domingo, 29 de maio de 2011

O Surto de Coerência de Poliana


Sentada placidamente em seu trono, Poliana acompanha um tanto aérea a movimentação de sua corte. Para evitar uma nova crise de destempero da rainha, seus amigos decidiram colocar discretamente algumas gotas de calmante em seu chá matinal. Assim, Poliana, a caridosa, tranqüila e relaxada, tricotava calmamente um gracioso cachecol para a campanha do agasalho, enquanto seus bobos, alvoroçados discutiam:
- Alguma coisa precisa ser feita. Precisamos tomar providências. A coisa está se espraiando com uma velocidade assombrosa.
- É isso mesmo companheirada, o caso é crítico. Parece um vírus, se alastra rapidamente. Passa de uma pessoa pra outra de forma surpreendente.
- E é tudo muito peculiar. Provoca estranhos sintomas, comportamentos bizarros, torções do corpo, engasgos, contrações do abdome e ruídos esquisitos. Eu vi como acontece, é horripilante. A pessoa fica olhando na tela por alguns poucos segundos, franze a testa e leva a mão a boca. Depois esboça um pequeno sorriso que logo vira uma gargalhada, e mais outra e outra... Em pouco tempo já tem mais gente em volta querendo saber o que é e rapidamente todo mundo é contagiado.
- E como é que isso se transmite?
- Através dessa tal de informática. As pessoas infectadas pegam umas folhas contaminadas naquelas tais impressoras, e vão passando sorrateiramente de mão em mão. Eles tentam esconder, mas é impossível não ouvir o burburinho e os rizinhos pelos cantos. Outra forma de transmitir é pela maldita internet. Em segundos: vupt! Dezenas de pobres almas a mercê dessa desgraça.
- Mas isso é uma doença?
- Claro que não senhores – fala calmamente Poliana que até então escutara calada o diálogo de seus bobos. – Isso é feitiço! Obra daquela criatura grotesca e deformada que vive nas sombras a me assombrar: Bruxa Má, a invejosa.
- É claro! Só podia ser coisa daquele ser maquiavélico que joga palavras ácidas sobre nossa maravilhosa rainha. E agora anda espalhando seus feitiços através da internet, o que faremos?
- Vamos proibir a internet no reino, é claro! – conclui prontamente a sempre ponderada Poliana.
- Mas, alteza, proibir a internet nos dias atuais é um pouco polêmico. Até na magnífica democracia Cubana a internet já está liberada, como vamos explicar isso ao nosso povo. Oposição vai deitar e rolar.
- Liberaram a internet em Cuba?! – questiona espantadíssimo um membro ortodoxo do clã.
- Claro, o companheiro não sabia? Saiu em todos os sites.
- Sites?! Pelo amor de Che Guevara! Onde é que nós estamos! Essa tal de internet, assim como os meios de comunicação em massa são apenas instrumentos desenvolvidos pelo imperialismo Norte Americano para dominar e submeter as minorias excluídas aos interesses econômicos capitalistas! É claro que eu não tenho internet! Nem televisão!
- Você não assiste o BBB? – pergunta Poliana.
Tão exaltado encontrava-se o companheiro em sua genuína indignação que nem escutou as palavras da rainha. Ainda mais vermelho que o habitual, ajeitou sua surrada boina verde na cabeça e prossegui seu inflamado discurso:
- Se liberaram mesmo essa desgraça da internet no paraíso cubano, o que vai sobrar do nosso sonho socialista? É um passo pros imperialistas tentarem meter na cabeça do povo idéias tolas de democracia e liberdade de expressão. Vai ser o começo do fim! – brada, quase em desespero.
- É verdade companheiro. O mundo está mesmo virando de cabeça pra baixo. Perderam-se os valores de antigamente. – concorda, já um pouco comovido, outro membro do clã. – Mas devemos ter esperança no povo cubano que foi até agora tão feliz. Afinal, quem não é feliz num governo socialista? Nós, ao menos somos.
