sábado, 24 de dezembro de 2011


Querido Papai Noel

Neste Natal espero que me tragas um saco cheio de boas desculpas para ofertar aos meus súditos no próximo ano. Desculpas enfeitadas e coloridas para cada promessa grandiosa que fiz e não cumpri. É lógico que não foi por culpa minha. Trata-se, é óbvio, de um típico caso de bullying contra essa gloriosa rainha. Uma elite dominante, antidemocrática e preconceituosa me persegue impiedosamente por pura inveja de meu desnorteante sucesso.
Vê se providencia logo uma boa dose de chuva, que o negócio tá ficando preto - e seco - por aqui. Se a água não rolar por essas bandas, logo nesse novo ano tão decisivo, mais uma das minhas propagandas enganosas irá correr barragem abaixo.
Como bondosa e magnânima soberana, peço para o meu humilde povo, muita, mas muita saúde. Que os doentes não se acumulem na fila do desrespeito como em Horário Eleitoral. Que não se lembrem, nem precisem, de todos os curandeiros que prometi que iriam cair de pára-quedas em suas cabeças ao menor sinal de indisposição. Por um mero erro de cálculos, perdi o período do plantio e esqueci como se faz a colheita desses insignificantes profissionais. Ao contrário do que me diziam alguns bobos da corte, curandeiros não nascem do chão como inço, nem brotam nos buracos do asfalto. Acho que agora aprendi. No próximo ano não devo ter problemas com essa tropa, pois os abundantes curandeiros da Irmandade do Fogo certamente descerão dos palanques, dispostos a trabalhar por seu povo. Tudo em troca de muito pão com lingüiça e salada de repolho, é claro.
Por falar na Irmandade do Fogo, peço que esta continue humildemente a minha sombra. Está tudo muito confortável assim. Gosto cada vez mais dessa turma. Eles sabem o que é ter senso de humor e espírito esportivo. Perdoam docilmente cada uma das minhas pequenas traições e deslealdades. Sabem compreender que o fogo do poder queima em minhas veias, e conseguiram abandonar as velhas raízes históricas por amor a Poliana.
Não posso esquecer dos meus queridos companheiros de clã. Que esses conservem seu espírito servil e sua excêntrica miopia, que alguns apelidaram de ideologia. Que essa constelação de parceiros continue a obedecer sua alteza ao mínimo estalar de dedos e que se esmerem com devoção a abanar bandeirinhas e a carregar sobre os ombros esta sua soberana absoluta. Precisarei deles no próximo ano, por isso velho Noel, lhes dê bons braços e nada de senso crítico.
Para finalizar, estimado Noel. Gostaria de pedir um singelo mimo para essa nobre rainha. Que a odiosa Oposição volte a hibernar, esperando pelo seu príncipe encantado, Zangão - o sisudo. E que este velho e caquético príncipe cumpra sua antiga promessa de final de ano e vá pescar ou jogar bingo, deixando de atormentar essa jovem Poliana. E se não for pedir muito, gostaria que no ano novo que se aproxima, você tire todas as pedras do meu caminho, espante os pardais agourentos de meu reinado e cubra de piche os incontáveis buracos do meu reino.
Abraços fraternos da ardilosa e incorrigível Poliana.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Os fantasmas de Poliana


- É o fim! O fim! Como se não bastasse que Justiça tenha resolvido tirar a venda dos olhos com mais freqüência que o habitual, agora essa velha surda e moribunda resolveu começar a falar! E o pior de tudo, dando uma de piadista! Tripudiando da rainha e sua corte! – uma revoltada Poliana discursava a seus fieis Bobos.
- É mesmo uma pouca vergonha alteza, Justiça ridicularizar nossa corte dessa forma. – exclama um dos bobos reais.
- Eu sempre disse que essa tal Democracia não podia dar coisa que prestasse! – concorda solene, o camarada Boina Verde.
- Façam alguma coisa seus Bobos! Coloquem Justiça em seu devido lugar. Calem essa boca sarcástica e devolvam a venda aos olhos dessa velha decrépita! – continua a indignada rainha, com o costumeiro tom de voz esganiçado.
- Tu é louca Poliana! Com Justiça não podemos nos meter! – fala amedrontado um dos representantes do clã.
m- É claro que podemos, seus covardes! É só vocês fazerem os costumeiros telefonemas e-mails anônimos com umas ameaçazinhas que essa velha entra rapidinho na linha.
- Isso Poliana, nós fazemos com os outros reles mortais, com Justiça a coisa muda de figura.
- Se não dá pra ameaçar ofereçam a ela um carguinho! – sugere a sempre prática rainha.
- Pelo amor de Deus Poliana, chega de falar bobagens! Justiça acordou e nos deu um puxão de orelhas. Agora nós temos que nos readequar. Chega de mais confusão, já estamos atolados até o pescoço! – exaspera-se Líquen, enquanto Poliana fazia beicinho. – Temos que rever essa enorme lista de carguinhos. São mais de cem boquinhas que precisamos mudar de tetas para ludibriar Justiça. Não se esqueçam que Justiça pode até dar uma de engraçadinha, mas bem no final sempre damos um jeitinho de enrolar a otária.
- Que carguinhos que a esclerosada achou imorais? Figurinha antiquada, decadente... – continua a jovem rainha com despeito.
- Vamos ver... Chefe dos mortos! Pelo amor de Deus Poliana, de onde você tirou uma idéia dessas. Criar uma chefia de defuntos?!
- Uma idéia muito boa, seu estúpido! – indigna-se a rainha, com o queixo empinado. - Eu morro de medo de almas penadas, por isso criei um carguinho para garantir que nenhuma rebelião no cemitério venha a tirar o meu sono.
- Eu achei essa idéia de nossa alteza brilhante, como sempre. – apóia uma puxa-sacos do SindiPelego – Com todas as mentiras que nós temos vendido ao povo nos últimos anos, é bem capaz de que algumas almas ultrajadas se ergam do túmulo. Melhor não arriscarmos.
- E o que diabos é isso aqui? Chefe do chefe dos motoristas?! De onde você tirou essa idéia rainha? – continua Líquen tentando manter a calma diante de tanto despropósito.
- Essa foi uma necessidade, Líquen. O chefe dos motoristas não sabia dirigir, então precisei solucionar prontamente o problema, criei mais um carguinho para resolver de vez a questão. Você me conhece bem, eu resolvo tudo rápido e eficientemente. Olho no olho! É assim que eu sou.
- Por vezes eu acho que nossa rainha é meio estrábica. – sussurra um dos representantes da irmandade do fogo fazendo graça.
- Acho conveniente, rainha, você manter seus olhinhos de biscuit mais abertos e menos sonhadores. – aconselha Líquen, continuando na revisão dos carguinhos. – E essa chefia do controle de sais, o que é isso?
- Todos vocês sabem bem como sou exigente com meus banhos de ofurô. Preciso de alguém que fiscalize diariamente a temperatura da água e os sais de banho adequados a meus humores. Vocês não querem ver sua alteza irritada, não é? - desafia Poliana em velada ameaça.
- Claro que não rainha! – respondem prontamente todos os ressabiados bobos, nada dispostos a presenciar as costumeiras crises histéricas da magnânima.
- Devo concluir que a mesma justificativa serve para esse cargo de Diretor de Fiscalização do Estoque de Bombons de Amarula. – continua Líquen conformado com o ridículo da situação. – E essa Chefia da Etiquetagem do Patrimônio Real? Tenha dó, Poliana. Dar um cargo de chefia pra alguém colar etiquetas! Não é a toa que a inerte Justiça resolveu acordar! Com tanta imbecilidade devemos erguer as mãos pro céu por Justiça não nos jogar no calabouço ou cortar nossas cabeças!
- Credo Líquen! Você hoje está muito rabugento. Tínhamos de acomodar nossos companheiros, ora bolas. E você bem sabe que eles geralmente não sabem fazer quase nada, mas colar etiquetinha até uma criança consegue executar. Por isso criamos essa boquinha. Tem chefe, sub-chefe e diretor só para essa importante função. Cada um é responsável por uma cor de etiqueta, tudo muito útil para nossos contribuintes e imprescindível ao andamento do reino.
- E essa aqui, rainha? Tem Chefe do café, Diretor do chazinho e Encarregado dos biscoitos! – aboba-se Líquem levando as mãos a cabeça.
- Isso é fundamental Líquen! - defende um companheiro de clã – Com tanta reuniãozinha que fazemos, alguém precisa garantir que não faltem essas preciosidades para nos manter nutridos e acordados.
- Aqui! Achei pelo menos dois cargos úteis! – alegra-se Líquen - Diretor do serviço de Folders, Cartazzes e Banners e Encarregado do Setor de Ilusionismo da Orquestra Partidária (OP). Isso sim é relevante. Garante o embelezamento do reino, serve para iludir os súditos e ainda por cima reverte em bônus extras para nossas meias e cuecas! Parabéns rainha!
- Já que você tocou no assunto do desenvolvimento econômico de nossos bolsos, lembrei de um fato que aconteceu essa semana e me deixou revoltada! Uma imoralidade sem precedente!
- O que foi que deixou nossa íntegra rainha tão escandalizada? – preocupa-se um companheiro.
- Só de lembrar já sinto o sangue ferver! Estou irritadíssima com tamanha sem-vergonhice ocorrida no nosso reino. – exclama Poliana com o dedo em riste. – Um dos nossos subordinados foi flagrado com o carro oficial do palácio em frente a um motel!
- É mesmo? Que pouca vergonha! – exclamam os bobos
- É isso mesmo alteza. É essa imagem que nossa rainha tem que vender ao seu povo. Uma monarca que luta pela moralidade no reino. Até Justiça irá se comover com a ira da rainha ao saber que um dos seus bobos usou veículo oficial para ir ao motel em pleno horário de trabalho.
- Ir no motel com carro do palácio não é nada. Já cometemos atos libidinosos maiores que este. O que me deixa enlouquecida é que o tal motel era uma espelunca de beira de estrada e não o fabuloso motel da Laranja Empreendimentos, um dos grandiosos investimentos das Organizações Poliana. Isso sim é uma indecência sem precedentes! Façam alguma coisa seus molóides!
- Pode deixar rainha. Tomaremos as medidas cabíveis para corrigir este absurdo. – afirma Líquen muito senhor de si. - Criaremos um carguinho só para controlar e direcionar as escapadinhas de nossos bobos em horário de expediente.
- É assim que se fala Líquen! Vamos colocar nosso reinado nos trilhos da moralidade. – aplaude Poliana satisfeita com a solução.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Em busca de um escudeiro real


