segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A ética dos cafajestes

            E em Gigante Adormecido a velha máxima só se confirma, nada está tão ruim que não possa piorar. Para quem achava que ter os presidentes das duas casas investigados por ilícitos, e um membro do Parlamento vendo o sol nascer quadrado, era o mais baixo que o nobre congresso poderia chegar, enganou-se redondamente. Ao depender das ilustres e engravatadas figuras sempre é possível descer um pouco mais. Gritos, empurrões, xingamentos são as cenas vistas no plenário. Entre tapas e safanões discutem ética! Seria cômico se não fosse deprimente. Com o decoro estilhaçado quebram urnas eletrônicas, patrimônio público. Se é público não é de ninguém, demonstram os representantes do povo. O povo assiste ao pastelão sem sequer se surpreender. Não há mais nada que possa surpreender o povo de Gigante Adormecido, lugar onde até dinheiro anda caindo do céu.
             Surpresa mesmo ficou a Rainha Mãe ao receber uma carta. As palavras em latim lhe circuitaram os já desorientados neurônios reais logo no início do inusitado desabafo.  Crueldade pura do sagaz remetente. Nesse reino tão pitoresco as relações institucionais são discutidas feito namoro de imaturos adolescentes nas redes sociais. Um reinado tão medíocre serviria de inspiração para farta produção de músicas brega. Ainda pior que o chororô da carta eram as desonestas lamúrias dos discursos. Nossa cambaleante monarca posa de pobre vítima perseguida por ter cometido o pecado de distribuir pão e casas aos pobres. Se pedalei foi por amor ao povo! Enredo de novela mexicana. Uma pena que nossa rainha seja quase tão sofrível como atriz quanto é como gestora.
            Se sua alteza, no papel de donzela ofendida, é ainda mais amadora do que é na articulação política, seu algoz no Parlamento é digno de Hollywood. O vilão perfeito até na forma. Traiçoeiro e astuto, tem o ardil como arma. Imbatível nos golpes baixos. Profundo conhecedor das regras do jogo e da sujeira dos jogadores. Como anti-herói, irretocável como o Coringa. Como representante do povo, mais um rato na casa.
            E a companheirada? Continua a mesma. Conseguem colocar as palavras golpe e constitucional na mesma sentença. Como se a segunda não inviabilizasse a primeira. Que sorte da Rainha Mãe ter os companheiros como aliados. Se os tivesse como opositores já teria sido degolada. Como já fora outro monarca em tempos nem tão longínquos. O tempo, senhor de tudo, muda os lados, os discursos e as convicções. Mas, cafajestes serão sempre cafajestes, em qualquer lado.
 
 
 
 
 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Poliana, a rainha da imobilidade urbana


Reunidos no salão real, os bobos de Poliana aguardavam a chegada de sua magnânima para mais uma reunião da alta corte. Ao invés do costumeiro burburinho, risadas e piadinhas que sempre antecediam os encontros o que se ouvia eram gemidos agoniados.
   - Puxa vida! Eu estou moído.
   - E eu então, tô com os garrão em lasca.
   -Poliana exagerou dessa vez. Tá certo fazer churrascada pro povão da Orquestra Partidária (OP), mas eu pensei que a gente ia lá para discursar, desfilar e comer. Não para trabalhar! Nunca cortei tanto repolho pra salada na vida!
- E ter de servir o churrasco, então? Eu estou com os braços dormentes de carregar espeto.
- Vocês estão reclamando, é? Olhem o meu estado! Poliana me obrigou a jogar futebol! Futebol! O máximo de atividade física que já fiz na vida foi abanar bandeirinhas, colocar super bonder em fechadura de empresa ou levantar criança mijada em Horário Eleitoral. Tomei um sapecão dos diabos naquele sol dos infernos. Torrei até minha franjinha. – choraminga Golesminha, mais vermelho que sua adorada bandeira, com a testa reluzente e o nariz besuntado de hipoglos.
- Se você vai ser o candidato à sucessão de Poliana, tem que suar a camisa Golesma. Vai ter de acompanhar o ritmo da rainha.
- Em matéria de populismo ninguém consegue acompanhar Poliana. Ela é imbatível. Corre, joga bola, assa a carne, serve as mesas, corta a carne pros velhinhos, dá comidinha na boca das criancinhas... Depois discursa por uma hora, grita, esperneia, saracoteia e chora. E não borra nem a maquiagem. Ela é um fenômeno!
- Eu, em compensação, só consegui assar meu entre cochas. – resmunga Golesminha com ar sofredor.
- Bom dia meus bobos! – cumprimenta, a sempre reluzente Poliana, adentrando na sala. – Que belo dia, não é mesmo? Hoje estou muito satisfeita. Dei uma espiadinha na avenida principal ontem à noite, e a fila de carros ia até onde a vista alcançava. Pelo visto, com todo esse movimento, nossa decoração natalina está sendo um sucesso estrondoso. Quem diria, hein?
- Na verdade, alteza, não era movimento o que você viu, era inércia. – esclarece o bobo do marketing.
- Como assim, meu queridinho?
- Os carros estavam parados, rainha. Estamos implantando nosso novo sistema semafórico.
- Sistema o quê?! – pergunta a monarca, confusa.
- Os novos semáforos.
- Aff! Essa mania de vocês de darem nomes pomposos pra tudo só para parecer que estamos fazendo grande coisa, chega a ser irritante. – desdenha Poliana. – Quer dizer que trocamos as sinaleiras, é? Mas o povo não pode estar vindo para o centro só pra ver sinaleira nova. Nem eu sou tão colona assim.
- É que a nova tecnologia semafórica implantada é mais moderna e avançada. Vai fazer nosso trânsito muito mais seguro e humanizado. Estamos pensado o trânsito e a mobilidade urbana para as pessoas! – esclarece o bobo do trânsito com o discurso na ponta da língua.
- “Pensar o trânsito para as pessoas.” Que meiguinho! Os outros lugares devem “pensar o trânsito” pros rabanetes, não é mesmo. – ironiza a rainha. – Tá bom, vamos lá. Pare de me enrolar e desembucha de uma vez o que deu errado! – esbraveja Poliana, batendo o pezinho no chão.
- É que... bem... – gagueja o bobo – O novo sistema é um pouquinho mais demorado...
- Um pouquinho? – continua Poliana, apertando os olhinhos de biscuit em sinal de irritação.
- Na verdade, ele é bem mais lento, o que está ocasionando um certo engarrafamento e alguns motoristas estão se queixando.
- Engarrafamentos em horário de pico são esperados. O povo também só sabe reclamar! Gentinha sem paciência ou gratidão. – desabafa a monarca.
- É... – resmunga o bobo do trânsito, vermelho como um pimentão.
- É? É o quê?! – desconfia sua alteza.
- É que temos tido um pouco de congestionamento em horários diversos. – esclarece outro bobo.
- Em que horários? – quer saber a rainha.
- Na verdade... todos. Bem, todos não, depois da meia noite o trânsito flui que é uma beleza. – completa o bobo do trânsito, suando em bicas, já a espera de uma explosão de ira real.
- Deixa eu ver se entendi direito. Quer dizer que graças a nossos moderníssimos semáforos novos, o trânsito do reino virou uma tranqueira, é isso?
- Sim alteza, mas é só por uns dias até que consigamos regular melhor o tempo e sincronizar as sinaleiras. – apressa-se o outro em justificar.
- Nada disso! – exclama Poliana. – Eu achei a ideia formidável, seu bobão! Meu pequeno reino com trânsito digno das grandes metrópoles! Congestionamento às três da tarde, todo aquele monóxido de carbono expelido, motorista bufando... É um sonho! Poderemos usar isso nas nossas propagandas como sinal de crescimento e prosperidade do reino. Tudo graças a Poliana! E depois de vários meses, quando pedestres e motorista estiverem quase se engalfinhando nos cruzamentos, acertamos o tempo e a sincronia das bichinhas, e o povo agradecerá novamente a sua adorada rainha por encontrar uma solução inteligente para o problema. É perfeito! – comemora Poliana, a rainha do aquecimento global, saltitando pela sala, para espanto dos seus sempre parvos bobos da corte.