- E vejam só, em cinqüenta anos do mais bem sucedido socialismo, nunca houve nenhuma notícia ou escândalo de corrupção.
- Lógico, as rádios e jornais são do governo - interrompe, a já um pouco entediada Poliana. – Que maravilha seria se aqui fosse assim também!
Acostumados com os rompantes de sua rainha os empolgados debatedores sequer consideraram o atrevimento das colocações e continuaram em suas coerentes manifestações.
- Mas a preocupação do companheiro é legitima. Já estão até permitindo que as pessoas abram seus próprios comércios lá naquela maravilhosa ilha, ícone da democracia socialista.
- O quê!!! Comércio!!! Quer dizer que os cubanos estão comprando e vendendo?! Mas como é o governo permitiu um absurdo desses!
- Não sei, não sei... - responde o outro com a voz embargada - Obra do imperialismo, com certeza! Dessa vez não podemos dizer que é perseguição midiática, já que a mídia lá é bastante centrada e coerente. Completamente diferente do que acontece em nosso reino, onde são todos uns infames criadores de factóides.
- Centrada não, governada. E não é coerente, é coagida. – fala tranquilamente Poliana, entre uma laçada e outra de seu tricô.
Entre surpresos e assustados com comportamento e vocabulário pouco usual de sua alteza, seus asseclas prosseguiram:
- Na democracia cubana a imprensa trabalha a auto estima de seu povo. Jamais divulga notícias negativas.
- Na verdade eles divulgam sempre as mesmas coisas. Um enorme e cansativo discurso do Fidel e a mesma conversa fiada da grandiosa e mirabolante tomada do poder pelo povo na revolução socialista que a gente conta por aqui. A diferença é que o povo de lá sabe que onde ele está não é exatamente onde está o poder. O povo daqui a gente engana porque a ilha é bem longe e ainda não tinha internet. – discursa Poliana, impressionando a todos que tão bem a conheciam, por um raciocínio tão complexo.
- Acho melhor a gente ver com o companheiro Líquen, que remédio é esse que andam dando pra ela. Acho que exageraram na dose. – cochicha um de seus pajens para os demais companheiros.
- Também acho, ela está mesmo esquisita. Será que devemos chamar um médico? Vai ver também foi enfeitiçada.
Muito tempo se passou enquanto os bobos de Poliana, preocupados, ficaram a observar a rainha que tricotava freneticamente um cachecol seguido de outro. Nem lembravam mais da acirrada discussão anterior. Foi quando o ortodoxo companheiro da boina verde, único que continuava a matutar insanamente sobre o tema, se ergueu subitamente e com a face contorcida de puro desespero bradou a plenos pulmões:
- Vai ser o fim! O fim! Não vai mais haver o Paredon! Não vai mais ter Paredon!
- O queeeeê!!! – grita Poliana, quase histérica. Vão acabar com o BBB?!! Não pode ser! Eu não vou suportar isso!!! Façam alguma coisa seus molóides! Façam alguma coisa!
- Graças a Deus! Ela voltou ao normal! – abraçam-se eufóricos os inigualáveis bobos de Poliana.

domingo, 22 de maio de 2011

O Cale-se de Poliana


No amplo salão real o seleto grupo de estrelas se aglomerava em frente a porta fechada. Alguns andavam impacientes e preocupados com o difícil momento por que passavam. Pequenos grupos cochichavam nos cantos. Alguns pajens de Poliana choravam inconsoláveis em suas poltronas. Nunca haviam visto sua alteza assim tão enfurecida. A situação era realmente desesperadora, catastrófica até. Seria necessária muita lábia para acalmar a temperamental rainha. Nesse momento chega ao recinto, esbaforido, o mestre de cerimônias de Poliana, Líquen, o amorfo.
- Afinal, o que está havendo?
- Nossa majestade enlouqueceu! Trancou-se na sua bolha e disse que de lá não sai. Já tentamos de tudo, ela está irredutível. – relata angustiado um de seus pajens, enxugando os restos do café da manhã que a irascível rainha a pouco entornara sobre sua cabeça.