A sempre alegre e festiva comitiva de pajens, bobos e bajuladores oficiais de Poliana, nesse dia se reunia para tratar de assuntos mais sombrios. O semblante circunspecto de Líquen mostrava que a pauta da reunião prometia ser ainda mais longa e pesada do que as tradicionais assembléias do estrelado clã da rainha.
- Da forma em que as coisas estão não podem continuar, companheiros e companheiras. Precisamos mudar nossa estratégia, e logo. Temos que proteger a rainha das desgraças do reinado.
- Nós sabemos disso Líquen, temos nos esforçado, mas parece que a rainha só atrai coisa ruim. Tudo gruda nela, como ranho ou meleca. Parece uma maldição!
- Mas nós temos de melhorar a blindagem e reforçar a retaguarda, estamos dando muito espaço pra Oposição avançar.
- Isso é verdade, a retaguarda da rainha já tá que é uma gamela, coitada.
- Por isso nós temos que agir. Afinal nós somos um grupo coeso. Temos de defender a rainha dos abutres e algozes.
- É isso, mesmo! Nós somos fieis ao ideal de justiça e ao reinado, e estaremos sempre junto a nossa majestade.
- Você sabe Líquen, que eu e Poliana temos certas desavenças. Somos de facções rivais nas nossas disputas pelo estrelato no clã. No entanto, pelo clã, esqueço todas as rasteiras e picuinhas e ergo com orgulho o estandarte escarlate. – responde altiva, uma velha matriarca do clã.
- É disso que precisamos. União! Todos lutando juntos por um ideal, como nos velhos tempos. - exulta, emocionado o companheiro Boina Verde.
- Que satisfação poder contar com o apoio de todos os nossos companheiros nesse momento. Nossa rainha ficará radiante com a disposição de vocês. O que nós precisamos é um escudeiro para Poliana. Alguém disposto e corajoso para tomar a frente nas situações difíceis. Destemido e com iniciativa para assumir a culpa das pequenas imperfeições da rainha.
- Ótima idéia! Brilhante! – concordam todos do grupo, satisfeitos com a solução estratégica.
- Que bom que vocês gostaram. Quem de vocês se habilita?
-Nós! – responde o grupo surpreso.
- Claro, o escudeiro real só poderá sair de nossa constelação de amigos. Tem de ser alguém alinhado com nossa ideologia, obscuridades e promessas vazias. Quem vai ser?
Um constrangedor silêncio toma conta do recinto. Os presentes se olhavam com cara de criança que fez arte e procura alguém para por a culpa.
- Eu adoraria, mas não posso Líquen. Estou muito gordo e fora de forma pra acompanhar a maratona de eventos e churrascadas da rainha. – salta o atarracado membro do SindiPelego, demonstrando agilidade nata na hora de fugir de um trabalho.
- E eu sofro de artrose. Lesão ocupacional, de tanto abanar bandeirinhas. Além disso, não enxergo quase nada. Só vejo estrelas, nada mais. – completa a idosa matriarca.
- Eu não tenho como animar a galera nos espetáculos da Orquestra Partidária (OP) e defender a rainha. Eu ia perder o rebolado. – defende-se Santo Jorge
- Ora bolas, convenhamos Líquen! Nós somos bobos, mas não somos trouxas. Quem é que vai querer entrar numa fria dessas? – pergunta um dos membros da Irmandade do Fogo.
- Mas não foram vocês mesmo que disseram que estariam sempre ao lado da rainha, para o que der e vier? – questiona Líquen indignado.
- Você está distorcendo as coisas Líquen! Nós estaremos sempre ao lado da rainha, enquanto ela estiver no trono para nos dar uns carguinhos e ainda vier uns troquinhos. Não pra levar chumbo de Oposição e Imprensa Livre!
- E você Boina Verde? Onde está o ideal de justiça, união e luta?
- Nesse caso camarada, está mais alinhado com a nova ideologia do nosso clã: só sei que nada sei.
- Não é possível que nenhum de vocês vá se sensibilizar com a situação desesperadora da rainha! – suplica Líquen
- Tenha dó, Líquen! Sem apelação! Daqui a pouco vai começar a evocar Fidel e Che, e cantar Pra não dizer que não falei de flores.
- É muito fácil pra você, que agora está com a vida mansa, investindo no ramo de compra e venda de emendas parlamentares. Nós só temos uns carguinhos, e nenhuma segurança. E depois, anda correndo a boca pequena no reino, que até os temidos irmão Grafite, que sempre foram cu e calça com Poliana, já estão abandonando o barco antes que este afunde.
- Não tem jeito, Líquen. Nós éramos ótimos na hora de fazer passeatinhas, trancar ruas e mobilizar multidões em nome de um ideal. Hoje, nem isso sabemos fazer mais. Estamos muito bem nessa nova vida, sem pudores ou ideologias para nos preocupar. O negócio é encontrarmos algum idiota fora dos muros do castelo pra executar essa tarefa.
- Mas quem? Quem toparia uma tarefa ingrata dessas? Na lista de seguidores do grande clã, já não há mais ninguém tão estúpido para aceitar a missão. Os que continuam nos seguindo só o fazem visando um carguinho ou comissão no fim do túnel.
- Nós podemos tentar cooptar alguém de Oposição! Pelo menos blindagem eles faziam bem, temos de admitir.
- Oposição?! Mas e nossos discursos e nossa ideologia onde ficariam?! – revolta-se a matriarca, abanando-se com as saias.
- Ficam onde estão há anos, no lixo! Deixa de hipocrisia companheira! – rosna Líquen. – Até que não é má idéia. Já que Oposição nos roubou Basco, o raivoso, podemos devolver na mesma moeda. Mas quem poderíamos tentar encantar ou subornar com promessas de poder e riquezas?
- Precisamos pesquisar. Eu gosto daquele menino meiguinho, estilo paz e amor da Câmara de Vendilhões... pode combinar com a imagem que queremos vender. – opina o membro da Irmandade do fogo.
- Vamos nos mexer e começar já nossa busca. Continuaremos tentando achar algum tolo dentro de nosso próprio quadro ao mesmo tempo em que vasculharemos os porões de Oposição. – ordena Líquen, o estrategista.
- E se mesmo assim não encontrarmos ninguém?
- Aí iremos ao Zoológico. Lá sempre tem um macaco Tião ou alguma anta pronta pra colar em Poliana.

domingo, 4 de dezembro de 2011

As Imprecisões da Oligofrênica Rainha


Os insuperáveis bobos da corte discutiam contrafeitos os últimos desagradáveis acontecimentos do reino, quando uma esfuziante Poliana adentra na recinto. O humor da rainha contrastava com as caras fechadas e pensativas de seus assessores e pajens. Poliana rodopiava e saltitava pela sala. Ria, o riso solto e puro das crianças em noite de Natal. Cantarolava baixinho uma alegre, mas pouco conhecida marchinha de seus tempos de fantasias carnavalescas, com muita pompa e purpurina: Eu digo Sim! Eu digo Sim! Até o fim! Mesmo afundando na lama, eu abro a boca e digo sim pra Poliana!Eu digo sim pra desordem! Eu digo sim pra imprecisão! Quando a saúde agoniza, eu me escondo e digo é que assim! Os bobos se olhavam desconfiados, sem entender o motivo de tanto contentamento da rainha quando o momento do reinado era, como de costume, de mais uma sucessão de trapalhadas e fiascos. Sem conseguir conter a curiosidade a presidente do SindiPelego pergunta a rainha:
- Qual o motivo de tanta alegria nessa manha tão fria, alteza?
- Eu tenho que estar rubra de contentamento meus bobos, pois mais uma vez provei que como sempre tinha razão. Só os tolos e aqueles com certo grau de senso crítico é que não são capazes de perceber que eu sempre, tenho razão. Mesmo quando me equivoco. – responde Poliana com o delicado nariz empinadinho de soberba.
- E o que foi, magnânima rainha, que a senhora com tanta precisão e certeza acertou dessa vez? - questiona, ocultando a desconfiança, um puxa sacos de confiança da Irmandade do Fogo.
- Que as tais pesquisas de popularidade estavam redondamente erradas é claro! Eu disse que era tudo um complô armado para me desmoralizar. Colocar um bando de amadores para julgar a popularidade da translumbrante Poliana, era visto que não conseguiriam enxergar as coisas direito. Ficaram cegos, os tais pesquisadores, com o brilho estonteante de minha reluzente pessoa. Agora toda a armação esta sendo desmentida e minha honra será finalmente lavada! – regozija-se a rainha inflada de orgulho.
Líquen, um pouco preocupado com o excesso de auto-estima da eternamente egocêntrica rainha, resolve intrometer-se nos delírios reais:
- E o que foi que levou você, Poliana, a chegar a mais uma dessas estupendas e ponderadas conclusões, dignas das mentes brilhantes dos membros mais ortodoxos e bitolados de nosso clã?
- Os fatos, meu caro e amorfo Líquen! Você não tem acompanhado os últimos fatos do reino companheiro? Será que você anda tão alinhado com mensaleiros e ongueiros que esqueceu do nosso reinado? Cuidado para não alinhar demais nossas cuecas com as cuecas lá de cima, hein! Vai que ao invés de emenda tudo acabe em remendos. – satiriza a rainha, cuspindo no cocho onde costuma se lambuzar.
- Você poderia explicar melhor esses tais fatos alteza? – contemporiza um membro da FarsaSindical, também familiarizado e alinhado com propinas e descaramentos.
- Vocês meus alienados bobos, não enxergam um palmo na frente do nariz! Não sabem interpretar uma situação. Vocês não viram as inegáveis evidências da popularidade da rainha mostradas em todos os meios de comunicação nesses dias? Será que vocês são cegos! – ergue-se altiva a soberana absoluta do reino e com a arrogância própria dos donos da verdade prossegue seu discurso: - Até Imprensa Livre teve de se ajoelhar aos meus pés pedindo clemência. Está em todos os jornais. As fotos e manchetes não mentem, como aquelas pesquisas amadoras e pré-fabricadas. O povo se acotovelava e se empurrava. Milhares deles. Pessoas pulavam muros. Até a polícia precisou ser chamada. Toda essa gente disposta a enfrentar qualquer obstáculo e imprecisão, apenas para ter o privilégio de servir a magnífica Poliana! Isso sim é popularidade! Nunca antes na história desse reino algo assim foi visto!
- Hah, não... - murmura o grupo desanimando.
- Hah, sim! Sim! E tem mais. Muito mais! Recebi em apenas três dias centenas, talvez milhares de cartas. Todas endereçadas a rainha. Não comecei a ler, mas obviamente são manifestações de apreço e admiração a melhor rainha que esse até então desconhecido reino já teve.
- Cartas, rainha? Posso ver uma delas? – pede Líquen já antevendo a desgraça.
-É claro, meu caro Líquen. Pode pegar qualquer uma daquela imensa pilha. – aponta Poliana enquanto rodopia eufórica pela sala.
Líquen lia, com o costumeiro rosto sombrio, algumas das inúmeras cartas que estavam sobre a mesa. Enquanto isso, os demais bobos e pajens aguardavam o parecer em expectativa. Com cara de quem esperava um carguinho e ganhou um tapinha nas costas, o companheiro Líquen anuncia ao grupo:
- As tais cartas, nada mais são do que os milhares de recursos dos candidatos da seleção para servos reais, reclamando de imprecisões e irregularidades nas provas. Não tem nenhum elogio, mas tem cada palavrão...
Alheia a tudo, como sempre, Poliana se admirava no espelho, cantarolando sua musiquinha preferida: Eu digo sim! Eu digo sim, pra Poliana e seu reinado!

