sábado, 24 de setembro de 2011

O Reinado Abundante de Poliana


Poliana precisava quebrar a cabeça para resolver mais esse imbróglio criado por seus adoráveis Bobos da Corte. Só ela sabia as terríveis dores de cabeça que sua farta assessoria já lhe causara nesse tumultuado reinado. Por seus Bobos já fora apedrejada em praça pública, ultrapassara os limites da decência e fora flagrada pelos pardais da moralidade. Poliana sonhava em dispor, a exemplo de seu grande líder e messias ,o Ilusionista, de um exército de nobres e destemidos cavaleiros sempre prontos a blindar sua cândida e popular imagem. Invejava a destreza dos Mensaleiros no trato com o ilícito e a total falta de pudor no gozo da coisa pública. Ansiava, em seu romantismo de donzela, criar em seu reino um grupo tão coeso e competente como os admiráveis Mensaleiros. Mas, parece que falhara. Poliana fora se fiar na idéia de que o que abunda não prejudica. Pois a abundância de Bobos acabou chamando a atenção da onipotente Justiça. Talvez pelo número de cadeiras que fora obrigada a comprar para acomodar tantos glúteos. Talvez pela pouca disposição de alguns de seus pupilos em desgrudar seus rechonchudos glúteos dos tronos. Talvez por abundarem escândalos e rarearem projetos num reinado de abundoso oportunismo. O fato é que Justiça apontou seu dedo acusador para o excesso de bundas onde deveria haver cérebros. Questão de ponto de vista, pensa Poliana, cada um dá o que tem e recebe o que lhe convém. Pena a intransigente Justiça não compreender dessa forma.
O que faria Poliana para acomodar seus 131 companheiros excedentes. Não poderia excretá-los simplesmente de sua vida, que dirá da folha de pagamento dos contribuintes. Poliana era muito apegada a seus mascotes, e estes, muito apegados a suas cadeiras e mordomias. Só eles conseguiam ver as maravilhas que sua alteza conseguira criar nesse reino. Apenas eles tinham a sagacidade necessária para lucrar com o lixo e o chorume que aos olhos e narizes do povo rude só provocava asco e náuseas. Quem mais compareceria em alegre e festiva revoada a todas as inaugurações de churrasqueiras e bocas de lobo que sua alteza tão misericordiosamente distribuía aos pobres e desfavorecidos. Apenas eles, partilhavam o espírito visionário de sua rainha. Conseguiam vislumbrar nesses dias de chuvas tórridas, a oportunidade única que seu reinado oferecera as criancinhas oprimidas, por concreto e cimento, de se lambuzarem e mergulharem, em legítimo divertimento, nos incontáveis e profundos buracos no asfalto de seu reino inclusivo e pedagógico.
Faltava humanidade a mal amada Justiça. Não tinha sentimentos essa velha rancorosa. Não compreendia os momentos singelos, de verdadeira comunhão, que Poliana partilhara com sua corte. Quem mais lhe massagearia o ego em momentos de perseguição midiática e que diria somente aquilo o que Poliana queria ouvir? Quem lhe contaria aquelas românticas histórias de um reino encantado onde todos os desejos eram satisfeitos com um breve aceno de Vontade Política, a mágica e milagrosa varinha de condão? Quem lhe acalmaria de seus pesadelos noturnos, convencendo-a maternalmente de que todos que fazem críticas são criaturas horrendas e deformadas, carregadas apenas de maldade e crueldade, e que vivem escondidas no mundo das sombras, juntamente com o lobo mau e o bicho papão?
Não! Poliana não abriria mão de seus Bobos! De que vale uma corte repleta de cérebros pensantes se estes não conseguem enxergar o mundo como Poliana? Seu reino não precisa de cérebros! Idéias e realizações eram fantasias de Horário Eleitoral. Aqui, em Mundo Real, o povo se alimenta, e se satisfaz plenamente, com sonhos e ilusões. Os cérebros e suas convicções que fossem servidos, em glamoroso banquete, aos tolos, aos críticos e ao bicho papão.

