domingo, 25 de novembro de 2012

A espera de Poliana


Poliana, serena e tranquilamente, aguardava. Curioso o efeito que as tormentas provocam nas pessoas. Poliana sempre fora conhecida pelas crises de destempero e mau humor. Nesse momento de sua vida, em meio a tempestade, com risco de naufrágio, portava-se como uma digna monarca: firme e decidida. Faltava pouco, agora. Sua longa e angustiante espera estava chegando ao fim. Sete votos e um destino. Tão poucos votos para quem já tivera tantos! Seria risível se não fosse trágico, pensa a nobre e sofredora rainha. Uma verdadeira injustiça se sua alteza fosse condenada por delitos tão singelos. A mais pura ironia do destino. A propaganda ostensiva e maquiada, que vendia sonhos e fantasias, fora a marca registrada de seu reinado. Seus coloridos impressos e o marketing requintado garantiram a soberana o direito ao trono e a coroa. Seu povo, adorado povo, assim quisera, assim decidira. Se nem as falsas impressões de seu reinado, a falta de papel e de moralidade, os incontáveis tropeços éticos e de retidão, foram capazes de macular a imagem da rainha, seria um descalabro que uma propagandinha igual a tantas outras pudesse interromper sua gloriosa jornada. O que mais incomodava Poliana era esse inquietante silêncio que lhe cercava. Nessas horas, quando o barco está quase afundando, mas ainda há esperança, todos os seus aliados, alguns companheiros de anos, pareciam se afastar um pouco de sua alteza. Não muito, pois essa ainda detinha as chaves do cofre e o poder das decisões, mas o suficiente para correr se alguma coisa desse errado. Alguns pareciam torcer para ver o circo pegar fogo. Outros nem conseguiam dissimular o desejo de tomar logo o lugar da rainha. Tantos, em mal disfarçada ansiedade, esfregavam as mãos, loucos para verem a delicada cabeça real ser decapitada. Para surpresa de Poliana, Imprensa Livre e alguns odiosos e maledicentes críticos, se mantinham em moderada e resoluta expectativa. Estranho isso, reflete a hoje ponderada Poliana, quando eu estava com os pés bem firmes no convés, esses críticos asquerosos adoravam me chutar, agora que posso me afundar de vez, tenho de me cuidar mais com meus aliados e companheiros do que com meus inimigos declarados. Nada como uma marolinha depois da outra. Quando o barco está a deriva, os ratos mostram o que são: apenas ratos. Restará a sua alteza separar os que lhe serão úteis no futuro. E o futuro, a Deus pertence, pensa a crédula e confiante Poliana. E a voz do povo é a voz de Deus. E o povo já votou por Poliana. Só lhe restavam sete votos agora. Sete votos selariam seu destino. Deus estaria dando uma nova oportunidade, ao povo ou a Poliana. Agora só resta esperar.