domingo, 27 de novembro de 2011

As Falsas Impressões de Poliana


Os companheiros da rainha estavam ainda ressabiados e exauridos com a última crise de estrelismo da megalomaníaca Poliana. Seus corpos doloridos tinham dificuldades em se acomodar nas duras cadeiras do castelo. Como sempre ocorria, depois de um fiasco da realeza e sua corte, uma interminável reunião para as costumeiras mijadas e puxões de orelhas dos bobos de Poliana. Alguns bobos, que guardavam ainda certo resquício de cérebro e bom senso, questionavam-se até quando sua alteza continuaria a fechar seus adoráveis olhinhos de biscuit para o que era óbvio e gritante: as impressões que Poliana tinha de seu reinado eram tão falsas quanto eram falsas as impressões de seus amigos. Poliana e seus amigos só enxergavam aquilo o que lhes era conveniente enxergar. Qualquer mudança de padrão, textura, cor, peso ou medida, que não fosse oportuno ao fiel e unido grupo seria sempre oportuna e estrategicamente ignorado. Tudo, é claro, em nome do clã e do ideal socialista. Vieram ao mundo, Poliana e seus asseclas, para dar um novo colorido as falsas impressões desse reinado. Chamava-se a isso, oportunistamente, de reinado de oportunidades. E eram tantas as oportunidades de se fechar os olhos para o que estava a sua frente ou se franzir o nariz para a podridão que lhe cercava que Poliana preferia o conforto de sua redoma e a companhia agradável e ilusória de seus alienados companheiros e fantoches reais.
- Não podemos continuar permitindo que esse tipo de notícia acabe nos ouvidos de imprensa Livre companheiros. Precisamos reverter essas manchetes. – discorria Líquen motivador.
- A questão principal é como iremos mostrar aos súditos que a popularidade da rainha e seu reinado é maior do que a tal pesquisa diz que é.
- Como foi que vocês permitiram que Imprensa Livre saísse às ruas para indagar a população sobre a popularidade da rainha? Não havíamos combinado que manteríamos essa linguaruda intrometida bem longe da opinião pública? – pergunta Poliana, como sempre irritadiça. – E quem foram essas pessoas entrevistadas que ousaram discordar desse primoroso reinado e de sua espetacular rainha? Quem deixou essa gentalha falar?
- É muita gente Poliana! Tenha paciência. Não dá pra gente sair por aí ameaçando todo mundo. Esse negocinho de email e telefonema anônimo parece que não funciona com Imprensa Livre. E com a tal intimidação corpo a corpo nós temos que convir que causamos mais riso do que medo.
- É, eu ouvi falar sobre essa última fracassada tentativa de amendrontar Oposição. É a piadinha do reino. - lastima-se Poliana - Por falar nisso onde é que estão nossos companheiros, os irmãos Grafite?
- Estão em casa, com indigestão. Excesso de café e falta de bolachas, dizem as más línguas.
- Parece que estão se cagando... quero dizer, deve ser algum andaço daqueles.
- Você sabe como são os irmão Grafite, Poliana. Adoram um foguinho quando tem os fósforos na mão, mas se borram de medo de enfrentar as conseqüências. Por isso tem sempre alguém em quem possam jogar a culpa no final.
- Muito boa estratégia! Exatamente como eu faço com vocês meus bobos. E por falar nos Grafite, fiquei pensando se não foi a economia de tinta em meus adoráveis cartazzes o motivo dos súditos não enxergarem o quando é maravilhoso e colorido meu reinado.
- Talvez seja isso rainha. Nossos companheiros, os temidos irmãos Grafite, em sua ânsia por crescer e aparecer, talvez tenham economizado ainda mais nas tintas e com isso deixado nosso reinado mais apagado e deprimente do que é.
- Só pode ser isso. Não pode haver outra explicação plausível para o povo não reconhecer tudo aquilo que não fizemos. Na democrática pesquisa de opinião feita aqui mesmo na corte eu obtive altos índices de popularidade.
-O que falta Poliana, é colocar mais cor nos outdoors que mostram nossos feitos, assim o povo vai conseguir ver o mundo tão fantasioso e colorido como nós vemos.
- Ordenarei aos Grafite que parem de economizar na tinta e na qualidade do papel. Precisamos melhorar nossa aparência.
- Mas e os recursos Poliana, você sabe... dinheiro.
- Dinheiro não é problema. Como sempre dissemos em nossos proféticos discursos: é tudo questão de vontade política e prioridades. Vamos tirar dinheiro da educação que ninguém percebe; saúde que é um saco sem fundo e saneamento que ninguém sabe o que é. Assim tudo será colorido e ilusório como os desejos da plebe e acabaremos de vez com as falsas impressões de nosso reinado. – decreta Poliana sempre superfaturada de idéias, mas pobre em execuções.

domingo, 20 de novembro de 2011

A Crise de Popularidade de Poliana


O pequeno grupo de bobos reais se amontoava num canto da sala em atitude suspeita. Disputavam, como crianças curiosas, algumas folhas de jornal. Falavam baixinho tentando não chamar a atenção da rainha que descansava em sua redoma de vidro fumê.
- Deixa eu ver também. Passa logo essa folha, companheiro!
- Olha só isso. É pior do que nós pensávamos. A rainha leva uma surra até na periferia.
- Que povinho mais ingrato e traiçoeiro. Nós gastamos boa parte do nosso tempo e dos recursos públicos entretendo essa gente com fantasias, pirotecnia, shows e pão com lingüiça e é isso que recebemos! Uma bola nas costas da pobre Poliana. – choraminga uma decepcionada integrante da Orquestra Partidária (OP).
- É mesmo. Devíamos ter construído menos canchas de bocha e mais escolas, talvez assim nos livrássemos dessas boladas traiçoeiras.
- Não ia adiantar nadinha. Pelo que diz nessa tal pesquisa a nossa idolatrada rainha é ainda mais rejeitada entre os mais estudados. E, por estudados, entendam aqueles que sabem somar dois e dois.
- Coitadinha da rainha, com todo o sacrifício que ela faz por seus súditos não conseguir largar na frente no concurso de popularidade real. É muita injustiça.
- Não tem nada de injustiça. Isso é tudo perseguição midiática orquestrada por uma elite dominante que não aceita o reinado democrático, popular, inclusivo e...
- Cala a boca Boina Verde! Só estamos nós aqui, então nos poupe desse discurso enfadonho. Essa ladainha a gente guarda pra impressionar os otários mais tarde. – exaspera-se um dirigente do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), já entediado com a mesma desculpa esfarrapada de sempre.
- Não dá pra acreditar numa coisa dessas. A rainha vai surtar quando ver isso.
- Nem fale nisso! Não podemos deixar ela ver essa maldita pesquisa de popularidade. Já pensou quando ela descobrir que não é tão adorada e popular quanto nós fizemos ela acreditar que era?! Vai ficar mais histérica do que nunca. Nem uma tonelada de bombons de amarula vai acalmá-la dessa vez. – alarma-se o companheiro da FarsaSindical.
- Isso sem contar quando ela souber que ficou atrás logo dele: Zangão, o sisudo! Vai ser o fim.
- Como é que pode uma coisa dessas? Largar atrás quando se tem a coroa e com toda a ostensiva propaganda que nó fazemos, já é um fiasco daqueles. Agora, perder em popularidade pro Zangão! É inacreditável!
- É verdade. Nem Oposição acreditou, deve estar ainda mais abobada que nós dessa vez.
- Isso é uma catástrofe sem precedentes, pensem bem companheirada. O Zangão é sisudo, ranzinza, rabugento, velho e barrigudo. Não sorri nem pra tirar foto. Detesta beijar velhinhas e pegar criança mijada. Adora usar aqueles coletezinhos cafonas. Não consegue ser simpático nem com photoshop e toda edição de Horário Eleitoral. E, mesmo assim, abateu nossa meiga, simpática e carismática Poliana nas prévias de popularidade real! É inacreditável!
- Não dá pra entender o povo, mesmo. Não sei o que é que tínhamos na cabeça quando disseminamos essa idéia de que o povo devia ter direito a voz e voto. Se era pra dizer bobagens que ficassem de boca fechada, como em toda democracia socialista que se preze. – lastima-se uma antiga estrela dos movimentos sociais e representante fiel das minorias excluídas.
- Com tudo o que a doce e cândida Poliana, com seus olhinhos de biscuit, se esforça para agradar a plebe. Tantos sorrisos e trejeitos. Tantos espetos de linguiçinha para servir. Quanta criança ranhenta para beijar e melecar sua roupa. As intermináveis partidinhas de futebol, bocha e dominó que teve de disputar. E sempre com o eterno sorriso nos lábios. Tudo isso para conquistar o troféu popularidade, e mesmo assim o povo ingrato não reconhece. O que mais a pobre rainha deveria fazer para agradar essa gente?
- Não sei, mas quem sabe se ela posasse menos de perua simplória e mais de soberana do reino? Talvez o povo queira uma rainha e não uma bonequinha de historinhas infantis. Prefira a cara azeda do Zangão, com jeito de quem sabe fazer, do que a cara insosa de Poliana que parece não saber o que fazer e querer o que não sabe onde está. Se é que vocês me entendem?
- Não, não entendemos. Você anda muito filosófico pro nosso gosto, deve ter se vendido para Oposição. – indigna-se um dos bobos cegos da rainha.
- Eu estou só dando minha opinião, mas vocês não escutam ninguém. – queixa-se o compamheiro do clã, mesmo frente a carranca fechada do alienado grupo.
- Nós escutaríamos, se você dissesse o que queremos ouvir. – responde convicta outra democrática figura da corte real.
- Falem baixo ou vão acordar a rainha! Vamos parar de brigar e pensar no que fazer para reverter essa catástrofe. Precisamos nos mexer antes que Oposição fique assanhadinha demais. – intervém Líquen, apaziguador oficial da rainha.- Temos que investir ainda mais em propaganda e marketing. Colocar mais dezenas de banners e cartazzes pelo reino. Criar um projeto de inclusão dos subúrbios em nossas propagandas enganosas, estilo Fidel e a gloriosa democracia Cubana. Vamos soterrar a plebe de outdoors e folders, vendendo um reino encantado como em Horário Eleitoral.
- Mas e a tal elite? Como vamos ludibriá-los?
- Esses são os mais fáceis de iludir. É só mostrar para eles alguns filmezinhos chorosos com o povão lutando democraticamente por cada trave de gol e churrasqueira na periferia, que eles se mijam de emoção. Essa gente adora esses contos da carochinha pra intelectual dormir. Juram que são franceses, os coitados.

- E temos que caprichar mais nas churrascadas da OP também. Mais carne e menos pão e repolho pro povão! – sugere um dos bobos eufórico.
- Podíamos cercar os subúrbios com outdoors e cartazzes coloridos, como a redoma de Poliana! Assim eles não conseguiriam ver o lixo, a sujeira, a falta de infra-estrutura e os buracos no asfalto. Com isso, talvez não sintam saudades do insuportável e carrancudo Zangão.
- Ótima idéia companheiro! – estimula Líquen, motivador - É disso que precisamos, iniciativa para iludir por mais alguns meses os súditos e... nossa rainha também. Precisaremos trabalhar como nunca para impedir que sua alteza tenha acesso a esta maldita pesquisa. Ninguém estranho pode entrar na redoma da rainha.
- Já estamos controlando tudo companheiro.
- Ótimo. Nada de rádio, TV, jornais, revistas, internet...
- Internet também? – pergunta um dos pajens, já vermelho como pimentão.
- Claro! Principalmente a internet. Esse é, atualmente, o principal espaço para reacionários desocupados e subversivos espalharem maledicências. Por quê?
- É que eu não cortei a internet da redoma. A rainha adora navegar. Ela passa horas tentando entender as charadas e piadinhas sem graça de um tal Blog da Poliana...
- Ah, não! Ela ainda tem acesso a internet?! Então, a qualquer momento ela vai ver a pesquisa e vai ser... – tarde de mais para conjecturas, os fieis bobos reais ouvem o som que antecede, para eles, o inferno terreno.
- O que é isso! Quem deixou que Imprensa Livre divulgasse essas mentiras! – o esganiçado e apavorante berro da rainha deixa os bobos momentaneamente imobilizados de pavor. – É mentira! Mentira! – mais gritos, sucedidos pelo som de objetos colidindo com as paredes. – Onde está meu espelho mágico?! – novos objetos quebrando dentro da redoma – O book de fotos dos meus feitos reais, onde está? – urra Poliana, encolerizada, atirando ainda mais coisas nas paredes. – Onde se esconderam os meus bobos? Quando eu pegar vocês, vou arrancar os carguinhos e as mordomias de cada um com as unhas, seus inúteis! – Meus sais! Tragam os meus sais! – o grito histérico de Poliana faz com que os apatetados bobos comecem a correr desatinados, prontos, como sempre, a atender a todas as tolices e frescuras da menos popular, mas sempre intempestiva rainha. - E os bombons de amarula! Tragam já as caixas de bombons de amarula, seu molóides!

