sábado, 30 de junho de 2012

Sai do armário, Poliana!


- Tá tudo bem Poliana. Já pode sair do armário. A barra tá limpa agora.
- Não saio, não saio, não saio! Não confio em vocês, seus molóides. – os gritos chegam abafados ao grupo de bobos e pajens que se amontoava em frente a porta fechada.
- Já terminou tudo Poliana. Não tem mais perigo nenhum. Pode sair daí de dentro.
- Não! Ainda é cedo. Nem escureceu ainda. Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
- Sai logo desse armário rainha! – suplica um dos pajens cansado pelas horas de espera.
- Já disse que não! – grita ainda mais alto a rainha.
- Chega de frescura! Sai do armário Poliana! – exaspera-se Líquen.
- Naaaão saaaio! – esganiça-se a rainha, mostrando destempero.
- Não adianta companheirada – desanima-se Líquen, dirigindo-se ao resignado grupo – Temos de mudar de tática. A rainha não quer mesmo sair do armário.
- Mas ela precisa sair. Tenho dúzias de fotos da alteza para tirar e editar. – choraminga Faisão, assessor de marketing e ilusionismo da corte.
- Pelo amor de Deus, Líquen! Ela nem colocou as mãos no Troféu Popularidade ainda e está mais mimadinha e birrenta do que já era.
- É isso mesmo. Nem os bombons de amarula são suficientes para Poliana, agora. Cada dia ela inventa uma moda diferente.
- Qualquer coisa é motivo de piti. Agora inventou essa de se esconder no armário. Que coisa mais ridícula!   – indigna-se um representante da Irmandade do Fogo.
- Vocês já pensaram se Oposição chega a saber disso. Vai ser mais motivo pra deboche e esculacho.
- Eu sei - continua Líquen - Mas não podemos fazer mais nada. Agora é tarde para aderimos a outra rainha. Temos que nos contentar com a que conseguimos. Dos males, o menos pior para nos manter no poder. Como dizia nosso grande amigo e professor, Paulo Salim: para ser nossa rainha não precisa nem parecer honesta, basta ser popular e populista. Esse é o novo lema do nosso clã, agora.
- Não sei se concordo com essa nova ideologia. É tudo aquilo que nós sempre criticamos. – declara o camarada Boina Verde, pensativo.
- Se você não acha certo, não tem problema Boina Verde. Tem dezenas de companheiros doidinhos pra ficar com seu carguinho. É só largar o osso!
- Também não é pra tanto. Eu preciso apenas me modernizar um pouco. Sempre achei o Paulo Salim um homem muito coerente em suas atitudes.
- Vamos voltar ao nosso problema mais urgente. Como fazer Poliana sair do armário?
- Vocês já tentaram oferecer afagos e massagens no ego? – pergunta um membro recém aderido ao cordão de puxa-sacos reais.
- Massagear o ego sensível da rainha tem sido nossa mais árdua tarefa nesses últimos anos. Além de mentir pra ela, é claro. – esclarece um dos bobos.
- Nem me fale. Nós contamos cada historinha fantasiosa que dava pra escrever um livro. Ainda bem que a rainha está tão centrada no seu umbigo que nem se preocupa em olhar em volta.
Do interior do armário vem um esganiçado grito, sobressaltando a todos:
- Calem a boca seus palermas! Não vou conseguir escutar o sinal com essa algazarra de vocês aí fora!
-Sinal? Que sinal alteza? – questiona um bobo real, ainda mais abobalhado que de costume.
- Eu estou esperando o sinal que vem do céu seus inúteis! – berra a histérica rainha.
- Era só o que faltava! Agora ela deve achar que é alguma enviada de Deus! Enlouqueceu de vez, a rainha. – surpreende-se um dos aliados.
Enquanto o grupo se recuperava do choque de mais uma revelação sem nexo da rainha, uma das damas de companhia de sua alteza entra correndo no recinto e esbaforida se dirige a porta ainda fechada do armário: - Eu ouvi rainha! Foram onze!
- Onze? Tem certeza?
- Absoluta majestade. Dez foguetes e um rojão.
- Teve fogos de artifício?
- Nenhunzinho.
- Ótimo! Então está confirmado. - comemora Poliana abrindo a porta do armário. – Neste armário, quero dizer, nesse reino não tem espaço pra mais ninguém – declara convicta a rainha, com os olhinhos de biscuit reluzentes de contentamento. – Agora é a vez de Oposição mofar de tanto esperar uma oportunidade de sentar nesse trono novamente. Acabamos com o coronelismo. Vamos aperfeiçoar ainda mais nosso novo regime: o oportunismo! – anuncia Poliana sob aplausos efusivos de sua cada vez mais vasta corte, posando radiante para as fotos e se equilibrando com muita classe nos finíssimos saltos agulha.

