quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Poliana, a rainha da vez

E na reta final da turnê a Horário Eleitoral, quem precisa arregaçar as mangas e dar a cara a tapa para salvar sua cambaleante equipe? Ela! Sempre ela, Poliana, a monarca popstar. Pelo visto, a rejeição à duradoura e bastante lucrativa aliança entre o clã estrelado e a irmandade do fogo, não havia sido contabilizada pelos marqueteiros da dupla escolhida para suceder nossa visionária rainha no trono. Uma coisa precisava ser dita sobre Poliana: sua lealdade aos seus pares era digna de elogio. E sua insistência em persistir em um erro, também.
E como apagar as famigeradas estrelas das propagandas não fora suficiente para iludir os tolos, era preciso atitudes mais drásticas.

- Cortem as cabeças! Cortem as cabeças! – gritava esganiçadamente Poliana, em seus conhecidos ataques de fúria.  – Precisamos conter a queda dos números! Será possível que vocês não sabem fazer nada sem a minha ajuda! – vocifera para o grupo de bobos da corte e marqueteiros. Todos apalermados com os resultados de suas pesquisas.

- Nós estamos tentando, alteza. Já escondemos todas as estrelas e bandeiras vermelhas. Nossa militância está camuflada e vestida de branco. Tudo muito paz e amor! E ainda assim o povão tem nos recebido a chutes e vassouradas! – choraminga um dos bobos, massageando o glúteo dolorido depois de uma sarrafada de uma velhinha em sua última incursão na periferia.

- Não adianta discursinho paz e amor e roupas de querubins quando se tem o famigerado Golesma Bonder no time, seus molóides! Até os postes desse reino se lembram do tempo em que o infeliz praticava atentados terroristas, colando fechaduras de empresas. Em tempo de desemprego, com tanta empresa fechando as portas por aqui, ter na disputa um desocupado profissional e pós-graduado em baderna não deve ser muito atrativo para o povo, não é seus energúmenos?! – continua Poliana, com os olhinhos de biscuit flamejantes.

- Você está sendo muito dura, rainha! – queixa-se o marqueteiro, encolhendo a barriga, estufando o peito e tentando salvar seu pescoço da guilhotina. – Nós demos uma repaginada no Golesminha. Usamos uma base efeito mate e pó translúcido antibrilho. Um make divo! E queimamos todos os bonés do FarsaSindical e camisetas do Movimento Só Tramoia e Trago – MSTT. Ele agora usa um chapeuzinho estiloso e muito distinto. Ninguém vai reconhecer nele nada que lembre seus tempos de arruaceiro. – conclui, orgulhoso.

- A franja, seu estúpido! A franja! – grita Poliana, perdendo de vez a cabeça. – O chapéu só esconde a franjinha, cada vez mais rala. Seu radicalismo do passado é marca registrada do Golesma Bonder. Ele é um companheiro de raiz. É reconhecido onde quer que passe. Vocês podem vestir ele de mórmon e colocar a bíblia embaixo de seu braço, que ele vai continuar sendo o que é: um adorador da estrela! Todo mundo olha pra ele e enxerga uma estrela vermelha e reluzente na testa. Ele precisa ser cortado!

- Cortar sua cabeça, magnânima?! Não acha um pouco radical? Podemos tentar cortar um pouco mais a franja, talvez raspar,  e...

- Cortado dos panfletos. Do rádio. Da TV. Das ruas e dos comícios. Enfiem ele dentro de um armário junto com os discos do Vandré e os livros de Marx, e só abram a porta quando o campeonato terminar. Isso é uma ordem! De agora em diante quem assume a estratégia desse time sou eu! – ordena Poliana com o nariz empinadinho. – Eu, com meu carisma e popularidade, vou garantir, novamente, a vitória para todos nós nessa reta final.

- E como vamos fazer isso, alteza? – pergunta, humildemente, o marqueteiro.

- Eu vou para as ruas. Aparecerei em todas as inserções nos meios de comunicação. Vou explicar ao povão que nossa estrela não é a mesma que se lambuzou em propinas e afundou todo Gigante Adormecido no abismo econômico. Que nossa aliança não é igual a aliança golpista entre interesseiros e velhas raposas.  – Observando o ar confuso de sua seleta audiência, Poliana reflete um pouco e continua: - Quer dizer... na verdade é a mesma estrela, mas é diferente... Se é que vocês me entendem. As raposas não são tão velhas, né? – vacila um pouco a determinada monarca. – E ninguém viu as propinas chegarem por aqui.  – continua a rainha. Respirando fundo e olhando fixamente para o horizonte, ensaiando seu papel para as câmeras, com a voz pausada lança seus melhores argumentos: – Roubar, minha gente, todo mundo roubou. Ou vai roubar. Vocês, gente, precisam enxergar e valorizar quem ainda não foi pego. Essa é a verdadeira mudança! Nós mudamos, porque mudar faz bem! Somos o novo! Somos a nova forma de mudar os discursos para continuar tudo igual. Sem vergonha. Sem pudor. Sem remorso! – com a mão espalmada no peito e ar de sacerdotisa, continua -  Esqueçam a razão! Deixem o cérebro de lado e venham com a gente. Feche os olhos e aposte no 13! – conclui com sua voz doce de encantadora de multidões.