- Puro chilique, resmunga Basco, o raivoso. Por Lenin! Como se a gente não tivesse mais nada pra fazer do que ficar aqui aturando a TPM da rainha!
- Não é bem assim, Basco – intervém preocupado um dos companheiros de clã – Com a barulheira que ela tá fazendo, logo, logo, vai chamar a atenção de Imprensa Livre.
- É isso mesmo - reforça um membro do SINDIPelego – Com essa gritaria toda, e quebrando toda a louça do castelo, daqui a pouco até Oposição que é meio surda e debilóide vai se dar conta que algo esta acontecendo por aqui.
- Eu disse pra vocês não contrariarem a rainha! Vocês sabem como ela reage quando as coisas não saem como ela quer! O que aconteceu dessa vez? Foi o condicionador de cabelos? Não era de macadâmia e ceramidas?Ou vocês erraram a cor do traje real? Nas segundas ela sempre usa azul calcinha. Não vai me dizer que vocês esqueceram o adoçante de stévia novamente!
- Não, não foi nada disso. Acho que é mais sério dessa vez. É melhor você falar com ela.
Contrafeito, Líquen se aproxima da enorme porta, respira fundo, bate e pede com sua conhecida voz de comando: - Abre a porta Poliana! Já chega dessas bobagens. Temos muitos compromissos hoje. Você já está atrasada para inauguração de mais uma boca de lobo na periferia. Estão todos lá, ansiosos por sua presença - aguarda alguns segundos e não havendo resposta, continua um pouco mais rígido: - Abre essa porta Poliana!
Do interior do aposento veio o característico som de objeto colidindo com a porta, seguida da voz, um tanto esganiçada de sua majestade gritando: - Não abro! Não abro! Não abro! Já estou farta de vocês, seus inúteis!
Vendo que precisava mudar a tática, Líquen suavizou o tom da voz: - Mas o que houve Poliana? Nós somos todos seus companheiros de clã. Estamos aqui para lhe servir e para nos servir do que pudermos enquanto conseguirmos, não foi assim que combinamos?
- Vocês mentiram pra mim! Não fazem o que eu mando! São insubordinados!
- Pelo amor de Deus, não grita Poliana! Você vai chamar atenção de todo o reino! – implora um de seus bobos da corte antevendo um novo tsunami midiático. – Nós fazemos tudo que nossa grande rainha quiser! Qualquer coisa! Mas por favor, sem escândalos!
- Isso mesmo Poliana, você quer que eu lhe faça um pouco daquela ambrosia que você tanto gosta? – pergunta com meiguice o presidente do CUT (Companheiros Unidos no Trambique). Ou quem sabe o companheiro Basco pode lhe fazer uma massagem nos pés?
- Sem essa! - rosna Basco indignado.
- Em nome do clã e do ideal socialista vê se colabora Basco! – murmura Líquem, entre dentes. - O que você quer afinal Poliana?
Após infindáveis segundos de apreensão ouve-se a inconfundível voz a declarar: - Eu quero que vocês calem Imprensa Livre! Coloquem mordaças naquela velha decrépita. Devolvam a desgraçada pra masmorra de onde nunca devia ter saído! Só isso. Simples assim, mas nem isso vocês conseguem fazer!!! - berra novamente a indignada rainha.
Aturdidos, os sempre hábeis enroladores reais levaram muitos minutos para recuperarem a fala. Mesmo para eles, acostumados a pregar a democracia enquanto idolatravam o autoritarismo, era constrangedor pensar na forma prática de executar tal ação. Foi Líquen, cada vez mais amorfo, que assumiu a liderança nas negociações.
- Não é tão simples assim Poliana. Você tem que ter paciência? Há anos nosso clã vem tentando calar Imprensa Livre. Mas existe a tal da Democracia, que também vive e é jovem ainda. Não se pode simplesmente prender Imprensa Livre, por mais que se queira.