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 29 de novembro de 2015

A Tristeza de Noel



           Imóvel, no banco da praça, o velho Noel observava o movimento na avenida. O ir e vir assoberbado dos pedestres. O fluxo frenético dos veículos. O desarvoro dos tempos modernos. Atrás dele, o martelar ritmado das construções românticas de mais um Natal brilhante e iluminado na cidade. Eram dias de poesia, fé e nostalgia. Todo o povo era consumido por um profundo e inexplicado sentimentalismo nostálgico. As preparações para as festas natalinas contagiavam a todos.
           Só o velho Noel sofria. Sofria, ali sentado, uma inerte e volumosa alegoria, apenas. Sentado, estático, sem o ônus ou a benção de poder desviar o olhar, ou aliviar o destino. Naquele banco da praça, ridiculamente imóvel, fora jogado. E fadado estava, até depois das festividades, a visualizar dia após dia a decadência da história de um povo. O velho prédio histórico a sua frente se deteriorava a olhos vistos. O velho Noel já o vira nos áureos tempos de esplendor, quando parecia resplandecer firme e altivo em frente à praça. O símbolo de um lugar e de um povo que se faziam prósperos. Agora, as rachaduras carcomiam as antes sólidas estruturas. A pintura se desprendia da fachada como se vergonha tivesse de acompanhar o velho prédio em sua ruína. As sacadas, de peitoril trabalhado, pareciam se curvar, talvez em sinal de conformada desistência, certamente prova de desrespeitosa negligência.  Até mesmo os João de Barro deixaram de construir seus ninhos sobre as antigas janelas, nessa primavera. Há que se preservar a integridade física de seus filhotes, provavelmente pensaram os passarinhos. A umidade dos últimos dias fazia verter água das paredes revestidas de musgo, feito lágrimas.  Chorava o velho prédio, pensava Noel. Ninguém notava. Ocupados, todos, com o ritmo frenético de suas próprias vidas, não tinham tempo de erguer os olhos para o prédio histórico que agonizava, abandonado a própria sorte. Acostumados estavam há décadas de tê-lo ali, zelando pelo futuro e relembrando o passado. Em breve, talvez não estivesse mais, lastimava Noel, com um desconfortável aperto na garganta. Quando enfim, o velho prédio se fizer ausente, todo o povo sentirá o vazio da história e a ânsia da revolta e da indignação tardias. Já fora assim em outros tempos e outras histórias. Uma pena que só a ruína e a ausência definitivas sejam capazes de despertar um povo.
            Apenas nesse Natal que se avizinhava, desejava o velho Noel, deixar sua desconfortável posição de adorno festivo e poder desviar o olhar do sofrido prédio, como fazia o povo que circulava nas calçadas e aqueles que em seu interior geriam o presente e o futuro dessa gente e dessa terra. Uma discreta umidade se acumulava nos cantos dos olhos do velho Noel e, lentamente, escorria pela rechonchuda face. Chorava o velho Noel, acompanhando o pranto sentido do antigo prédio.
 
 

domingo, 15 de novembro de 2015

Os extremistas do relativismo ideológico


        Os franceses assassinados nos atendados terroristas em Paris não merecem nossas lástimas. As famílias que choram a perda de seus entes queridos e a população que, acuada e amedrontada, teme andar pelas ruas da Cidade Luz, não são dignas de nossa solidariedade. São hipócritas todos aqueles que se comoveram com o terror na França.  Para sofrer, indignar-se, solidarizar-se ou horrorizar-se com a barbárie terrorista há que se ter um criterioso currículo politicamente correto. Quem não chorou Mariana, não merece perdão. Os franceses, e o mundo, não foram às ruas em solidária comoção pela tragédia de Mariana. Os brasileiros também não. Perdemos, todos, o direito de prantear as vítimas de Paris. É o que pregam os teóricos do relativismo ideológico.
            O relativismo rasteiro daqueles que, por ideologia ou estupidez, tentam minimizar o terror e constranger a indignação legítima da sociedade frente à selvageria, merece desprezo. Quem busca justificativas de qualquer natureza para atentados terroristas em qualquer parte do mundo, é digno de asco. O terrorismo tem o ódio como ideologia. Quem compactua com terroristas tem o mau-caratismo como alicerce.  Os mortos de Paris, foram executados por serem ocidentais. Ocidente que, com seus pecados e agruras, preza e defende a liberdade. Liberdade de opinião, de manifestação e de crença. Liberdades intoleráveis para os assassinos do Estado Islâmico.
            Os que louvam a outro Deus, merecem o inferno e a execução fria, sangrenta e impiedosa, é a convicção dos extremistas do Estado Islâmico. Os que choram outros mortos, que não os seus mortos, são hipócritas merecedores de escárnio, acreditam os extremistas do relativismo moral. Choremos nós, os não alienados por extremismos, pelas vítimas da fome, da malária, das catástrofes, da falta de assistência em saúde, da violência, da irracionalidade e do terror. Oremos, com nossas crenças, pelas vítimas de Mariana e Paris, enquanto ainda temos liberdade de orar. Prezemos sempre e incondicionalmente, pela igualdade, fraternidade e liberdade, valores desprezados e combatidos pelos extremistas de qualquer ideologia.

domingo, 8 de novembro de 2015

Santo Jorge, o Ecobobo de Poliana


 O respeitado, e sempre na boca do povão, bobo das obras de Poliana, Santo Jorge, o padroeiro dos mecânicos e borracheiros do reino, andava revoltado. Quase tão revoltado quanto na época em que pedia impeachment de presidente corrupto,  sem que isso fosse golpe. Tempos outros, bem outros, é claro. Já estava farto de ser criticado nas desprezíveis redes sociais e motivo de cobranças por parte de Imprensa Livre. Ser bobo da corte tinha lá seus dissabores. Como eram agradáveis seus áureos e longínquos tempos de juventude socialista, onde dedilhar Vandré no violão e aplaudir seus companheiros queimando pneus em praças públicas era o máximo de esforço que precisava desempenhar pela boa e velha causa. Por vezes, sentia saudades da época em que era apenas o animador de torcida nos festivais pirotécnicos da Orquestra Partidária (OP). Sua ginga, molejo e simpatia garantiram seu sucesso e popularidade nesses eventos. Agora,como bobo, no entanto, era necessário mostrar mais que um bom rebolado, precisava executar obras de fato, não de promessas. E o povo de verdade, diferente do povo da democrática e midiática OP, mostrava-se bem mais crítico e exigente e muito menos ideologicamente adestrado e iludido.
E que povinho ignorante e atrasado era o povo desse reino! - bufa Santo Jorge, pedalando sua bike, enquanto escutava pelos fones de ouvido as lamúrias de alguns contribuintes em uma das rádios locais. - Só sabem reclamar do asfalto e dos buracos! - pedala com ainda mais vigor ao escutar um morador queixando-se de inúmeros buracos em uma importante avenida do reino. - Pura mentira! Conhecia bem aqueles buracos. Eram só quatro. Gigante, Sansão, Golias e Pitoco. É verdade que Pitoco crescera bastante nas últimas semanas e prometia, em breve, engolir os outros três. Mas eram apenas estes. Os restantes não podiam ser caracterizados tecnicamente como buracos (ele, formado em história, era profundo conhecedor do assunto). Eram depressões e erosões naturais, causadas pelo movimento das águas da chuva. Não tinham nem vinte centímetros de profundidade! Tratava-se de um processo natural e ecológico, e não cabia ao homem interferir. É preciso que se respeite a natureza! - acredita piamente Santo Jorge, o ecobobo real.
Um ouvinte da tal radio entra ao vivo para se queixar das dezenas de enormes buracos em sua rua. Sendo um dedicado bobo que conhece profundamente cada via e buraco desse reino, já sabia do problema. Era tudo muito simples e tecnicamente explicável. Uma obra em uma avenida próxima desviara o fluxo de veículos para essa rua nas últimas duas semanas. O trânsito excessivo, em quinze dias, é logico, acaba com qualquer pavimentação, não é mesmo? Só quem tem cérebro não consegue entender e aceitar. Coisa de gente sem noção de engenharia de tráfego, conclui Santo Jorge com desdém.
Outro contribuinte se manifesta no tal programa de rádio, reclamando da qualidade do asfalto que, segundo ele, se esfarela feito pão dormido. Quanta ignorância! - irrita-se o bobo das obras. - Trata-se de um inovador modelo de asfalto ecosustentável. A tal forma “farelenta” serve para permitir a boa penetração e absorção da água no solo e a alimentação permanente do lençol freático. É o reinado de Poliana pensando nas gerações futuras! Só os ignorantes maledicentes não conseguem enxergar algo tão básico e ecológico.
Após mais dois quilômetros pedalando e acompanhando meia dúzia de participantes do programa reclamando que as ruas onde residem estão intransitáveis e que não serão contempladas no inovador Projeto de Remendos Ostensivos, o PRO Poliana, Santo Jorge estaciona a bike e inicia sua sessão de alongamentos enquanto tenta se acalmar diante de tantos absurdos ouvidos. - Povo inculto e ignorante! Pobre Poliana, tão à frente de seu tempo, ter de governar para uma gente assim tão atrasada. Não sabem eles, os coitados, que a última moda na Europa é acabar com o asfalto e retornar ao bom e velho paralelepípedo? Pois esse é o projeto de Poliana e sua corte para os próximos cinco anos. Manter o asfalto apenas nas principais avenidas do reino e deixar que nas demais ruas os buracos se unam, se fundam e se aprofundem até que volte a pavimentação por pedras ou ao chão batido! Não é utopia! - sorri Santo Jorge, satisfeito. - Será realidade! Em breve nosso reino suplantará a Europa em pavimentação ecologicamente sustentável! Essa, sem sombra de dúvida, será a maior herança que Poliana deixará a seu povo. Vias de causar inveja à Europa. Trânsito padrão Índia. Descaramento padrão Venezuela. Incompetência padrão Brasil.
Sorte nossa, dos contribuintes, estarmos tão próximos dessa maravilhosa realidade, padrão mediocridade.  

