sábado, 28 de dezembro de 2013

Onde falta discernimento, abundam os vendilhões


Como não podia deixar de ser, a turma de Poliana não conseguira virar o ano sem mais um último puxão de orelhas de Justiça. Que ao menos seja o último, esperam os súditos um tanto céticos. A velha mentecapta, perseguidora cruel de Poliana e sua corte, não respeitava nem o período de festividades. Para quem não enxerga, escuta ou fala, era bem assanhadinha essa fulana. Será que não tirava férias a megera? - se questionavam os revoltados aliados da rainha na Câmara de Vendilhões.
Uma pena ver uma estratégia tão inteligente e refinada ruir bem mais rápido que o tempo que levara para ser planejada. Um ano inteiro de meticuloso planejamento e articulação. Os vendilhões de Poliana ainda não conseguiam entender os incoerentes e absurdos argumentos de Oposição, aceitos e confirmados por Justiça. Desde quando assumir o trono no impedimento da rainha podia ser visto como atribuição do vendilhão maior da pequena Câmara? Coisa mais sem cabimento ou lógica. No entendimento unânime do grupo dos treze, aos vendilhões cabiam dar nome à ruas e votar favoravelmente aos projetos da rainha. Apenas isso. Talvez devessem aprofundar mais os conhecimentos de suas atribuições para não fazerem papel de idiotas novamente. Sorte de todos, de o povo que deveriam representar saber ainda menos do assunto. Azar do grupo que a nanica Oposição, além de ter boa memória, tenha feito o dever de casa. Uma verdadeira surpresa aos aliados que Justiça entendesse de leis. Quem sabe devessem contratar Justiça para umas aulinhas de reforço nas férias de verão. Dessa forma, poderiam evitar mais uma ridícula exposição pública de ignorância daqueles que deveriam legislar e representar, ao invés de unicamente vender apoio em troca de poder e carguinhos. Ou quem sabe pudessem, os dignos representantes eleitos pelo povo, usar o cérebro e o bom senso, vez que outra, mesmo contrariando os interesses reais, apenas para postergar a inevitável atrofia por desuso. A servidão dos tolos é o espelho dos medíocres.

domingo, 22 de dezembro de 2013

As Reflexões Natalinas de Poliana



Natal. Tempo de reflexões. Até para Poliana, a rainha da ilusão de ótica e pouca afeita a questionamentos que pudessem levar a constatações desagradáveis para ela e sua corte. Mas esse ano, como nunca antes, sua alteza precisava agradecer ao Bom Velhinho. Ao velho Noel e a esclerosada Justiça que, mais que o idoso barrigudo, demonstrara conveniente disposição para empurrar com a barriga os pequenos deslizes de uma rainha com mais prepotência do que cérebro. Poliana amadurecera muito nesse ano. As semanas passadas na clausura de sua torre, determinadas por uma Justiça intransigente e excessivamente zelosa com essas bobagens de infrações e legalidades, fizeram a monarca enxergar o que sua redoma cor de rosa lhe ofuscara por quatro anos: o populismo garante a quase eterna permanência no poder, mas uma Justiça ultrajada pode colocar tudo a perder. Convinha a Poliana um pouco de trato com a coisa pública e o mínimo de discrição nos seus contumazes desvios éticos.
E Poliana conseguira. Nesse ano, seus adoráveis bobos aprenderam a lição. Já não se jogavam nos recursos públicos como porcos em lavagem. Estavam mais comedidos. Um pouquinho por vez, e em pequenas porções, era o que ensinavam os nutricionistas e as velhas raposas e eternas sanguessugas do poder, aliadas de Poliana e de seu clã. Nada tão transparente ou abusivo que pudesse render manchetes de jornais e despertar a velha e caquética Justiça. Seguindo essa receita, seu reinado passara um ano inteiro sem sequer um grande escândalo da rainha e sua corte. Palmas a Poliana! Nada como ter a cabeça permanentemente na guilhotina, a mercê dos frágeis e intempestivos humores da famigerada Justiça, para que a doce e temperamental monarca colocasse um pouco de freio em sua ânsia por dinheiro fácil.
Essa nova postura de sua majestade trazia certa melancolia à Poliana. Nesse ano, seu pé de meia não seria tão recheado como nos natais anteriores, suspira a rainha. Se tivesse de continuar nesse ritmo de prudência e moderação, acabaria por ter de sobreviver com o irrisório salário de monarca. Um verdadeiro despautério, indigna-se sua alteza. Sorte de Poliana ainda ser sócia majoritária da Laranja Empreendimentos, e de sua OP - Organizações Poliana - continuar se expandindo com a mesma ligeireza de outros tempos. Este ano, além dos conhecidos ramos de panifícios e prazer e entretenimentos, aplicara em grandes e longínquos latifúndios pantaneiros. Só esperava que seus companheiros do MSTT (Movimento só Tramoia e Trago), não resolvessem ocupar a área e prejudicar suas jogadas.  Nada como ter bom faro para aplicação de dinheiro fácil em negócios limpos. Pelo menos, nesse ponto, seus adoráveis súditos podiam ter a certeza de que o suado dinheiro dos contribuintes estava rendendo bons investimentos. Para Poliana e seus sócios, ao menos. “E tem neoliberal que acredita que recursos públicos nunca são bem administrados!” – pensa a renovada Poliana, rainha da transparência e da ética, pendurando as meias natalinas na árvore.