domingo, 24 de junho de 2012

Jogo de Vaidades







Os membros do seleto grupo analisavam cuidadosamente a enorme lista. Alguns, não acreditando no que estavam lendo, faziam caretas de descrédito. Outros tentavam conter o riso para não melindrar ainda mais os egos. Os mais antigos na vida boêmia e mundana das jogatinas tentavam manter o ar sério e compenetrado.  Oposição parecia enfim estar aprendendo a fazer o papel de adversário e opositor. Aprendera a brigar e disputar. Pelo menos entre eles. A esse robusto time só faltava entender em que lado do campo jogariam.

- Toalhas brancas aquecidas e lençóis de algodão egípcio, 300 fios. – anunciava um dos grupos com ar solene.
- Lenços umedecidos, hipoalérgicos, com fragância de lavanda e flores silvestres. – rebatia outro do outro lado.
- Papel higiênico neutro, folha tripla com extrato de Aloe Vera. – gritava um.
- Televisão LED,3D, 52 polegadas. – replicava outro continuando o pingue-pongue de imposições.
- Whisky escocês 12 anos.
- Banhos diários de Ofurô, a 37,5º com pétalas de rosas asiáticas e ervas aromáticas.
- Champanhe Freixenet em taças de cristal alemão.
- Bombons de amarula com chocolate...
- Pode para por aí! Bombons de amarula nem pensar! Isso é inegociável. Onde vocês estão com a cabeça querendo se igualar a Poliana? É inaceitável.
- É isso aí. E já chega dessa palhaçada! Quem vocês pensam que são para fazerem tantas exigências?
- E vocês acham que são quem? A Lady Gaga ou a Shakira? Nem as mega estrelas fazem tantos pedidos fúteis.
- Mega estrela é Poliana. Vocês são astros sem expressão, e pelo visto com muito pouca grandeza.
- Eu tenho anos de experiência sou eu quem escolhe o time!
- Você está aposentado. Vai escolher as suas pantufas e chambres, isso sim!
- Respeite a minha história. Sou eu que digo quem vai ser o capitão.
- Nós temos o fato novo! O capitão vai ser nosso e pronto.
- Esse fato não é um fato concreto, nós não aceitamos. Com esse não vamos.
- O fato é que nós temos mais visibilidade. Vocês são fato passado.

De fato, a controvérsia iria longe e não chegaria a lugar nenhum.Tão concentrado estava o pequeno grupo na discussão de alegorias e adereços, na sobreposição de egos e vaidades, que não se dava conta da audiência que se esvaziava. Para a torcida de nada adiantava um craque ou o grande técnico quando ainda faltava um time. E esta gente, ao que parecia, preferia abandonar a disputa só para não ter de treinar. Não entraria em campo para não sujar as chuteiras. Escolhia a comodidade do expectador sem compromisso aos imprevistos e surpresas da disputa e da batalha. Afinal era esse grupo superior ao jogo e ao campeonato. Maior e melhor que sua torcida. O negócio mesmo era esperar o próximo campeonato.