- Nós podemos comprá-la, ora bolas! Já compramos tantos outros. Vocês é que não se esforçam!
- Nem todos se vendem por dinheiro, Poliana. Por incrível que pareça tem gente que acredita naquelas balelas que se ensinava antigamente nas escolas, lembra? Aquelas bobagens de moral e ética? – esclarece um intelectualizado catedrático do clã. – Graças a nós, em poucos anos ninguém mais vai saber que essas coisas obsoletas um dia existiram. Estamos nos dedicando tanto, pra que isso ocorra.
- Se não querem dinheiro seus tontos, ofereçam outras coisas: carguinhos, pedras, pardais, impressoras, papel higiênico... qualquer coisa! - brada a soberana, cada vez mais absoluta em suas convicções.
Reunidos em um canto, em uma incomum assembléia, todos os membros do clã, entre sussurros confabulavam. Com suas impressionantes interpretações dos ensinamentos de Karl Marx, concluíram: Mais Valia as cuecas cheias de propinas, do que as consciências repletas de boas, mas pouco lucrativas intenções. Assim o satisfeito grupo, representado por Líquen, informa sua posição a sua digníssima representante.
- Está certo Poliana, nós vamos dar um jeitinho. Pode ficar tranqüila. Mas tenha um pouquinho mais de paciência. Não podemos fazer as coisas as claras. Temos que esperar escurecer. Na calada da noite, todos os ratos são o que são: apenas ratos. E todos são como nós, sujos. Assim poderemos resolver a situação sem que nos identifiquem pelo cheiro. Mas não podemos ser afoitos. Enquanto isso, você não quer nada para lhe entreter? Um cafuné, talvez?
A porta se abre lentamente, sob suspiros de alívio da platéia que esperava aflita do lado de fora, Poliana surge grandiosa e altiva, como sempre. – Tem mais uma coisinha sim.
- O que deseja nossa grandiosa majestade? – questiona Líquen, com uma reverência.
- Eu soube que zombaram de mim. Que riram e fizeram piadas a meu respeito dentro do MEU castelo! Caçoaram da rainha! De hoje em diante eu decreto que seja punido com a decapitação todo aquele que ousar rir de sua majestade!
- Não vai sobrar ninguém no reino – resmunga baixinho Basco, sendo cutucado por um ressabiado pajem real.
- E para aquele que semeou o riso e a piada sobre sua digna, inteligente, magnânima e ponderada soberana, eu quero apenas e tão somente que: Cortem a cabeça! Cortem a cabeça! – decide Poliana, a democrata ponderada.
Assim fora decretado. E dessa forma cabeças rolaram no fabuloso reino de Poliana. Quanto aos ratos? Esses, como sempre, andam na surdina, a se infiltrar nos esgotos e latrinas, em busca de uma brecha na decência onde possam penetrar e se proliferar, roendo lenta e imperceptivelmente os alicerces do reino.

sábado, 14 de maio de 2011

Poliana, NBA em Gestão de Mentiras e Administração de Escândalos


Quieta e compenetrada Poliana ouvia atentamente a explanação do professor. Tendo em vista todas as escandalosas trapalhadas dos últimos tempos, o alto escalão de seu clã convocara as principais estrelas do reino para uma aula básica de estratégia de marketing. O curso estava sendo ministrado pelo respeitadíssimo assessor de imprensa, impressionismo, publicidade e ilusão de ótica de Poliana: Líquen, o amorfo. O tema principal era: como colocar, definitivamente, uma boa pá de brita sobre a sujeira.
Poliana se emocionava ao ver a plenária lotada. Todos os ilustres membros de seu clã reunidos para lhe dar apoio nesses tempos difíceis. Até Basco, o raivoso comparecera. De cara amarrada, como sempre, mas estava lá para lhe confortar. Poliana sempre soubera que frente a possibilidade de que a bela e robusta vaca morresse atolada na lama, ou soterrada por pedras, a companheirada se ergueria para salvar suas (as deles) turgidas tetas.