domingo, 18 de setembro de 2011

Os Farrapos de Dignidade de Poliana


Ouvindo ao fundo o som choroso da cordeona, Poliana observava, concentrada, o entrevero a sua frente. Achava interessante aquele aglomerado de homens pilchados, com facas na cintura, lenços no pescoço e um estranho orgulho na face. Que força peculiar movia essa gente nessa época do ano? - perguntava-se a jovem rainha. De onde provinha essa estranha nostalgia, essa saudade fantasiosa e melancólica de tempos e lutas que jamais vivenciaram? Que enigmático fascínio exercia esse tal ideal farroupilha para essa gente singular? Poliana conhecia bem o poder que alguns ideais poderiam assumir em uma tropa ingenuamente disposta a aceitar convenientes e vistosos arreios. Poliana aprendera, em sua vida engajada na servidão ao seu clã, que os ideais de liberdade e justiça podiam se tornar perigosos se não pudessem ser contidos pelo cabresto firme e rígido dos interesses e de interesseiros.
Chegava a seus ouvidos o rufar trovejante de uma marcha intimidadora. Uma tropa tímida mas de alma haragana, ainda descrente de seu potencial, mas convicta em suas certezas. Seguiam a trilha tortuosa da dignidade perdida, ladeando a corrupção, rumo ao passo transparente da decência na política. Repontava por esses pagos um lampejo de rebeldia, uma chama tênue de candeeiro que poderia propagar-se rapidamente se não fossem tomadas medidas para conter essa indiada que até então fora convenientemente servil e submissa. Poliana e seus pares temiam que o clamor por ética pudesse desembestar descontrolado por essa terra que hoje era deles, os calaveras. Não convinha aos donos do poder e das propinas que essa gauchada arisca se encontrasse novamente com antigos ideais de liberdade e transparência. A irreverência e rebeldia de um povo era apropriado que permanecesse eternamente embretado. Nossa jovem e destemida rainha há muito trocara seu cérebro povoado de sonhos por uma guaiaca repleta de ouro. De cerne ambicioneiro, aprendera muito rápido que o poder compra favores e idolatria e os sonhos só geram ideologias e utopias de muito pouco valor no mercado. Por isso sem demora apeara dessa égua coxa e matunga chamada Ideologia.
Poliana alvorotava-se com essa marcha que surgia. Esperava que os ouvidos de sua tropa continuassem surdos ao vozerio dessa gente de alma coronilha, que o minuano trazia. Esse campo, mesmo pequeno, era seu e de seu clã! Nenhum ideal travestido, de lenços no pescoço ou bandeiras nas mãos, tiraria de Poliana as rédeas desse reino onde a ilusão era lei e a fantasia era o meio de se manter seguros os freios da dignidade e da honra.