domingo, 13 de novembro de 2011

O Império Contra Ataca


Poliana tentava enxergar através do espesso vidro de sua redoma o trabalho de decoração para as festividades natalinas que se aproximavam. Poliana adorava os preparativos para as festas. Seu povo parecia mais sonhador e crédulo que no resto do ano. Tudo ficava mais colorido e fantasioso, tão parecido com Horário Eleitoral! Poliana já andava farta de Mundo Real. Por aqui só havia queixas, intrigas, chuva, calor e, é claro, buracos no asfalto. Além da odiosa Imprensa Livre que por pura falta de sorte dela, Poliana, ainda não se sufocara com sua própria língua ou veneno. Até mesmo seus súditos pareciam mais alegres e bonitos em Horário Eleitoral. Aqui em Mundo Real o cheiro é diferente e não há photoshop. O pior de tudo é que nesse maldito lugar as pessoas podem dizer o que pensam e ela Poliana, a soberana absoluta do reino, dona de todas as certezas, tinha que ouvir as críticas calada. Calada! Como se aceitasse tudo com grande dignidade e fazendo cara de quem peidou no elevador lotado. Mas Poliana contava com seu exército de fiéis seguidores para vingar sua honra difamada por críticos desumanos e cruéis.
- Agora sim, ela vai se borrar de medo! – anuncia efusiva a presidente do SindiPelego
- Dessa vez nós conseguimos assustar a criatura asquerosa, companheiros. – brinda erguendo o copo de chopp um membro do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago).
- Será que não fomos longe demais? Vai que a coisa ruim tem um infarto com o susto? – questiona, em tom professoral, uma militante do clã.
- Não podemos ter piedade do inimigo camarada! Temos que nos focar em nossos ideais. Os fins sempre justificam os meios. Não importa o quanto nos sujemos pelo caminho, nosso objetivo será sempre mais transparente e limpo que nós.
- Posso até ver a cara d’aquele ogro. Deve estar escondida embaixo da cama, sem coragem de sair, apavorada! Dessa vez vai aprender a não se meter com quem tem o monopólio da decência e a propriedade das certezas.
- É isso mesmo! Agora ela vai aprender a lição! – comemoram os companheiros as gargalhadas
- O que vocês estão comemorando meus adoráveis bobos? – pergunta Poliana
- Nossa vitória sobre aquela criatura flatulenta e agourenta que lança suas palavras ácidas sobre nosso maravilhoso reinado: Bruxa Má, a invejosa. Dessa vez acho que conseguimos desestabilizá-la. Deixá-la desatinada, sem rumo. Mais tola e ridícula do que já é normalmente.
- Isso mesmo, alteza. Nós fizemos investigações detalhadas do passado dela e descobrimos coisas comprometedoras que estamos usando para ameaçá-la. Agora temos certeza que a velha peçonhenta deve estar se borrando de medo!
- E o que foi que vocês descobriram meus bobos?
Os bobos, ansiosos para agradar sua majestade, fazem o breve silêncio que antecede as grandes revelações:
- Ela tem medo da Cuca! E do Boitatá! – contam os companheiros com o orgulho das crianças ao defecar pela primeira vez no peniquinho.
- Ela o que?! – pergunta Poliana meio incrédula.
- É isso mesmo rainha! Nós fomos longe em nossas investigações. Vasculhamos a vida dela todinha. Até a vila onde passou a infância. E ficamos sabendo de fonte segura: ela se borra de medo da Cuca e do Boitatá!
- É mesmo? - questiona a rainha com certo desapontamento - Além disso, vocês conseguiram alguma coisa ainda mais comprometedora?
- Tem mais coisa sim! Parece que era uma peste, aprontava pra irmã mais nova, foi expulsa de uma aula, passou cola numa prova da faculdade e.... Parece que por muito tempo andava carregando uma bandeira estrelada e pregando umas idéias de justiça social, liberdade de expressão, decência e ética na política. Umas coisas esquisitas, que nós não entendemos direito, então deixamos de lado. Mas, o importante mesmo é: ela tem medo da Cuca e do Boitatá!
- Com base nessas formidáveis descobertas é que estamos acuando essa cobra! Colocando mensagens aterradoras nos espaços de feitiços virtuais da bruxa: “Cuidado com a Cuca, que a Cuca te pega!”- riem os bobos com contagiante prazer.
- Chega dessas bobagens. Assim não tem quem consiga trabalhar. – exalta-se, para surpresa do grupo, o patriarca do clã, Berne, o enrustido. – Será que vocês não se cansam de falar tanta bobagem!
- Credo Berne! Não fala assim com as crianças! São nossos bobos, ora bolas. Nossos companheiros! – Poliana, defende seus adoráveis pupilos.
- Pelo amor de Deus! Só vocês não vêem que estão fazendo papel de idiotas com essas ameaçazinhas e comentários ridículos! Bruxa Má deve dar risada de vocês. – continua Berne muito centrado para uma platéia tão canhota.
- Não são ridículos, não! São bem consistentes. Você Berne, é que nunca foi verdadeiramente da raiz de nosso clã, por isso não consegue nos entender! Seu bobalhão! – choraminga um companheiro fazendo beicinho.
- É isso, mesmo Berne. Você caiu no clã de pára-quedas, agora vem querer nos dar lição de moral.
- Será que vocês não enxergam que não conseguem meter medo em ninguém com essas bobagens?! – continua Berne com a dignidade dos grandes patriarcas - Vocês só conseguem é dar mais motivos pras pessoas falarem. E ao invés de acovardar a Bruxa estão é atiçando-a mais ainda seus burros! Vocês já tentaram isso com Imprensa Livre e se deram mal, como sempre. Esse tipo de artimanha só funciona com gente como vocês que não tem cérebro nem convicções! Que se vendem por ninharia ou são tão alienados a ponto de temer o Bicho Papão só porque o Fidel, o Che e o Chico disseram que ele existe e é muito mau!
- Isso não é verdade Berne! E eu não gosto quando você fala desse jeito com as crianças! Nossos bobos não são burros nem estúpidos! Muito menos alienados! Eles enxergam muito bem, e tem uma visão muito abrangente de nosso reinado e de nossa ideologia. Quem dera todos os nossos súditos tivessem um décimo dessa capacidade de enxergar as coisas que nossos companheiros têm.
- Se você diz Poliana, quem sou eu para discutir. – desiste Berne, voltando a seus jornais e seu notebook.
- É melhor nós voltarmos a esse assunto outra hora. Ficamos tanto tempo aqui discutindo que já anoiteceu. – espreguiça-se Poliana, satisfeita por conseguir contornar mais uma costumeira batalha de egos entre os membros de seu clã. – Berne querido, você pode fechar as janelas da minha bolha por favor?
- Mas com esse calorão Poliana? Por que não deixá-las abertas?
- Credo Berne! Será que você não vê? – irrita-se um dos bobos
- Vê o que? – pergunta o patriarca ainda apalermado.
- Ora bolas Berne! É noite de lua cheia, tem que cuidar com o Lobisomem! – Responde Poliana, injuriada com tamanha ignorância e estupidez.

sábado, 5 de novembro de 2011

A reforma gramatical no reino de Poliana


Na espaçosa sala todos os bobos do reinado estavam reunidos para uma aula básica de articulação. As trapalhadas constantes na hora de lidar com conflitos e problemas simples do cotidiano do poder, obrigaram Poliana a tomar medidas para sincronizar sua desafinada orquestra. No comando do evento estava Líquen, articulador oficial do reinado, que de pé sobre o tablado, discursava à atenta platéia.
– O objetivo dessa aula é afinar nosso discurso, sintonizar nossos interesses e ações. É fundamental que passemos para os súditos a idéia de que somos um grupo coeso, que sabe o que quer e onde quer chegar. Para isso, precisamos revisar alguns conceitos básicos: DISCUSSÃO – escreve na lousa – do democrático verbo discutir, que usaremos, por exemplo, com nossos subversivos e revoltados servos reais. Discutir com os servos e súditos é o mesmo que...?
- Enrolar! – responde prontamente, Poliana.
- Não, Poliana! De onde você tirou essa idéia?
- De nosso reinado é claro! E de Horário Eleitoral! Discutir nada mais é que uma forma de enrolar os otários quando não sabemos o que dizer, ou não temos a menor intenção de fazer o que prometemos que faríamos. – responde convicta, a rainha, para desconforto do professor e demais presentes.
- Está certo alteza, mas vamos nos ater as questões gramaticais nesse momento.
- Voltando ao pertinente tema da revolta dos serviçais, precisamos falar em NEGOCIAÇÃO. Negociar é sinônimo de...?
- Propinas! Propinas! Essa é fácil, muito fácil professor! – grita eufórica a participativa rainha, deixando Líquen de saia justa.
- Não! Negociar, Poliana, é conversar, dialogar...
- Isso é enrolar! O mesmo que discussão! Nós discutimos, enrolamos, ludibriamos o povo como meio de atingir nosso fim: o poder! E queremos o poder para negociar as propinas!
- Assim não é possível! Ela vai acabar de vez com o pouco que ainda resta de nossa ilusão de ética. – indigna-se uma catedrática representante do clã.
- É melhor mudarmos o tema professor. Esse é muito complexo. – sugere o pessoal da FarsaSindical.
- Vamos falar da voz e do sujeito, então. Na frase – escreve na lousa – Na grandiosa e participativa reunião da Orquestra Partidária (OP) foram votadas democraticamente as principais necessidades do bairro de Maria e João. Onde está o sujeito ativo?
- Tá em casa, descansando, é obvio. – responde a rainha deixando a platéia curiosa. – Quem é ativo, trabalha o dia inteiro e não tem tempo pra perder com essas reuniões pirotécnicas e cansativas que nós inventamos para fazer de conta que o povo decide alguma coisa no reino. Qualquer sujeito com um mínimo de senso crítico sabe que da meia dúzia de gatos pingados que vai nesses espetáculos de ilusionismo, metade é da nossa folha de pagamentos. A outra metade é manipulada para votar aquilo que nós entendemos ser a prioridade para a vida deles. E João e Maria devem ser membros do CUT (Companheiros Unidos no Trambique).
- Isso não é justo Poliana! – revolta-se Santo Jorge, o showman da OP, entre trejeitos e rebolados.- Eu me esforço muito para arrebanhar novos seguidores para sua alteza.
- Desculpe Santo Jorge. Outra parte vai a essas festividades só para apreciar o molejo e a ginga do nosso Michael Jackson socialista.
- Vamos debater os conceitos que são as marcas desse nosso grandioso reinado: INCLUSÃO, SOCIALIZAR e PARTICIPAÇÃO. O que podemos dizer ao povo que já fizemos, de fato, com base nesses pilares.
- Essa é minha! Eu respondo! – exulta a polêmica Poliana - Nós incluímos muitos maços de recursos públicos nos bolsos de nossos companheiros. Socializamos carguinhos e serviços entre nossos pares, e participamos de cada maracutaia que conseguimos, mesmo as que a odiosa Imprensa Livre tentou atrapalhar. Tudo com muita coesão e concordância.
- Voltando a análise de textos – continua o professor - que interpretações podemos tirar da seguinte manchete hipotética de um jornal do reino: “Chefe dos bobos da rainha é flagrado, na calada da noite, transportando centenas de rolos de papel higiênico em veículo oficial”.
- Meu Deus! Já estamos roubando até papel higiênico! Depois do negócio das pedras não tínhamos combinados que só íamos pegar o que coubesse nos bolsos? – escandaliza-se uma velha matriarca do clã, sudorética e ruborizada, abanando-se com as saias.
-Não! Isso é só um exemplo! Não pegamos papel higiênico nenhum. Não que eu saiba, pelo menos. - esclarece Líquen continuando a aula - Que interpretações podemos vender ao povo?
- Em primeiro lugar, esse jornaleco sensacionalista e reacionário logicamente está a serviço do imperialismo e da elite inconformada com nosso reinado inclusivo e democrático. É perseguição midiática! – discursa eloqüentemente, o companheiro boina verde, sob aplausos efusivos da imparcial platéia. – Em segundo lugar, é lógico que essa situação só pode ter sido alguma armação asquerosa da invejosa Oposição. Em terceiro lugar, devíamos mandar fechar esse tablóide ou retirar todos os anúncios reais que tivermos publicado nesse lixo subversivo!
- Muito bem! É isso aí! – grita a audiência em delírio. O professor quase em prantos, por uma interpretação tão didática e precisa, reluta em ceder a palavra à rainha que erguia com insistência a mão, pedindo a vez.
- Sem essa gente! Vamos parar de mentir pra nós mesmos. Eu conheço todos vocês, os bobos e suas trapalhadas. Com certeza, nesse caso, nós devemos ter feito mais uma das nossas gigantescas cagadas e o chefe dos bobos foi o escolhido para limpar toda a sujeira antes que o cheiro acordasse Oposição. Como sempre, nós não sabemos fazer nada, nem cagadas, sem chamar atenção de Imprensa Livre. Temos sempre que tirar uma fotinho para um banner ou outdoor. O bobo levou junto nosso assessor de marketing, que filmou e fotografou seu ato ilícito e depois, só para se gabar, publicou as fotos no mural de uma rede social. Daí foi mais um fiasco socialista. Nesse ritmo Fidel vai acabar nos processando por danos morais. – tripudia Poliana, deixando seus companheiros desanimados.
- Para concluirmos essa aula – continua Líquen,cada vez mais amorfo, tentando manter o controle da turma – vamos trabalhar com os tempos verbais. Na frase: Nós lutamos por um reino inclusivo onde todo cidadão tem direito a voz e a liberdade de expressão. Qual o tempo verbal da oração?
- Passado, é lógico! - Responde a rainha, já entediada - Esse papo todo faz parte do nosso passado, todo mundo sabe. Hoje que estamos sentados no trono, queremos que o povinho fale e questione o mínimo possível. Que só enxergue aquilo que nós mostrarmos a eles. Participação só acontece entre cordeirinhos que pensam exatamente como nós, senão é alguma espécie de complô. Só não acabamos de vez com essa maldita liberdade de expressão, por que tem a tal Democracia a nos assombrar. E odiamos qualquer um que tenha uma voz que destoe da nossa. E chega dessa aula chata! Onde estão meus bombons de amarula seus moloides?! – grita Poliana, pondo seus bobos em ação para evitar mais um ataque de TPM da temperamental rainha, doutora em sintaxe e semântica pela nova escola marxista pós- reinado.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Os maleáveis pelegos da rainha