- A primeira e mais importante lição diz respeito ao momento crucial em que os companheiros forem confrontados com um fato comprometedor para o clã. Nesses casos, sempre devemos em primeiro lugar afirmar “não ter conhecimento do assunto”- escreve na lousa em letras garrafais enquanto fala. - Quando for absolutamente impossível negar o fato tentem, de todas as formas possíveis, fugir do assunto. Simulem um mal súbito se for preciso!
- Eu nunca sei de nada! – exclama Poliana.
- Muito bem Poliana, nossa rainha é muito boa nesse quesito. Parabéns!
Com o peito estufado de orgulho Poliana completa: E eu sempre me cago toda também!
Líquen, embaraçado, leva algum tempo para retomar a fala, acompanhado por um burburinho de risos e suspiros da até então concentrada audiência.
- Eu gostaria de chamar a atenção dos companheiros para questões básicas na hora de explicar o inexplicável. Existem algumas regras claras que devem ser seguidas. Um ótimo exemplo de boa conduta a ser seguida por vocês é a brilhante performance de nosso ilustre representante no parlamento, o companheiro Farofinha. Sempre, como ele, comecem uma desculpa esfarrapada falando de seu passado como homem honesto, defensor da honra, trabalhador exemplar, incansável... - Líquen interrompe seu discurso para dar a palavra a Poliana que erguia a mão.
- O companheiro Farofinha trabalhava no quê? Eu sempre achei que ele não sabia fazer nada! Sempre vi ele só com o pessoal do nosso clã, fazendo fuzarca, vadiando, abanando bandeiras e...
- Isso não está em pauta Poliana, interrompe rapidamente Líquen e prossegue sua aula. - Em seguida devemos sempre jogar a culpa em Oposição. Bater incansavelmente na tecla de que Oposição está nos perseguindo, nos criticando, tentando nos prejudicar...
- Mas o papel de Oposição não é justamente opor-se a nós? - questiona Poliana.
Líquen faz que não escuta, enquanto alguns dos presentes se remexem nas cadeiras.
- Precisamos repetir insistentemente que Oposição aumenta os fatos, cria factóides, faz estardalhaço para desestabilizar esse reinado democrático e grandioso, que tanto bem quer a seu povo.
- Quer dizer que a gente vai dizer que eles estão fazendo com a gente aquilo que a gente fazia com eles antigamente? - intervém novamente a questionadora Poliana.
- É mais ou menos isso Poliana, responde Líquen, já um pouco impaciente.
- Mas não é a mesma coisa né, gente? - insiste Poliana no tema. Vamos ser honestos. Oposição é muito amadora! Não fazem uma passeatinha! Não fecham rua, não tem bandeira, nem grito de guerra! São completamente desorganizados! Ficam só mandando emails com umas piadinhas sem graça, que eu particularmente nem entendo. O pessoal da CUT (Companheiros Unidos no Trambique) ou do SINDIPelego podiam dá umas aulinhas pra eles.
- Já chega Poliana, vamos voltar ao que interessa. - Líquen retoma o controle percebendo o murmúrio crescente de descontentamento dos presentes.
- Quando um companheiro nosso for flagrado em algum possível, mas jamais admitido, desvio ético é importante que...
- O que é desvio ético? – questiona a ingênua rainha, provocando bufadas sonoras de Basco, o raivoso e alguns palavrões do pessoal da CUT.
- É quando um de nossos companheiros pega para si algo do reino. - esclarece o mestre, um tanto constrangido.
- Roubar! – grita Poliana eufórica.
- Não! Claro que não, Poliana! Roubo é roubo, desvio ético é outra coisa.
- Mas quando Oposição fazia essas coisas, a gente chamava de roubo, eu me lembro muito bem! Nós saímos pras ruas com faixas e cartazes, gritando fora...
