domingo, 4 de junho de 2017

Nós, eles, e a democracia

E em Gigante Adormecido o fim do poço parece nunca chegar. Gravações e grampos telefônicos expõem ao povo o mar de lama - e de dinheiro sujo – onde afundam-se quaisquer esperanças de que algo limpo venha a emergir. É a política apresentada como acordes da mais melancólica música sertaneja, escrita e interpretada por Joesley e Wesley, os reis da picanha. A dupla de larápios bregas saboreia um exílio dourado no exterior, com direito a faturar alguns milhões em especulações por conta da divulgação do enredo de seus lucrativos sucessos. São os royalties de seus direitos autorais pagos pelo povo, por decisão de Justiça. Se a conta não parece muito justa, é por que ainda não conhecemos o final da história, garante Justiça. Ao fim e ao cabo, pagaremos duas vezes, desconfia o povo, cada vez mais cabreiro.   Ao povão resta roer os ossos e amargar desesperança.

E Mesóclise, o rei tampão, corre o risco de vir a ser apenas o primeiro tampão dessa trágica dinastia. Ao se ver com a corda no pescoço, balançando desengonçadamente em um tripé de impopularidade, escândalos de corrupção e aliados em debandada, incorpora sua antecessora e acusa a existência de um complô contra si. Brada confiar na integridade moral de seus amigos – aqueles que correm com malas de dinheiro sujo – e entoa a velha marchinha: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira!” Mesóclise é apenas a outra face da rainha deposta, para quem tinha dúvidas que a escassez de cerne e a abundância de imoralidade eram o cordão umbilical que unia essa outra dupla - menos sertaneja, muito mais Bossa Nova para intelectual delirar.

E quando o grito de “fora!” parecia enfim unir uma nação há anos separada por ideologias, uma onda de terror vermelho colocaria fogo na frágil e emergente aliança por um país decente. Não há solução longe da democracia, e não há democracia sem respeito às leis e a ordem. O incêndio e a depredação de prédios públicos e a violência dos que dão de ombros a ordem pública, fez calar, novamente, a voz da maioria do povo ordeiro e cada vez mais exausto. O “fora!” que deveria ser berrado em uníssono, foi sufocado pela força irracional dos intransigentes e autoritários que desprezam democracia. Uma minoria de baderneiros e terroristas calou a maioria de um povo decente e que anseia por ética e moralidade.

Olhando para baixo, até onde a vista alcança, não é possível calcular o quanto ainda nos resta desse trajeto em queda livre até atingirmos o final desse poço, onde, esperamos, o solo seja suficientemente firme para permitir o impulso que nos fará começar a emergir desse lodaçal absurdo e indigno. Talvez precisemos cair muito para sabermos valorizar o solo firme. Talvez tenhamos muito ainda a afundar. Que saibamos afundar e mergulhar nesse poço imenso de dejetos sem nunca perder democracia de vista. Quando as coisas nos parecerem insuportavelmente difíceis, e serão, que olhemos para cima, e que a luz das leis, da ordem e da democracia sejam sempre nossa meta a alcançar. Todo resto é cantiga de roda para embalar intelectualóide saudoso da ditadura.

 

 

 

domingo, 7 de maio de 2017

Os salvadores da pátria

Os vídeos das delações de empresários de duas das maiores construtoras do Brasil, descontruíram o mito Lula, o maior embuste desse país. A imagem de proletário e sindicalista preocupado com os podres e desvalidos construída por intelectuais sonhadores desmoronou. Quando Emílio Odebrecht, com ar de zombaria, diz que Lula sempre fora um Bon vivant, está atenuando a verdade, que a essas alturas já está mais do que clara para todos que não são cegos pelo messianismo irracional de militantes petistas: Lula sempre foi um vagabundo. Um proletário preguiçoso, um sindicalista pelego, uma prostituta das empreiteiras. Um corrupto.

Mesmo com pés de barro Lula ainda é visto como um messias por seus companheiros, sempre dispostos a atender um chamado seu para defendê-lo de uma grande conspiração midiático-judicial que tenta impedi-lo de retornar ao poder e salvar os pobres e excluídos desse país.  É o perseguido Lula, a mais honesta das almas.