- Eu disse Poliana, que isso não podia dar certo! Participação popular é coisa de Horário Eleitoral, não deve ser levada ao pé da letra. Agora veja o imbróglio em que nos metemos?! - lastima-se um companheiro dos movimentos sociais.
- É isso mesmo! Olha esses súditos da rainha, se achando grande coisa. Pensando que tem o direito de questionar as decisões da alteza, salários melhores e outros absurdos. Quem foi que deu liberdade pra essa gente se manifestar como se isso aqui fosse uma democraciazinha qualquer? – exalta-se um democrático representante da FarsaSindical.
- Daqui a pouco vão acreditar que podem lutar por melhores condições de vida e pela moralidade no reinado! É o fim dos tempos, Poliana! Precisamos tomar providências urgentes! Temos que por fim nessa marolinha antes que vire um Tsunami! – exige um honorário membro do CUT (Companheiros Unidos no Trambique).
- Tudo era tão harmonioso e produtivo quando as discussões só ocorriam entre nossos adestrados militantes. - choraminga, saudosa, uma ilustre fundadora do grande clã - Confronto de idéias só funciona quando todos concordam com a nossa doutrina, Poliana. Os debates são sempre grandiosos quando a platéia é submissa e alienada. Não podíamos ter dado espaço para essa gente com opinião própria falar. Agora nosso reinado democrático virou um circo!
- Olha o absurdo da situação! Uns serviçais ingratos exigindo igualdade! Igualdade! Querem se igualar a quem? A nós? – questiona injuriado um dos bobos da rainha.
- Essa gente sem noção, tem a cara de pau de reivindicar melhorias salariais e um tal plano de carreira. Falam em progressão e mérito para todos. Todos! Como se isso tivesse cabimento. Estão contaminados por ideais capitalistas e reacionários. – indigna-se outro ortodoxo sindicalista.
- Eles deviam erguer as mãos pro céu por terem a graça de ter sua alteza como soberana. E por terem a nós do SindiPelego para aturar suas lamúrias. Ao invés de nos agradecer, têm a coragem de nos contestar e exigir explicações de nossos atos obscuros. Tiveram a audácia de nos convidar para participar de uma assembléia com representantes dos serviçais da rainha. Uma reunião aberta, onde qualquer um podia chegar, falar e questionar.
- E como foi a tal reunião? – pergunta Poliana apreensiva.
- Nós não fomos, é claro. Não somos trouxas rainha. Todos aqui sabem bem que não devemos jamais freqüentar lugares onde indivíduos sem cabresto ideológico ou o rabo preso com nosso reinado, possam se manifestar. Diálogo franco e olho no olho só ocorre em Horário Eleitoral, onde tudo pode ser manipulado e editado.
- E o que vocês fizeram para remediar a situação, meus adoráveis bobos da corte?
- Nós nos esforçamos ao máximo, alteza! – salta eufórica a presidente do SindiPelego, ansiosa para agradar sua majestade. - Ameaçamos, coagimos, boicotamos, mentimos, atraiçoamos, difamamos, caluniamos... Usamos todas as armas disponíveis para evitar que essa tropa covarde se reunisse.
- E... – aguarda Poliana em expectativa.
Cabisbaixa e constrangida, a bajuladora do SindiPelego responde:
- Falhamos, rainha. A tropa desembestou de vez. Quanto mais nos empenhávamos em cabresteá-los, mais eles se rebelavam. Uniram-se, os covardes, em asquerosa matilha, prontos a lutar pelo que acreditam. Não colocaram os rabinhos entre as pernas como acreditávamos. São mesmo uns mercenários! Só pensam nessa utopia ridícula de igualdade e justiça. Parecem crer de fato que unidos vencerão.
- Como é que vocês permitiram que esse povo todo se encontrasse! O papel do SindiPelego é justamente enrolar a patuléia e fazê-los acreditar que estão representando os interesses deles, quando na verdade vocês estão defendendo as nossas conveniências. – irrita-se Poliana.
- Isso tem o dedo sujo de Oposição, Poliana! Só pode ser. – defende-se prontamente um dos presentes. – Quem colocaria essas tolices nas cabeças vazias dos serviçais? Igualdade, justiça, cidadania, democracia, salários dignos... Quem mais poderia ter dado essas idéias sem cabimento a essa turminha de baderneiros desocupados?
- Nós! – grita Poliana exasperada.- Fomos nós, seus estúpidos! Nós que pregamos por anos a idéia de que quem detinha o poder explorava os subalternos! Nós que vendíamos o ideal de justiça social e incitávamos a luta de classes! Nós que propagávamos a participação popular! Nós que incentivávamos a união coletiva e a luta por cidadania! Nós que orquestrávamos a organização dos trabalhadores! Só que hoje, seus molóides, nós somos os donos do poder e das riquezas. Nós temos a chave do cofre! Nós detemos o mando do campo! Nós é que estamos sentados confortavelmente no trono, e da coisa pública nos locupletamos! Nós podemos decidir e não podemos mais jogar a culpa em Oposição! Vontade política está em nossas mãos, cabe apenas a nós fazê-la funcionar. Nós criamos o monstro e não sabemos como amordaçá-lo!
Uma Poliana desiludida observa a constelação servil a sua frente. Em momentos como este se questionava se não fora longe de mais nas pregações de Horário Eleitoral. Agora teria de beber de seu próprio veneno, e não conseguia achar ninguém para por a culpa dessa vez.
- Mas, Poliana, o que vamos fazer? Tem que haver uma solução. – choraminga a desesperada presidente do SindiPelego.
- Vamos fazer o que sempre fizemos companheira. Enrolar os otários. Eu, como magnânima e democrática rainha, receberei receptiva cada uma das tolas exigências dos serviçais. Ouvirei pacientemente suas mazelas. Enquanto isso, vocês farão o que sabem fazer melhor: semear discórdia e desconfiança. Jogar uns contra os outros. Desmobilizar e desarticular o grupo. Fazer com que eles se enredem de tal forma em intrigas que percam o rumo de seus sonhos e convicções. Esse é o nosso jogo! Aqui não há espaço para amadores. – sentencia Poliana, a articuladora.

Cegos por anos de alienação, não percebem os bobos reais, que a servidão covarde e desleal de sua corte de pelegos, despertou temerários espíritos de luta e indignação. Agora, a inquisição de Poliana precisará calar as inconvenientes vozes que se erguem em coro.