domingo, 15 de dezembro de 2013

O arrependimento de Golesminha

Em meio à confusão de badulaques trazidos por Poliana de sua recente expedição internacional, o seleto grupo de companheiros se reunia para ouvir os relatos de Golesminha sobre seu tour na China.
- Volto da China renovado, companheirada. Fiquei realmente impressionado com tudo o que vi naquele país. Como são evoluídos os Chineses, muito a frente de nós. Precisaremos nos esforçar para conseguir alcançá-los um dia.
- É mesmo, Golesma? Eu sempre fui cética em relação a China. Acreditava que todo o poderio econômico era mais uma falácia socialista. – surpreende-se a rainha.
- Que nada, Poliana! É impressionante a capacidade produtiva daquele povo. Eles são incansáveis. Chegam a trabalhar 12 horas por dia e nem reclamam hora extra!
- Nossa! Quanta dedicação! Nós aqui nos dedicamos ao governo fazendo turno único no verão. E lá eles fazem tudo isso em nome do socialismo Chinês? – pergunta a monarca.
- Na verdade, Poliana, a China avançou muito em seu regime socialista. O que eles têm hoje é quase um socialismo neoliberal.
- E o que diabos é isso, companheiro Golesminha? – questiona um membro do clã.
- É um modelo perfeito para implantarmos aqui companheiros!
- E como é que funciona?
- É um sistema que se baseia fortemente na economia de mercado, no lucro e no incentivo ao consumo.
- Mas isso não é capitalismo? – pergunta a rainha, confusa.
- Sim. Mas lá eles não têm esse monte de leis trabalhistas, encargos e direitos sociais que esse nosso capitalismo selvagem impõe.
- Ah, tá. Então é socialismo mesmo. – concorda Poliana.
- É. Mas pelo que conversei com os camaradas do governo, os imperialistas já estão se infiltrando no país e tentam desestabilizar o regime.
- Coisa da CIA, aposto! Devem estar monitorando as conversas da internet, os porcos! - indigna-se um membro mais ortodoxo do clã.
- Na verdade não. Quem controla e monitora os acessos na internet por lá é o próprio governo Chinês. São mais de dois milhões de funcionários 24 horas na vigilância cibernética, deletando qualquer difamação contra o Estado que possa surgir nessas horrorosas redes sociais.
- Espetacular! Já pensaram quando conseguirmos implantar essa vigilância por aqui? Quantos carguinhos para distribuir pra companheirada! – entusiasma-se outro.
- Mas continue Golesminha, como é que os imperialistas estão boicotando esse ideal de produção socialista? – interessa-se sua alteza.
- Instigando o povo mais alienado e ignorante a fazer greve e protestos pedindo melhores condições de trabalho e aplicação de leis trabalhistas.
- Que absurdo! – revolta-se o grupo em coro.
- E como é que o povo se presta para um papelão desses? – indaga o membro do SindiPelego.
- Sabe como é, né companheiro, numa população daquele tamanho sempre vai ter quem se preste a ser massa de manobra. E por conta dessa gentinha desocupada, que não tolera ver o socialismo crescer, o governo se obrigou a fazer algumas concessões. Amentou de 90 para 98 dias a licença maternidade, por exemplo.
- Tudo isso! Que horror! O que essa mulherada vai ficar fazendo tanto tempo em casa?! Deve ser por isso que tem reduzido a quantidade de quinquilharias nas lojas de 1.99 daqui. Deviam pôr todas no olho da rua, isso sim. – irrita-se uma militante dos movimentos sociais.
- Mas para compensar, os bebês com 99 dias já podem começar a trabalhar. São usados para testar as chupetas e brinquedinhos, garantindo que nenhuma criança ocidental possa se engasgar com alguma pequena peça mal colocada.
- Que meiguinho! – exclama Poliana. – Pelo visto, companheiro Golesminha, você voltou realmente maravilhado com o regime Chinês.
- Maravilhado e arrependido, alteza. Pense que nós já poderíamos ter implantado um sistema idêntico aqui nos últimos anos, se eu não tivesse perdido tanto tempo com aquelas baboseiras de movimentos sindicais. Agora vai dar um trabalhão danado para desfazer a asneira. – lastima Golesminha, sacudindo a franjinha em desgosto. – E a sua viagem à Itália, Poliana, como foi? O sistema inovador de construção de casas é mesmo bom? – pergunta.
- Perfeito! O negócio já está fechado. Os italianos estão de malas prontas rumo ao nosso reino. Eu trouxe até umas amostras do produto para exibir a vocês. – empolga-se Poliana retirando uma caixa da bolsa. – As peças são leves e se encaixam perfeitamente. – explana a rainha espalhando o material no chão. - Tem um nome cumprido em Italiano, madin... qualquer coisa. Tá escrito aí na caixa. São isolantes térmicas, os italianos me afirmaram. Leves e fáceis de montar. Economizaremos em mão de obra, até uma criança é capaz de erguer uma casa com um material dessa qualidade. Não precisa de argamassa ou cimento. Não é uma beleza? – pergunta Poliana para o silencioso grupo.
- Mas rainha... isso são legos! – anuncia um dos bobos, a constatação já feita pelos demais.
- Que legos nada, seu estúpido! São os novos tijolos elaborados pelos italianos. Tem o nome do produto aí em baixo da caixa. Leia o que diz. Acho que é em latim.
- Aqui diz: made in China.
Após alguns minutos de reflexão, a sempre altiva e inabalável Poliana, dirige-se novamente ao grupo. – Melhor ainda! Mais uma grande inciativa de meu reinado. Poderemos anunciar em toda a mídia nossa preocupação com a segurança. Temos a garantia de que nenhuma criança se engasgará com algum pedaço das novas e inovadoras moradias populares. Afinal nosso produto passou pelo rigoroso teste de qualidade chinês! – sentencia Poliana, voltando a montar seu novo brinquedinho, sem perder a pose jamais.