- Pelo amor de Deus! Alguém faz ela calar a boca! – interrompe rudemente a turminha do Movimento dos Sem Vontade. - Toma uma providência professor! Isso é uma imoralidade!
Líquen, cada vez mais desconfortável, tenta recobrar o controle da turma.
- Eu vou tentar explicar de forma mais didática para nossa magnânima rainha. Essas “coisinhas” Poliana, são públicas, entende? São de todos. De todo o povo. Ninguém vai se importar se nós pegarmos um pouquinho pra nós. Depois a gente divide entre todos os companheiros. É para um bem maior.
Após refletir por um tempo, Poliana ergue-se efusiva e grita: Entendi! Entendi!! E com o semblante cândido de criança que acabou de tomar água da privada, expõe orgulhosa a sua brilhante interpretação dos fatos expostos - Então quando somos nós que roubamos do povo é socialismo!
- Cala a boca Poliana!!! – gritam vários companheiros, indignados.
- Chega Poliana! Volta pra tua bolha! – se revolta uma velha matriarca do clã, se abanando com as saias.
- Eu disse que isso não ia dar certo! - resmunga Basco, roxo de ira.
A comoção no salão foi geral. Várias estrelas saíram como foguetes do recinto. A balburdia tomou conta do espaço.
- Já chega dessa ladainha! Vamos mudar de assunto! - se exaltam vários membros da distinta plenária. Basco, cada vez mais raivoso bufa e bate os cascos no chão, acompanhado por um atarracado membro do SINDIPelego, que andava de um lado a outro da sala.
Poliana, contrariada faz beicinho e se afunda na cadeira. “Que gente mais confusa. Cada vez mudam o discurso”, pensa contendo as lágrimas.
Depois de muita água com açúcar, a alguns malabarismos de Santo Jorge, o cada vez mais nervoso e sudorético professor dá continuidade a tumultuada palestra.
- Para finalizar, cabe lembrar algumas regrinhas básicas para a eterna permanência no poder. Quando formos cometer algum desvio ético, é importante que de agora em diante procuremos “pegar emprestado” apenas aquilo que couber em nossas cuecas, bolsos ou meias. Vamos tentar evitar objetos muito grandes que possam levar a publicidade desnecessária e acordar Oposição ou cair na boca sarcástica de Imprensa Livre. DISCRIÇÃO - escreve novamente na lousa - é o condimento que está faltando no nosso farto banquete. Todos compreenderam?
A constelação presente aplaude efusivamente a brilhante conclusão. Todos ignoram, propositadamente, a mão erguida da polêmica rainha, pedindo novamente a palavra. Com medo das conhecidas crises de pirraça de sua alteza quando ignorada, Líquen resolve, mesmo receoso, lhe dar novamente a palavra.- Nossa digníssima rainha gostaria de fazer uso da palavra.
- Hahahaaa não!!! – responde, em uníssono a democrática plenária.
Após algumas fungadas, e com a voz um pouco embargada, Poliana empina o queixo e fala de chofre: Sobre aquelas escavadeiras e aqueles buracos enormes que mandamos fazer na praça em frente ao castelo. Aquilo é pra nós escondermos tudo o que nós até agora já “pegamos emprestado” nos pequenos “desvios éticos” que “couberam nos nossos bolsos” socialistas? Porque se forem pra isso, eu já vou logo avisando que não vai dar nem pra saída! Pelos meus cálculos se for pra colocar tudo em um buraco nós vamos ter cavar até o pré-sal!!!
CALA A BOCA POLIANA!!! – grita Líquen, enquanto alguém segurava Basco que tentava alcançar o delicado pescoço real.
E assim terminou a primeira reunião ordinária para pós-graduação de ordinários. Sucesso absoluto de público e renda.

sábado, 7 de maio de 2011

O Apedrejamento de Poliana


Mais um ardiloso complô fora armado contra a pobre e ingênua Poliana. Dessa vez juntaram-se a sonolenta e moribunda Oposição e a sempre ranzinza Imprensa Livre (pela milésima vez, Poliana perguntava aos céus: quem diabos libertara essa fulana?!). Os raivosos atiravam pedras na indefesa e inocente rainha.