sábado, 22 de outubro de 2011

Atendendo a pedidos: As aventuras de Poliana no Motel


Poliana, ainda tímida, tentava conter todo seu arrebatamento e fulgor. Eram tantos os parceiros disponíveis que era difícil para a jovem e recatada rainha resistir as tentações. Em cada parceria havia uma promessa de paraíso terreno. Poliana procurava esquecer os valores morais e falsos pudores que por tanto tempo defendera ao longo da vida. Luxúria e libertinagem aqueciam sua alma de rainha. Depois de beber dessa fonte inesgotável de prazer era impossível reprimir a sede voraz que a consumia por dentro. A febre que lhe corroia as entranhas exigia plena satisfação. Não adiantava mais pensar na donzela cândida que um dia fora. Seu manto de integridade agora jazia na lama do poder e das propinas. Poliana há muito fora deflorada em seus ideais. O que dava ainda certo conforto a consciência angustiada de sua alteza, era ver ao seu lado nessa orgia seus primeiros parceiros da libertina alcova. Se seus companheiros, antes tão sérios e moralistas, demonstravam tal contentamento e deleite com a situação, não seria Poliana a padecer de crises existenciais.
- Acorda Poliana! Tá sonhando acordada? – questiona um de seus bobos representantes da Irmandade do Fogo.
- Estou exausta! Vocês exigiram muito de mim. Não sou habituada com tanto ímpeto. E também não estou acostumada com essa cadeira esquisita! Que coisa mais desconfortável. Prefiro mil vezes o meu adorado trono real.
- A idéia de fazer nossa reunião aqui foi sua rainha. Nós bem que estranhamos, mas sua vontade para nós é lei majestade. – responde Líquen, assessor para interlúdios reais e massagista de ego oficial da rainha.
- O castelo está um caos com todas aquelas reformas. Eu já estava intoxicada com toda tinta cor de rosa que vocês escolheram para pintar meu palácio. O barulho que estão fazendo para reforçar a blindagem da minha redoma de vidro fumê estava me deixando louca! E vocês não querem que eu tenha uma enxaqueca, não é? – murmura Poliana, maliciosa.
- Claro que não alteza! Nós adoramos vê-la tão disposta e disponível. – Acrescenta prontamente um de seus fieis companheiros, lembrando-se dos problemas causados pelos humores frágeis da rainha.
- Mas fazer uma reunião num motel! Eu acho isso um disparate! – contesta, ultrajada, uma velha matriarca do clã. – O que vai dizer Imprensa Livre se souber desse absurdo? Nunca, em todo esse tempo de militância cega, eu presenciei uma coisa assim. Eu tenho uma reputação a zelar! Alguém aqui precisa honrar essa estrela que carregamos no peito!
- Motel? Como assim? Não entendi. - uma Poliana apalermada questiona aos seus bobos.
- Ora Poliana, esse motel onde estamos, é claro! - responde Líquen controlando a impaciência. -Foi idéia sua fazer nossa reunião de articulação de alianças aqui. Tivemos um trabalhão para reservar a maior suíte para acomodar tanta gente. - continua Líquen já começando a duvidar da sanidade mental da rainha. - Você sabe que fazemos tudo para garantir seu conforto e satisfazer suas vontades.
- Isso aqui é um motel?! – grita Poliana, incrédula, examinando o ambiente com atenção – Motel?! - continua escandalizada – Essa cadeira não é um modelo executivo de design moderno?! – pergunta, erguendo-se rapidamente, cada vez mais alarmada. – E esse negócio que eu estou segurando há horas, não é um microfone?! – berra a rainha ruborizada, largando no chão o peculiar objeto. – Ai, meu pai! Onde é que vocês me meteram seus molóides!
Os estarrecidos companheiros acompanhavam a cena cada vez mais confusos. Dessa vez ela enlouqueceu de vez, pensavam todos em consonância.
Líquen, agora mais amorfo que vaselina, tenta retomar um pouco de nexo ao ambiente, sem provocar os sensíveis ânimos reais: - Alteza, você não está lembrada de ter escolhido esse lugar?
- Claro! Mas eu não sabia que era um motel, seus estúpidos! Eu vi todos aqueles outdoors e folders coloridos e bonitos espalhados pela avenida. Tudo tão arrumado e perfeitinho. Tanta propaganda enganosa, prometendo todo o tipo de prazer ilusório e fantasioso. Era tudo tão parecido com aqueles cartazzes ridículos que nós disseminamos pelo reino, que eu achei que era mais uma das nossas propagandas enganosas! Pensei que era obra da OP (Orquestra Partidária)! – desabafa a rainha a beira da histeria.
- Haahhh não! – resmunga a platéia nervosa, já pensando nas conseqüências do deslize real.
- Ora bolas! Tenha paciência Poliana! Você não desconfiou do erro logo que chegou aqui? É só olhar para essa estrutura toda. A maior e mais importante obra feita por nós até agora foi um mictório coletivo que é menor que uma dessas banheiras! É sabido que não temos capacidade para um feito desse tamanho. Só nos discursos, é lógico. – manifesta-se Santo Jorge, mestre sala dos espetáculos pirotécnicos da OP, perdendo momentaneamente o rebolado e a ginga que o tornaram um showman.
- E agora?! O que vamos fazer?! – pergunta um membro do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago) em angustiado alvoroço.
- Vamos sair correndo daqui seus inúteis! Rápido, antes que Oposição desperte com nossa suruba! – ordena Poliana quase histérica. – Eu devia saber que não podia confiar em vocês! Vistam-se seus incompetentes! Saiam já dessa banheira! E façam silêncio! Vamos sair na surdina para não chamar atenção! – ordena a soberana.
- Mas e a conta, Poliana? Quem vai pagar?
- Ora, ora, seu bobo! A conta por nossos deslizes, quem paga é o fiel contribuinte. Esse é sempre o último a saber de nossas traições e falsidades. Além do mais, no final das contas, todo lucro vai parar nos profundos bolsos reais. Pois saibam vocês, seus bobocas, que essa é uma grandiosa obra da minha OP: Organizações Poliana! É um dos inúmeros projetos da Laranja Empreendimentos, empresa da qual sou sócia anônima e majoritária. Dessa fruta saborosa eu como até o bagaço.– responde a sedutora e travessa rainha antes de fechar a porta e apagar as luzes.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A TPM da Rainha


No amplo salão do palácio a balburdia era total. Bobos e pajens reais corriam desatinados para todos os lados. O barulho de objetos colidindo com as paredes só era encoberto pelo som agudo, estridente e assustador dos berros escandalosos de sua alteza. Uma Poliana desfigurada encontrava-se no centro do tumulto. Ao seu redor alguns de seus fiéis companheiros tentavam acalmar a ensandecida rainha.
- Calma Poliana, respira fundo. Quem sabe um suquinho de maracujá?
- Eu não quero suco, eu quero sangue! – grita Poliana atirando o copo em seus bobos.
- Por favor alteza, tente não gritar tanto para não acordar Oposição. Nós já lhe preparamos um banhinho morno e relaxante, com os seus sais aromáticos preferidos. – acrescenta ansioso o atarracado membro do CUT (Companheiros Unidos no Trambique).
- Que se afoguem todos vocês, seus molóides, naquela banheira! Eu estou cheia de vocês! Cheia! - continua a irascível rainha quebrando mais um vaso do castelo. – A culpa é de vocês! Vocês me fizeram passar por todos aqueles exames e constrangimentos!
- Mas Poliana, fizemos isso pelo seu bem. Só pensamos em sua saúde, alteza. – com muito tato, o assessor para momentos de crise de destempero real, Líquen - o amorfo - aproxima-se da rainha. Que tal essa deliciosa caixa de bombons minha rainha?
De canto de olho Poliana fita a enfeitada caixa, enquanto todos no recinto suspendem a respiração esperando mais um ataque de histeria real.
- Bombons? São de amarula? – pergunta tentando se mostrar indiferente.
- Claro minha alteza. Os seus preferidos. – responde Líquen persuasivo.
- Então acho que vou aceitar. – diz a rainha gulosa, já arrancando a caixa das mãos de seu fiel assessor. Sentando-se em seu trono passa a devorar freneticamente as guloseimas.
Suspiros de alívio ressoam no salão. Por vários minutos ninguém ousava se mover. O único barulho ouvido era o som metálico do desembrulhar dos bombons. Quase uma hora depois, uma calma e satisfeita Poliana cochilava nas almofadas.
- O que foi que desencadeou mais essa crise? - pergunta um dos bobos
- Ela ficou estressada com a consulta ao ginecologista. – responde Líquen.
- Não devíamos ter insistido para que ela consultasse. – continua o ressabiado bobo.
- Era preciso. As coisas estão ficando insustentáveis. Os pitis dela agora já são de domínio público. Precisamos evitar que a rainha e nosso democrático reinado acabem virando chacota.
- O reinado todo é uma piada, só vocês que não enxergam. – rosna Basco, o raivoso, chamando a atenção para sua presença.
- O que você faz aqui, Basco? Você não faz mais parte de nossa corte!
- Eu ainda tinha o cartão estrelado que dá livre acesso a área restrita do castelo. Por isso, pude novamente presenciar mais um grandioso espetáculo de fricotes de sua alteza. – responde Basco com escárnio. – Mas agora que já me diverti, vou andando. Aconselho vocês a fazerem uma boa reserva de bombons para o próximo ano. Talvez devessem deixar um pouco de lado o ramo das gráficas e impressões e investir de vez no mercado dos chocolates. – tripudia uma última vez, antes de deixar o recinto.
- Sujeitinho insuportável! Não sei como pudemos tolerá-lo por tanto tempo em nosso clã. – irrita-se o representante do SindiPelego.
- Deixa o Basco pra lá. Ele, assim como nossos ideais, faz parte do passado. Precisamos discutir a saúde da rainha. - reflete Líquen.
- O caso dela é grave? O que disse o ginecologista?
- Ela tem uma doença rara, nunca antes vista pela medicina. – continua Líquen, preocupado.
- Ela vai morrer? – pergunta um companheiro já a beira das lágrimas. – O que vai ser de nós se ela se for? Vamos viver do que? Eu não sei fazer nada! Pelo amor de Che Guevara! Isso não pode acontecer!
- Era só o que faltava, depois de tudo que tivemos de suportar! – completa um dos bobos, representante da Irmandade do Fogo. – Investimos muito nessa relação. Fala logo Líquen, deixa a enrolação para as emendas parlamentares.
- Não, ela não vai morrer. Mas, se o diagnóstico se confirmar, ela vai é nos matar. Vai afundar de vez nossa imagem na lama. Vai acabar com a paciência de nossos aliados. Vai ser a fonte de piadas preferida da maquiavélica Imprensa Livre. Vai conseguir a façanha de manter acordada e alerta a sempre apalermada Oposição!
- Mas afinal o que ela tem de tão grave?
Com o semblante constrangido e apreensivo, Líquen responde à seleta platéia:
- Nossa rainha sofre de TPM. Transtorno Por Megalomania.
- E isso tem tratamento?
- Apenas medidas paliativas. Todos os seus desejos, por mais insignificantes, devem ser prontamente atendidos. Ela não tolera frustrações. Pelo que entendi é uma patologia que se origina do excesso de poder e da falta de limites. Alguma coisa a ver com muito ego e pouco cérebro, se consegui entender direito.
- A mim, parece ter sido falta de laço! Nada que umas chineladas, na época certa, não tivessem prevenido. Coisa de menina mimada! – Indigna-se o membro da Irmandade do Fogo.
- Se o tratamento é esse, não vejo qual o problema. Pois não é o que temos feito nesses anos? Bajular a rainha, massagear seu ego, satisfazer seus caprichos... Nenhuma novidade.
- Acontece que a doença é progressiva. Ela vai ficar cada vez pior.
- Mais histérica, arrogante e insuportável? Duvido! É humanamente impossível, até mesmo pra ela!
- Para evitar a piora teremos de nos organizar companheirada. Precisamos reforçar a blindagem da redoma de vidro fumê, não permitir o acesso da rainha aos meios de comunicação externa, pintar o castelo de cor de rosa e, seguindo o conselho de Basco, o raivoso, comprar muito, muito chocolate!
- Nossa, que mão de obra! Isso vai dar um trabalho danado, não sei se conseguiremos dar conta!
- Essa é a parte boa. Teremos de contratar mais dúzias de bobos e pajens para paparicar a rainha!
- Oba! Vamos poder distribuir mais carguinhos! Poliana vai adorar essa notícia!
Enquanto isso, uma Poliana entorpecida de amarula, dormia e sonhava com um reino encantado onde não havia Imprensa Livre e Oposição e onde todos os seus subordinados eram débeis mentais, sem opinião própria ou vergonha na cara. Onde todos só falavam o que Poliana queria ouvir, e ninguém questionava a saúde mental da rainha. Um reino perfeito e fantasioso, como em Horário Eleitoral, onde todos diziam SIM as futilidades de sua alteza.