domingo, 8 de dezembro de 2013

As expedições internacionais da ilustre comitiva real

Com Poliana ausente do reino em viagem internacional, os bobos gastavam os seus, agora reduzidos horários de trabalho, em produtivas rodadas de carteado. Entre uma jogada e outra, discutiam a missão internacional da monarca e de Golesminha.
- O que a rainha foi fazer mesmo na Europa? – questiona um companheiro da Câmara de Vendilhões, mais atento às jogadas e jogatinas, do que as ações de seu reinado e os interesses dos súditos.
- Poliana foi ver in loco a atuação de uma empresa que desenvolveu uma tecnologia diferenciada e inovadora que permitirá a construção de moradias populares de qualidade e baixos custos. Com isso, nossa rainha pretende alavancar ainda mais nosso programa de casas populares e atender ao sonho de moradias próprias de nosso povo.  – responde prontamente o bobo do marketing, enquanto jogava Candy Crush Saga no facebook.
- Esse aí, incorporou tanto o papel de marqueteiro oficial que até fala como se estivesse dando manchete de jornal. – cochicha um companheiro para os outros do grupo, provocando risinhos dissimulados.
- E quem é o engenheiro que foi acompanhar sua alteza? – questiona um dos pajens.
- Engenheiro? Nenhum. Já foram junto com a rainha dois bobos da corte. Ia ser muito recurso público desperdiçado ter de levar um engenheiro também. Imprensa Livre ia falar mal de nós. – responde outro bobo, mais bem informado.
- Mas Poliana não entende nada de obras, a não ser de inaugurações e aquelas visitas tolas com capacete e pose de operária para sair nas fotos das propagandas oficiais. E os dois bobos que estão com ela são tão topeiras quanto nós em matéria de construção civil. Ou seja, são três ignorantes avaliando questões extremamente técnicas. Os tais estrangeiros podem até mostrar casas feitas de legos que eles não vão saber a diferença. – constata um companheiro.
- Não corremos esse risco. Pedimos a um dos nossos engenheiros de carreira que desse umas aulinhas básicas para a rainha e seus acompanhantes. Ele mostrou a eles a diferença entre um tijolo e uma peça de lego, e entre cimento e massinha de modelar. Se a massinha de modelar não for cinza, Poliana com certeza saberá diferenciar. Nossos contribuintes poderão ficar tranquilos de que estão sendo muito bem representados no exterior e que todo o dinheiro público investido na viagem está sendo coerentemente aplicado. – reponde o marqueteiro oficial sem tirar os olhos de seu iPhone.
- Tomara. Por via das dúvidas vou construir minha nova casa nos moldes tradicionais. – resolve um dos pajens.
- E eles vão ficar tantos dias só pra ver tijolo?
- A comitiva real também estará aprofundando seus conhecimentos e trocando experiência quanto a uma nova proposta de transformação de lixo em energia. Mais um projeto ousado e grandioso que demonstra a preocupação da rainha com a questão ambiental. – relata novamente o bobo do marketing, com voz e jeito de anunciante das casas Bahia.
- Deviam procurar um projeto que transformasse lixo em asfalto, isso sim. Se nós levamos tantos anos e mal começamos a transformar buracos em asfalto decente, calculem quantas décadas levaremos para fazer lixo virar energia? Logo nós, que não temos energia nem para trabalhar. – constata um dos presentes, pegando mais uma carta do baralho.
- Pode ser, mas rende manchetes ecologicamente corretas. – acrescenta o bobo do marketing.
- E o Golesminha foi fazer o que na China? Lutar por melhorias nas condições de trabalho do proletariado do país e por garantias de direitos trabalhistas àqueles trabalhadores? – pergunta outro jogador.
- Que nada! Isso é coisa do passado para o companheiro e ex-sindicalista Golesminha, e para nós. Ele foi tentar estreitar relações com os empresários Chineses, para que possamos ter também nossa parcela de lucros e benefícios com a exploração da mão de obra Chinesa. – responde um representante da FarsaSindical.
- Nada como um dia depois do outro, ou um carguinho melhor que o último, não é mesmo? – pergunta, irônico, um companheiro de clã.
- Nada como uma trinca de Ases, isso sim. Bati! – grita outro eufórico.
- Que droga! Me desconcentrei com toda essa conversa inútil e perdi a jogada! – reclama o bobo responsável pela gerência administrativa do reino. – Mas já está mesmo na hora de ir para casa descansar. São quase 14 horas! Como o tempo passa voando quando estamos ocupados, não é mesmo? Ainda bem que no verão, os dias são mais longos, mas nossas jornadas de trabalho são mais curtas. Coitado do Golesminha! Se nessa viagem ele precisar acompanhar a jornada de trabalho dos Chineses, vai voltar exausto. Justo ele, que por anos surfou no sindicalismo para fugir do trabalho! Vai chegar aqui já pedindo férias. Vamos embora companheirada. O último a sair desligue o ar condicionado. Não se esqueçam que a economia e o bom uso dos recursos públicos é a principal preocupação de nossa adorada rainha, Poliana.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Gestão de futilidades