Invejosos! Mesquinhos! Povinho simplório e sem visão! Poliana já estava farta dessa gente sempre a lhe perseguir. Não conseguiam aceitar que ela era a soberana absoluta do reino. Conquistara com muito suor, bandeiraços, carreatas e pão com lingüiça o direito de se locupletar da coisa pública. Tudo, absolutamente tudo, que fosse público era de Poliana. E se era de Poliana, era de seus amigos e, é claro, de seu clã. Poliana, como sempre inovadora, tinha um projeto piloto, similar ao paquidérmico projeto de sua rainha mãe - a Escolhida, que estava implantando em seu pequeno reino: O Programa de Apoio a Companheirada (PAC), versão standard. Trata-se de um programa mais enxuto que o grandioso espetáculo idealizado pelo grande mestre o Ilusionista e sua fiel discípula a Escolhida.
Nesse modelo, cada um de seus incontáveis e inúteis, mas sempre muito divertidos, bobos da corte, poderiam escolher alguns pequenos mimos do reino para guardar como lembranças dos gloriosos anos de seu inigualável reinado. Era uma forma singela que Poliana encontrara de demonstrar sua gratidão àqueles que tantas horas dispensavam lhe massageando o ego. Que tanto se esforçavam para agradar e afagar a sua alteza. Modestas prendas a essas servis criaturas, que tantas noites insones passaram a lhe contar todas aquelas românticas historias sobre um reino encantado onde curandeiros nasciam nos buracos do asfalto, recursos caiam do céu em grossas pancadas e chuva e a saúde vinha montada em um formidável alazão, robusta e encorpada, gritando a plenos pulmões Upa cavalo! Upa! Upa! Gente assim, tão desprendida e criativa merecia todo respeito e os agrados que os inesgotáveis recursos públicos pudessem suportar.
No seu inovador projeto de incentivo ao agronegócio e ao descaramento sustentável pelo contribuinte plantavam-se pedras para num futuro próximo colherem-se muros. Tudo muito ingênuo e pueril. Somente Imprensa Livre e Povo Honesto não conseguiam entender um empreendimento tão simples e valoroso para as necessidades de um reinado de oportunidades e oportunistas. Poliana ainda ficava pasma como ainda havia gente capaz de acreditar que havia ética, moral ou decência em Mundo Real. Não sabem eles, os tolos, que essas são apenas alegorias de Horário Eleitoral. Servem para entretenimento apenas, não devem ser levadas a sério.
O fato é que todo o estardalhaço causado pela rabugenta e invejosa Imprensa (ainda) Livre adiara um projeto pessoal de Poliana. Nossa jovem e romântica rainha planejava retirar, discretamente é claro, a borbulhante fonte de água que fica na praça em frente ao Palácio Real. Com um pouco de cuidado e ajuste, Poliana tinha certeza que a tal fonte perderia o atual ar grotesco e ridículo e recobraria a antiga majestade, com espetáculo de águas e cores. Assim, gloriosa e bela, ficaria magnífica na sala de estar de sua residência. Seus amigos iam achar um show, pensa Poliana a socialite socialista.

domingo, 1 de maio de 2011

A Participação Popular no Reino de Poliana


Poliana já andava impaciente com essa tal democracia. Poucas coisas conseguiam ser tão cansativas e pouco produtivas quanto a famosa e largamente difundida participação popular – ou participação cidadã, como consta nos alfarrábios de seu clã. As coisas corriam a contento quando os participantes desses eventos coletivos eram sempre seus velhos e bem adestrados companheiros de clã. Eternos representantes de coisa alguma, fiéis aos mesmos discursos, jargões e palavras de ordem. Sempre prontos a colocar os interesses do clã acima de qualquer valor moral ou ético. No entanto, o caldo entornava quando gente normal, sem cabresto ideológico, resolvia aparecer nesses tais espaços democráticos. Aí as coisas mudavam de cor e de figura. Pois eis que era justo o que andara acontecendo no doce e pacato reino de Poliana. E isso estava gerando transtorno a nossa carismática rainha. Seus fieis aliados estavam preocupados e já lhe alertaram sobre a necessidade de acomodar melhor a situação.