sábado, 8 de outubro de 2011

Poliana e o Espelho Mágico


Poliana admirava-se satisfeita no espelho. Por vezes, até ela, sempre tão centrada e senhora de si, surpreendia-se com a própria astúcia e brilhantismo. Não era a toa que tinha hoje o mundo a seus pés. E como era saboroso o gosto do poder. Poder pisar em seus desafetos era como ópio, prazeroso e viciante. Com um sorriso, misto de escárnio e autocontemplação, mira-se no espelho e questiona:
- Espelho, espelho meu, existe no reino alguém mais poderosa que eu? – do espelho uma voz monótona prontamente responde: - Em todo castelo, és tu magnânima, a mais poderosa das criaturas.
- E não sou eu também a mais ardilosa das celebridades?
- Sua alteza, é sem dúvida, merecedora desse reconhecimento, ó divina e esplendorosa criatura!
- E não sou eu a mais invejada e idolatrada das rainhas?
- Vós sois digna de todas as reverências, ó jovem e destemida rainha!
- Chega desse palavrório ridículo espelho entojado! De puxa-sacos eu já estou superfaturada. Tenho até que dar um jeito de me livrar de 131 deles. Se tu continuar com esse excesso de reverências vou te descartar no lixo orgânico como fiz com o insuportável Chorume!
- Se esta é sua vontade alteza devo usar de certa franqueza. Acho que tu Poliana, deveria ter sido mais comedida na hora de descartar seu Bobo Chorume. Em se tratando de lixo, as coisas sempre podem feder.
- Chorume é um tolo que ousou desafiar a rainha! A pena para quem questionar minhas certezas e propinas é a decapitação. E com que prazer assisto essas cabeças asquerosas rolarem. – exulta Poliana, esfregando as mãos de contentamento.
- Mas Poliana, ainda não é hora de semear rancor e ódio. Chorume poderia lhe ser útil nas jogatinas do próximo ano.
- Chorume é descartável, assim como seu mestre, o velho Alquimista. Não preciso mais deles, já os usei a vontade. Agora não servem mais nem pra reciclagem! Sou hoje a mais poderosa das figuras. E como sou corajosa! Ninguém antes, na história desse reino, teve a coragem de colocar o todo poderoso Alquimista e seus discípulos em seu devido lugar: o lixo!
- Pense bem rainha. O Alquimista é uma força a ser respeitada nas jogatinas quadrienais e ...
- Eu não preciso de ninguém! Ninguém! Eu me basto e me garanto! Sou soberana absoluta desse reino! – interrompe Poliana já começando a esganiçar o tom de voz – Vou me livrar de todos os tolos descartáveis. O próximo passo é jogar na sarjeta toda a insuportável constelação de estrelas que por tanto tempo tive que engolir.
- Os seus companheiros de clã?! - alarma-se o espelho. – Mas, minha idolatrada rainha, eu acredito não ser ainda o momento de abandonar esse grupo, mesmo sabendo de sua bem camuflada antipatia pela maioria deles.
- Já agüentei demais dessa turminha. Eles me foram úteis durante um tempo, mas ninguém agüenta tantos anos daqueles discursinhos bolorentos e o eterno ar de donos da verdade. A verdade agora é que quem dá as regras sou eu!
O espelho, conhecedor das famosas crises de destempero da rainha, tenta ponderar em tom ameno para não desagradar aos sensíveis humores reais:
- Tu és Poliana, a dona da bola e do campo, mas precisará de um bom time para o campeonato. E os membros mais bitolados e alienados do seu clã são inigualáveis na arte de arrebanhar inocentes úteis para torcida. Isso faz diferença na hora da disputa. E mesmo aqueles que hoje lhe criticam ficam cegos com o brilho mítico da estrela.
- Isso é verdade. É só eu fazer um discursinho choroso e abanar na frente deles uma bandeirinha estrelada e os ingênuos se ajoelharão aos meus pés em reverência. – Profetiza a rainha sardônicamente. – Acho que nesse caso, você, seu espelho estúpido, pode ter razão. Vai ser divertido ver novamente aquela companheirada arrogante correndo atrás de mim como cachorrinhos adestrados. Principalmente aquela velharada ortodoxa que sempre criticou minha falta de traquejo nos movimentos sociais e minha pouca vontade em defender os cansativos ideais socialistas. Posso pisar a vontade em todas as crenças dos otários e no final eles me carregarão nos braços como a uma Deusa. – gargalha Poliana, cada vez mais egocêntrica.
- É isso mesmo majestade. Sua alteza, como sempre, consegue enxergar o futuro com a clareza dos visionários. – Adula o espelho, aliviado por conseguir contornar mais um ato insano da rainha.
- Eu, modestamente, sou mesmo espetaculosa! – vangloria-se a super inflada Poliana. – Agora falando de assuntos mais importantes: que tal a cor do meu esmalte, espelho mágico?
- É bonito Poliana, mas não combina com seu traje. Ficou um tanto pálido e ... – ao ver a ira começar a surgir no rosto da rainha, o espelho, tarde de mais, deu-se conta de que falara muito.
- Quem você pensa que é, seu enfeite sem serventia, para ousar criticar uma escolha da rainha! - grita Poliana, rubra de indignação. – Não foi a combinação de cores que não deu certo, é você eu não consegue enxergar direito seu espelho míope e sem noção! – Berra com seu corriqueiro tom amarrecado e estridente, enquanto atira objetos em direção ao ressabiado e constrangido espelho.
- Perdoe-me, ó bela e fashion rainha! És tu, com certeza, a mais reluzente e bem vestida das soberanas do universo!
- Não quero ouvir mais nada seu espelho ordinário! Vou colocá-lo no seu devido lugar!
- Por favor majestade, não me jogue no lixo como fez com Chorume. Eu imploro!
- Como sou piedosa, vou colocá-lo no meu baú de coisas inúteis, junto com as bandeirinhas do meu clã, a camiseta do Che e os discos do Chico e do Vandré, fazendo companhia as traças e baratas! – determina Poliana, a imperatriz da destemperança.

sábado, 1 de outubro de 2011

A Doce Vingança de Poliana




Quem observasse o rosto sereno e compenetrado da rainha, não imaginava o que lhe ia no íntimo. Poliana regozijava-se furtivamente com a situação. É claro que para o grande público exibia o discurso conciliador e parcimonioso que lhe fizera majestade. Para os membros de sua corte que saíram um tanto chamuscados da fogueira das vaidades, mostrava a placidez própria da realeza. Mas como era agradável assistir de camarote a tragicômica derrocada do todo poderoso Alquimista. Só Poliana sabia o esforço que precisava dispensar para conter as risadas que lhe faziam cócegas na garganta. Justo ele, que se achava acima de tudo e de todos, fora cair de forma tão constrangedora e hilariante,derrubado pelas próprias tentativas grosseiras de se manter em pé. Sua majestade recordava o sacrifício de ter de tolerar as infindáveis lições de articulação e oportunismo ofertadas por esse mestre da retórica. Pior ainda, era esta sombria e sorrateira figura perenemente a levitar sobre seu reinado. Apesar dos pesares, Poliana admirava a habilidade impressionante com que o Alquimista manobrava a tudo e a todos e a servidão com que seus pares atendiam ao menor estalar de dedos do ilustre mago. Deixando o divertimento de lado, Poliana não se iludia. Mesmo caído, e de imagem desarranjada, o Alquimista era ainda uma força a respeitar e admirar, pensa Poliana reflexiva.
Diz a lenda, que o sonho secreto de Poliana era pertencer ao seleto grupo de seguidores do Alquimista: a Irmandade do Fogo. Um grupo muito antigo e poderoso, anterior a quase tudo que se conhecia. Agraciados por Deus com o dom do poder eterno. Detentores de um diferenciado talismã, denominado Raízes Históricas. Esse estranho adorno dava a seus membros a capacidade de penetrar e se firmar em qualquer terreno, da aridez do solo agreste a frouxidão da lama e do lodo. No dia em que a primeira fagulha de poder surgiu na face da Terra, a Irmandade do Fogo já estava lá para se aquecer e se deleitar. Assim foi, e assim continuará sendo até o fim dos tempos, diz a profecia. E Poliana sempre almejara ser aceita nesse covil. Corre a boca pequena e maledicente, que a então plebéia Poliana, fora esnobada e desdenhada por esse grupo e teria jurado vingança. Rejeitada, se unira a um bando de plebeus barbudos e barulhentos que mais tarde formariam o inigualável e absoluto Grande Clã de Poliana. Mas a sofredora Poliana parecia fadada a rejeição e ao bullying. Mesmo com toda devoção ao clã, não era vista com bons olhos por muitos de seus companheiros. Revoltada com tantas humilhações, jurara novamente vingança. E, ao longo de todos esses anos, Poliana costurava lenta e pacientemente sua desforra. Hoje, a arrogante irmandade andava submissa e domesticada, sempre a sombra de Poliana. E quanto as super estrelas de seu clã? Para esses Poliana guardava a melhor parte. Trabalhava incansavelmente para tornar seu adorável clã cada dia mais parecido com a Irmandade do Fogo. Em muito pouco tempo, a hoje imponente rainha, conseguiria atingir seus objetivos. Tornaria os membros desses dois grupos tão semelhantes que seria impossível separá-los. Nesse dia, estará enfim realizando seu acalentado sonho de pertencer a Irmandade do Fogo e terá conseguido com um único golpe vingar-se de todos os que fizeram pouco caso da ardilosa e vingativa Poliana. Enquanto espera, aquece lentamente, seu merecido banquete na fogueira das vaidades.

sábado, 24 de setembro de 2011

O Reinado Abundante de Poliana


Poliana precisava quebrar a cabeça para resolver mais esse imbróglio criado por seus adoráveis Bobos da Corte. Só ela sabia as terríveis dores de cabeça que sua farta assessoria já lhe causara nesse tumultuado reinado. Por seus Bobos já fora apedrejada em praça pública, ultrapassara os limites da decência e fora flagrada pelos pardais da moralidade. Poliana sonhava em dispor, a exemplo de seu grande líder e messias ,o Ilusionista, de um exército de nobres e destemidos cavaleiros sempre prontos a blindar sua cândida e popular imagem. Invejava a destreza dos Mensaleiros no trato com o ilícito e a total falta de pudor no gozo da coisa pública. Ansiava, em seu romantismo de donzela, criar em seu reino um grupo tão coeso e competente como os admiráveis Mensaleiros. Mas, parece que falhara. Poliana fora se fiar na idéia de que o que abunda não prejudica. Pois a abundância de Bobos acabou chamando a atenção da onipotente Justiça. Talvez pelo número de cadeiras que fora obrigada a comprar para acomodar tantos glúteos. Talvez pela pouca disposição de alguns de seus pupilos em desgrudar seus rechonchudos glúteos dos tronos. Talvez por abundarem escândalos e rarearem projetos num reinado de abundoso oportunismo. O fato é que Justiça apontou seu dedo acusador para o excesso de bundas onde deveria haver cérebros. Questão de ponto de vista, pensa Poliana, cada um dá o que tem e recebe o que lhe convém. Pena a intransigente Justiça não compreender dessa forma.
O que faria Poliana para acomodar seus 131 companheiros excedentes. Não poderia excretá-los simplesmente de sua vida, que dirá da folha de pagamento dos contribuintes. Poliana era muito apegada a seus mascotes, e estes, muito apegados a suas cadeiras e mordomias. Só eles conseguiam ver as maravilhas que sua alteza conseguira criar nesse reino. Apenas eles tinham a sagacidade necessária para lucrar com o lixo e o chorume que aos olhos e narizes do povo rude só provocava asco e náuseas. Quem mais compareceria em alegre e festiva revoada a todas as inaugurações de churrasqueiras e bocas de lobo que sua alteza tão misericordiosamente distribuía aos pobres e desfavorecidos. Apenas eles, partilhavam o espírito visionário de sua rainha. Conseguiam vislumbrar nesses dias de chuvas tórridas, a oportunidade única que seu reinado oferecera as criancinhas oprimidas, por concreto e cimento, de se lambuzarem e mergulharem, em legítimo divertimento, nos incontáveis e profundos buracos no asfalto de seu reino inclusivo e pedagógico.
Faltava humanidade a mal amada Justiça. Não tinha sentimentos essa velha rancorosa. Não compreendia os momentos singelos, de verdadeira comunhão, que Poliana partilhara com sua corte. Quem mais lhe massagearia o ego em momentos de perseguição midiática e que diria somente aquilo o que Poliana queria ouvir? Quem lhe contaria aquelas românticas histórias de um reino encantado onde todos os desejos eram satisfeitos com um breve aceno de Vontade Política, a mágica e milagrosa varinha de condão? Quem lhe acalmaria de seus pesadelos noturnos, convencendo-a maternalmente de que todos que fazem críticas são criaturas horrendas e deformadas, carregadas apenas de maldade e crueldade, e que vivem escondidas no mundo das sombras, juntamente com o lobo mau e o bicho papão?
Não! Poliana não abriria mão de seus Bobos! De que vale uma corte repleta de cérebros pensantes se estes não conseguem enxergar o mundo como Poliana? Seu reino não precisa de cérebros! Idéias e realizações eram fantasias de Horário Eleitoral. Aqui, em Mundo Real, o povo se alimenta, e se satisfaz plenamente, com sonhos e ilusões. Os cérebros e suas convicções que fossem servidos, em glamoroso banquete, aos tolos, aos críticos e ao bicho papão.