Na reunião semanal da rainha com sua corte, faltava espaço para tantos bobos e pajens. Para contentamento e escárnio dos serviçais de carreira, nessas horas até o alto clero participava das tradicionais danças das cadeiras que assolava a vala dos comuns (aqueles que não eram contemplados com carguinhos ou as benevolentes mãos protetoras e coniventes da companheirada). Por falta de cadeiras no recinto para acomodar tanta chefia, os coitados se revezavam em escala de treze minutos. Treze sentados, treze de pé. E todos torciam para a reunião não se alongar demais.
- Quero dizer a vocês todos, meus adoráveis bobos, que estou muito satisfeita com os novos projetos apresentados por vocês nesses últimos dias. Parabéns! – elogia Poliana para seu enorme séquito de prestativos vassalos.
- Muito obrigada alteza! Nós nos sentimos todos honrados em poder servi-la e agradá-la sempre. – agradece um companheiro emocionado e bajulador.
- Gostei particularmente desse novo modelo de vias públicas instaladas no centro no reino. Não acredito que tenha outro projeto semelhante no resto do mundo. Na viagem que farei a Europa nos próximos dias ficarei atenta a isso. Se for mesmo inovador, precisaremos patentear e divulgar! – entusiasma-se Poliana.
- De que projeto você esta falando, rainha? – questiona o bobo do tráfego.
- Das vias elevadas, é claro! – esclarece Poliana, radiante.
- Ah, as vias elevadas... – comenta o bobo completamente confuso, sem saber do que falava a monarca.
- Consegui escapulir de minha redoma ontem e fui caminhar na avenida. Pude perceber que em alguns pontos o asfalto quase ultrapassa a calçada. Imagino que a intenção seja dar maior visibilidade ao automóvel.
- Claro, alteza! É justamente isso! – improvisa o outro.
- Me emocionou principalmente a óbvia preocupação de vocês com os cadeirantes, que nesse novo modelo, nem precisarão de rampas!
- Isso mesmo, Poliana. Levamos meses desenvolvendo esse minucioso projeto de inclusão e acessibilidade. – ajuda a enrolar o bobo das obras.
- E em dias de chuva, nossos motoristas poderão circular até nas calçadas, de Jet Ski, o que auxiliará bastante na fluidez do trânsito, não é mesmo?
- Com toda certeza, rainha. Já estamos elaborando uma proposta de incentivo ao uso de Jet Skis no reino. É uma tendência moderna onde o trânsito flui melhor através do empoçamento das águas.
- Que bela iniciativa! A única coisa que me preocupou foram as nossas magníficas travessias elevadas para os pedestres. Em alguns pontos, pelo que vi, teremos de elevá-las tanto que talvez seja necessária a instalação de elevadores de acesso.
- Brilhante ideia magnânima! Travessias de pedestres com elevadores de acesso, com toda certeza é inovador e digno de muito marketing. – deslumbra-se o bobo da mídia e pirotecnia patrocinada pelo dinheiro público.
- Agora, teve um projeto apresentado por vocês essa semana que realmente me encheu de orgulho! É de iniciativas assim que o reino precisa. Gente como nós, capazes de estabelecer prioridades! Não podemos no ater as mesmices insignificantes de sempre: falta de leitos, de exames, de tratamentos, de creches e de esgoto. Precisamos saber captar do que realmente nosso povo precisa e anseia. E nós conseguimos ter a sensibilidade para ouvir o que nunca foi dito e tomar uma atitude. – discursa Poliana, gesticulando e esganiçando a voz, como nos palanques.
- A qual das dezenas de programas ridículos que eu postei no facebook esta semana, você está se referindo, Poliana? – pergunta o, ainda um pouco questionador, bobo do marketing.
- O que vai dar nome as ruas do cemitério, é claro! Uma necessidade urgente e básica, como remédios e saneamento, e que vai custar tão baratinho. Menos que os trezentos e tantos mil que prevíamos. Uma bagatela, para uma medida tão emergente e prioritária. Sorte nossa que existem empresas de fora do reino habilitadas para um serviço tão complexo, não é mesmo?
- Sorte mesmo. – concordam todos.
- Será que a tal empresa vai levar muito tempo para nomear todas as ruas do cemitério, rainha? – pergunta o marqueteiro.
- Oficialmente, um seis meses. Na prática, acho que terminam em uma tarde. Por quê? – indaga a monarca.
- É que nos próximos meses devemos estar distribuindo os nossos tradicionais informativos dos grandes feitos de nosso reinado, volumosos e recheados de meias verdades e coloridas mentiras. E se os endereços no cemitério já estiverem concluídos, pensei em aumentar as tiragens e enviar um para cada morador do local. – responde o marqueteiro oficial.
- Brilhante ideia, meu jovem e sábio bobo! Nossos informativos só servem para jogar recurso público na latrina e ajudar nossos companheiros de clã. Ninguém lê aquelas porcarias mesmo. Aumente as tiragens e mande um para cada túmulo. Com mais um de nossos magníficos e úteis projetos, os carteiros não terão como se perder nas entregas. E os serviços públicos de saúde devem ser informados dos novos endereços, para mandarem aquelas cartinhas tolas que estão me causando dores de cabeça e ameaças de auditoria. Os mortos, ao menos, não podem mais se queixar de superfaturamentos ou da ausência de políticas públicas de saúde. Sorte nossa, não é mesmo? – acrescenta Poliana, soberana inquestionável das prioridades fúteis e gestora acomodada de problemas emergentes.