sábado, 10 de setembro de 2011

NOVOS VALORES, VELHAS MOEDAS


Na sede do poder maior do Reino do Gigante adormecido, a Rainha Mãe - a Escolhida - assistia compenetrada ao desfile cívico. Como era estranho assistir a este espetáculo de patriotismo sendo agora uma estrela ainda mais brilhante do que antes fora. Estranhava a mesmice de verde, amarelo e azul anil. Sentia ainda, certa saudade condoída do escarlate de sua juventude. Lembrava os tempos onde presenciar a esses eventos seria considerado um ato reacionário e inadmissível, de alienação e entreguismo. Eram outros tempos, tolices de juventude, hoje ela sabia. Mas não era fácil abandonar assim, tantos anos de convicções e discursos. Como era difícil evitar os velhos jargões dos tempos de artilharia. Ser vidraça mudava as convicções e reformulava as certezas. Sorte sua, seu povo cultivar candidamente sua característica mais marcante, a falta de memória. A Rainha Mãe sorria disfarçadamente, ao pensar na remota possibilidade de algum de seus súditos comparar sua postura combativa em discursos de outrora e sua atual amizade e favorecimento a antigos adversários. Até ela, por vezes, estranhava se ver de mãos dadas com quem tantas vezes xingara de corruptos e imorais. O poder ensinou a ela e a seu clã, que moralidade é só uma questão de ponto de vista. Visto de cima, do ápice do poder, imoral é perder o trono. Todo o resto é justificável. Sorte sua de seu povo ser tão desmemoriado e crédulo. Não precisavam lutar diariamente com essas complexas questões existenciais.
Mas o cacoete de décadas de discursos vazios por vezes cismava em se manifestar. Era preciso refrear a língua ao falar de saúde. Lembrava-se, ao olhar para os lados, de seus companheiros de clã bradando em uníssono nas ruas contra a criação de impostos para a saúde pelos governos indecentes de outrora. Chegava a tremer ao recordar da temida ameaça neoliberal. Graças a Deus nos livramos dessa desgraça! Sabe-se lá o que fosse isso, pensa a Escolhida. Agora, passados poucos anos, ela e seu clã estão novamente juntos em uma nova e promissora batalha: a criação de mais um tributo para saúde. Mas, claro que não se trata do mesmo tipo de tributo dos tempos dos infames governos neoliberais. Qualquer coincidência é mera semelhança. Trata-se apenas de uma contribuição irrisória, de fins puramente complementares para subsidiar de forma estritamente temporária a saúde provisória dos eleitores permanentes do clã absoluto no reino da inconsistência perene. Tudo muito simples, claro e objetivo. Só oposição, saudosa do neoliberalismo, não conseguia entender. Povo Honesto, como sempre trabalhava, dormia, e assistia ao futebol nas horas vagas, não tinha tempo para acompanhar estratégia tão elaborada. Nesses novos moldes só contribuirá quem tiver renda. Muito justo e coerente, digno dos mais profundos dogmas socialistas. Se a renda for demasiado grande, maior a sonegação, e menor a contribuição. Tudo coerentemente organizado para manutenção das minorias de volumosas fortunas patrimoniais excluídas do sistema público de saúde, num claríssimo processo de resgate da cidadania dos menos favorecidos. Só quem tem cérebro é que não consegue entender lógica tão racional.
O problema da Rainha Mãe era o mesmo calo doloroso que tanto transtorno trouxera ao seu antecessor, o Ilusionista: a língua afiada e maledicente da temível Imprensa Livre. Essa criatura torpe e de conceitos distorcidos tinha o péssimo hábito de dizer tudo aquilo que convinha permanecer sem ser dito. A impertinência dessa maléfica criatura andava semeando estranhas idéias nas mentes volúveis de Povo Honesto. Uns ideais absurdos de retidão e moralidade no submundo do poder. Um completo disparate! Uma conspiração midiática, que em tempos muito, muito longínquos alguns chamavam de transparência, ética e liberdade de expressão. Mas esse era um capítulo encerrado na história desse grandioso Império. Eram tempos de pedras. Nos tempos de vidraça, ética, moralidade, transparência e, é claro, Imprensa Livre, devem ficar esquecidos e amordaçados como os famosos arquivos confidenciais dos temíveis anos de chumbo.

