sábado, 27 de outubro de 2012

Os Conflitos de Interesse da Rainha


Poliana estava exausta. Precisava urgentemente de férias. Férias de seus bobos, pajens, assessores e apoiadores. Era tanta gente voando, feito moscas, sobre sua alteza que seus majestosos ouvidos zuniam. Se sua corte já era grande antes, maior e mais esfomeada ficaria com todas as novas e exigentes alianças que precisara firmar para garantir seu lugar no trono. Mal retornara da desgastante turnê a Horário Eleitoral e já precisava encarar mais uma interminável maratona de negociações de carguinhos e poltronas. A ganância de seus novos e velhos aliados fazia Poliana sentir saudades do humor sarcástico e acusador de Oposição. E pensar que alguns dos cruéis críticos de seu reinado já tinham alertado sua alteza de que assim seria. Pensando bem, seus invejosos e intolerantes críticos haviam previsto várias falhas e deturpações da realidade que Poliana só fora conhecer em Horário Eleitoral. Como será que essa gente detestável e sem escrúpulos conseguia adivinhar os defeitos de seu espetacular e aclamado reinado? Deviam ter alguma espécie de bola de cristal. Dessas que permitem prever o futuro. Magia negra, com certeza. Poliana não conseguia pensar em outra resposta para uma pergunta tão complexa. Talvez devesse questionar a seu amigo, doutor da retórica e da manipulação de mentes e de interesses, o Alquimista. Mas o Alquimista andava torcendo o nariz para a rainha. Também pudera. Poliana usara o velho, sua sabedoria, seu até então inquestionável poder supremo, para chegar ao trono. Por quatro anos tolerara seus conselhos, crises de estrelismos e exigências. Sustentara - com recursos públicos, é claro - seus medíocres,  descompromissados e pouco afeitos ao trabalho, pupilos. Agora que Poliana conquistara novamente a coroa, fizera o que era esperado de uma soberana: um pé na bunda do doutor! Pelo menos era o que pretendia. Poliana andava gritando aos quatro ventos que extirparia definitivamente com o velho mago de seu reinado. Com ele, e com qualquer influência sombria que o ancião tentasse infiltrar nas entranhas de seu poder. Conseguir isso seria tarefa árdua. Uma raposa velha, ainda era uma raposa. Ardilosa e traiçoeira. Convinha a Poliana tomar cuidado. Será que seus novos, e mais convenientes aliados, teriam força suficiente para sustentar a rainha em um confronto com o temível e intimidador Alquimista? Esperava que sim. Poliana apostara todas suas fichas nessa jogada. Tomara que não tenha escolhido o time errado. Caso contrário, Poliana teria ainda mais saudades da perseguição impiedosa de Oposição. Quisera a idade tenha abrandado o espírito vingativo do grande e poderoso Alquimista. - pensa Poliana, sentindo um frio nas entranhas e dirigindo-se apressadamente ao toilette. 