terça-feira, 3 de novembro de 2015

FALA SÉRIO! As Peladas de Pelotas



Acadêmicas do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) fizeram, no último dia 26, uma manifestação em protesto à violência contra as mulheres (violência de gênero para quem não estiver adequadamente familiarizado com a nomenclatura moderna ou for um reles ignorante alienado). Pacíficas e legítimas representantes das mulheres, ditas, feministas. Mulheres, nós, que somos segundo alguns, uma minoria sem direito à voz e a vez, e que necessitamos de um “coletivo” qualquer que nos represente, que honre o sexo feminino - ou a categoria - como entendem algumas das estudadas manifestantes de Pelotas. Viraram notícia essas feministas manifestas. Ganharam a mídia e as redes sociais.
Envergonharam a imensa maioria das mulheres desse estado e desse país. Vergonha?! Sim! Como mulher me envergonhei ao ver os vídeos de estudantes dessa ilustre Universidade pública, seminuas ou completamente nuas, meio bêbadas ou plenamente chapadas e fora de si, balançando os seios em frente ao prédio da tradicional Universidade Federal de Pelotas, constrangendo os demais colegas que tiveram as aulas suspensas. Me enojei ao saber que urinavam em baldes e derramavam seus adoráveis dejetos revolucionários sobre as paredes do antigo prédio público. Prédio de uma tradicional Faculdade gaúcha. Lugar onde deveria se aprender a pensar, agir, e a cultivar o saber. Me envergonhei, como mulher, ao saber que algumas feministas-manifestantes masturbavam-se no saguão do prédio da histórica faculdade. Indignação, vergonha e rancor sentiram, tenho certeza, a imensa maioria das mulheres ao saberem que homens, também estudantes, foram agredidos, verbal e fisicamente, pelo simples e imutável delito de serem homens. Tudo isso em um ato que se dizia contrário a “violência de gênero”. Me revoltei, não como mulher, mas como indivíduo, contra a incoerência, a arrogância, e a soberba irracional daquelas desprovidas de senso crítico, de cérebro e de conteúdo. Me decepcionei enormemente, sem qualquer forma de acalanto, com as mal desculpadas linhas públicas divulgadas pela Universidade Federal de Pelotas, que se preocupou muito mais em não ferir os ideais do pequeno e despudorado grupo do que com a imensa maioria de seus alunos que tiveram seus direitos desrespeitados e as aulas suspensas.
Tenho certeza que as mulheres de Pelotas ou do Rio Grande, mesmos aquelas que sofrem no dia a dia violência de qualquer natureza, não sentiram-se representadas pela manifestação das jovens letradas, algumas futuras professoras, da UFPEL. Sentiram-se constrangidas. Se a violência contra a mulher é uma realidade da qual precisamos como sociedade discutir, coibir e combater, não será com cenas de masturbação explícita ou gritos de intolerância contra os homens que avançaremos um só milímetro. Felizmente, a nós mulheres, esse tipo de postura agressiva e totalitária não macula ou desmerece as mulheres, desvaloriza e empobrece apenas e tão somente as peladas de Pelotas. Que essas meninas, um dia tornem-se mulheres, e sejam dignas do gênero que tanto dizem representar. Por enquanto, são apenas tolas e inconsequentes. E não representam a ninguém, a não ser a elas mesmas.

domingo, 25 de outubro de 2015

Os Três Mosqueteiros de Oposição à Poliana


 Reunidos, os três homens discutiam sobre os problemas e dilemas do lugar onde nasceram e consolidaram suas raízes e destinos. Acumulavam a experiência dos que já haviam governado esse reino. Três ex-monarcas. Três importantes figuras da política local. Três nomes eternamente na boca do povo quando o assunto era sucessão. Faltando pouco menos de um ano para a próxima turnê a Horário Eleitoral, era demasiado cedo para lançar nomes, mas nunca era cedo demais para confabulações e articulações.
- Você tem acompanhado as redes sociais, Zangão? - pergunta Chucrute, sorridente.
- Muito pouco. Não vejo utilidade nessas coisas. Acho uma perda de tempo ver fotos de comida. Por que eu iria querer saber quem está comendo o que, com quem e onde? - responde Zangão, o sisudo, com sua praticidade corriqueira.
- Seu nome, longevo amigo, é reiteradamente mencionado nas tais redes, como exemplo de seriedade e competência na administração da coisa pública. - esclarece o Alquimista, com o ar sempre professoral.
- Saber disso não o faz repensar a aposentadoria, Zangão? Que tal calçar novamente as chuteiras e entrar em campo rumo ao hexa, hein seu velho turrão? - pergunta Chucrute, expansivo, abraçando o sisudo com um dos braços.
- Nem pensar. - responde o outro, desvencilhando-se do abraço. Nos últimos dois anos já acostumara-se um pouco com o jeito efusivo de seu antigo rival, hoje, novo amigo. Mas tantos abraços e apertos ainda lhe deixavam desconfortável. - A política atual está muito diferente do que era nos meus tempos. As campanhas são muito mais populistas. Vale mais beijar criancinhas e abraçar velhinhos do que ter um projeto para o reino. E vocês sabem que beijos e abraços não combinam comigo.
- Ao contrário de mim, não é sisudo? - gargalha o ariano, dando um tapinha na perna de Zangão.
- Você? – continua o outro, com um discreto torcer de lábios, que ao seu modo era um sorriso. - Você deve beijar até os buracos do asfalto.
- E chamá-los pelos nomes. - completa o Alquimista, também sorrindo. - O estado calamitoso de nossas vias, isso sim me entristece a alma. Quanto orgulho sentíamos de nossas ruas e avenidas! Cada um de nós, ao seu tempo, cobriu um pouco dessas vias com o negrume quente do conforto e do progresso. Hoje, estão cobertas de descaso e abandono.
- E as propagandas? Tantas mentiras coloridas. Quanto dinheiro jogado fora, meu Deus!Dinheiro público! - desola-se Zangão, balançando a cabeça inconformado. - Quantas obras podiam ser feitas com essa dinheirama toda. Escolas, creches, pavimentação!
- Podia se investir em saúde. Restaurar prédios históricos. - acrescenta o Alquimista, saudoso.
- Moradias populares. Esgotos, galerias... - continua Chucrute, pensativo. - Eu já disse para vocês que quando eu fui rei fiz tantos quilômetros de esgoto que dava para fazer a volta na circunferência da terra e...
- Sim, sim! Nós já sabemos. - corta o Alquimista - Você nos jogou isso na cara mais de uma vez nas disputas em Horário Eleitoral. Agora, no reinado de Poliana, se perfilarem todos os buracos do asfalto, deve dar para ir e voltar de Marte umas três vezes.
- E por falar em restaurar prédios históricos, isso está lhe dando dor de cabeça até hoje, você não se arrepende?
- Durmo eu com a consciência tranquila e límpida daqueles que fizeram o que precisava ser feito ao seu tempo. - começa o Alquimista, com seu timbre de barítono. - Os erros que Justiça a mim imputa como crimes, são os acertos pelos quais sou e serei lembrado por meu povo. Se o preço pelas obras e legados que deixei a esse reino for a permanente espada de Justiça sobre minha cabeça, andarei de cabeça erguida e espinha ereta, como andam apenas aqueles convictos da retidão de suas condutas. Pago o preço da injustiça, com o amor que sempre cultivei e acalentarei por esse reino.
- Ele fez de novo, Zangão! Sempre me faz chorar. - reclama Chucrute, que a essas alturas esvaía-se em lágrimas.
- Novidade! Você chora vendo os filmes da Lassie. - resmunga Zangão, oferecendo um lenço ao outro.
- Ele tem o dom da palavra. Fico hipnotizado quando ele fala. - continua, assoando o nariz. - E como é que você sabe que eu choro nos filmes da Lassie?
- Você é um alemão beijoqueiro e chorão, já aprendi isso.
- E você é um velho ranzinza e pão-duro. Mas eu gosto de você! Me dá cá um abraço!
- Nem pensar! Você vai sujar de ranho meu colete novo. Sai pra lá! - rosna o outro, para em seguida se dirigir ao Alquimista. - Você até pode ter a consciência tranquila no tal episódio da restauração do prédio histórico, mas como é que anda sua consciência quando você lembra que carregou Poliana nos braços e a ajudou a chegar ao trono?
- Confesso, sempre astuto Zangão, que nesse caso em particular, nem minhas poções de alquimia conseguem aplacar o inexorável peso de minha consciência.
- A única forma de você se redimir com sua consciência é ajudar a derrubar a turma de Poliana na próxima disputa. - afirma o alemão.
- Quem pariu Poliana que lhe tire a chupeta. - declara Zangão, econômico e prático até nas sentenças.
- Estou ciente de meus mal feitos e minhas intransferíveis responsabilidades. - responde o doutor.
- Precisamos nos manter unidos e encontrar um nome novo para a disputa. Já tenho uma lista de possíveis candidatos. - comunica Chucrute, tirando umas folhas do bolso.
- Tudo isso! - observa Zangão, ajeitando os óculos no nariz, com olhar descrente. - Tem mais nomes que a convocação para seleção. E nenhum artilheiro, também.
- É aí que nós entramos. Com nossa experiência, escolheremos um nome e o tornaremos um novo ídolo do povo, pronto para entrar na disputa e ser campeão.
- Esse é muito jovem.
- Acho esse muito fraco.
- Esse não tem sustentabilidade política.
- Aquele vai bem no centro, mas não entra bem nos bairros.
- Esse é meio arrogante.
Após horas de confabulações, prós, contras e argumentações, os três ídolos da oposição, tão convictos na união de esforços para derrubar Poliana, quase se engalfinhavam no chão. Dedos em riste, rostos afogueados, humores inflamados.
- Você sempre acha que é o eterno dono da verdade, Zangão! - acusa o Alquimista.
- Quem falando! Logo você, que vende a alma ao diabo só para ficar na surdina manipulando em troca de favores. - indigna-se o sisudo.
- Vocês dois são intransigentes! - irrita-se o alemão.
- E você, seu alemão metido, sempre acha que pode fazer parte da solução!
Emburrados, os três, de braços cruzados, sentados no imenso sofá, emudeceram por longo tempo. Nenhum deles queria dar o braço a torcer, como sempre fora. Para quem já foi rei,estar distante da palavra final parecia muito mais difícil do que não ocupar mais o trono. Coisas que os reles mortais não compreendiam.
Após infindáveis minutos, mais calmo, Chucrute levanta-se e coloca um velho DVD no aparelho para apaziguar os ânimos. Na tela, em preto e branco, a velha cadela Lassie mancava pesadamente em meio aos escombros de uma cidade bombardeada pela Segunda Guerra. De repente, os soluços invadem a sala. Zangão chorava copiosamente.
- Você, Zangão! Chorando assistindo a Lassie?! - espanta-se o alemão.
- Essas ruas todas destruídas... toda essa desolação... Parecem as ruas da nossa terra! - Soluça Zangão, em meio as lágimas.
- E aquele prédio desabando! - aponta o Alquimista, também aos prantos. - Tão parecido com nosso velho castelo! - funga, abraçando-se a Zangão.
Chucrute, curiosamente, observava os dois abraçados e sorria. Com lágrimas nos olhos, é claro. Ainda havia tempo. Seriam muitas brigas, acusações, e algumas lágrimas, talvez. Quem sabe poderiam deixar os egos e interesses de lado e pensar unicamente no futuro desse reino, que não era deles, nem de ninguém mais, era de todo o seu povo. Quem sabe o final possa ser diferente, pensa o alemão, enxugando os olhos e assistindo o mesmo velho e surrado filme de outrora.