Na próxima quarta-feira, tradicional dia de competições futebolísticas, o país aguarda com impressionante expectativa por uma audiência judicial. O depoimento do réu Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz federal Sergio Moro. A expectativa é justificada pela importância do réu e pelas acusações que lhe recaem sobre os ombros. Injustificado é que se dê ao ato formal ares de evento desportivo, com direito a torcida, pipoca, algodão doce, coxinhas e pão com mortadela. Os órgãos de segurança de Curitiba se preparam para receber milhares de manifestantes e montam esquemas para separar as duas torcidas adversárias: os pró- Lula, dos pró-Moro. Como se já não fosse tudo absurdamente ridículo, o acusado deseja a transmissão ao vivo da audiência, para o que sua militância promete a instalação de um grande telão próximo ao foro. Só faltará a lona para completar o circo.

O ridículo do espetáculo expõe uma perigosa face do povo brasileiro: a necessidade de um herói que nos salve de nossas mazelas. Lula, o populista, foi eleito e reeleito como o salvador dos pobres e da pátria. Lula é um corrupto mentiroso e um embusteiro falastrão. Moro é atualmente o maior ídolo nacional, o homem que está colocando corruptos atrás das grades e ajudando a varrer a corrupção desse país. Moro é um competente juiz federal que tem em suas mãos os processos do maior caso de corrupção de que se tem notícia. É um exemplo de juiz, não um salvador.  Moro não vai salvar o país, nem da corrupção, nem dos políticos corruptos. A salvação do Brasil – se é que ele tem salvação – está nas nossas mãos, e só será possível no dia em deixarmos de esperar por heróis que venham nos salvar. Super-heróis são fantasias de criança, está mais que na hora de crescermos.  





domingo, 16 de abril de 2017

Odebrecht, a mãe de todas as bombas

E o tão anunciado e esperado fim do mundo enfim chegara. As apocalípticas delações finalmente vieram a público. Por mais que suspeitássemos de seu conteúdo, vê-las assim fora das sombras causavam um estranho misto de apreensão e redenção. Os meandres do poder começavam a ficar claros ao povo. Nefastos, putrefatos e indigestos meandres. Assim como as cifras. Astronômicas cifras, capazes de deixar zonzos aos pobres e incautos que ainda aturdidos assistiam aos trechos que lhe eram jogados impiedosamente nos telejornais. Ainda mais assustadoras que as vultuosas somas descritas, era a calma e a clareza quase enervante dos delatores ao relatarem episódios tão desprezíveis de nossa história. A riqueza dos detalhes e a desgraçada crueza dos fatos impedem a qualquer um desconfiar da veracidade da sordidez delatada. Em frente à televisão, o povo sente um sufocante aperto na garganta e uma ânsia de gritar que alguém pare o filme, não pode ser este o enredo. Mas, é. Sempre fora, afirmam os narradores com a convicção dos que tudo sabem e já nada temem.  

E havia nomes para todos os gostos, siglas de todas as torcidas, ideologias de todos os odores. Ex-presidentes para satisfazer toda era democrática. Existe apenas pecado no lado de baixo da linha do Equador. E por outros continentes também, afinal nossa corrupção endêmica é padrão exportação.

E na narrativa quase hipnótica dos delatores, estes afirmam que caixa 2 é algo absolutamente corriqueiro. Como ir ao banheiro.  Não existe eleição sem caixa 2, afirmam.  Simples assim!  Feito café com açúcar ou pão com margarina, pensa o povão, remexendo-se desconfortável nas poltronas. Então todos aqueles milhões e milhões... eram só pão com margarina, coisinha pouca afinal. É o que querem que acreditemos. Como parece fácil aceitar que Ministros da Fazenda (Ministros de Estado!), como se office boys fossem, movimentassem milhões de dinheiro sujo, dinheiro não declarado, com a desculpa de financiar campanhas, como se fosse pouca coisa. Não é! Isso é crime! E ao ouvi-los discorrer sobre o assunto parecem falar sobre compras em shoppings centers, pagas com dinheiro deles, e não sobre dinheiro nosso financiando interesses deles. Coisas de tal forma surreais que provavelmente são incompreendidas por boa parte de nosso povo, incapaz de conceber tamanha desfaçatez.

Nos vídeos divulgados ao mundo há espaço para tudo. Seriedade, solenidade, arrependimento, descontração, descaramento. Até lição de moral do velho poderoso chefão dos empreiteiros corruptos querendo posar de pobre vítima do sistema.  Páginas de nossa história que levaremos meses para saborear e desvendar totalmente. As amizades insólitas que construíram um mito de pés de barro que um dia jogaria o país na lama, com certeza prometem ser um volumoso capítulo desse circo de horrores. Aguardemos.