sábado, 3 de setembro de 2011

FALA SÉRIO - A Execução da Moralidade




Vinte e um tiros mataram uma juíza no Rio de Janeiro. Tiros contra a resistência da moral, da ética e da retidão sobre a imoralidade e a injustiça do país do carnaval e do futebol.
Qual o preço da decência no país da corrupção, do desmando, da propina e do mensalão? – questionam-se brasileiros íntegros do Oiapoque ao Chuí.
Vinte e um tiros ecoam nos ouvidos surdos de um país que agoniza na lama da impunidade e do desgoverno. Os tiros que calaram a voz das convicções e certezas de uma magistrada, expõem a fragilidade avassaladora de uma sociedade que perde a cada dia a direção e o senso de justiça e integridade.
Moral, ética e caráter podem ser abatidos por projéteis de arma de fogo ou pela passividade, comodidade e conivência crônicas de um Estado omisso. Essa é a lei magna de uma sociedade em franco processo de decomposição.
Os tiros que calaram a juíza Patrícia Acioli conseguiram, ao menos, causar um tímido desconforto aos sempre austeros magistrados. Um sopro de revolta e medo que talvez traga a vida uma categoria habituada a assistir inerte a supremacia da imoralidade. Clamam por segurança, temem por seus filhos, queixam-se da impunidade, as autoridades máximas do judiciário. Quisera nós, tivessem gritado antes. Quisera tivessem bradado antes, por cada cidadão comum assassinado diariamente em assaltos, por cada policial morto no exercício de seu ofício, por cada doente que agoniza nas filas de emergências hospitalares, por cada professor agredido em sala de aula, por cada corrupto que desfila debochada e impunemente em nosso país. A postura firme e combativa contra o crime organizado da juíza Patrícia Acioli não é regra, é exceção. Os representantes do judiciário por décadas tem se omitido em guiar sua sociedade na luta por justiça. Conhecedores qualificados das deficiências em nossa legislação, de cada reentrância e sujidade dos códigos e artigos, jamais ousaram, como classe, assumir uma postura crítica no sentido de promover as necessárias reformas de nosso Estado falido. Acomodados na onipotência de seus cargos esqueceram-se suas vulnerabilidades de mortais. Ao silenciarem frente a impunidade, os desmandos, a corrupção, a roubalheira e as desigualdades permanentes de nossa pátria mãe, permitiram que o crime organizado (por bandidos ou mensaleiros) definissem os rumos e ditassem as regras do jogo.
A frouxidão e permissividade das leis elaboradas por legisladores inconseqüentes, despreparados e de honestidade questionável, tornou nossa sociedade refém de criminosos. Da mesma forma que a inércia e passividade desse povo frente a impunidade e a corrupção permitiu que conceitos pétreos de certo e errado se perdessem em um abismo de desvalor e descrédito. A incompetência do Estado - mais preocupado em proteger aos párias do que a pátria - em assumir suas responsabilidades com seu povo gerou em nosso país o descrédito nas autoridades constituídas. A legislação torpe que permite que delinqüentes sejam detidos e liberados em poucas horas, é um tapa de esculacho e escárnio na cara de cada policial em serviço. Não se confia na polícia, pois os policiais são corruptos - mesmo que via de regra a maioria não o seja – esse é o senso comum. Permitiu-se que se desvalorizasse ao longo dos anos a figura da autoridade policial. Nas últimas duas décadas tem-se tentado inclusive, incutir na cabeça de cada um de nós, que estes representam uma real ameaça aos cidadãos de bem. Seriam eles os verdadeiros assassinos de jovens pobres e trabalhadores assalariados nas favelas e subúrbios desse país, como parece ser o interesse de muitos em nos fazer crer? Se há de fato tanta corrupção policial por que são tão poucos os escândalos de policiais pegos em delitos desse tipo? Medo da imprensa em investigar e publicar? Muito pouco provável. É inegável que os escândalos de propinas e corrupção são quase uma prerrogativa da classe política, que mesmo reconhecida pelos cidadãos por essa mancha perene, continua a gozar de bons salários, carga horária pífia e mordomias jamais sonhadas por qualquer policial mal remunerado e cumpridor de seus deveres desse país.
As tentativas bem sucedidas de minar as autoridades, as regras morais, e o senso comum de decência e ética de nossa sociedade têm nos jogado dia após dia nos braços receptivos de criminosos. O exemplo dado aos nossos jovens, futuro de um país, é de traficantes poderosos e bem sucedidos, corruptos engravatados e perpetuamente livres para assaltar aos cofres públicos e, professores e policiais mendigando eternamente migalhas como porcos. Não é difícil imaginar quem serão (ou são) os heróis e modelos de sucesso de nossa juventude. Para muitos de nós, difícil mesmo é entender o momento exato em que o certo se tornou tão ridiculamente errado nesse país.