Que
experiência gratificante é viajar por Horário Eleitoral! Um
pedacinho do paraíso, quase uma ilha, perdida em meio a realidade
desbotada e nada pomposa de Mundo Real. Todos os candidatos a
medalhas e troféus adoravam a seu povo. Nisso sempre concordavam
Situação e Oposição. Preocupavam-se com o futuro de seu povo.
Sofriam pelos males do povo. Comoviam-se com a história do povo.
Lutavam com unhas, garras e golpes baixos, para serem sustentados nos
próximos anos por esse povo. Apenas uma pequena coisa desagradava a
esses abnegados candidatos em Horário Eleitoral: o povo! O povo
real, de carne e osso, não fazia boa figura nesse mundo colorido e
perfumado. O povo de verdade, não é capaz de arar a terra, sob o
sol escaldante, mantendo um sorriso satisfeito nos lábios e sem
derramar uma gota de suor. Os operários do mundo real, não chegam
ao final de um árduo dia de trabalho e sorriem satisfeitos por
estarem contribuindo para o crescimento do país. As mães da vida
real são completamente incapazes de manter sua prole de cinco
filhos, todos limpinhos e comportados, como em comercial de
margarina. Ao povo, de Mundo Real, faltavam dentes. Faltava estudo.
Faltava o discurso arrumadinho e semanticamente perfeito. Faltava
comprometimento social. Faltava paciência. Faltava saúde. Enfim,
faltava classe e boa forma a esse povo, que não era digno de Horário
Eleitoral ou de seus candidatos.
Não
é fácil amar um povo longe das câmeras, do circo, e do photoshop.
Por isso, era preciso criar um novo povo. Um povo, que até o povo
real goste de ver na televisão. Um povo sofrido, de um sofrimento
comovente, quase poético. Um povo miserável de uma miséria
romântica. Um povo analfabeto, daquele analfabetismo catártico dos
intelectualóides freirianos. Um povo que, mesmo dormindo nas ruas,
tenha engajamento social e esperança no futuro. Um povo, que
castigado pela seca, cavoque a terra árida com a confiança que só
esse povo pré-fabricado é capaz de ter. Um povo que, doente e
desassistido, esbanje sorrisos e otimismo. Um povo de sorrisos onde
não faltem dentes. Um povo que trabalhe, não para seu sustento, mas
para construir o futuro de uma Nação. Um povo de casa sempre
limpinha, crianças arrumadinhas e fogão reluzente. Um povo de
todas as cores e etnias, como rege a lei dos politicamente corretos.
Um povo repleto de esperanças e onde não falte futuro. Um povo
cheio de futuro, mesmo onde não há esperança. Um povo que sempre
sorria, mesmo quando deveria chorar. Um povo que agradeça o que não
recebeu. Que valorize quem não tem valor. Que comemore, como
dádivas, todas as parcas migalhas recebidas e que sempre lhe foram
de direito. Um povo digno de seus representantes em Horário
Eleitoral.
Para
um povo assim, tão perfeito, é preciso candidatos a altura. E, em
Horário Eleitoral, eles existem. Perfeitos como outdoors de creme
dental. Sempre tão sorridentes, em meio ao povo. Tão afeitos aos
beijos e abraços. Como são afetivos nossos candidatos! Beijam mães,
filhos, cachorros e até postes. Abraçam velhos, mendigos,
maltrapilhos e corruptos! Corruptos abraçam-se sempre, mas a cada
quatro anos é conveniente abraçar ao povo que os sustenta também.
É o que ditam as regras dessa maratona quadrienal. E como são
domésticos e caseiros esses candidatos. Todos sabem cozinhar um
filezinho, churrasco ou um bacalhau de domingo. Cozinham, é bem
verdade, com menos desenvoltura do que vendem ilusões, distribuem
propinas ou emendas parlamentares. Mas a prática transforma amadores
em profissionais e embusteiros em representantes eleitos pelo povo.
Essa é a lógica e o objetivo de Horário Eleitoral.
É
uma lástima que esse povo, e esses candidatos, só existam em
Horário Eleitoral. Que sorte seria se, em Mundo Real, houvesse um
povo minimante crítico ou conhecedor de seus diretos. Um povo que
não aceitasse como benção, ou graça, o respeito a sua dignidade e
seus direitos constitucionais. Um povo capaz de valorizar o caráter,
a decência e a ética, como deveriam valorizar todos, principalmente
seus candidatos. E candidatos que fossem capazes de respeitar a seu
povo, como esse se apresenta. Sem cultura, dentes ou ideologias. Mas,
nosso povo, não é capaz de fazer bonito em Horário Eleitoral, mas
é gratamente capaz de digitar parcos números em uma urna
eletrônica. Um povo desassistido de saúde, educação e segurança
pública, e que assiste todo dia ao fantasioso mundo de Horário
Eleitoral, onde até mesmo o povo e a realidade são uma grande obra
de ficção. E na ficção, até a desgraça, o desrespeito e
desfaçatez são coloridos e têm agradável trilha sonora.
Oi Katia
ResponderExcluirBrilhante.
Continue assim.
Será que vai mudar?
Um abraço
Um abraço