Que essa hecatombe que se abateu sobre nós sirva para separar o joio do trigo. Se não restar trigo, é hora da semeadura.

 

 

 

 

sábado, 8 de abril de 2017

Cem dias, fim de trégua

Passados cem dias, a lua de mel acabara. A tradicional trégua concedida aos novos gestores da coisa pública chegou ao fim. É hora de mostrar a nova cara prometida em Horário Eleitoral. Se não o retrato completo, um rascunho convincente ao menos. É o que esperam os súditos.

E no pacato e hospitaleiro reino de Campo Pequeno as coisas não seriam diferentes, bem sabe Chucrute, o novo monarca, já sentindo o peso da tão almejada coroa. Fora escolhido para ser o furacão da mudança, pois hoje sentia-se como uma singela baforada, ligeiramente cálida. E seria cobrado por isso, estava ciente. É chegada a hora de dar a cara a tapa e de mostrar que espécie de monarca será. São conhecidas de todos as dificuldades financeiras das contas públicas. Dificuldades essas que já eram esperadas por Chucrute durante a disputa ao trono. Portanto, o novo rei não pode dizer que não sabia. Como não poder justificar a demora no cumprimento das promessas por conta da burocracia da coisa pública, pois já fora rei e conhece a fundo o engessamento da paquidérmica máquina. Se vida de rei é difícil, a de quem volta ao trono é ainda pior, estava aprendendo o ariano, a essas alturas bem mais circunspecto que o habitual.

Sentado no amplo salão real, Chucrute parecia um tanto solitário no entardecer desses cem dias. O castelo não era o mesmo de seu reinado anterior, refletia. As infiltrações e a decadência eram evidentes. Precisava evitar que essa decadência se infiltrasse em seu reinado, pensa, um tanto aflito. O trono também não lhe parecia tão confortável como fora em outros tempos. Sinal de envelhecimento de seus glúteos, com certeza. Deveria ter escutado sua esposa e se dedicado um pouco a prática do Pilates nesses 16 anos, constata massageando as nádegas doloridas. Algumas coisas não mudaram com o tempo, constata. Poder e vaidades eram algumas delas. A disputa por poder e a fogueira de vaidades na política continuam idênticas. Que desgraça! Conhecido pela memória espetacular, capaz de lembrar até a quinta geração de todos os seus súditos, nosso prodigioso monarca não poderá sequer alegar não se recordar dos asquerosos meandres do poder.

 Olhando seu amado reino através das janelas do castelo, Chucrute suspira desanimado. – Talvez fosse uma boa ideia colocar a redoma de vidro fumê de Poliana novamente por aqui. Só por uns dias, é claro! A realidade é tão deprimente. – titubeia um suspiroso Chucrute, o prometido tornado da mudança, já ansiando por um pouco de ilusão de ótica, eterno ópio dos reis desse adorável lugar.

 E se o reinado é de mudança - embora curiosamente algumas moscas permaneçam as mesmas - no reino dos Botas Amarelas as mentalidades continuam tacanhas. No que concerne o bom uso do dinheiro público todos são unânimes em erguer a bandeira da moralidade. Moralidade essa que se esvai rapidamente quando o dinheiro público deixa de regar os interesses desses mesmos grupos de baluartes da moral de cuecas rotas. O ar de profundo ultraje e mágoa – com direito a narizinhos empinados e tudo – pelo corte de recursos do contribuinte para canarinhos e galos, merecia premiação com o troféu “Gente Estúpida”. O mesmo vale para os adoradores de corridas de automóveis, que se debulham em lágrimas nas redes sociais pela falta de aporte financeiro ao evento. Seria um chororô divertido se não fosse ridículo e absurdo que pessoas não tenham a menor noção de que dinheiro público não é para financiar clubes de futebol ou competição de rally. Como não é, absolutamente, para reformar salões comunitários ou instalações religiosas de quaisquer credos. Clubes de futebol que não contam com torcida suficiente para se manterem em pé, que fechem as portas. Comunidades religiosas que não conseguem se organizar com o auxílio de seus fiéis, que rezem ao ar livre sob as bênçãos de Deus. Dinheiro público, dos contribuintes, não pode socorrer as cadeiras e arquibancadas vazias de eventos, igrejas, salões, ginásios ou estádios. Dinheiro público é para socorrer os doentes amontoados em cadeiras e macas nas emergências superlotadas de hospitais. Quem  não consegue entender isso é estúpido ou de caráter deturpado. Aqueles que convenientemente esquecem a bandeira da ética na hora de defender a “doação” de dinheiro público para seus clubes, congregações e agremiações de qualquer natureza, que tenham ao menos a decência de pendurarem suas cuecas rotas em mastros e exibi-las em praça pública com os dizeres: Moralidade para os outros, dinheiro público para os meus!