domingo, 18 de outubro de 2015

PRO Poliana


 A chuva desabava sem piedade sobre o reino de Poliana, e levava consigo o pouco que restava da pavimentação asfáltica. A impressão dos súditos que trafegavam nas maltratadas vias públicas era que muito em breve o reino inteiro seria engolido pelos buracos e desapareceria do mapa. Talvez fosse essa a intenção da rainha e sua paquidérmica corte. Alguma utilidade deviam ver na esburacada situação. Quem sabe, fosse a velha e surrada tática de colocar o bode na sala. Fazer os motoristas sacolejarem até o limite da paciência para depois oferecer a solução e colher os frutos. No ritmo lento com que sua alteza e seus bobos se movimentavam, melhor seria plantar tomates nos tais buracos, ao menos garantiriam os frutos. A inércia de seu primeiro reinado permitira que os buracos se encontrassem, acasalassem e se multiplicassem feito praga. Agora, não havia piche e pó de brita que dessem conta do problema. Nos áureos tempos do alinhamento fisiológico, quando dinheiro caía do céu, Poliana deslumbrava-se em inaugurar canchas de bocha e churrasqueiras, deixando a manutenção das ruas de lado e democratizando o acesso aos buracos. Hoje em dia, tragicamente, só o que cai do céu é chuva, fazendo brotar os malditos buracos que, cheios d'água, mais pareciam banheiras de ofurô. Quem sabe devesse começar a inaugurar banheiras de ofurô na periferia. Ou condomínios de buracos para os sem-teto.
Poliana precisava com urgência encontrar uma forma criativa de enrolar os contribuintes. Para isso, já anunciara, com a devida pompa e publicidade, mais um ousado, democrático e inovador programa para por fim ao problema. O PRO – Projeto de Remendo Ostensivo. Mais uma obra com a cara de Poliana, especialista em ilusão de ótica. E com que facilidade se iludia o povo, constata a monarca. Era só uma questão de números. Seu povo, todos sabem, não era lá muito afeito a matemática, portanto era só propalar alguns números robustos que o sucesso estava garantido. E serão milhões de recursos públicos, toneladas de pó de brita, milhares de metros quadrados, dezenas de ruas, quilômetros de vias repavimentadas. Verdadeira apoteose. O povo assistia as propagandas embevecido, sonhando com o negro tapete a revestir todo o reino. Poliana estava oferecendo aos contribuintes a oportunidade única de trafegar suavemente pelas vias recauchutadas, sem solavancos. Solavancos esses, que não existiriam se Poliana e sua trupe tivessem feito o necessário em seu devido tempo. Agora, o povo deve louvar e agradecer sua alteza por sua benevolência. Na prática, contudo, a conversão dos números revelava que o projeto era um pouco mais modesto do que a marquetagem oficial fazia parecer. Cada bairro do reino terá, apenas, sua principal via de comunicação ao centro reasfaltada e remendada, e mais algumas acessórias. E todas as outras centenas de ruas que encontram-se em estado de calamidade? Permanecerão agonizando, carcomidas por buracos, é claro. Pura falta de sorte dos milhares de contribuintes que não residem ou trafegam unicamente nas vias contempladas pelo remendão. Sorte mesmo seria morar e trafegar nos vídeos promocionais de Poliana. Aos desassistidos pelo programa de inclusão asfáltica da rainha, restava sacolejar por mais alguns anos. Sacolejos, avarias e transtornos que, segundo sua majestade, seriam muito melhor tolerados por seus súditos ao saberem que a poucos metros ou quilômetros existe uma via de asfalto novinho, feita com todo carinho por nossa adorada e prestimosa monarca Poliana, a rainha das meias verdades e do marketing ostensivo, pago com dinheiro público.


segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Cabeça-de-vento


 E Gigante Adormecido parecia cada dia mais um circo de dimensões continentais. No comando do espetáculo nossa Rainha Mãe esmerava-se em escorregar na casca de banana. Seu exército de patetas, convocados para tentar livrar sua alteza dos enroscos nas contas públicas, faziam o que estão acostumados a fazer, bobagens. E a monarca colecionava mais uma amarga derrota. Mais um fiasco de sua desarticulada equipe. Se derrotas e fiascos gerassem energia, nosso reino seria autosuficiente e polo exportador.
Mas, ainda pior que as trapalhadas de sua corte de vassalos, eram as aberrações filosóficas e científicas da rainha. Cada entrevista ou discurso fazia a festa das redes sociais. Uma fábrica de piadas. Cabeça-de-vento, diriam os mais antigos. Talvez fosse daí que a Rainha Mãe tirara a teoria do armazenamento de vento que tão professoralmente apresentara no exterior, para arrepio de seus súditos. Decerto, interpretara erroneamente a expressão vento encanado. Acreditava já ser possível movimentar o vento por tubulações. Um pouco ultrapassado, é verdade, entendia a rainha. Esperava que logo pudesse ser transferido por cabos de fibra ótica. Nossa monarca não sabia bem o que eram tais cabos, mas adorava mencioná-los em seus discursos, com ares de PHD no assunto. O mais difícil, concluía a magnânima, seria escolher qual dos quatro ventos armazenar. Talvez o mais leve deles. Ou, quem sabe, o de melhor sabor, para que pudesse também ser utilizado na culinária. Filé ao sabor do vento seria uma iguaria bastante requintada. Cabia aos cientistas essa decisão, não iria opinar. Pensara em plantar vento, mas mudara rapidamente de ideia pois, quem semeia vento colhe tempestade, isso até os idiotas sabem e nossa rainha doutora podia ser tudo, mas não era estúpida. Melhor capturá-lo já grandinho, pegando-o pelo pé. O local de captura já estava escolhido: onde o vento faz a curva, pois para fazer a curva ele precisava reduzir a velocidade ficando mais fácil segurá-lo. Evitava-se, assim, ser surpreendido por um golpe de vento. A fúria do vento era bastante comentada e temida, até pelos doutores. Devia ser por covardia que não haviam, ainda, tentado envasilhar furacões e tornados. Pelo formato, eles pareciam mais fáceis de engarrafar, achava a monarca. Essa, era outra questão que atormentava a Rainha Mãe: a forma de armazenamento. Containers ocupavam muito espaço. Barris pareciam um pouco arcaicos. Garrafas e latinhas facilitavam o transporte. Embalagens a vácuo iriam requerer tecnologia mais avançada. Eram muitas e complexas as dúvidas de nossa rainha.
Enquanto seu reinado parecia naufragar, suas teorias iam de vento em popa. Os pensamentos vagavam como brisa nos desconexos neurônios reais. Nem um sopro de senso crítico arejava suas ideias. Para vergonha de seus súditos e assombro da comunidade científica internacional. Ao povo de Gigante Adormecido, restava acrescentar mais uma piada ao estoque de asneiras de sua líder maior.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A Rainha Figurante


 Em Gigante Adormecido, a Rainha Mãe encontrava-se esgotada. Tivera de suar a camisa nos últimos dias. Não em suas pedaladas matinais para manter a silhueta enxuta. Nem mesmo em suas engenhosas pedaladas nas contas públicas, que prometiam lhe render mais do que dor de cabeça. Nossa monarca, apesar da bem sucedida dieta que lhe livrara dos desagradáveis quilinhos extras, precisava com urgência ganhar algumas gordurinhas políticas para conseguir manter por mais algum tempo seu moribundo reinado. E nesse jogo político, todos sabem, as transações não são regidas pelo mercado financeiro. As moedas oficiais eram apoio político e carguinhos, o legítimo e velho conhecido escambo do poder.
E se já fora difícil acomodar tantos egos e interesses nos tempos de popularidade em alta, agora, com o descontentamento correndo solto, o troca-troca tornara-se um verdadeiro suplício. Era um tal de tira um bobo daqui, joga pra acolá. Pega de lá, devolve pra cá. Troca nada por coisa alguma. Avisa o Bobo da Educação, que mal desfizera as malas, que vá procurar sua turma, pois na Pátria Educadora, compra-se apoio por atacado e vende-se coerência a varejo. Extingue um cargão, cria mais três carguinhos e uma dúzia de penduricalhos. E era reunião que não acabava mais! Reunião para afagar. Reunião para confabular. Reunião para convidar. Reunião para desconvidar. Reunião para admitir. Reunião para demitir. E na falta de agenda para mais uma reunião, telefona e manda sair.
Ufa! A Rainha Mãe afinara ainda mais a cintura de tanto rebolar. Chegara a perder o apetite pelo excesso de sapos engolidos. E o sapo mais indigesto era o velho sapo barbudo, que, ao que parece, voltara a dar as cartas nesse jogo. Fazer o que, suspira a Rainha Mãe, abatida. Para não perder a cabeça na guilhotina política, melhor perder as rédeas do reinado para seu criador. Nossa rainha prometia desempenhar nos próximos anos o ilustre papel de boneco de ventríloquo. Uma rainha figurante, coadjuvante em seu próprio reinado. Se soubesse antes o quanto eram complexos os meandres da jogatina política, teria ficado com sua lojinha de 1,99, suspira a monarca. Apesar, reflete sua alteza, que com o dólar no patamar que está, teria ido a falência. Pensando bem, recorda-se a Rainha Mãe, fora à falência em tempos de dólar baixinho e economia bombando. Talvez lhe faltasse certa aptidão para gerência e administração, conclui num impressionante e inusitado lapso de senso crítico. “Mas, quando tudo isso finalmente terminar, poderei seguir o exemplo dos monarcas que me antecederam e viajar o mundo proferindo palestras. O poder da retórica, esse sim, todos concordam, é o meu dom mais precioso!” - vangloria-se a rainha, com a autoimagem distorcida por seus circuitados neurônios reais.





domingo, 27 de setembro de 2015

Poliana mãos de tesoura

 Aglomerados no salão real, bobos da corte e aliados de sua alteza aguardavam mais uma importante reunião. Com a crise se espraiando por todos os pagos, Poliana estudava mais cortes de gastos em seu reinado. Os apadrinhados da monarca temiam por suas cabeças e carguinhos. O clima era de tensão e apreensão.
- O que será que Poliana irá cortar desta vez? Já cortamos quase tudo que era supérfluo. Só faltou cortar nossos pescoços. - reflete um companheiro, preocupado.
- É isso mesmo que o povão quer, os invejosos. O povo cobra que ela reduza pastas. - relata um dos bobos.
- Poliana não pode reduzir pastas. Isso é numericamente inviável. - afirma, convicto, o bobo do marketing e pirotecnia.
- É dessa convicção que precisamos para rebater qualquer sugestão de corte de pastas. É inviável, pois são todas de extrema importância para o bom funcionamento do reino. - completa outro companheiro.
- Não é nada disso. - corta o marqueteiro - Na realidade, metade das pastas não têm nenhuma utilidade para o contribuinte. Servem apenas para acomodar nossos aliados. O povo todo sabe disso.
- E o que você quer dizer com número, então?
- São 13 pastas. O número de sorte de Poliana. E vocês sabem como a rainha é supersticiosa.
- Tomara que você tenha razão, mas não sei não. - suspira um dos pajens. - A rainha vai precisar dar uma resposta para o povo. Principalmente depois que os gastos com diárias de viagens caíram na boca grande das redes sociais. Por falar nisso, você lavou a égua nos últimos meses, hein! - comenta em tom de zombaria, dirigindo-se ao bobo do desenvolvimento.
- Foi um dinheirinho suado. Só eu sei o trabalhão que dá carregar a bagagem de Poliana. - responde prontamente o outro, dando de ombros.
- Não é o que o povão anda falando nas tais redes sociais. A maioria dos contribuintes não ganha em dois anos, trabalhando, o que você recebeu em diárias só para pajear a rainha em suas viagens.
- Essa gente não sabe o que é trabalho pesado. E não conhecem, como nós, as excentricidades de nossa alteza. Vocês têm ideia da quantidade de bagagem que Poliana leva em cada bate-volta à sede do poder central? São malas, frasqueiras, necessaires, bolsas. E todos aqueles badulaques que ela carrega nas malas sou eu que tenho de arrumar! É máscara de macadâmia pros cabelos, musse de pepino pro rosto, óleo de cupuaçu para o corpo e creme de castanha para os seus delicados pezinhos. Demaquilantes, esfoliantes, tônicos, adstringentes... Isso sem falar nos sapatos! Dá uma trabalheira danada organizar as viagens da rainha!
- Nossa! Parece mesmo exaustivo. - compadece-se outro bobo.
- É verdade. Por isso que eu abro mão do dinheirinho das diárias. É muito trabalho acompanhar Poliana nessas viagens. Melhor ficar fazendo nada por aqui. - conclui o perspicaz bobo da saúde.
- E você? - dirige-se ao vendilhão aliado e medalha de ouro no deslocamento financiado pelo contribuinte. - Que tanta viagem precisa fazer pela Câmara de Vendilhões? Se o seu papel é fiscalizar o reinado de Poliana e propor leis de interesse do povo, deveria estar mais no reino e nos bairros.
- A questão é a distância entre nós e os problemas de nosso povo. São muito curtas. Não dá pra tirar diária. E nós, os vendilhões itinerantes, estamos fazendo parte de um importante programa de geração de renda. - responde, com fala mansa e serena.
- Interessante. Vão propôr um projeto de lei para implantá-lo aqui?
- Ele já está a pleno vapor. É um programa continuado de complementação de renda com diárias. Vocês sabem como é baixo o salário de um vendilhão. Precisamos fazer uns bicos para nos manter. - responde o campeão de diárias, com a eterna pose de humilde representante do povo, própria dos muito pobres de caráter.
 De repente, o silêncio toma conta do recinto. Poliana, pisando firme, adentrara no salão, para o tão temido anúncio dos cortes. Os bobos esfregavam as suadas mãos, nervosamente. O futuro de seus carguinhos estava em jogo.
- Companheiros. - começa a rainha, com ar abatido. - É com imenso pesar que reúno vocês hoje para anunciar cortes drásticos. As finanças do reino vão de mal a pior. É hora de eu tomar medidas duras e que vão recair sobre cada um de vocês. O povo clama por isso. Exige que eu tome atitude. Os números mostram que nosso palácio está inchado. Temos gente demais. - pausa dramática, enquanto sua vasta corte se remexia nas cadeiras. - Por isso, medidas amargas e dolorosas precisam ser tomadas. E eu as tomarei, doa a quem doer! De hoje em diante, cortarei todas, absolutamente todas as compras de papel higiênico de vocês. A partir de agora, façam o que precisa ser feito em suas próprias casas. É o que o povo espera de mim, e eu jamais decepciono meu povo! - conclui a corajosa Poliana, sob aplausos fervorosos e aliviados de seus pares.
Agora sim, a saúde financeira do reino estava garantida. Graças a Poliana, a economista mãos de tesoura.