- Eu já te disse mil vezes Poliana: participação popular é estratégia de marketing. Serve para aparecer em vinhetas, jingles, propagandas e cartazzes. Não é pra ser levada ao pé da letra, aconselha seu assessor de propaganda e publicidade ostensiva.
- É isso mesmo Poliana, reforça o representante da CUT (Companheiros Unidos no Trambique). Já pensou se cada assunto de grande interesse coletivo for discutido com a população! Isso vai virar uma balburdia. Vai ser o povo no poder! Não vai dar certo nunca!
- Olha só esse negócio de audiência pública. Qualquer um pede a palavra e vai se manifestando, dando idéia, questionando como se isso aqui fosse uma democraciazinha qualquer! Onde é que isso vai parar! -profetiza um dos caciques de seu clã.
- E os trabalhador tudo lá, dando opinião ao invés de estar nas fábrica trabalhando! Desse jeito é que o país não vai pra frente mesmo! Se eles começarem a se achar no direito de falar com suas próprias vozes vão precisar da gente pra que? Nós temos família pra sustentar! Tu como companheira tem que acabar com essa trairagem, Poliana - exclama, exaltado o representante do SINDIPelego.
- Será que vocês não enxergam a gravidade que essa coisa toda pode assumir?! – ergue a voz, bastante alterado, o representante do MSTT (Movimento Só Tramóia e Trago). E se o povo que trabalha começar a usar de fato a tal cidadania? E se começarem a participar e a questionar? Se começarem a pensar e perceber que são realmente explorados, que trabalham e sustentam com seu suor nossas mordomias, os mensalões, dinheiros nas meias, cuecas, propinas, furões e pardais?E se resolverem se revoltar?! Já pensaram nisso? Vai ser o caos social. Vai ser a elite tomando o poder! É o fim do nosso ideal de sociedade justa e igualitária para nós.
- E depois tem outra, essa gente não tem o menor traquejo. Não sabem se portar nesse tipo de evento. Não usam as palavras corretas, chamam os companheiros de senhor e senhora, pedem licença para falar ao invés de pedir questão de ordem, usam uns termos completamente fora das cartilhas de nosso clã. São completamente alienados, despreparados, não fazem parte da fina flor dos movimentos sociais. Não deviam nunca ter direito a voz em um espaço desses – indigna-se um ilustre representante das minorias excluídas.
- Eu continuo achando que devemos manter a participação popular restrita aos festivais anuais de Pirotecnia e Ilusionismo da OP (Orquetra Partidária), se manifesta santo Jorge, padroeiro das causas inconsistentes. Não é pra me gabar, mas meus números de contorcionismo tem sido muito elogiados, e com o auxilio da boa e velha mídia temos conseguidos convencer até a nós mesmos que as decisões tomadas por meia dúzia de fantoches representam a vontade de toda a população.
- Eu concordo com Santo Jorge, vamos nos limitar ao teatro da Orquestra Partidária e largar de mão essa palhaçada de assembléias e audiências públicas. Só se forem para público fechado e escolhido a dedo, como sempre fora. Nada de qualquer um vir entrando e se manifestando.
Após dezenas de apartes e questões de ordem ficou decidido por unanimidade dos presentes que desse dia em diante a participação popular no democrático reino de Poliana ficaria plenamente garantida em todos os banners, folders, jingles, cartazzes e outdoors que os fartos recursos públicos conseguissem fomentar.
“Quanta saudade eu sinto de Horário Eleitoral! Participação Popular era tão romântica e milagrosa. Aqui em Mundo Real só me deu dor de cabeça!”, pensa a democrática Poliana.