domingo, 19 de março de 2017

O BBB dos vendilhões

  • Enquanto em Gigante Adormecido o povo descobria algo mais podre que a política - a carne - no pacato reino de Campo Pequeno a Câmara de Vendilhões prometia inovação. A esperança dos súditos de renovação, com novos vendilhões de Situação e Oposição, mostrava-se só mais um engodo bolorento e putrefato, como salsichas e presuntos.
  •  Pois a nova legislatura, com novos e ávidos vendilhões do povo, resolvera adentrar logo de cara na era da modernidade tecnológica. Nada mais das arcaicas e prosaicas votações de outrora, com simplórias contagens manuais, feito chamada do colegial. Afinal, uma vastíssima assembleia de dezessete notáveis necessitava de um painel eletrônico para controlar as acirradas disputas voto a voto. Seria uma temeridade que algum ignóbil qualquer deixasse de contabilizar um importante voto de louvor ou fizesse vistas grossas no momento sublime em que nossos vendilhões decidem dar o nome a uma viela. Uma câmara tradicionalmente tão afeita a discussões e votações importantes, como solicitações de lombadas e bueiros, necessita de fato e por mérito, de um painel eletrônico para coroar suas produtivas reuniões. O súdito que discordar poderá mandar um email ou torpedo a seu vendilhão preferido, e torcer que o mesmo saiba como lidar com a avançada tecnologia de mensagens eletrônicas.
    E já que aos nossos ilustríssimos vendilhões são atribuídas a elaboração de leis, urge a necessidade de assessoria jurídica. Tudo perfeitamente lógico e explicado. Mas, se por aqui o campo é pequeno e a câmara é tradicionalmente uma servil assembleia de vassalos que se limita a abanar o rabo para as propostas do executivo e aprovar moções de apoio e nomes de rua, qualquer advogado de meia pataca serviria. Pois aos nossos bravos vendilhões nem ao menos uma pataca inteira está de bom tamanho. A assessoria jurídica da casa não é suficiente já que a pilha de solicitações de controladores de velocidade se acumula nas mesas. Faz-se necessário a contratação de mais uma empresa de advocacia para auxiliar nossos eleitos. Só para se dedicar e embasar juridicamente a correta denominação das ruas do reino. Que sorte nossa, os súditos, podermos contar com representantes tão preocupados com a forma legal de usurpar nossos recursos.
    E como avanço pouco é coisa de colono ou suburbano, nossos vendilhões decidiram aparecer. Não aparecer nas comunidades onde conquistaram seus votos de apoio e crédito, é lógico. O negócio era aparecer na TV. E se a TV não vai aos tolos, os tolos compram a TV com o bom e velho dinheiro público. A Câmara de Vendilhões adquirira para si um canal aberto de televisão. Negócio da China, de causar inveja às grandes empresas da área de telecomunicações que hoje tropeçam para manterem-se de pé. Tudo que o povo desse reino almejava era um canal inteirinho pautado por seus eleitos vendilhões. Com tantas discussões vazias e protagonistas medíocres será o fim do BBB. Concorrência desleal, de fato. Os custos dessa televisiva vaidade tupiniquim sairá, é claro, dos bolsos dos contribuintes. Pois bolso de contribuinte não tem fundo, como sem fundo é a falta de senso de ridículo de nossos eleitos.
    No amistoso e acolhedor reino de Campo Pequeno o povo optou por mudança. A voz desse povo gritava por um basta. Pois a mudança veio. Fez-se a renovação. Mudaram as moscas. Agora cabe ao povo decidir se quer que a bosta seja apenas revirada, ou coberta de vez e definitivamente. Quem paga picanha e aceita comer papelão vale aquilo que defeca.
     