sábado, 16 de junho de 2012

O velho, o jogo e o velho jogo


De pé na lateral do campo o time discutia de forma eloqüente. Uns gesticulavam, outros gritavam, tantos emudeciam e todos discordavam. Para o velho que observava a cena da arquibancada parecia que a tática de Oposição, ano a ano, continuava a mesma. Entrar em campo com um único objetivo: perder.
O velho, como sempre saudosista e nostálgico, suspira e abana a cabeça, lastimoso. Ah, que saudade sentia da Oposição de outros tempos. Tempos duros. Foram anos de chumbo aqueles. Quando se tinha tanto o que falar e era preciso calar. Hoje, se podia falar tudo e, no entanto, parecia que ninguém tinha nada a dizer. Como era triste esse silêncio de idéias e intenções. Esse deserto de convicções e certezas. Até a corrupção, condenável marca de sua adorada pátria, carecia de certo requinte nesses tempos modernos. Mesmo para roubar era necessário algum critério ético, acreditava esse velho tolo. Um pouco de pudor e limites. Mas os valores que importavam não eram mais os morais nesse reino. Apenas o dinheiro e o poder, e o poder do dinheiro, importavam à Oposição e Situação. Esses dois sedutores elementos, tornaram Oposição e Situação tão próximos nos gestos, discursos e posições que era quase impossível distingui-las hoje em dia. Até os rostos eram os mesmos. Todos juntos nos mesmos palanques.
Algumas vozes mais alteradas, vindas do gramado a sua frente, chamam a atenção do velho. Correndo novamente os olhos, já um tanto turvos pela idade e as decepções, para o grupo reunido a pouca distância, observa a discussão que se acalorava. Chegava a ser hilário ver Oposição, até ontem Situação, tão desarranjada e atordoada. Longe do trono mostravam o que sempre foram: patéticos seres se digladiando por um naco de poder. Fato novo! - gritava alguém.  O velho ouvira isso várias vezes nessa tarde. Para ele, na conjectura atual, fato novo era lutar pelo certo e pelo justo. Todo o resto era moeda corrente.
Enquanto enrolava um de seus palheiros, analisa com o cuidado próprio dos bem vividos, a figura de Zangão. Este se dizia velho para disputar um novo jogo em um novo tempo. Para esse ancião, que gozava a nona década de vida, ele aparentava ser jovem ainda. A idade alterara sua percepção do tempo e de possibilidades, pensava. Se Zangão estava demasiado velho para o jogo, não se permitia ser velho demais para o comando. Mesmo sem querer entrar em campo, não demonstrava intenção de largar as rédeas do time. Mesmo tendo trocado as chuteiras por pantufas não perdera a pose de treinador. Tentava ditar, como de hábito, as regras e estratégias para um grupo que não tinha a ambição de ganhar. Aliás, mesmo para um mero observador desatento, nesse time parecia haver mais comandantes do que comandados. Mais caciques do que índios.  Muito mais técnicos do que jogadores. Como seria entediante assistir a um jogo assim. Talvez devesse ouvir os resmungos e conselhos de sua velha e abandonar de vez esses treinos sem fundamento ou motivação. Com o inverno se aproximando, frio, úmido e cinzento, melhor ficar em casa, aquecendo as juntas em volta do borraio, do que assistir a um jogo onde o resultado já está marcado. Não havia chances de vitória. Não para o povo ao menos. Todos estavam fadados ao fracasso. O dinheiro e o poder aniquilariam, como sempre, qualquer boa intenção ou decência que ousasse se infiltrar nesse jogo. Isso era uma coisa que infelizmente não evoluíra com os anos, pensa o velho, enquanto se dirigia cabisbaixo para casa.