domingo, 18 de setembro de 2011

Os Farrapos de Dignidade de Poliana


Ouvindo ao fundo o som choroso da cordeona, Poliana observava, concentrada, o entrevero a sua frente. Achava interessante aquele aglomerado de homens pilchados, com facas na cintura, lenços no pescoço e um estranho orgulho na face. Que força peculiar movia essa gente nessa época do ano? - perguntava-se a jovem rainha. De onde provinha essa estranha nostalgia, essa saudade fantasiosa e melancólica de tempos e lutas que jamais vivenciaram? Que enigmático fascínio exercia esse tal ideal farroupilha para essa gente singular? Poliana conhecia bem o poder que alguns ideais poderiam assumir em uma tropa ingenuamente disposta a aceitar convenientes e vistosos arreios. Poliana aprendera, em sua vida engajada na servidão ao seu clã, que os ideais de liberdade e justiça podiam se tornar perigosos se não pudessem ser contidos pelo cabresto firme e rígido dos interesses e de interesseiros.
Chegava a seus ouvidos o rufar trovejante de uma marcha intimidadora. Uma tropa tímida mas de alma haragana, ainda descrente de seu potencial, mas convicta em suas certezas. Seguiam a trilha tortuosa da dignidade perdida, ladeando a corrupção, rumo ao passo transparente da decência na política. Repontava por esses pagos um lampejo de rebeldia, uma chama tênue de candeeiro que poderia propagar-se rapidamente se não fossem tomadas medidas para conter essa indiada que até então fora convenientemente servil e submissa. Poliana e seus pares temiam que o clamor por ética pudesse desembestar descontrolado por essa terra que hoje era deles, os calaveras. Não convinha aos donos do poder e das propinas que essa gauchada arisca se encontrasse novamente com antigos ideais de liberdade e transparência. A irreverência e rebeldia de um povo era apropriado que permanecesse eternamente embretado. Nossa jovem e destemida rainha há muito trocara seu cérebro povoado de sonhos por uma guaiaca repleta de ouro. De cerne ambicioneiro, aprendera muito rápido que o poder compra favores e idolatria e os sonhos só geram ideologias e utopias de muito pouco valor no mercado. Por isso sem demora apeara dessa égua coxa e matunga chamada Ideologia.
Poliana alvorotava-se com essa marcha que surgia. Esperava que os ouvidos de sua tropa continuassem surdos ao vozerio dessa gente de alma coronilha, que o minuano trazia. Esse campo, mesmo pequeno, era seu e de seu clã! Nenhum ideal travestido, de lenços no pescoço ou bandeiras nas mãos, tiraria de Poliana as rédeas desse reino onde a ilusão era lei e a fantasia era o meio de se manter seguros os freios da dignidade e da honra.

sábado, 10 de setembro de 2011

NOVOS VALORES, VELHAS MOEDAS


Na sede do poder maior do Reino do Gigante adormecido, a Rainha Mãe - a Escolhida - assistia compenetrada ao desfile cívico. Como era estranho assistir a este espetáculo de patriotismo sendo agora uma estrela ainda mais brilhante do que antes fora. Estranhava a mesmice de verde, amarelo e azul anil. Sentia ainda, certa saudade condoída do escarlate de sua juventude. Lembrava os tempos onde presenciar a esses eventos seria considerado um ato reacionário e inadmissível, de alienação e entreguismo. Eram outros tempos, tolices de juventude, hoje ela sabia. Mas não era fácil abandonar assim, tantos anos de convicções e discursos. Como era difícil evitar os velhos jargões dos tempos de artilharia. Ser vidraça mudava as convicções e reformulava as certezas. Sorte sua, seu povo cultivar candidamente sua característica mais marcante, a falta de memória. A Rainha Mãe sorria disfarçadamente, ao pensar na remota possibilidade de algum de seus súditos comparar sua postura combativa em discursos de outrora e sua atual amizade e favorecimento a antigos adversários. Até ela, por vezes, estranhava se ver de mãos dadas com quem tantas vezes xingara de corruptos e imorais. O poder ensinou a ela e a seu clã, que moralidade é só uma questão de ponto de vista. Visto de cima, do ápice do poder, imoral é perder o trono. Todo o resto é justificável. Sorte sua de seu povo ser tão desmemoriado e crédulo. Não precisavam lutar diariamente com essas complexas questões existenciais.
Mas o cacoete de décadas de discursos vazios por vezes cismava em se manifestar. Era preciso refrear a língua ao falar de saúde. Lembrava-se, ao olhar para os lados, de seus companheiros de clã bradando em uníssono nas ruas contra a criação de impostos para a saúde pelos governos indecentes de outrora. Chegava a tremer ao recordar da temida ameaça neoliberal. Graças a Deus nos livramos dessa desgraça! Sabe-se lá o que fosse isso, pensa a Escolhida. Agora, passados poucos anos, ela e seu clã estão novamente juntos em uma nova e promissora batalha: a criação de mais um tributo para saúde. Mas, claro que não se trata do mesmo tipo de tributo dos tempos dos infames governos neoliberais. Qualquer coincidência é mera semelhança. Trata-se apenas de uma contribuição irrisória, de fins puramente complementares para subsidiar de forma estritamente temporária a saúde provisória dos eleitores permanentes do clã absoluto no reino da inconsistência perene. Tudo muito simples, claro e objetivo. Só oposição, saudosa do neoliberalismo, não conseguia entender. Povo Honesto, como sempre trabalhava, dormia, e assistia ao futebol nas horas vagas, não tinha tempo para acompanhar estratégia tão elaborada. Nesses novos moldes só contribuirá quem tiver renda. Muito justo e coerente, digno dos mais profundos dogmas socialistas. Se a renda for demasiado grande, maior a sonegação, e menor a contribuição. Tudo coerentemente organizado para manutenção das minorias de volumosas fortunas patrimoniais excluídas do sistema público de saúde, num claríssimo processo de resgate da cidadania dos menos favorecidos. Só quem tem cérebro é que não consegue entender lógica tão racional.
O problema da Rainha Mãe era o mesmo calo doloroso que tanto transtorno trouxera ao seu antecessor, o Ilusionista: a língua afiada e maledicente da temível Imprensa Livre. Essa criatura torpe e de conceitos distorcidos tinha o péssimo hábito de dizer tudo aquilo que convinha permanecer sem ser dito. A impertinência dessa maléfica criatura andava semeando estranhas idéias nas mentes volúveis de Povo Honesto. Uns ideais absurdos de retidão e moralidade no submundo do poder. Um completo disparate! Uma conspiração midiática, que em tempos muito, muito longínquos alguns chamavam de transparência, ética e liberdade de expressão. Mas esse era um capítulo encerrado na história desse grandioso Império. Eram tempos de pedras. Nos tempos de vidraça, ética, moralidade, transparência e, é claro, Imprensa Livre, devem ficar esquecidos e amordaçados como os famosos arquivos confidenciais dos temíveis anos de chumbo.

sábado, 3 de setembro de 2011

FALA SÉRIO - A Execução da Moralidade




Vinte e um tiros mataram uma juíza no Rio de Janeiro. Tiros contra a resistência da moral, da ética e da retidão sobre a imoralidade e a injustiça do país do carnaval e do futebol.
Qual o preço da decência no país da corrupção, do desmando, da propina e do mensalão? – questionam-se brasileiros íntegros do Oiapoque ao Chuí.
Vinte e um tiros ecoam nos ouvidos surdos de um país que agoniza na lama da impunidade e do desgoverno. Os tiros que calaram a voz das convicções e certezas de uma magistrada, expõem a fragilidade avassaladora de uma sociedade que perde a cada dia a direção e o senso de justiça e integridade.
Moral, ética e caráter podem ser abatidos por projéteis de arma de fogo ou pela passividade, comodidade e conivência crônicas de um Estado omisso. Essa é a lei magna de uma sociedade em franco processo de decomposição.
Os tiros que calaram a juíza Patrícia Acioli conseguiram, ao menos, causar um tímido desconforto aos sempre austeros magistrados. Um sopro de revolta e medo que talvez traga a vida uma categoria habituada a assistir inerte a supremacia da imoralidade. Clamam por segurança, temem por seus filhos, queixam-se da impunidade, as autoridades máximas do judiciário. Quisera nós, tivessem gritado antes. Quisera tivessem bradado antes, por cada cidadão comum assassinado diariamente em assaltos, por cada policial morto no exercício de seu ofício, por cada doente que agoniza nas filas de emergências hospitalares, por cada professor agredido em sala de aula, por cada corrupto que desfila debochada e impunemente em nosso país. A postura firme e combativa contra o crime organizado da juíza Patrícia Acioli não é regra, é exceção. Os representantes do judiciário por décadas tem se omitido em guiar sua sociedade na luta por justiça. Conhecedores qualificados das deficiências em nossa legislação, de cada reentrância e sujidade dos códigos e artigos, jamais ousaram, como classe, assumir uma postura crítica no sentido de promover as necessárias reformas de nosso Estado falido. Acomodados na onipotência de seus cargos esqueceram-se suas vulnerabilidades de mortais. Ao silenciarem frente a impunidade, os desmandos, a corrupção, a roubalheira e as desigualdades permanentes de nossa pátria mãe, permitiram que o crime organizado (por bandidos ou mensaleiros) definissem os rumos e ditassem as regras do jogo.
A frouxidão e permissividade das leis elaboradas por legisladores inconseqüentes, despreparados e de honestidade questionável, tornou nossa sociedade refém de criminosos. Da mesma forma que a inércia e passividade desse povo frente a impunidade e a corrupção permitiu que conceitos pétreos de certo e errado se perdessem em um abismo de desvalor e descrédito. A incompetência do Estado - mais preocupado em proteger aos párias do que a pátria - em assumir suas responsabilidades com seu povo gerou em nosso país o descrédito nas autoridades constituídas. A legislação torpe que permite que delinqüentes sejam detidos e liberados em poucas horas, é um tapa de esculacho e escárnio na cara de cada policial em serviço. Não se confia na polícia, pois os policiais são corruptos - mesmo que via de regra a maioria não o seja – esse é o senso comum. Permitiu-se que se desvalorizasse ao longo dos anos a figura da autoridade policial. Nas últimas duas décadas tem-se tentado inclusive, incutir na cabeça de cada um de nós, que estes representam uma real ameaça aos cidadãos de bem. Seriam eles os verdadeiros assassinos de jovens pobres e trabalhadores assalariados nas favelas e subúrbios desse país, como parece ser o interesse de muitos em nos fazer crer? Se há de fato tanta corrupção policial por que são tão poucos os escândalos de policiais pegos em delitos desse tipo? Medo da imprensa em investigar e publicar? Muito pouco provável. É inegável que os escândalos de propinas e corrupção são quase uma prerrogativa da classe política, que mesmo reconhecida pelos cidadãos por essa mancha perene, continua a gozar de bons salários, carga horária pífia e mordomias jamais sonhadas por qualquer policial mal remunerado e cumpridor de seus deveres desse país.
As tentativas bem sucedidas de minar as autoridades, as regras morais, e o senso comum de decência e ética de nossa sociedade têm nos jogado dia após dia nos braços receptivos de criminosos. O exemplo dado aos nossos jovens, futuro de um país, é de traficantes poderosos e bem sucedidos, corruptos engravatados e perpetuamente livres para assaltar aos cofres públicos e, professores e policiais mendigando eternamente migalhas como porcos. Não é difícil imaginar quem serão (ou são) os heróis e modelos de sucesso de nossa juventude. Para muitos de nós, difícil mesmo é entender o momento exato em que o certo se tornou tão ridiculamente errado nesse país.