     
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                            • sábado, 28 de janeiro de 2017

                              O tom de Doria

                              Acho bonito os grafites, pelo menos parte deles. As pichações são um lixo, todas elas. Mas está coberto de razão o prefeito de São Paulo, João Doria Júnior, grafite tem de ter o seu lugar. Como tudo aliás, de carnaval a sexo. Triste de uma sociedade que não sabe o lugar das coisas. Grafites espalhados pela cidade dão um ar de abandono e descaso do poder público. E é exatamente disso que se trata: abandono, descaso e a falta que o poder público faz quando não é capaz de colocar as coisas no seu devido lugar – de pichadores a assassinos.
                               
                                         Assistir nos últimos dias a comoção histérica de artistas globais e da mídia (e como andam histéricos alguns intelectuais e a mídia ultimamente, deve ser algum novo vírus) com a campanha de Doria de limpeza da cidade chega a ser divertido. Falam da importância do grafite na nossa cultura como se Cabral quando aqui aportou tivesse encontrado índios pelados grafitando as árvores com a seiva de Pau-Brasil. Argumentam que é a arte popular ocupando legitimamente os espaços públicos. Não é! Espaços públicos são públicos, são de todos não de alguns, mesmo que sejam Michelangelos e Picassos. Está mais que na hora de acabarmos com essa palhaçada (bem assim, palhaçada, é preciso colocarmos os adjetivos no seu lugar também) de repetir para a população que “temos de ocupar o que é nosso”, que qualquer porcaria é arte e que todo lixo que algum grupo inventar é representação da cultura brasileira. Propalar essas baboseiras é querer enfiar na cabeça do povo uma cultura de desrespeito às leis e a ordem pública e desvalorizar tudo aquilo que de fato é arte, tradição e cultura para nós. E quem repete isso insistentemente? Os mesmos que em relação as carnificinas nos presídios gritam que o problema é que prendemos muito, punimos demasiadamente, que traficantes são vítimas da sociedade (vítimas de nós, bem entendido) e que a solução é a liberação das drogas e a libertação de todos os condenados por tráfico. Que romântico! Aquelas pessoas que nas favelas alvejam os helicópteros da polícia, assassinam turistas desavisados, e nos presídios degolam, decapitam e esquartejam, quando livres, nesse colorido país das drogas liberadas e sem tráfico, vão fazer o quê? Se tornarão empreendedores, decerto. Vão abrir açougues e franquias do McDonald’s talvez. Venderão milho verde e bijuterias em Copacabana. Os jovens “aviãozinhos” voltarão aos bancos escolares ávidos para ingressarem em uma universidade, cursar filosofia e estudar Foucault. Vai ser exatamente assim, entendem os atores globais, os intelectualoides de botequim e a grande mídia progressista. E ainda tem gente que acredita que maconha não sequela.
                               
                                         Gosto do colorido dos grafites, desde que estejam no espaço reservado a eles. Aprecio a ideia colorida de um país de droga livre e violência zero, na categoria romances e ficções.  A realidade é cinza, como as paredes de Doria. Se pretendemos ser um país onde bandidos sejam punidos com restrição de liberdade em presídios dignos e não esquartejados sob o olhar aparvalhado do Estado, onde nós brasileiros não sejamos assaltados, violentados ou assassinados como vermes nas ruas, também sob as barbas do Estado, o poder público tem de ocupar os espaços públicos. O Estado precisa retomar o seu espaço, pois foi aí que tudo se perdeu. Precisamos conviver com o cinza para saber apreciar e valorizar as cores, mesmo as mais sutis, e aprender que cor em excesso cega, Estado ausente mata e a maconha sequela. Se não for assim, em breve, decapitar e esquartejar pessoas será considerado um importante traço de nossa cultura.
                               

                              domingo, 8 de janeiro de 2017

                              Um reino sob nova direção

                              O momento era de festa para os que entravam e despedida para quem saía. O aspecto decadente do palácio real dava um certo ar melancólico à solenidade. A tinta dos velhos pilares desprendia-se da estrutura carcomida por rachaduras como se quisesse escapar furtivamente da ruína do prédio histórico.  A grande bandeira da praça central se fizera ausente na noite festiva. Já não tremulava majestosa há alguns dias. Por ironia, não estava em frente ao paço para saldar o novo rei, justo aquele que lhe reservara o local de destaque há quase vinte anos.  O mastro nu simbolizava o fim de uma época.