sábado, 23 de novembro de 2013

Assombração midiática atinge a saúde real

Depois de tanto tempo apenas lidando com os corriqueiros problemas asfálticos do reino, com Imprensa Livre acomodada e Justiça hibernando, Poliana já estava desacostumada com os escândalos e denúncias em seu reinado. Pois eis que, para surpresa da rainha, os fantasmas vieram assombrar sua majestade. Imprensa Livre noticiara acusações assombrosas no nosocômio público do reino. Questões de trocas de sílabas e de faturamentos, alegava a corte real. Mas Poliana ficara assustada, sempre tivera medo de fantasmas.
- Que história é essa de pacientes fantasmas, meus bobos? Eu sempre fui informada que fantasma mesmo na saúde havia só o bobo da pasta, que só aparece vez por outra no setor e só para assombrar! – afirma sua alteza com sarcasmo.
- É apenas denuncismo tolo e sem fundamento rainha. Nada para se preocupar. Coisa de uma Imprensa Livre desocupada e sem assunto, só isso. – afirma tranquilamente um dos bobos nosocomiais.
- O que realmente ocorreu? – questiona a monarca.
- Nós só trocamos um nome, umas letras, umas datas e uns dígitos. Só isso. Pura distração. – responde o outro.
- Mas Imprensa Livre anda gritando, com aquela boca enorme de trombone, que estão pipocando no reino outras denúncias dos mesmos “errinhos” tolos. Estão nos acusando de faturar em cima de pacientes e procedimentos fantasmas! – queixa-se a rainha, ultrajada.
- Nós já esclarecemos tudo Poliana. Comprovamos com nossos dados de marketing, que noventa e cinco por cento dos pacientes atendidos por nós não se queixam nem dos serviços nem do faturamento irregular.
- Claro! Nossa prestativa ouvidoria não fala ainda com os fantasmas, acredito. Vocês acham que alguém vai engolir essa conversinha fiada de vocês?! Nem eu engulo! Imprensa Livre deve estar gargalhando ao imaginar nossas pesquisas, tão idôneas e transparentes, a ponto de perguntar aos usuários: “O senhor esteve internado por diarréia, mas nós cobraremos do sistema de saúde por um transplante cardíaco. O senhor se sente satisfeito com seu coração novo?” Façam-me o favor! – irrita-se Poliana.
- Isso não acontece Poliana. Não há irregularidades desse nível, podemos garantir. – afirma o bobo.
- Lógico que não. Tenho certeza absoluta disso. Nosso nosocômio ainda não faz transplantes cardíacos. Mas se fizerem uma auditoria profunda, vai faltar osso no reino para tanta fratura, não é mesmo meus queridinhos? – acrescenta a rainha, caprichando no sarcasmo para provar que não era tão estúpida como se fazia parecer.
- É que nós somos referência para toda a região no atendimento dos quebrados, rainha! – apressa-se em justificar outro pomposo assessor nosocomial.
- Sem dúvida! E o povo da região se quebra mais em um ano do que os soldados em toda guerra do Vietnã. – ironiza ainda mais a monarca.
- Os acidentes de trânsito estão cada vez mais freqüentes, alteza. – continua o outro, quase perdendo o rebolado e desfazendo o penteado.
- E, a julgar pelos números, a colonada daqui deve fazer rally de trator todo dia. E são péssimos motoristas! Mas chega de papo furado e de osso mal remendado! Quero que vocês resolvam esse caso e afastem os fantasmas do meu reinado. Não quero Justiça novamente no meu calcanhar. Só de pensar nisso já sinto uma dor nos tornozelos. – queixa-se Poliana.
- Dor nos tornozelos, é? Quem sabe, vamos até o nosocômio público, rainha? Eles te fazem um raio x e colocam um gesso só pra imobilizar. Depois trocam o gesso umas vinte vezes. E com um pouco de sorte, no final, podemos faturar uma cirurgiazinha de quadril! Se você receber uma cartinha do sistema de saúde, nem leia. Rasga e joga fora. E quando nosso serviço de ouvidoria ligar para sua casa, não se esqueça de agradecer pela excelência do serviço recebido! – orienta o prestativo assessor, arrumando o penteado e estufando o peito, como um legítimo pavão ornamental da corte real na saúde.
- Fechado! Estou mesmo precisando de um atestadinho. – responde a alteza, resolvendo mais uma pequena crise de perseguição midiática aguda, sem maiores intercorrências ou complicações. Essa conta, como todas as outras, quem paga é o contribuinte. Adoentado ou não.





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O festival de egos inflados da corte da rainha

No reino de Poliana os coloridos balões do festival de balonismo da região enchiam o céu de beleza. Já na Câmara de Vendilhões alguns egos conseguiam se achar mais inflados que as belas alegorias da festa. Vendilhões do clã da rainha e da Irmandade do Fogo, base de sustentação real - quase surreal em tempos mais remotos - alfinetavam-se dentro e fora da plenária. Chegava a ser tragicômico ver seres ideologicamente tão distintos, mesmo para aqueles que, há muito, extinguiram as ideologias em prol de bons carguinhos, se digladiando nas surdinas, para em seguida defenderem de mãos dadas, como humildes servos de uma seita, todas as propostas da rainha.

Cômicos mesmo eram os discursos. Ah, os discursos! Quanta perfeição semântica na total ausência de coerência. Vê-los, assim, empertigados na tribuna, usando os mesmos surrados conceitos, que ao que parecia, sequer conheciam os significados, causava sempre certa desesperança melancólica naqueles que ainda tentavam preservar um pouco de cérebro e lucidez em meio ao vácuo existencial prevalente. Assistir um ilustre, e até então destemido representante sindical, erguer a voz contra a terceirização do trabalho. Bradar com a eloqüência dos devotados a uma boa e justa causa, combatendo a precarização da mão de obra (obra de governos neoliberais passados que detonavam os direitos dos trabalhadores, é claro), afirmando com a convicção própria dos idealistas natos, que terceirizar é negar os direitos trabalhistas duramente conquistados e submeter os trabalhadores a regimes escravocratas, emociona até o mais empedernido reacionário classe média e elitista. Pena, que ao baixar das cortinas, e no apagar dos holofotes, o mesmo sindicalista defensor dos direitos trabalhistas e crítico severo do trabalho semi-escravo de um capitalismo neoliberal, defenda, com a mesma voracidade e “coerência”, a importação terceirizada de mão de obra quase escrava de médicos de uma fantasiosa ilha caribenha, onde com certeza, qualquer quebra de contrato se negocia no paredão. A escravidão, assim como as convicções, só depende de que lado da chibata, ou do poder, se está. Assim nos ensinam os ilustres vendilhões dos trabalhadores e do povo, em qualquer reino ou arquipélago, neoliberal ou socialista. Onde se compra ideais, também se vendem consciências. A preços módicos e irrisórios. Por cestas básicas, sabonete, papel higiênico, charutos ou carguinhos. Leiloa-se o conteúdo e a substância, mas sem perder o discurso jamais.