sábado, 9 de junho de 2012

O Gigante atolado em patifaria


Enquanto no reino de Poliana a paz e os saltos altos reinavam, longe, muito longe, na sede do Império do Gigante Adormecido as dúvidas e contradições confundiam aos súditos mais questionadores. A história desse reino de dimensões continentais era curiosa, para não dizer esdrúxula. Nessa terra, onde o céu era mais azul e aonde nasciam palmeiras e cantavam os sabiás, a coerência parecia ter sido abolida por decreto e com a aquiescência silenciosa de seu povo.
Por mais de quinhentos anos, longos e duros anos de dominação imperialista, o Gigante Adormecido foi cativo e subjugado por forças poderosas e reacionárias. Foram séculos de subserviência dos fracos ao domínio de uma minoria cruel e autoritária: a burguesia. A corrupção e o poder do capital sobre as massas de miseráveis e excluídos eram a moeda corrente. Seu povo orava a cada dia, aos Deuses do futebol e do carnaval, para que um salvador honesto e puro brotasse de seu fértil solo e viesse salvar suas almas.
Então, do meio dos pobres proletários organizados, lutando por uma sociedade justa e igualitária para todo seu sofrido e alegre povo, Ele surgiu. Rodeado por uma constelação de estrelas e sustentado por sólidos ideais de justiça social e igualdade entre os desiguais emergiu o Ilusionista, o baluarte da ética e da moral. O salvador dos pobres e sofredores. Depois do Ilusionista esse reino jamais seria o mesmo. Seu exército de seguidores, empunhando românticas bandeiras escarlates e sustentados por inquestionáveis valores de ética e retidão, venceram por insistência e merecimento os abomináveis e corruptos donos do poder. Assim, um novo ciclo de dominação e subserviência se abateria sobre este curioso povo. Agora, sob nova direção. Era o fim da corrupção e dos corruptos; dos poderosos e dos oprimidos; dos muito ricos e dos muito famintos. Sob fervorosos e emocionados aplausos dos intelectuais e senhores do saber, a alienação e a ignorância teriam seus dias contados. Assim foi prometido e assim se cumpriu.
O Gigante Adormecido enfim acordara. Seu céu tornou-se ainda mais azul e estrelado. Seu povo exibia ao mundo o mais puro e desdentado sorriso de contentamento. Pelo menos nos cinematográficos comerciais com emblemático fundo musical. Àqueles que esperavam por educação para sua gente foram presenteados com o fim da reprovação e do conhecimento nas escolas. Um complexo modelo educacional capaz de causar cólicas aos povos mais evoluídos, que permitirá aos educandos, em um futuro próximo, atingir o nível superior sem a necessidade de saber ler ou escrever. A interpretação de textos ou fatos não será mais necessária nesse promissor reino. As massas sempre terão quem interprete a história por ela, bastará acompanhar as coloridas propagandas do Império do Ilusionista.
Àqueles que sonhavam com uma saúde digna e decente para seu humilde povo foram enfim contemplados com uma dúzia de monumentais estádios de futebol.  Os doentes que até então agonizavam aos milhares nas indignas e desumanas filas e emergências poderão agora aguardar comodamente acomodados até que seus suplícios se resolvam ou que seus times se classifiquem.
E enfim, a corrupção foi abolida desse até então putrefato reino. A praga mais antiga dessa tosca e otimista sociedade fora vencida pelo Ilusionista e seu clã. Uma reforma ortográfica e de valores foi implantada. Corrupção passou a ser chamada de mensalão. E mensalão passou a ser uma obra de ficção inventada por uma Imprensa exageradamente livre e uma oposição invejosa. Roubo e tráfico de influências passaram a ser pequenos desvios éticos deturpados pela imprensa manipuladora e a oposição raivosa. Carregar dinheiro de propinas em cuecas e meias era apenas uma forma diferente e muito mais limpa de fazer o que os reacionários de oposição fizeram por quinhentos anos nessa terra, não havendo motivo para tanto alarde. Tudo não passava de uma desleal e traiçoeira conspiração midiática.
E assim, o antes casto e brioso exército do clã do Ilusionista, mudou de cara e de ideologia. Agora, para ser membro desse seleto grupo era preciso abandonar a decência, a ética e seus valores morais. Aos sectários dispostos a seguir as regras desse jogo: uma cachoeira de recompensas. Ao povo, mantenedor dessa engrenagem, um atoleiro de incoerências e o eterno e merecido título de terra do carnaval.