sábado, 17 de novembro de 2012

O entardecer da República


Sentado em frente a televisão, o velho acompanhava as notícias com o desconfortável sentimento de déjà vu. Todo feriado eram as mesmas velhas e trágicas manchetes de dezenas de acidentes nas estradas. Sangue e morte pareciam escorrer pelas telas dos gigantes aparelhos. E que estranho fascínio pareciam ter tais cenas de tragédias e desgraças para as pessoas. Desde tenra idade acostumam-se as crianças com absurda e descabida de sentido, violência. As telas ficavam cada vez maiores como que a garantir aos espectadores que nenhuma réstia de agonia passasse desapercebida. Nessas horas o velho sentia saudades dos velhos aparelhos em preto e branco. Talvez fosse o diminuto tamanho de suas telas, ou quem sabe o tempo considerável que levavam para aquecer os fusíveis, o fato é que toda a família se amontoava em frente a TV em, hoje longínqua, comunhão. Sentia saudades do Vigilante Rodoviário, recorda o velho enquanto assiste as coloridas imagens de ônibus sendo incendiados. Nos antigos seriados não se precisava de cores para separar os mocinhos dos bandidos. Talvez fosse o excesso de cor que ofuscava o bom senso de seu povo, considera o velho. Ou quem sabe o tamanho exagerado das telas fizesse com que todos tivessem perdido o foco. Talvez precisasse retornar mais cedo a revisão com seu oculista, reflete o velho sentindo inquietante falta da turbidez que a catarata, extirpada pela precisão da tecnologia médica, lhe causava na distinção de cores e formas. Graças a maravilhosa evolução da ciência, hoje não se ficava mais refém de muitas das limitações da idade que antes lhe terminariam com a autonomia e independência. Liberdade era uma dádiva que este velho sabia apreciar e valorizar. Essa, assim como a TV preto e branco, em breve, não teria muita serventia a julgar pelo que mostravam as imagens do noticiário. Quando presos eram capazes de comandar atentados organizados em tantos lugares desse país sem que as autoridades conseguissem conter o terrorismo instaurado, algo virtualmente insano, pelo menos para um velho tolo, devia estar sucedendo. Devia ser a tal realidade virtual que tanto ouvira falar sem nunca compreender o sentido. Virtuais deviam ser as grades que, se supunha, privava a liberdade dos presos. Virtuais seriam os conceitos de certo e errado que deviam aquecer as leis que regem o virtual conceito de Estado de Direito. Virtual, com toda certeza, era a presença do Estado como mantenedor da ordem e da segurança de um povo, pensa o velho acompanhando a imagem de uma mãe com seu bebê dando uma entrevista de trás de um imenso portão de ferro.  Liberdade dependia de que lado, e de qual grade, se está. As coisas deviam estar muito mais desfocadas do que seu cérebro senil era capaz de entender, suspira o velho cansado. E podiam ficar piores, resigna-se o ancião com o semblante marcado pelos anos de experiências. Em épocas, nem tão distantes, o seio dos presídios produziram quadrilhas tão organizadas e ardilosas que foram capazes de dominar a toda uma nação sem a necessidade de fuzis e granadas, lembra o velho astuto. Não se detém ratos com grades. E os maiores ratos de sua pátria ainda estavam bem longe das grades e muito próximos do poder, lastima o idoso mudando de canal. Era hora da novela preferida de sua velha e já pressentia os passos lentos, mas decididos de sua companheira de décadas de alegrias e decepções. Não importava o tamanho do aparelho ou a precisão das imagens, sua véia ainda olhava para a tela com o mesmo deslumbre e devoção que há cinqüenta anos. Graças a Deus algumas coisas, virtualmente, não mudavam com o evoluir dos tempos, pensa o velho com seu enrugado sorriso.

sábado, 10 de novembro de 2012

A Encurralada Poliana


A nova edição de seu glorioso reinado ainda nem se iniciara e Poliana já se via pequena frente a tantos egos inflados e tanta sede de poder. Poliana bem sabia que seus bobos eram uns mortos de fome gananciosos, mas se as coisas continuassem nesse ritmo comeriam uns aos outros em curto espaço de tempo. Era preciso preservar o precioso fígado real. Poliana precisava ter cuidado. Não podia dar as costas a ninguém. Nunca se sabia de onde viria a primeira punhalada nas costas. Ai que saudades sentia dos famosos chutes nas canelas dados por Oposição. Comparadas as estocadas traiçoeiras de seus companheiros e aliados, Oposição fora quase um anjo de candura. A própria rainha, para garantir seu lugar no trono, fizera tantas falsas promessas de apoio e carguinhos, tantas articulações desprovidas de solidez e concretude, que agora encontrava-se baratinada para juntar tantas pontas soltas nessa enorme teia de interesses e interesseiros.
Mal sabia ela, a quase sempre alienada rainha, que a maior disputa hoje em seu reino seria por sua sucessão. Poliana mal conquistara o Troféu Popularidade, conseguindo manter a coroa em sua cabeça, e seus aliados já se engalfinhavam em quase sangrenta batalha para ver quem ficaria com o trono depois que a carismática rainha se aposentasse. A firme e sólida aliança que prometia dar sustentação a sua majestade nos próximos anos de reinado dava mostras de tornar-se uma perigosa argola em seu focinho. Ou uma incomoda coleira em seu delicado pescoço. Conseguirá nossa destemida e corajosa rainha driblar os grilhões e amarras impostos por seus parceiros e confrades? De onde virá o primeiro golpe que poderá desestabilizar sua alteza? Será um tiro certeiro e frontal dado pela impiedosa Justiça? Ou um tiro vindo do escuro, de trás de algum arbusto, de algum camuflado aliado real? Quem sabe alguma armadilha mais ardilosa, arquitetada por poucas cabeças matreiras dentro do nobre e rico seio de seu clã? De uma coisa Poliana tinha certeza, precisaria bem mais do que carisma e popularidade para escapar ilesa dessa vez. Com muito jogo de cintura, centenas de carguinhos, milhares de recursos públicos e muita lábia e articulação conseguiria sair desse jogo com apenas alguns arranhões. “Apenas por precaução, melhor dormir de armadura de agora em diante.” – pensa a eternamente confiante e otimista Poliana.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A Economista Poliana