domingo, 13 de setembro de 2015

A revolução dos mimados


 Poliana e sua cada vez mais vasta corte, assistiam abismados a nova onda de protestos que virara moda no reino. Como eram diferentes as cores e entonações de manifestantes quando vistos do lado de cá, pensa a socialista Poliana, do alto de seu castelo. Democracia e liberdade de expressão tornavam-se uma incômoda e desconfortável pedra no sapato quando se está no poder, e antigas bandeiras de seus companheiros, hoje, pareciam ridículas e sem fundamento.
- De onde surgiu essa gente toda que está em frente ao meu castelo?! - questiona a irritadiça rainha, preocupada com o risco de desabamento do velho e judiado prédio com tantas pessoas amontoadas nas escadarias centrais.
- São sem-teto, rainha. Reivindicam o direito à moradia. - elucida um assessor.
- Sem-teto, é? E estavam se escondendo onde até hoje? Se toda essa gente estivesse morando nas ruas, as ruas do reino seriam intransitáveis, ora bolas! Isso até parece os tradicionais embustes orquestrados por nosso clã! - constata a rainha, indignada, observando o movimento popular através da janela do salão real.
- São duas centenas de famílias, Poliana, que invadiram nos últimos dias uma grande área pública. Elas exigem terrenos onde possam erguer suas casas.
- E quem é o líder que está por trás dessa balburdia? - questiona a rainha.
- Não existe líder, é um movimento espontâneo. - responde o assessor.
- Sem essa, companheiro! Não esqueça que você está falando com uma socialista da gema. Só um débil mental acreditaria que essa gente toda acordou numa manhã nublada e resolveu ocupar a tal área, num rompante sincronizado de luta por direitos. - ironiza Poliana, fazendo trejeitos.
- Tem toda razão, minha rainha. - concorda o ilustre membro do MSTT (Movimento Só Tramoia e Trago) – São um bando de desocupados e baderneiros, certamente liderados por Oposição. Querem o direito à terra, sem pagar por ela. Um verdadeiro absurdo golpista. Essa gente de direita perdeu completamente o senso de ridículo!
- É isso mesmo, companheiros! A direita sempre foi sórdida defensora da propriedade privada. Por isso, deve estar estimulando que o povo tome posse de áreas públicas. É a mais descabida privatização dos espaços púbicos! Um absurdo sem igual.
- Golpistas sem coração! Usando o povão como massa de manobra. - choraminga uma ortodoxa líder de movimentos sociais.
- E o que vamos fazer com esse povo todo? - questiona Poliana.
- Vamos enrolá-los, é claro! Não podemos, jamais, ceder às pressões da direita. Seria o fim de nosso sonho socialista. - responde, prontamente, outro engajado companheiro.
- Então façam isso! Vocês, os desocupados pagos com verbas públicas do MSTT e representantes dos autênticos ativistas dos movimentos sociais, estão encarregados de iludir esses invasores sem noção. - sentencia Poliana. - E que outros ignorantes manipuláveis estão se manifestando hoje no meu reino? - indaga a democrática rainha.
- Estudantes, alteza. Universitários queimaram entulhos e estão obstruindo a saída dos ônibus durante toda a manhã de hoje.
- Um criaredo ranhento e burguês, que não demonstra qualquer respeito pelos pobres proletários que dependem do transporte público para chegarem a seus locais de trabalho. Não respeitam, esses filhinhos de papai reacionários, o legítimo direito de ir e vir da classe operária. - discursa efusivamente o companheiro sindicalista, comodamente esquecido dos tempos em que queimava pneus em vias públicas e impedia o acesso de trabalhadores às empresas.
- E eles querem o quê, afinal? - pergunta a monarca.
- Querem passe livre no transporte público. - informa o assessor de marketing.
- Certamente não estudam economia, esses jovens energúmenos! - indigna-se Poliana, com os olhinhos de biscuit irradiando impaciência e contrariedade. - Eles acham que ônibus, motoristas e combustível caem do céu, feito propinas em estatais? Não têm qualquer senso de ridículo? Onde estudam esses mimadinhos elitistas?
- Na universidade pública, alteza.
- Só podia ser! É tudo culpa de nosso clã! - reclama a rainha, queixosa. - Passamos décadas vendendo a ideia insustentável de que o Estado deve prover de tudo a todos, como se todo saco não tivesse fundo. E mais de uma década enfiando nossas alienadas crias nas universidades para formarem mais e mais tolos ideologicamente adestrados. Agora, nós mesmos estamos colhendo os frutos podres. - suspira, desolada - Devíamos ter investido mais recursos públicos em formação, e não em ideologização sem consistência prática. - constata, desesperada, a monarca.
- O que faremos agora, magnânima?
- Por certo, deveríamos dar um tundão de laço em todos esses pirralhos mal educados e neo-revolucionários das causas impraticáveis. Mas, aí sim, ficaríamos mal nas fotos e manchetes. - reflete Poliana. - Terei de posar, ao lado dos manifestantes, como uma legítima monarca socialista que respeita as pautas e reivindicações esdrúxulas. Tragam-me aquela velha e mofada camiseta do Che, e um boné encardido dos meus tempos de líder estudantil. - ordena a rainha.
- E nossa bandeira vermelha e estrelada, alteza?
- Não! Essa não! - apavora-se Poliana. - Atualmente essa coisa queima o filme de qualquer um. Precisamos nos desgrudar desse símbolo como nos desgrudamos de nosso passado e nossos discursos. - filosofa Poliana. - Mas, pensando bem... um pãozinho com mortadela até pode agradar. Se bem me lembro, esses jovens revolucionários idealistas costumam ficar esfomeados depois de um fuminho e algumas horas de pichação de propriedade privada. E nós, do grande clã, sempre soubemos alimentar essas verdadeiras consciências populares. - conclui Poliana, a velha defensora das causas insustentáveis, sustentadas com dinheiro alheio.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Pixuleco, o monstro inflável


 Em Gigante Adormecido surge uma terrível ameaça aos companheiros. Uma criatura horrenda e assustadora tira o sono e a paz de espírito da companheirada. Nem Justiça, com a espada rente ao pescoço de conhecidas figuras do clã estrelado, causara tanto temor e desconforto. Delatores revelando vultuosas cifras desviadas dos cofres públicos tornavam-se preocupações pequenas frente esse novo e implacável adversário. Até o rebelde e poderoso presidente do parlamento era café-pequeno. O inimigo número um do exército vermelho pairava ameaçadoramente sobre Gigante Adormecido.
Seria cômico se não fosse demasiadamente ridículo, ver a companheirada a tal ponto indignada. Indignada não com os ilustres membros de seu clã, atolados até as orelhas em corrupção. Imoralidade, propinas e roubo do dinheiro do povo não eram capazes de causar um pouco de rubor aos seguidores da estrela. Uma onda de indignação e revolta na companheirada precisava de uma motivação mais forte e ultrajante, como essa nova fera asquerosa que os ameaçava. Um boneco inflável fora declarado o inimigo mais odiado dos companheiros. Pixuleco, a besta. Os adoradores da besta que inspirara a caricatura de borracha, mobilizavam-se raivosamente na tentativa de aniquilar o famigerado boneco. Nas redes sociais conclamavam seu exército para atentar contra a integridade inflável da sarcástica criatura. Até mesmo o messias da companheirada, o Ilusionista, tirara as barbas de molho e resolvera rivalizar, em nota, com seu oponente. O boneco silenciou. Sinal da falta de substância de suas vísceras e ideologias, acreditam piamente os companheiros.
A companheirada, em clara demonstração de caráter autoritário e antidemocrático, buscava todas as formas de impedir o direito de ir e vir, ou simplesmente pairar no céu, de Pixuleco. É poluição visual, argumentavam os membros do clã. Ocupação indevida de espaços públicos, tentavam defender os assessores pagos com dinheiro do povo. Enquanto os companheiros debatiam-se abobalhados tentando derrubar a caricata criatura, Pixuleco flutuava imponente nos céus de Gigante Adormecido. Os militantes mais ensandecidos e paranoicos eram capazes de enxergar um debochado sorriso de escárnio no rosto borrachudo. Os companheiros, enfim, encontraram um adversário à altura de suas ideologias vazias e caráter rarefeito. Um boneco de borracha, com as entranhas recheadas de gás, era capaz de fazer tremer o pitoresco mundinho da companheirada. Nunca antes na história de Gigante Adormecido, a imbecilidade mostrara-se de forma tão deprimente. Pixuleco, a besta inflável, tornara-se o novo símbolo da falta de cerne e senso de ridículo dos companheiros. O humor, como quase sempre, mostrava-se o pior inimigo dos medíocres.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Poliana, a mãe do bode