sábado, 2 de junho de 2012

Operadora Poliana


- Companheirada, a coisa tá preta. A rainha está furiosa! – anuncia Líquen, o amorfo, interrompendo um disputado jogo de Truco entre os bobos e pajens reais.
- Ah, não! TPM de novo ninguém agüenta! Já é a quarta este mês. Não tem estoque de bombons de amarula que chegue! – queixa-se um dos pajens.
- É sempre assim! É só a gente se acomodar para não fazer nada e ela começa a ter os ataques dela. Assim não dá! – continua outro.
- Eu bem que avisei que essa história dela ser unanimidade ia acabar subindo pra cabeça.
- E nós bem sabemos que a rainha sempre teve o ego maior que o cérebro, né?
- Pelo visto agora só tem ego. – resmunga um dos bobos da Irmandade do Fogo.
- Ela tá histérica sim, mas acho que dessa vez ela tem razão. A rainha foi clara, lúcida e definitiva. – relata Líquen.
- Clara e lúcida? Duvido. – retruca novamente o irmão do Fogo.
- É sim. Ela mandou cortar todos. E já. – sentencia Líquen.
- Cortar?! Já?! Mas era pra ser só após a conquista do troféu popularidade, quando ela vai ter de pulverizar nossos carguinhos e distribuir as migalhas às minorias.
- Não é possível, Líquen! Eu ainda tenho as prestações do carro pra pagar. – choraminga um dos companheiros.
- Pode esquecer, eu sou uma das estrelas mais antigas do nosso clã, não vou largar essa boquinha assim. Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
- Que absurdo! Que falta de ética da Poliana. Não é isso que foi combinado quando firmamos nossa aliança. – reclama ofendido um ilustre representante da Irmandade do Fogo.
- Está coberto de razão o camarada da Irmandade. É uma falha grave de caráter de sua alteza faltar com a palavra dada. Onde ficaram os valores morais pelos quais nosso clã tanto tem se empenhado ao longo dos anos! Isso é uma cachoeira de água fria em nossos ideais.
- Ela não pode cortar nossas cabeças assim!
- Que cabeças, o que! Vocês são mesmo um desperdício de dinheiro público! Ficam o dia inteirinho fazendo coisa alguma e não são capazes nem de ler os jornais. Não sabem nada do que acontece no reino! - esbraveja o amorfo.
- Eu não sei ler. – responde sem muito interesse um dos presentes.
- E eu, sou responsável pelo planejamento. Não tenho que saber nada sobre o reino. Não é pra isso que sou pago. – completa outro.
- Isso é um ultraje! Eu sou o marqueteiro da rainha. O meu serviço é fazer ela parecer mais popular e carismática do que é e tornar cada acanhado feito de nosso reinado um espetáculo de cores, música e fantasias. E isso eu faço muito bem, obrigada. – empertiga-se Faisão, todo garboso.
- Tá, mas se não é dos nossos carguinhos e tetas que você está falando, do que é afinal?
- Dos telefones. Ela mandou cortar todos os telefones do castelo. – esclarece Líquen.
- Sem telefones? Mas como vai ser sem telefones? Como é que eu vou namorar?
- Isso é um absurdo, Líquen! Eu tenho um monte de cobranças para fazer e propinas pra negociar pro nosso clã, não posso ficar incomunicável. Ainda mais esse ano.
- Pelo amor de Deus gente. A única coisa que nós fazemos aqui no castelo é jogar baralho, navegar na internet e ficar pendurado no telefone. Se essa rainha louca cortar os telefones nós vamos ficar fazendo o que aqui?!
- Por mim não tem problema. Vou usar o tempo ocioso para tentar ler aquela brilhante obra que norteia minha vida e minhas condutas: O Capital. Talvez eu consiga chegar ao final dessa vez e quem sabe entender do que se trata. – anuncia o Boina Verde esperançoso e otimista.
- E tem mais Líquen. Como é que nós vamos fazer para manter nossa tática das ameaças anônimas sem telefones. Ela não pensou nisso?
- É por tudo isso que vocês alegam que a magnânima tomou essa acertada decisão. Os telefones tem sido a maior fonte de problemas para nosso reinado nos últimos tempos.
- Por quê? Nós andamos desviando o dinheiro da conta também?
- Não, claro que não! – indigna-se Líquen, para em seguida acrescentar pensativo – De qualquer forma vou averiguar para ter certeza.
- Eu sabia! Esses dispositivos de telecomunicação inventados pelos imperialistas só servem para manipular as massas! - revolta-se o camarada Boina Verde - Feliz é o povo cubano que não tem acesso a essas máquinas opressoras.
- Chega de bobagens. O negócio é que a intrometida Justiça anda bisbilhotando nossas ligações telefônicas. E como de costume, achou cobras e lagartos. Os membros de nossa confraria parecem não ter o menor zelo na hora de usar esses aparelhos. Tem companheiro que usa o telefone do castelo para tele-sexo!
- Qual o problema? Vocês queriam que ligasse de casa, é?
- Quieto! – interrompe Líquen já sem paciência – Vai ser uma lástima termos de desativar todo o esquema elaborado por nossa corte. Tudo via telefone. Olhem só: tem o telemarketing Poliana. Um número onde o contribuinte liga pra reclamar dos serviços e é automaticamente repassado para uma operadora que passa horas repetindo todas aquelas mentiras que nós vendemos sobre a eficiência de nosso reinado. Se o tal contribuinte tiver bom senso, ele desliga antes de conseguir reclamar senão gasta todo o salário para pagar a conta. – explica Líquen – E mais: a tele-entrega de propinas. O pessoal não precisa nem vir no castelo para molhar nossas mãos. É só ligar e algum companheiro vai correndo buscar. – relata para uma platéia cada vez mais satisfeita - E tem esse serviço onde você pode optar. Se você for companheiro tecla 1 e daí são oferecidas várias opções: Para solicitação de troca de favores, tecle 2. Para lavagem de dinheiro, tecle 3. Para trocar voto por brita, tecle 4. Para passar na frente dos doentes na fila do desrespeito, tecle 5. E assim vai indo, até o 13.
- E se você não for companheiro. Como é que faz para usar esse instrumento tão inclusivo e participativo? – pergunta deslumbrado o Boina.
- Tecle estrela e, por favor, aguarde até o ano que vem.
- Que falta vão fazer os telefones para nosso reinado! Mal dita seja a bisbilhoteira Justiça! Nós devíamos ligar para ela ameaçando... – revoltam-se os companheiros já tramando a desforra.