Gigante Adormecido, onde quase tudo parecia deprimentemente igual a antes.