 Na antessala do palácio real, Poliana encarava atentamente o animal. Olhos nos olhos, como era seu feitio. Nossa prestimosa rainha, olhava firmemente o bichinho, enquadrando-o ameaçadoramente. “Daqui você não sai. Daqui ninguém lhe tira.” - ameaça a magnânima, ao pobre acuado animal.
Poliana, todos desconfiavam, era soberana absoluta na hora de colocar o bode na sala. Fazia isso com maestria inigualável. Onde nenhum problema havia, nossa monarca era rápida em arrumar um enrosco e criar dor de cabeça aos seus súditos. E lenta, demasiado e calculadamente lenta, na hora de resolver o problema criado por ela. Quanto mais tempo o contribuinte vier a sofrer, mais rápida e gloriosa será a ascensão de Poliana, a salvadora dos pobres contribuintes indignados. Fora assim com o fechamento das rótulas. Criara o caos para, anos mais tarde, vender a solução que não seria necessária se Poliana e seus bobos não existissem. Poliana e sua trupe eram até hoje enaltecidos por consertar o problema que eles próprios ciaram. E se nossa alteza fora infalível na hora de dificultar a mobilidade urbana, mostrava-se imbatível no momento de infernizar aqueles que pretendiam apenas estacionar. Por muitos meses, estacionar nas vias centrais de seu reino seria uma cruel e cansativa penitência aos motoristas. Obra de Poliana, é claro! Para que facilitar, se você pode complicar, era o lema da rainha. E quando os humores dos motoristas e comerciantes ameaçavam explodir, nossa monarca surge com a solução: estacionamento rotativo pago! Sim! O mesmo que antes havia. Antes, bem antes, de Poliana colocar o fedorento bode na sala. Que fantástica ideia, acreditavam os exauridos motoristas. Como é que ninguém pensara em uma solução tão simples e lógica?! Só mesmo Poliana para ter ideia, assim, tão prática e despojada. Sorte desse povo contar com uma rainha tão conhecedora dos problemas do reino.
Mas antes de dar o absoluto fim ao drama dos motoristas, Poliana precisava alimentar e engordar um pouco mais o bode. Criar ainda mais revolta e descontentamento. Deixar os contribuintes ainda mais indignados. Não por não terem onde estacionar, mas por não conseguirem encontrar uma viva alma a quem pudessem pagar pela maldita vaga ocupada. A honestidade dos motoristas e contribuintes, acostumados a honrar seus débitos, transformava as avenidas em desertos de veículos. Os súditos honestos, vagavam desarvorados pelas ruas em busca de alguém a quem pudessem quitar o valor devido por cada minuto estacionado. Não encontrando ninguém, partiam apavorados, ou deixavam bilhetes constrangidos nos parabrisas dos automóveis. Quem deve, teme, pensam os contribuintes. E quem lucrava com o caos e constrangimento dos honestos, era ela, Poliana, a rainha do bode na sala. Enquanto os idiotas penam, Poliana sorri, satisfeita. Nada está tão ruim que não possa piorar um pouquinho, pensa Poliana. Quando o estacionamento estiver tão caótico quanto o trânsito e as esburacadas ruas do reino, nossa alteza solucionará o problema com um simples toque em sua varinha de condão. E todos serão eternamente gratos a Poliana, a rainha-mãe do bode, e madrasta dissimulada dos motoristas sem estacionamento.



domingo, 23 de agosto de 2015

Mortadela, a nova ideologia


 Poliana estava injuriada. Em tempos de manifestantes vestidos de verde e amarelo tomando as ruas, também Poliana fora alvo de palavras de descontentamento e revolta de seus súditos. Até aí, tudo certo. A tolerante Poliana era capaz de identificar e respeitar as tendências. E a nova moda em todo Gigante Adormecido era essa estranha massa com as cores da bandeira e cantando hinos, ao invés de gritos de guerra. Um tanto démodé, acreditava Poliana, torcendo seu empinadinho nariz.
O que Poliana não podia aceitar era o total silêncio de seus companheiros nos dias seguintes. Nenhum ato de desagravo, ou mesmo de apoio a Rainha Mãe, acorrera no reino de Poliana. Sequer uma passeatinha patrocinada pelos Companheiros Unidos no Trambique (CUT). Nada de ruas interrompidas em horário de pique, ou porcos obstruindo a entrada de bancos. Ou mesmo um pneuzinho queimado na praça central. Nada! Nadinha. Nem bandeiras, nem estrelas, nem balões vermelhos. Só o silêncio. Onde estariam seus companheiros, questionava-se a monarca. Não podiam alegar que estavam trabalhando. Afinal, Poliana bem sabia que os que não mamavam na fonte sem fim dos movimentos sindicais, mamavam nas inesgotáveis tetas dos contribuintes de seu reino. Estavam sempre a serviço do clã estrelado.
Onde foi que se meteram esses energúmenos, esbravejava em pensamento nossa socialite socialista. Até das redes sociais haviam desaparecido. Ao invés de frases de Che Guevara ou de deboche a elite verde-marela, só se viam receitas de comida e bandeiras de time de futebol. Um disparate em momentos de crise política e de popularidade do clã estrelado. Crise! Devia ser essa a explicação para o sumiço da companheirada, reflete Poliana. A crise atingira o bolso de todos, lastima nossa rainha. Certamente escassearam os recursos para o tradicional pão com mortadela, iguaria bastante apreciada pelo exército vermelho. Nos tempos atuais, mesmo os mais engajados companheiros não saiam de casa para defender suas inabaláveis crenças sem um bom sanduíche de mortadela que lhes dessem substância. Se havia uma coisa que Poliana aprendera em todos esses anos de seguidora da estrela, era que toda convicção precisa de uma consistente ideologia para se manter firme e sólida. Sem ideologias não há argumentos ou motivações legítimas, ensinava seu clã. A mortadela era a nova ideologia de seu clã, constata Poliana. Um recheio a altura do que se tornaram os companheiros. Que fase! - choraminga Poliana. Mais que a falta de moralidade, o que ainda afundaria irremediavelmente seus companheiros seria a falta de mortadela. Que a mortadela sempre abunde, como abundam as propinas, implora a sempre otimista Poliana.

