segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A ética dos cafajestes

            E em Gigante Adormecido a velha máxima só se confirma, nada está tão ruim que não possa piorar. Para quem achava que ter os presidentes das duas casas investigados por ilícitos, e um membro do Parlamento vendo o sol nascer quadrado, era o mais baixo que o nobre congresso poderia chegar, enganou-se redondamente. Ao depender das ilustres e engravatadas figuras sempre é possível descer um pouco mais. Gritos, empurrões, xingamentos são as cenas vistas no plenário. Entre tapas e safanões discutem ética! Seria cômico se não fosse deprimente. Com o decoro estilhaçado quebram urnas eletrônicas, patrimônio público. Se é público não é de ninguém, demonstram os representantes do povo. O povo assiste ao pastelão sem sequer se surpreender. Não há mais nada que possa surpreender o povo de Gigante Adormecido, lugar onde até dinheiro anda caindo do céu.
             Surpresa mesmo ficou a Rainha Mãe ao receber uma carta. As palavras em latim lhe circuitaram os já desorientados neurônios reais logo no início do inusitado desabafo.  Crueldade pura do sagaz remetente. Nesse reino tão pitoresco as relações institucionais são discutidas feito namoro de imaturos adolescentes nas redes sociais. Um reinado tão medíocre serviria de inspiração para farta produção de músicas brega. Ainda pior que o chororô da carta eram as desonestas lamúrias dos discursos. Nossa cambaleante monarca posa de pobre vítima perseguida por ter cometido o pecado de distribuir pão e casas aos pobres. Se pedalei foi por amor ao povo! Enredo de novela mexicana. Uma pena que nossa rainha seja quase tão sofrível como atriz quanto é como gestora.
            Se sua alteza, no papel de donzela ofendida, é ainda mais amadora do que é na articulação política, seu algoz no Parlamento é digno de Hollywood. O vilão perfeito até na forma. Traiçoeiro e astuto, tem o ardil como arma. Imbatível nos golpes baixos. Profundo conhecedor das regras do jogo e da sujeira dos jogadores. Como anti-herói, irretocável como o Coringa. Como representante do povo, mais um rato na casa.
            E a companheirada? Continua a mesma. Conseguem colocar as palavras golpe e constitucional na mesma sentença. Como se a segunda não inviabilizasse a primeira. Que sorte da Rainha Mãe ter os companheiros como aliados. Se os tivesse como opositores já teria sido degolada. Como já fora outro monarca em tempos nem tão longínquos. O tempo, senhor de tudo, muda os lados, os discursos e as convicções. Mas, cafajestes serão sempre cafajestes, em qualquer lado.
 
 
 
 
 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Poliana, a rainha da imobilidade urbana