sábado, 9 de novembro de 2013

Tem galinha de macumba nas obras de Poliana

No meio da rua uma multidão cada vez maior se aglomerava. Motoristas abandonavam seus carros e se acotovelavam no tumulto tentando descobrir o que ocorria. Pedestres curiosos paravam para bisbilhotar. A polêmica toda começara em meio as obras de repavimentação asfáltica da rainha, na principal avenida do reino. Tudo seguia o rumo esperado, com muito trânsito, confusão, piche e pó de brita. Motorista chato reclamando. Gente desocupada palpitando. A cada vez mais farta assessoria de marketing real, fotografando cada brita que pulava nos buracos e postando nas redes sociais. Nada que não fosse esperado e tolerado em uma obra dessa monta. Mas, eis que, no horário de pico do trecho em reformas a situação chegava a ser cômica. Um dos principais cruzamentos do reino tinha as sinaleiras desligadas. Carros atravessavam-se perigosamente entre si. Pedestres ziguezagueavam apavorados tentando chegar sem fraturas ao outro lado da rua. Caos era pouco para descrever o quadro. Foi nesse momento que uma miúda idosa que passeava com seu Pincher, grita:
 - Onde eles estão! Meu Deus será que ninguém se deu conta?! Eles caíram nos buracos e estão sendo soterrados de asfalto! – desespera-se a senhora correndo para o centro do canteiro de obras.
Aí sim, a situação que já era caótica, tornou-se dramática. Dezenas de pessoas acompanharam a anciã na tentativa de salvar os soterrados.
- Ajudem! Eles devem estar embaixo daquela camada de piche! Parem logo o rolo compactador! – ordena a idosa, ajoelhando-se no chão e começando a revolver o piche com as próprias mãos. Centenas de outras mãos solidárias se misturaram as dela cavando no pó e na brita. Até o Pincher auxiliava.
- Não tem ninguém aqui! Vamos para aquela outra área! Espero que não seja tarde demais para aquelas pobres almas. – emociona-se a senhora comandando o pelotão de salvamento para mais um buraco recém recapeado.
Um motorista que abandonara o carro no meio do cruzamento para descobrir o que ocorria, questionou a um dos presentes o que estava havendo.
- Pessoas acidentalmente caíram nos buracos do asfalto e foram soterrados por piche. Estamos tentando encontrá-las.
 - Que horror! Eu tenho uma pá no carro, vou buscar para ajudar! – apressa-se o outro prestativo.
Com um fato tão grave acontecendo no reino, eis que surge Poliana, a prestimosa rainha para tomar pé da situação. Vestindo terninho branco, scarpins pêssego, o capacete de rainha proletária e cercada por dezenas de bobos da corte, questiona ao grupo:
- Que diabos vocês estão fazendo no meu asfalto novinho! Ficaram loucos! Passaram anos reclamando dos buracos no asfalto, e quando eu resolvo dar fim neles, vocês sentem saudades e criam todos novamente! – grita Poliana fazendo todos pararem com o tom imperativo da monarca.
- Não é isso dona rainha! – responde a idosa dirigindo-se à Poliana para um afetuoso abraço de súdita deslumbrada com o carisma real.
- Sai pra lá velhota! Nem vem com essas mãos empoeiradas pra cima do meu trajinho. Explica o que é essa bagunça toda?
- É que os pobres homens devem ter sido soterrados na obra. Não estão em lugar nenhum. Ninguém os vê há horas. Pode olhar para o trânsito Poliana, o que você vê? – pergunta a perspicaz idosa.
- Uma sinaleira piscando. Um monte de motoristas completamente perdidos. Ninguém sabe quem vai e quem fica. Um motociclista que acabou de colidir com um cone. A ambulância da SAMU. Um cabeludo fazendo malabarismo com bolinhas e cuspindo fogo. Uns mal educados cuspindo palavras de baixo calão... A mim parece uma ótima encruzilhada para Oposição fazer um despacho de macumba. – constata Poliana, serenamente.
- Isso mesmo, visionária rainha! E você está vendo eles? – questiona a idosa.
- Eles quem mulher?! Você acha que caberia ainda mais gente nesse cenário catastrófico? Quem você acha que ainda falta? – irrita-se sua alteza, quase perdendo o eterno sorriso populista.
- Os Azulzinhos! O pessoal do trânsito! Que ajudam a coordenar o tráfego em momentos de caos! Eles não estão aí. Acho que o rolo compressor passou por cima deles. – reponde a idosa com os olhos rasos de lágrimas. – Não conseguimos salvá-los. – lastima a boa velhinha fungando e sendo acompanhada por várias outras pessoas do grupo.

- Os azulzinhos! Vocês fizeram todo esse estrago no meu asfalto novinho para resgatar os azulzinhos! De onde tiraram a idéia estapafúrdia de que eles estariam logo aqui! Que coisa mais sem pé nem cabeça. A senhora deve estar esclerosada! Os azulzinhos estão de folga. Eu mesmo liberei os coitados. Estão todos se concentrando para uma atividade muito importante e motivadora para eles. Vão assistir ao show da Galinha Pintadinha. Eles adoram! A senhora não gosta do Galo Carijó? – continua Poliana, sorridente e conduzindo calmamente a idosa para longe do local onde se ouvia o refrão do espetáculo “Pó,pó, pó....pó,pó,pó, póooo...”