domingo, 9 de agosto de 2015

A melancólica melodia das panelas


   Na TV, o programa dos companheiros anuncia: o apocalipse está chegando. Para alguns telespectadores mais sarcásticos ele já havia chegado há 12 anos. E, como informa o mestre-salas da propaganda, o apocalipse se materializará na forma de um horripilante e agourento monstro que arrasta correntes e ameaça a todo o povo de Gigante Adormecido. O tal monstro anunciado pela companheirada chama-se crise política! Crise política é que anda apavorando o povão, segundo o marqueteiro real. Novamente, aos mais atentos, as coisas parecem carecer de sentido e lógica, afinal, quem parecia acuada e sitiada pela tal crise política era a Rainha Mãe. O povo sofria a cada dia com a crise econômica, e milhares de eleitores de nossa monarca passavam por grave crise de consciência e arrependimento. Mas, na mentalidade esquizofrênica do grande clã estrelado era a crise política a verdadeira vilã desse enredo. E quem criou a tal crise? Oposição, é claro. É Oposição que está a orquestrar protestos e a incitar o descontentamento popular. É culpa de Oposição o rápido e trágico desmoronamento de popularidade da Rainha Mãe. Oposição! Aquela Oposição que não é capaz de organizar sequer uma partidinha de futebol de várzea, está desestabilizando o reinado de sua alteza e todo Gigante Adormecido. Nossa monarca e seus aliados, como sempre, não parecem ter qualquer participação no problema.
    E a tal crise econômica? Ela de fato existe, finalmente admitem os adoradores de estrelas. Mas trata-se de uma crise mundial e não local, anuncia o presidente do clã, cada vez mais próximo de ave de mau agouro do que da ave de rapina que sempre fora. A situação da Grécia é uma prova contundente e inquestionável de que o mundo está em crise, mostram as manchetes na tela. E ela, novamente ela, Oposição, é que engana o povo fazendo parecer que a economia vai mal por conta de erros e despreparo da rainha e sua equipe. Uma total falta de sorte não poder alegar que tudo era devido a herança maldita dos últimos reinados. Esse era o mais ingrato preço a ser pago por tantos anos no poder. Essa diminuta crise, afirma sua alteza, é - como costumam ser as crises – passageira. Faremos, todos juntos, uma travessia rumo a dias infinitamente mais prósperos, conforta a soberana o seu povo. O povo não duvida da travessia. E está dolorosamente ciente de que encontra-se no barco, sem chance de abandoná-lo. O que boa parte do povo questiona e duvida é da capacidade da Rainha Mãe em evitar um naufrágio. Uma dúvida plantada por Oposição nas mentes vazias do povão, é evidente.
    Era para ser só uma propaganda em horário nobre. Mais uma entre tantas. Desculpas e mentiras caras e coloridas. Uma reedição da fábula de Horário Eleitoral. Mas acabou sendo muito mais do que se esperava. Tornou-se um símbolo. O símbolo da decadência do clã estrelado. O tom emocional, forte de suas propagandas, desaparecera por completo. Nenhuma trilha sonora ou imagem pungentes. Nem mesmo o fervoroso militante e ator que apresentava o espetáculo cinematográfico conseguia demonstrar um pouco de emoção, ou crença. Proferia palavras como um medíocre apresentador de telejornal. Já o grande ídolo e estrela guia dos companheiros voltara a usar a antiga barba, numa desesperada tentativa de se agarrar a popularidade e carisma que um dia tivera. Ou na ilusão que um dia fora. Parecia, no entanto, apenas um náufrago barbudo se agarrando em destroços. A estrela perdera o brilho. Uma pena. Quando tudo se mostrou uma gigantesca mentira, restava a sempre fiel militância, a emoção. Agora, não resta mais nada. Só o descompassado som das panelas.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Herdeiro da Pampa Farrapa



Herdeiro. Que benção era herdar algo em tempos de crise. Um carro velho. Meia dúzia de patos e galinhas. Um terreninho no subúrbio. Ser herdeiro é praticamente uma glória nos dias atuais. Mas, herdar um estado falido poderia se caracterizar como um desastre. Desastre anunciado, calculado e presumido. E, o novo Herdeiro da Pampa Farrapa, não pode alegar que não sabia. Não sabia dos déficits? Sim, sabia. Não sabia dos descalabros na administração pública? Sim, sabia. Não sabia que assumiria um estado onde os gastos eram superiores as receitas? Sabia. Era sabedor, desde a campanha, de que precisaria deixar a politicagem de lado e administrar o problema como se um gestor, e não um político, fosse? Sim, sempre soubera. Portanto, ao herdeiro dessa pampa, não é permitido choramingar, é exigido que erga o pescoço em meio a lama, e porte-se como o gestor que a maioria de seu povo elegeu para administrar essa herança. Herança que infelizmente é de todos os gaúchos.
E falhou o Herdeiro da Pampa Farrapa ao se fazer ausente no primeiro, de muitos, anúncios lastimosos e desagradáveis a seu povo. Falhou como homem. Falhou como político. E falhou irremediavelmente como gestor. A um líder, escolhido por seu povo, não é dado o direito de se portar como um invertebrado qualquer. Os penosos anúncios feitos por sua equipe eram esperados, mas poderiam ser melhor digeridos, assimilados e tolerados, se saíssem da boca daquele que representa a escolha da maioria do povo gaudério. E o Herdeiro da Pampa Farrapa escolheu se ausentar. E, ausente estando, tornou-se merecedor de descrédito, asco, revolta e piadinhas.
Resta a nós, povo gaudério, aceitarmos as medidas duras, indigestas, mas sabidamente necessárias. Arcarão, os dignos funcionários de carreira, com o ônus de administrações populistas. Arcaremos todos, com a herança maldita de governos incompetentes. Mas, o atual herdeiro dessa pampa, que é de todos os gaudérios, precisa arcar com suas responsabilidades. Precisa dar a cara a tapa em momentos de revolta. Necessita vir a público mesmo quando a plateia lhe é hostil. É preciso se fazer presente quando a esperança dos gaúchos ameaça se fazer ausente. É o que se espera de um homem. É o que esperamos de um líder. É o que se exige dos eleitos. Se, o Herdeiro da Pampa Farrapa, não for capaz de olhar a seu povo, olho no olho, e assumir nossas dívidas e suas dolorosas soluções, não será, jamais, digno do povo que o elegeu. E essa pampa, outrora orgulhosa e próspera, estará fada ao naufrágio, sem um digno capitão que sirva de modelo a nossas façanhas, ou a nossa premeditada derrocada. Que esse povo, que um dia se vestiu de luta, possa contar com um líder que não abdique da honra. Honra e luta estão no cerne dos gaudérios. Nos resta tão somente esperar um líder merecedor desse povo. Que a espera não seja longa. O tempo já se faz curto, e nossas esperanças também. Que o Herdeiro da Pampa Farrapa, que se fez depositário das esperanças desse povo, se faça, logo, merecedor de respeito.

sábado, 25 de julho de 2015

O epitáfio da estrela


 Em Gigante Adormecido, as coisas iam de mal a pior. Para o povão, inflação em alta, desemprego crescente e a esperança se esvaindo. Para a Rainha Mãe, popularidade despencando, economia agonizando e aliados prestes a roer a corda. Nunca antes na história do reino, um monarca conseguira ser tão impopular para seus súditos. Mas o povo, só é povo de fato quando aplaude estrelas. Em momentos de desilusão e descrédito é apenas massa de manobra de Oposição e de Imprensa Livre. Pobre povo, que só é soberano e útil quando inocentes úteis.
E a companheirada, então, seria cômica se não fosse patética. Aqueles que em outras épocas bradavam eloquentemente como se estandartes da moralidade fossem, hoje debatem-se indignamente justificando o injustificável. Como crianças pegas em uma travessura, justificam seus delitos de quadrilheiros com a singela alegação de que outros, antes deles, cometeram os mesmos pecados. Picardia pueril. Uma coisa precisava ser dita da fiel militância estrelada: não tinham qualquer medo do ridículo.
Vítimas. Pobres vítimas são eles, os outrora destemidos defensores da ética e da moral. São vítimas de golpismo, de perseguição de Justiça, de conspiração midiática. Vítimas do ódio. Do ódio das redes sociais, das ruas, do povo. Como sempre, confundem os sentimentos e motivações. Não é ódio, é asco. O coitadismo sempre esteve no âmago dos companheiros. Chafurdam como porcos em pocilga ao se compararem aos perseguidos pelo nazismo. Infâmia digna dos que há muito abdicaram da decência. Não se envergonham disso também. Como não se envergonham dos roubos, da corrupção e da imensa fraude que provaram ser.
E o simbolo máximo da total ausência de vergonha era justamente ele, a estrela maior do grande clã. O pai dos pobres e criador da Rainha Mãe. O Ilusionista. Quem já fora o rei dos reis, hoje tornara-se o mais deprimente imperador dos cafajestes. Uma estrela  em franca decadência, que seria merecedor de pena, não fosse o incansável esforço que faz para, a cada dia, ser mais e mais merecedor de desprezo. Agonizava indignamente em palanques apodrecidos, para seguidores fiéis, mas cada vez mais minguados. Vociferando impropérios e semeando estupidez, enlameava um pouco mais sua biografia.
Que estranha gente era essa gente. Que curioso desapego mostravam por um mínimo de dignidade. O poder, que a outros cega e corrompe, aos companheiros e sua alienada militância causava dano maior. Os apequenava. Perdiam a vergonha. A lógica. O senso de ridículo. Perdiam quase tudo que tinha valor moral. Só não perdiam, jamais, a fé inabalável na fraudulenta e putrefata estrela.
O povo e Gigante Adormecido sobreviveriam a companheirada, como sobreviveram a outros no passado. Os companheiros e seus adestrados simpatizantes, sobreviveriam a eles mesmos, suas hipocrisias, mentiras e indignidades. Restaria-lhes sempre a boa e velha ideologia. A crença inabalável de que os seus fins justificavam toda sorte de imoralidades, será, algum dia, o epitáfio da estrela decadente. Resta apenas esperar.