Reunidos no salão real, os bobos de Poliana aguardavam a chegada de sua magnânima para mais uma reunião da alta corte. Ao invés do costumeiro burburinho, risadas e piadinhas que sempre antecediam os encontros o que se ouvia eram gemidos agoniados.
   - Puxa vida! Eu estou moído.
   - E eu então, tô com os garrão em lasca.
   -Poliana exagerou dessa vez. Tá certo fazer churrascada pro povão da Orquestra Partidária (OP), mas eu pensei que a gente ia lá para discursar, desfilar e comer. Não para trabalhar! Nunca cortei tanto repolho pra salada na vida!
- E ter de servir o churrasco, então? Eu estou com os braços dormentes de carregar espeto.
- Vocês estão reclamando, é? Olhem o meu estado! Poliana me obrigou a jogar futebol! Futebol! O máximo de atividade física que já fiz na vida foi abanar bandeirinhas, colocar super bonder em fechadura de empresa ou levantar criança mijada em Horário Eleitoral. Tomei um sapecão dos diabos naquele sol dos infernos. Torrei até minha franjinha. – choraminga Golesminha, mais vermelho que sua adorada bandeira, com a testa reluzente e o nariz besuntado de hipoglos.
- Se você vai ser o candidato à sucessão de Poliana, tem que suar a camisa Golesma. Vai ter de acompanhar o ritmo da rainha.
- Em matéria de populismo ninguém consegue acompanhar Poliana. Ela é imbatível. Corre, joga bola, assa a carne, serve as mesas, corta a carne pros velhinhos, dá comidinha na boca das criancinhas... Depois discursa por uma hora, grita, esperneia, saracoteia e chora. E não borra nem a maquiagem. Ela é um fenômeno!
- Eu, em compensação, só consegui assar meu entre cochas. – resmunga Golesminha com ar sofredor.
- Bom dia meus bobos! – cumprimenta, a sempre reluzente Poliana, adentrando na sala. – Que belo dia, não é mesmo? Hoje estou muito satisfeita. Dei uma espiadinha na avenida principal ontem à noite, e a fila de carros ia até onde a vista alcançava. Pelo visto, com todo esse movimento, nossa decoração natalina está sendo um sucesso estrondoso. Quem diria, hein?
- Na verdade, alteza, não era movimento o que você viu, era inércia. – esclarece o bobo do marketing.
- Como assim, meu queridinho?
- Os carros estavam parados, rainha. Estamos implantando nosso novo sistema semafórico.
- Sistema o quê?! – pergunta a monarca, confusa.
- Os novos semáforos.
- Aff! Essa mania de vocês de darem nomes pomposos pra tudo só para parecer que estamos fazendo grande coisa, chega a ser irritante. – desdenha Poliana. – Quer dizer que trocamos as sinaleiras, é? Mas o povo não pode estar vindo para o centro só pra ver sinaleira nova. Nem eu sou tão colona assim.
- É que a nova tecnologia semafórica implantada é mais moderna e avançada. Vai fazer nosso trânsito muito mais seguro e humanizado. Estamos pensado o trânsito e a mobilidade urbana para as pessoas! – esclarece o bobo do trânsito com o discurso na ponta da língua.
- “Pensar o trânsito para as pessoas.” Que meiguinho! Os outros lugares devem “pensar o trânsito” pros rabanetes, não é mesmo. – ironiza a rainha. – Tá bom, vamos lá. Pare de me enrolar e desembucha de uma vez o que deu errado! – esbraveja Poliana, batendo o pezinho no chão.
- É que... bem... – gagueja o bobo – O novo sistema é um pouquinho mais demorado...
- Um pouquinho? – continua Poliana, apertando os olhinhos de biscuit em sinal de irritação.
- Na verdade, ele é bem mais lento, o que está ocasionando um certo engarrafamento e alguns motoristas estão se queixando.
- Engarrafamentos em horário de pico são esperados. O povo também só sabe reclamar! Gentinha sem paciência ou gratidão. – desabafa a monarca.
- É... – resmunga o bobo do trânsito, vermelho como um pimentão.
- É? É o quê?! – desconfia sua alteza.
- É que temos tido um pouco de congestionamento em horários diversos. – esclarece outro bobo.
- Em que horários? – quer saber a rainha.
- Na verdade... todos. Bem, todos não, depois da meia noite o trânsito flui que é uma beleza. – completa o bobo do trânsito, suando em bicas, já a espera de uma explosão de ira real.
- Deixa eu ver se entendi direito. Quer dizer que graças a nossos moderníssimos semáforos novos, o trânsito do reino virou uma tranqueira, é isso?
- Sim alteza, mas é só por uns dias até que consigamos regular melhor o tempo e sincronizar as sinaleiras. – apressa-se o outro em justificar.
- Nada disso! – exclama Poliana. – Eu achei a ideia formidável, seu bobão! Meu pequeno reino com trânsito digno das grandes metrópoles! Congestionamento às três da tarde, todo aquele monóxido de carbono expelido, motorista bufando... É um sonho! Poderemos usar isso nas nossas propagandas como sinal de crescimento e prosperidade do reino. Tudo graças a Poliana! E depois de vários meses, quando pedestres e motorista estiverem quase se engalfinhando nos cruzamentos, acertamos o tempo e a sincronia das bichinhas, e o povo agradecerá novamente a sua adorada rainha por encontrar uma solução inteligente para o problema. É perfeito! – comemora Poliana, a rainha do aquecimento global, saltitando pela sala, para espanto dos seus sempre parvos bobos da corte.