- Nãaaao! 13 não! – gritam os bobos da corte e o marqueteiro, com as mãos na cabeça.

- Ops! Desculpe companheirada! É a força do hábito. Treze agora é o número do azar. – desculpa-se Poliana. – Pensando bem... isso pode virar um jingle! – exclama Poliana, ensaiando uma dancinha e puxando o grupo para acompanhá-la:

“Esqueça o 13. Não é mais 13. Escondemos o 13. Camuflamos o 13. Ignore o 13!”

E assim, Poliana, a eterna vendedora de ilusões, se preparava para desatolar sua equipe e conquistar mais um título para seu time. Sempre fiel aos seus pares. Afinal, quem sai aos seus não se regenera jamais.

 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Meias verdades e mentiras inteiras

Em Horário Eleitoral a pasmaceira e o discurso paz e amor não duraram nem uma semana. A troca de farpas já começara a dar o tom da disputa. E não é que os primeiros ataques partiram justo da escolhida de Poliana, a sempre doce e virginal Obtusa. Sinal inconteste de que as coisas não corriam como o esperado para os apoiadores do continuísmo. Tentar camuflar a presença do velho clã estrelado parece não ter conseguido desgrudar o estigma da estrela da candidata ao trono. Tomar para si feitos que não foram seus e requentar promessas antigas, ao que parecia, já não surtia o mesmo efeito de outrora.
 
E mudança era a bola da vez. Todos clamavam por mudança. Até os que estão hoje no poder, e com unhas e dentes se agarravam para não deixa-lo escapulir, falavam em mudar. O povo, desanimado, observava o festival de patifarias que lhe era apresentado diariamente. Nos palanques, antigos rivais se abraçavam como se bons amigos fossem. Nos discursos, velhos amigos se agrediam como se do mesmo barro não tivessem vindo. O novo, tropeçava em sua inexperiência e falta de habilidade em lidar com velhas raposas. Prova de que politicagem não passa de pai para filho nos cromossomos, é uma arte que carece de aperfeiçoamento. 

E se no mundo mágico de Horário Eleitoral a pirotecnia estava limitada pela escassez de recursos, as mentiras e fantasias continuavam a ser o ponto alto do espetáculo. A falta d’agua e os racionamentos do passado foram definitivamente resolvidos pela turma da situação.  Até São Pedro parecia ter tomado partido ao poupar o povo de uma estiagem, enquanto a tão prometida e fraudulentamente inaugurada transposição de rio continuava sem ser concluída. Talvez o querido Santo estivesse engrossando a enorme lista de carguinhos da corte de Poliana.

Já a saúde, como sempre, era o tema preferido na hora de se proferir tolices e vender ilusões aos incautos. Poliana e sua escolhida à sucessão atingiram o ápice de calhordice ao se vangloriarem dos agendamentos de consulta, convenientemente esquecidos de que o fim dos agendamentos fora sua mais alardeada promessa de disputas não tão distantes. Pois agora a doença pode esperar. E a espera por exames e consultas especializadas podia ser longa, assim sabem os doentes estrategicamente ausentes nas sorridentes imagens da televisão. E a turma de Poliana, agora em tons pastel, inventara uma nova modalidade de formação médica: o self service de diplomas médicos. Bastava ao interessado efetuar a matricula em uma instituição formadora local e já sairia prontamente com o diploma na mão, apto, portanto, a fazer todo tipo de consultas e até cirurgias! Não se sabe como ninguém pensara nisso antes. Ideias brilhantes costumam fluir de cérebros prodigiosos. Genialidade não é para todos, infelizmente.  E quando novos médicos começassem a jorrar sobre os doentes, como benção em festa de padroeiro, talvez as novíssimas salas cirúrgicas, também tão propaladas e festejadas nas propagandas, tivessem enfim alguma utilidade. Por enquanto, eram só paredes, equipamentos e números, enquanto os necessitados de cirurgias esperavam, por anos, para serem atendidos em outros campos não tão pequenos.

E ao povo, senhor do momento, restará escolher entre meias verdades, mentiras inteiras e novos engodos. Triste sina desse povo ter sempre de se contentar com mais do mesmo.