sábado, 20 de outubro de 2012

A Solidão da Rainha


O grupo observava preocupado o isolamento opcional de sua alteza. Sozinha em seu adorado trono, Poliana dava as costas para a vasta equipe de aduladores reais. Alguns de seus aliados e companheiros demonstravam apreensão com algumas atitudes e discursos reais no retorno da exitosa excursão à Horário Eleitoral. Poliana parecia mais independente e autônoma do que gostariam seus asseclas. Tomara que tudo não passasse de ressaca pela mudança de fuso horário e pelo excesso de bajulações. Só faltava sua alteza resolver tomar as rédeas de sua corte e de seu reinado nessa altura do caminho. Seria uma tragédia para boa parte dos bobos da corte que Poliana decidisse usar o cérebro ao invés de se esconder atrás de seu carismático sorriso.
- Nós não estamos nada satisfeitos com essa pose de soberana de Poliana. Quem ela está pensando que é afinal de contas? - queixa-se um aliado.
- Ela é a rainha, ora bolas! Magnífica e aclamadíssima pelo povo. - lembra um companheiro.
- Ela pode ter a coroa, mas a cabeça é nossa! Ninguém dá as cartas no jogo que nós inventamos. - afirma insolente uma velha raposa da Irmandade do Fogo.
- A popularidade de Poliana lhe dá plenos poderes. Ela está acima até da Justiça! – defende uma inflamada estrela do clã ainda no clima festivo e romântico de Horário Eleitoral.
- Ela não seria nada sem nosso apoio. A rainha nos deve favores. Favores e carguinhos. Essa matemática ninguém muda. Muito menos Poliana.
- Mas ela anda falando umas coisas esquisitas. Anda dizendo que vai tomar decisões, que vai usar a caneta. – sussurra um dos bobos, preocupado.
- Vai usar a caneta nada! Ela não saberia usar nem o banheiro se não fossemos nós. – zomba um Irmão do Fogo – É só a gente entupir ela de bombons de amarula que no final a rainha nem vai se lembrar como fez a partilha dos carguinhos.
- Não sei não, minha gente. A rainha andou ouvindo muita coisa naquelas andanças por Horário Eleitoral. Vocês sabem como o povinho é linguarudo e adora se queixar. - lembra um dedicado representante dos movimentos sociais. – E teve todas aquelas coisas estragadas e mal acabadas que nós dizíamos pra ela que estavam as mil maravilhas... Do lado de fora da redoma de vidro fumê, o cheiro e as cores são bem diferentes, vocês sabem.
- Bobagem. Poliana é meio míope, todos nós sabemos. E só escuta o que é interessante para ela. Sempre foi assim, não ia ser agora que iria mudar. Se ela andou vendo ou ouvindo alguma coisa que não gostou tratou de esquecer nos abraços efusivos de seus súditos.
- Eu ainda tenho medo. Vocês sabem como a rainha é transloucada. Vai que ela tem uma daquelas crises e resolve botar ordem na casa? É capaz de querer trocar nossos apadrinhados por gente que trabalhe de verdade, daí sim vai ser um desastre! – apavorasse um companheiro.
- Impossível. Ela pode ser louca, mas não rasga dinheiro, não refuga propina e não vive sem poder.
- Mas e se o clamor do povo cegou a rainha? E se ela realmente decidir ditar as regra daqui por diante e resolver tomar as decisões conforme sua cabeça sem seguir nossa cartilha ou as nossas conveniências? Vocês já pensaram no baque que isso causaria para nossa aliança?
- Ia ser ridículo Poliana resolver trilhar o caminho da ética e da coerência nessa altura do campeonato. – ironiza um dos bobos, fazendo pouco caso.
- Se Poliana optar por abandonar o covil que lhe deu abrigo por todo esse tempo, nós vamos fazer com que ela sinta saudades do humor cruel da intransigente Justiça. Se a rainha achou que Justiça foi dura com ela, é por que ainda não experimentou o gosto amargo e vingativo de uma aliança partida. - sentencia, com voz sombria, um velho patriarca da Irmandade do Fogo, fazendo a companheirada ranger os dentes de pavor.

Enquanto isso, alheia, como sempre, as armadilhas e artimanhas de seus companheiros e parceiros de aclamado reinado, Poliana queimava neurônios com a situação a sua frente. Sobre a mesa jaziam, em desarrumado conflito, os dois parceiros da quase trágica solidão real. De um lado, o monstruoso quebra-cabeças, com muitas peças e pouco espaço. Do outro, a reluzente e convidativa caneta. Eu odeio esse jogo! – pensa Poliana. Não sei se nasci para isso. Talvez eu devesse ter seguido outro rumo. Devia ter escutado minha mãezinha e ter feito concurso para bancária. Que mundo cão! – choraminga Poliana, ajeitando a invejada coroa na delicada e confusa cabeça.


sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A ofuscante estrela de Poliana