domingo, 3 de novembro de 2013

Pavimentando contradições

Poliana já estava desgastada de tanto ouvir reclamações. Não bastassem as críticas infames de Imprensa Livre (atualmente bem mais adestrada e domesticada), até seus bobos da corte davam de reclamar dos tais buracos no asfalto, quase um slogan do democrático e participativo reinado de sua alteza.  A monarca encontrava-se entediada com as mesmas cansativas queixas e lamúrias em quase cinco anos de reinado. Será que a elite golpista do reino não daria tréguas a rainha?
Para contentar os golpistas e silenciar a já moribunda Oposição, Poliana iria gastar um pouco dos recursos dos contribuintes para cobrir algumas crateras no asfalto e calar de vez as bocas maledicentes dos motoristas.
- Vamos colocar nos próximos dias mais um vultoso projeto de revitalização inclusiva e cidadã da pavimentação asfáltica da malha viária da região central do reino. – anuncia sua alteza, determinada.
- Graças a Deus, rainha! Não temos mais desculpas esfarrapadas pra tirar da manga e justificar quase cinco anos de negligência com o centro do reino. – suspira aliviado um representante dos movimentos sociais.
- Que brilhante idéia Poliana! O povo clama há anos por melhorias nas ruas do reino! – exulta outro bobo da corte.
- Ainda bem que você, Poliana, enfim conseguiu enxergar a situação precária de nossas ruas e avenidas. Tem lugar onde os buracos estão brigando um com o outro em busca de espaço! – opina um companheiro de clã.
- É a pura verdade rainha! Tem buraco engolindo buraco e bueiro se escondendo de medo de ser aniquilado nessa guerra desleal! – desabafa o bobo das obras no reino.
- Na minha rua já tem árvore crescendo nas crateras no meio da rua e as lombadas parecem valetas elevadas, pois é um buraco ao lado do outro. – acrescenta outro servo.
- Muito bem! Para acabar com tanta choradeira burguesa e elitista, estarei nos próximos dias, iniciando a primeira etapa da reformulação da pavimentação asfáltica para os burguesinhos desocupados e mimados do centro do reino!
- Bem dita seja voz alteza! E por onde começaremos o recapeamento?
- Pela avenida central, é claro! – declara Poliana, convicta e decidida.
- A avenida central? Ela não está lá grande coisa, mas as paralelas e perpendiculares estão em situação muito mais precária, rainha? – questiona um dos pajens.
- É verdade Poliana, tem ruas do centro muito mais necessitadas que a avenida central! – argumenta o bobo das obras públicas.
- As outras estão em estado deplorável! É uma buraqueira danada. A empresa que ganhou a concorrência para fazer o serviço, nossa parceira e amiga, teria de gastar muito asfalto para colocar aquele caos nos eixos. Seria muito gasto e pouco lucro com o dinheiro público. Por isso começaremos onde menos buracos existem. – replica a sempre coerente rainha.
- Mas Poliana, será essa uma boa estratégia?- questiona o preocupado marqueteiro real.
- Claro que sim, seu estúpido! Daremos recapeamento aos que menos precisam, mas onde a visibilidade é maior! Nossos amigos gastarão menos asfalto e nós gastaremos fortunas em marketing e mídia. Para cada buraco mal coberto espalharemos dezenas de banners e inserções em Imprensa Livre. Nossos súditos, cooptados e iludidos com tanta propaganda e marketing, se sentirão felizes e satisfeitos com um pouco de piche e pó de brita. E nós ganharemos popularidade e notoriedade. Essa é a eterna lógica do populismo, hoje, ontem e sempre. Como tão bem nos ensinou o eterno mestre Hugo! O povo, que paga a conta, se alimenta de ilusões e farelo de asfalto, nós, enriquecemos com os intermináveis recursos públicos e com os agradecidos votos de nossa eternamente maleável massa amorfa de súditos trabalhadores, simplórios e eternamente crédulos. – esclarece Poliana, soberana absoluta da neo democracia caudilhista. 

domingo, 27 de outubro de 2013

O surpreendente leilão da rainha

Poliana estava enciumada. Não agüentava mais ver tantas notícias e adulações ao mega leilão promovido pela Rainha Mãe. Sua alteza odiava ver outra rainha, mesmo a escolhida de seu clã, mais em evidência que a doce e carismática Poliana. Até os protestos e quebra-quebra serviram para dar mais visibilidade a outra. Era preciso colocar sua coroada cabeça para funcionar e produzir algum mirabolante projeto capaz de ofuscar o leilãozinho megalomaníaco da Rainha Mãe.
- Eu convoquei vocês todos hoje, em reunião extraordinária, meus bobos, para um importante anúncio. – começa a altiva monarca do alto de seu trono.
- Vai decretar mais um feriadão para nós alteza?! – vibra um companheiro.
- Nada disso. Trata-se de um projeto grandioso para o futuro do reino e que trará fortunas aos cofres públicos.
- Vai render dinheiro para nosso Fundo de Apoio a Companheirada, rainha? – entusiasma-se outro.
- Lógico. De que vale os recursos públicos sem nossos desvios privados. -responde Poliana.
- E que projetinho é esse, alteza? – questiona um dos bobos da corte.
- Vamos fazer um leilão!
-Leilão?! Mas vamos leiloar o que?
- Os buracos no asfalto! – anuncia a magnânima Poliana, com o queixinho erguido de orgulho.
- Ah! Vamos fazer mais um tapa-buracos, é isso? – indaga o bobo um tanto decepcionado.
- Nada disso, seu molóide! É um projeto inovador e ousado. Vamos abrir concorrência para que consórcios do mundo inteiro possam explorar nossos buracos no asfalto! Ganharemos bilhões!
- Mas vão explorar o que, Poliana? Está certo que alguns são bem profundos, mas ainda não atingem o pré-sal. – constata o bobo das obras.
- Eu concordo com o companheiro, rainha. Já tem gente explorando alguns buracos com pesque-pague, mas não acho que grandes empresas possam se interessar em pesca esportiva.
- Vocês são mesmo desinformados. Eu consultei um famoso especialista e descobri que nossos buracos no asfalto são uma riquíssima fonte de xisto!
- Cheetos? Aquele salgadinho? – pergunta um assessor parlamentar, lambendo os beiços, empolgado.
- Não seu idiota! – irrita-se a monarca – Xisto! Aquelas rochas que são a fonte de energia mais comentada do momento.
- Ah! Aquele negócio que promete ser o substituto do petróleo e que pode fazer nosso pré-sal ser uma palhaçada maior do que já é?
- Esse mesmo! O futuro das energias não renováveis está em nossas mãos! Ganharemos fortunas!
- Você tem mesmo certeza disso, Poliana?
- Absoluta! Consultei o especialista, comparamos as imagens, e não há dúvidas. Nossos buracos são repletos de xisto!
- Que maravilha, rainha! Vou postar agora mesmo no facebook! E anunciar imediatamente em todas as rádios locais. – alegra-se o bobo do marketing e mídia, colocando-se em movimento.
- E nós precisamos organizar nossos companheiros para lucrar nesse consórcio! Serão bilhões! Trilhões! – ergue-se rapidamente outro companheiro já falando ao celular.
Em poucos minutos a sala já era uma balburdia. Bobos e pajens entusiasmados discutiam entre si e falavam ao telefone. Uma satisfeita Poliana, lixava as unhas comodamente sentada em seu trono, já sonhando com os recursos que cairiam em suas contas.
Algum tempo depois, o bobo do marketing, retorna a sala para informar a rainha.
- O anúncio já esta em todas as redes sociais. Um enorme banner acabou de ser colocado na entrada do reino. O pessoal de Imprensa Livre quer uma coletiva, em poucos minutos, com você Poliana. Preciso saber o nome do geólogo que constatou as reservas de xisto em nossos buracos no asfalto, alteza?
- Google.
- Como? – pergunta o outro, já sentindo o suor frio escorrer pela espinha.