                              Uma serena Poliana acompanhava o desenrolar das formalidades. Era hora de ceder o trono e a coroa ao novo escolhido do povo. Poliana sempre soubera que este momento chegaria. E chegara. Correndo os olhos pelo palácio, sem enxergar os sinais de abandono do local, pensava que aquele não seria mais o seu castelo. No dia seguinte novos bobos e pajens ocupariam o lugar dos seus. Outras caras, outros conceitos, outra ideologia. Poliana já entrara para história, mas sabia que em pouco tempo seria só uma apagada lembrança.

                              Era hora de entregar a coroa, anuncia o cerimonial. Sua alteza, Poliana, em seu último ato real, retira lentamente a coroa da cabeça. Admira pela última vez o objeto repleto de simbolismos. O novo rei aguarda solenemente o próximo passo. Um tanto relutante Poliana demora-se um pouco até passar a coroa a seu sucessor. O gosto pelo poder entranha-se na alma dos poderosos feito os musgos nas rachaduras do palácio real.  Era o fim do reinado de Poliana. Um capítulo que se encerrava. O novo rei, com um cerimonioso sorriso, posa para as câmeras. Um outro capítulo se iniciava.

                              Uma escuridão imensa cai sobre Poliana. Os flashes já não eram mais seus. Sentiria falta dos holofotes quase tanto quanto do poder, suspira. Despedindo-se de seus velhos bobos da corte e aliados, caminha lentamente em direção a praça. Era novamente uma pessoa comum. Podia caminhar tranquila sem ser interceptada a cada cem metros por algum súdito queixoso. No centro da praça, para em frente ao chafariz. Estava seco e em desuso. Uma pena, pensa Poliana. Lembrava-se do tempo em que seus jatos coloridos jorravam graciosos e famílias inteiras se reuniam a sua volta para apreciar a dança das águas. Deviam demonstrar mais preocupação com os antigos símbolos do reino, reflete Poliana, balançando a cabeça desgostosa. Virando-se um pouco, lança um último olhar para o castelo, onde uma pequena multidão se aglomerava para parabenizar o rei recém entronado. O céu, até então encoberto, abre-se um pouco, permitindo que a luz da lua ilumine o imponente prédio. Poliana se surpreende com o que vê. Decadência e abandono descortinam-se aos seus olhos.  A estrutura toda parecia se curvar, cansada, sob o peso dos anos e da omissão. Quanto descaso com a história de um povo, entristece-se Poliana. Inadmissível que tenham deixado as coisas chegarem nesse ponto, indigna-se, seguindo lentamente o seu caminho de gente comum. Poliana já não era mais vidraça. Podia decidir tranquila o ritmo de seus passos. Não devia mais explicações a ninguém. Quer dizer... só a Justiça! – lembra-se Poliana, de súbito apertando o passo e olhando temerosa para os lados. Poliana, que enquanto rainha tantas vezes fizera pouco caso de Justiça, agora enfrentaria a espada da bruaca como gente comum. Melhor correr, constata Poliana - a comum - em sua nova e desembestada maratona.

                              E este pacato e hospitaleiro reino agora tem uma nova direção. O reinado de Chucrute, o ariano, se inicia. O reinado da mudança. É o que promete o novo rei e o que dele esperam seus súditos. Que seja Chucrute o rei de todos, e não um rei para o seus. Que evite, o ariano, a tentadora película cor de rosa que costuma encobrir a visão de quem governa, colorindo fantasiosamente a verdade e afastando o monarca da realidade cinzenta de seu povo. Que não abandone suas intenções e convicções no tortuoso caminho dos conchavos e interesses políticos. Que possa ser firme em suas certezas sem ser teimoso nos seus erros. Que saiba voltar atrás e corrigir o rumo de seu reinado sem medo de demonstrar fraqueza. A fraqueza é qualidade dos fracos, como a covardia é dos covardes e a incompetência dos incompetentes.  E este povo não o escolheu para ser fraco, covarde ou incompetente.  Que saiba defender seus acertos até quando estes não lhe rendam votos e aplausos, e que os defenda com afinco mesmo sob uma saraivada de vaias. Um rei não tem de ser popular, um rei precisa ser rei e pelo bem de seu povo reinar. Que saiba ouvir críticas - e detestá-las - sem jamais detestar aos seus críticos.  E em todas as vezes que as críticas, e os críticos, lhe parecerem excessivamente duros, saiba questionar se como rei não estaria sendo excessivamente cego ou convenientemente enganado.

                              São essas qualidades de um homem e é isso o que se espera de um rei. Um próspero e produtivo reinado Rei Chucrute! É o que lhe desejam seus súditos. Bom trabalho.