Cortar, cortar, cortar! Canetear, canetear, canetear! Poliana já não agüentava tanta pressão. Estava ficando cada vez mais confusa. Confusas eram as desculpas que seus bobos precisavam arrumar para os cortes de Poliana. Até nossa desavergonhada rainha sentia certo constrangimento em assumir assim, publicamente, as dificuldades financeiras de seu espetaculoso reinado. Sorte de Poliana e sua vasta e dispendiosa corte, que Oposição voltara a hibernar. Tomara que Imprensa Livre resolva se fazer de desentendida só para variar. Seria vexatório para a rainha ser confrontada com alguns poucos flashes de Horário Eleitoral. Afinal, onde é que fora parar aquele reino empreendedor, transbordante de recursos que Poliana alardeara com tanta pompa em seus recentes desfiles alegóricos? De fato, o tal alinhamento estratégico foi, como quase todo grande feito da rainha, uma boa estratégia de marketing. Nada além disso. E todos aqueles vultuosos recursos que abarrotavam os cofres públicos em Horário Eleitoral, aqui em Mundo Real, devem ter saído pelo ladrão ou se esvaído em algum Polianoduto.
Agora Poliana precisava economizar. Lera dezenas de livros de economia, administração e até auto-ajuda. Assistira a todos os programas da Ana Maria Braga. Tudo levava a mesma desgraçada conclusão. Precisava começar cortando supérfluos. Coisas de pouca importância, que não fariam falta na engrenagem de seu reino e não causariam transtornos a vida de seus súditos e contribuintes. Se seguisse essa fórmula universal, Poliana só teria uma solução: teria de cortar seus adorados bobos da corte! Isso não poderia acontecer. Poliana bem sabia que eles ocupavam mais espaço no orçamento do reino do que nas suas quase sempre vazias repartições. Mas eram seus bobos de estimação, afinal. Faziam parte do PAC (Programa de Acomodação da Companheirada). Poliana não podia simplesmente largá-los assim, na rua da amargura, sem um carguinho para lhes aquecer. Teria de encontrar uma solução que não impactasse em suas alianças. Por isso cortaria coisinhas mais banais.  Diminuiria a oferta de alguns serviçinhos básicos de saúde, já que doente não reclama, e mandaria os serviçais da rainha mais cedo para casa. Com essas medidas economizaria muito no gasto de papel higiênico. Era impressionante a quantidade enorme de papel higiênico que essa gente toda gastava. Poliana tinha a convicção de que com essa drástica e sábia medida de contenção conseguiria equilibrar suas finanças. Não havia espaço para mais nenhuma grande cagada em seu reinado, disso Poliana tinha certeza. Por falar em papel, lembra-se Poliana satisfeita, precisava ordenar a seus marqueteiros reais que mandassem confeccionar e espalhar por todo reino, dezenas de seus bons e velhos cartazzes e banners. Poliana precisava mostrar ao seu povo o quanto era comprometida com o principio da economicidade. Seu zelo com a coisa pública e sua mão de ferro fechando as torneiras do desperdício seria o mote perfeito para seus novos informativos e comerciais de televisão. "Mal posso esperar para divulgar mais esse gloriosos feito de meu reinado de oportunidades. Graças a mim, recurso para publicidade e oportunismo nunca faltará nesse reino." - pensa Poliana com a calculadora em punho.