- Eu pesquisei no Google. Vi as fotos que apareceram. Umas rochas cinzentas e descamativas, iguaizinhas as que se vê nos buracos do asfalto. Quem precisa de geólogo em plena era da informática! – conclui a altiva e decidida Poliana, deixando o recinto e sua apavorada corte de bobos.

domingo, 20 de outubro de 2013

Fazendo hora no verão

No salão real, o grupo tentava convencer Poliana do polêmico projeto. Sentada no trono, sua alteza ouvia atentamente os argumentos.
- Todos os profundos estudos realizados por nossa equipe demonstram claramente alteza, que é possível economizar uma fabulosa quantia de recursos públicos se reduzirmos em duas horas o horário de trabalho da corte.
- Seguindo essa lógica, já devemos ter economizado milhões nesses anos com tantos bobos e pajens pagos pra não fazer nada. – retruca Poliana, irredutível.
- Se as repartições fecharem mais cedo, rainha, gastaremos menos. – continua o economista, ignorando a ironia real - Isso está perfeitamente provado.
- Se isso é verdade, então por que a Coca-cola e a Ford não adotaram ainda essa fantástica estratégia de gestão? – questiona, cruelmente, Poliana.
- É que a economia só vale quando a coisa é pública e o dinheiro é do contribuinte lesado. O dinheiro privado tem valor diferente nesse odioso mercado capitalista. – responde um dos companheiros.
- Sei... Na iniciativa privada não se joga dinheiro na latrina. – continua a monarca - E no que exatamente economizaremos o suado dinheiro dos súditos, meus bobos?
- Em luz! – salta rapidamente um dos novos entendidos em economia do reino. – Energia elétrica. Com as repartições abertas menos tempo, gastaremos menos eletricidade. E você sabe Poliana, como a luz anda pelos olhos da cara!
- Se é para economizar em energia elétrica e luz, devíamos adotar esse turno especial no inverno! Das nove às quinze horas. Aproveitaríamos melhor a incidência do sol, coisa que, por sinal, abunda no verão. Gastaríamos menos com aquecedores e estufas também. – retruca sua alteza, batendo o pezinho o chão.
- Boa idéia rainha! Podíamos adotar essa tática o ano todo. No inverno dormiríamos até mais tarde e no verão aproveitaríamos a piscina! – vibra outro companheiro.
- Eu fiz uma ironia, seu estúpido! – ralha Poliana – E em que mais economizamos nesse turno especial de verão?
- Em água. O consumo de água aumenta muito no calor.
- Água! Vocês pretendem que eu enrole Imprensa Livre e os contribuintes argumentando que economizaremos milhares diminuindo o consumo de água?! Para gerar uma economia substancial aos cofres públicos cada um de nossos serviçais precisaria tomar, por dia, uns 10 litros e puxar a descarga umas 100 vezes! Façam-me o favor. Mostrem-me argumentos mais sólidos e menos insípidos! – irrita-se Poliana.
- Os contribuintes serão beneficiados, pois poderão usufruir dos serviços públicos no horário do almoço! – argumenta outro assessor.
- Essa sim, é boa. Os contribuintes vão adorar a idéia de deixar de almoçar para usarem um serviço que sempre usaram em horário comercial. Posso até vê-los famintos pelo meu pescoço de monarca. – acrescenta a rainha com escárnio.
- Nós gastaremos menos em papel higiênico também. – continua outro, ansioso para convencer a soberana.
- Era só que faltava. Os servos cagam mais no verão, é isso? Ou talvez, vocês, meus adoráveis e atrapalhados bobos, tenham menos tempo de fazer suas tradicionais cagadas, o que para mim seria uma economia de problemas. – conclui Poliana - Já chega de ouvir tantas asneiras. – ergue-se a rainha do trono, dando a reunião como encerrada.
- Mas, majestade, você não pode ser contra essa idéia! Você sabe o quanto ela  é importante para sua boa imagem e popularidade com os serviçais! – desespera-se um companheiro.
- Eu não sou contra. Acho a idéia excelente. As desculpas esfarrapadas é que não são. Vou enrolar o povão e Imprensa Livre com coisas mais criativas. Estaremos implantando um novo projeto de valorização dos serviçais e melhoria da qualidade do atendimento ao público. Direi que pesquisas recentes, desenvolvidas em países do mediterrâneo, mostram que os profissionais aumentam em muito sua produtividade se dormirem duas horas depois do almoço! Por isso, decretarei nos próximos dias o direito à sesta remunerada. – anuncia a monarca.
- Brilhante rainha! Não sei como não pensamos nisso antes. – vibra o representante da Farsasindical.
-Eu, modéstia a parte, sou mesmo uma exímia estrategista. Especialista em gerenciamento e MBA em gestão de absurdos financiados com recursos públicos. Agora me deixem em paz seus molóides! Tenho muito para fazer em poucos dias. Preciso de várias sessões de bronzeamento artificial. O horário especial já está aí, e não posso estrear meu biquíni verde-água com a pele branca desse jeito. Seria péssimo para minha irretocável imagem de soberana.