Poliana era aclamada pela multidão de militantes e apoiadores. Que maravilha ver toda essa gente alinhada com suas intenções. Eram tantas as pessoas verdadeiramente confiantes em seu reinado, que até Poliana se emocionava. Que espetáculo essa tal democracia! E como fora fácil iludir uma platéia tão esperançosa e carente de perspectivas. Um povo acostumado a futebol e circo, satisfazia-se plenamente com canchas de bocha e escorregadores, e esquecia com rapidez das imoralidades e desvios grosseiros de conduta. Esse era seu povo! Essa era a fórmula para se manter, eternamente, com as mãos firmes nas rédeas do poder. - pensa Poliana, satisfeita e exultante. Tivera sorte, admitia a vitoriosa rainha. Sorte de ter como adversária uma Oposição tão desmilingüida e raquítica. A sorte está do lado dos vencedores. Seus críticos teriam de engolir mais essa máxima e aturar Poliana por longos anos.
Agora era a hora de acomodar seus amigos. Amigos? A maioria queria comer o afamado fígado real. Que gente mais mesquinha e sem princípios! -  pensa a consagrada rainha - Teria de quebrar a coroada cabeça para acomodar tanta gente em seu reinado de oportunidades. Quantos glúteos para tão poucas poltronas! Alianças. Essas eram a fórmula perfeita para  chegar ao trono, mas também podiam se tornar o caminho mais rápido e pedregoso para se desestabilizar no poder. Mas antes de começar a acomodar os aliados, precisava acomodar seus próprios companheiros que planejavam cravar suas taquaras nas largas costas reais. Poliana já não sabia em quem confiar. Melhor não confiar em ninguém. O poder tinha um brilho mais intenso e sedutor que o da inebriante estrela de seu clã. Por poder e riquezas seus companheiros de enriquecedora jornada planejavam atraiçoar sua rainha. Poliana via-se em apuros. Se correr, Justiça pega, se ficar a companheirada come. Melhor pensar em um obstáculo por vez. Primeiro iria rezar aos céus para que a Justiça fosse tão cega, estúpida e cooptada como afirmavam seus defensores. Não seria nada fácil ludibriar a astuta Justiça, mas Poliana punha fé no poder de convencimento de alguns de seus importantes e bem relacionados amigos. Não seria essa Justiçinha metida a besta que poria fim no magnífico reinado de Poliana. Depois, só depois, daria um corretivo na companheirada. Colocaria cada qual em seu lugar. Tanto Justiça, quanto seus ambiciosos companheiros de clã precisavam aprender que Poliana pairava acima de todos, sustentada firmemente pelos acolhedores braços do povo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Limpando a casa


Na calada da noite, a pouca luz de lanternas, o grupo se movia desengonçado pelo castelo. Alguns caminhavam encurvados pelo árduo trabalho das últimas horas. No comando da operação: ela! A incansável e inquestionavelmente audaciosa e descarada, Poliana.
- Fica quieto! Baixa mais essas calças! - ordena a rainha, impaciente.
- Ai, Poliana! Isso tá gelado!
- Coloca essas xícaras, aí dentro! E os pires também! Não vai quebrar nada, hein!
- Mas tá difícil de ajeitar tudo isso aí, alteza.
- Quem manda usar cueca tão justinha! Mete tudo nessa coisa. Vai ter que caber.
- Eu tô tentando. Tem paciência, rainha. - resmunga o assessor real, rebolando um pouco para acomodar o desconfortável volume.
- E você aí, companheiro, enrola aquele tapete ali. – continua sua majestade, como sempre no comando da situação.
- É pra tirar as cortinas da sala real também, Poliana? – pergunta um dos pajens.
- Claro! Vamos levar tudo que conseguirmos. Encham os bolsos, meias e cuecas. O que não couber engulam! Depois arrumamos uma forma de recuperar.
- Mas Poliana, não precisamos nos apressar tanto assim. Ainda temos muito tempo pela frente. - argumenta um dos bobos da corte.
- Eu não vou arriscar! Vai que aquela mocoronga recalcada da Justiça resolve me expulsar daqui? Vamos pegar tudo que der. Não deixe pra amanhã o que você pode levar hoje. Esse é nosso lema, esse é meu jeito de governar. Vamos adiante! Temos muita coisa pra carregar! Embrulhem aquela foto área do reino. E não esqueçam os lustres do salão real.
- Mas esses lustres são muito pesados, alteza. - choraminga um dos bobos, como de praxe, não muito afeito ao trabalho.
- Não interessa, se virem! Rápido e sem barulho. Temos de sair logo daqui e sem chamar atenção. Já temos muitos holofotes sob nossos pecados. Cuidado para descer as escadas. Não quero nada quebrado. E não esqueçam o trono também.  Esse é meu!
Enquanto o seleto grupo de bobos e pajens da rainha, companheiros inseparáveis das locupletações reais, acomodava todo o material coletado as pressas em seus veículos, Poliana olhava desiludida para fora. O olhar tristonho e resignado de sua alteza trouxe uma áura de solidariedade e comoção aos sempre alegre e confiantes seguidores. Algumas lágrimas sentidas umedeciam os adoráveis e cândidos olhinhos de biscuit.
- Não chore rainha. As coisas não vão ficar assim, você vai ver. Nós vamos conseguir contornar essa situação e você vai poder continuar no seu castelo de ilusão e logro por muito tempo ainda. – consola um fiel companheiro, emocionado.
- Eu sei. - afirma Poliana, com voz embargada. - O que mais me dói no peito é ter de deixar para trás minha bandeira.
- Mas você não precisa abandonar a grandiosa bandeira de nosso clã, rainha! Essa magnífica bandeira escarlate já nos proporcionou tantos anos de mordomias e vida fácil e ainda tem muito a nos presentear. Nós continuaremos alinhados aos nossos ídolos mensaleiros. Não deixe que uma Justiça moralista acabe com seu ideal de enriquecimento fácil, Poliana. – suplica o companheiro preocupado.
Olhando firmemente para seu assessor, pensando por um minuto em como é que conseguira cercar-se por tanto tempo por gente tão estúpida, Poliana responde com seu conhecido timbre esganiçado: - Que porcaria de bandeira vermelha, que nada! Desse tipo eu tenho centenas na minha casa, seu molóide! Nem sei onde vou enfiar tanta taquara! - reclama, baixando a voz para não chamar atenção - Eu estou chorando por aquela bandeira enorme da praça em frente ao castelo. É muito grande, seu inútil. Não vai dar para levar! Eu planejava forrar minhas almofadas com ela. Agora não vai dar tempo de pegá-la. - conclui a rainha, fazendo beicinho.
- Ah, bom. - suspira um dos presentes - Aquela coisa verde e amarela, cafona e inútil. Eu particularmente acho que não vale nada, Poliana, mas se você quer... Não se preocupe. Depois que nós engambelarmos Justiça por mais alguns meses, você vai poder pôr a mão na bandeira também. Vai poder levar até o mastro, que é bem maior que suas taquaras. Nada é grande de mais para nós. - afirma outro companheiro conduzindo discretamente sua majestade para fora.
- Vocês prometem? - indaga a rainha, novamente assanhadinha.
- Claro! Vai ser fácil, fácil. Como lavar dinheiro ou favorecer os aliados. - acrescenta maroto e convicto outro membro da corte.
- E eu vou poder pegar o chafariz, também? E aqueles semáforos novos? - pergunta a rainha eufórica. -  Eu sempre quis aquele casebre caindo aos pedaços do outro lado da praça. Aquela porcaria vai dar muita lenha pras churrascadas de nosso clã. - empolga-se Poliana, como criança gulosa e afoita.
- Sem problemas, Poliana! Pode deixar com sua companheirada. Nós decepcionamos o povão, mas jamais faríamos isso com você, rainha. Em pouco tempo você vai poder levar desse reino, tudo quiser. Vamos fazer uma limpa. Palavra de companheiro! Só precisamos de algumas semaninhas... E você aí parceiro! Ajeita essa cueca e vamos adiante!
O seleto grupo, escolhido a dedo por Poliana, seguia seu rumo, alegre e festivo como sempre. Nada intimidava a Poliana e sua trupe. Essas ilustres estrelas prometiam pairar reluzentes e robustas, acima das leis e da honra. Ninguém, nesse reino tão pequeno, seria capaz de por fim a ânsia avassaladora por poder e enriquecimento desse grupo tão coeso e obstinado. No caminho de Poliana só havia duas pedras: o povo e a Justiça. Poliana, astuta e ardilosa, confiava cegamente na capacidade ímpar de seus companheiros em iludir e ludibriar a esses dois insignificantes atores.