domingo, 11 de janeiro de 2015

O humor do Criador


Deus chorava em um lugar escondido. Devia ter errado em algum momento. Criara o homem com a dádiva do intelecto e da razão. Diferente de todas as outras espécies. O racionalismo faria toda diferença, pensara. Tolerância! Achara que a tolerância adviria com a razão. Ponderar sobre as divergências. Aceitar as discordâncias. Suportar as diferenças. Parecia, a Ele, tão claro e lógico. Enganara-se. Seus filhos, dotados do poder da razão, comportavam-se como tolos. Tolos, intransigentes, intolerantes e sanguinários. Eram menos que a mais irracional de Suas criaturas. Eram dignos de pena, somente. Lhe envergonhavam e entristeciam, lamentava o Criador.
Em Seu nome mataram e ainda matavam. Em Seu nome perseguiam. Em Seu nome separavam e discriminavam. Faltava hombridade aos Seus filhos. Careciam de dignidade, de cerne e de vergonha. Como Pai, falhara. Não impusera limites. Fora demasiadamente conivente com os seus desatinos. Dera-lhes excessivas liberdades. Liberdade! O humor era a expressão máxima da liberdade. O humor que diverte e faz rir, também critica e faz refletir. A conjunção perfeita entre liberdade e razão. Assassinaram o humor, os Seus filhos. Em total ausência de razão. E foi em Seu nome que o fizeram! Como se Ele, ao dar ao homem a capacidade de pensar, de refletir e de julgar, não o tivesse feito para que diferentes fossem uns dos outros. Para que crescessem e amadurecessem com as divergências. Para que exercitassem a tolerância. Mas, mesmo dotados de razão, em milhares de anos, os Seus filhos não conseguiram entender algo tão ridiculamente simples. Queriam-se todos absurdamente iguais, os Seus filhos. Iguais em cor, em crenças, em opiniões, em sexo. Como amebas. Deveria ter parado nas amebas, pensa o Criador, tristonho. Mas, criara o homem por apreciar o humor. Humor! O melhor presente que puderam dar a Ele. União plena da razão com o sentimento. A mais bela e perfeita criação do homem. Verdadeiro orgulho para um Pai. E Seus filhos queriam assassinar o humor em Seu nome. Amebas! Deveria ter povoado o mundo com amebas. Hoje, ao menos, não se sentiria tão desoladamente triste e desapontado. Mas, que falta Lhe faria o humor! Já não conseguiria seguir em frente sem o humor dos homens, um presente de Seus filhos ao seu Criador. Lhe restava, apenas, esperar que Seus filhos um dia queiram evoluir como homens, ao invés de desejarem ser estupidamente iguais, como as amebas.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Mais do mesmo


Ano novo. Novo reinado. Mas tudo parecia cansativamente igual em Gigante Adormecido. Ou quase tudo. Nossa Rainha Mãe nem de longe parecia-se com a administradora competente e aguerrida que há alguns anos chegara pela primeira vez ao trono. Uma plateia mirrada ouvia o pronunciamento real sem muita empolgação. Nem o tradicional pão com mortadela fora atrativo suficiente para levar a companheirada em massa à solenidade. Seu segundo reinado começava amarrotado, com cara e jeito de ressaca.
Mas, há novas caras na corte da Rainha Mãe. Caras que sequer sabiam para que vieram, faziam poses sorridentes para as fotos. O critério de escolha de nossa magnânima para sua vastíssima corte real seguiu o tradicional loteamento de carguinhos em troca de apoio e subserviência. Reinado novo; práticas bolorentas; resultado previsível.
    O responsável pela pesca não diferenciava um anzol de um arame farpado, mas fisgara uma boquinha inútil paga com dinheiro público.
   Para cuidar do futuro cada vez mais incerto dos aposentados, ninguém melhor que um companheiro motociclista, sempre pronto a curtir a vida e seu novo carguinho sobre sua Harley Davidson. Coisa que nem ousam sonhar os pobres aposentados desse imenso reino. Todo aposentado deveria comprar uma Harley e conhecer o mundo. Isso abre os horizontes e areja a mente. Talvez, seja essa ideia que motivara nossa rainha na hora da estranha escolha.
      Em tempos de contínua e rápida evolução mundial da ciência e tecnologia, nada mais inovador que nomear um líder contrário a adoção de tecnologias poupadoras de mão de obra para levar esse gigantesco reino de volta ao tempo das manivelas e das máquinas a vapor. Eterno ideal socialista.
      Para chefiar as comunicações, ninguém mais preparado que um destemido e descarado defensor da censura na mídia. Com gente desse quilate na pasta, no futuro, até comercial de creme dental deverá sofrer sérias restrições. Outro sonho antigo da companheirada.
      Já que em breve os jogos Olímpicos devem aterrissar por aqui, o homem forte dos esportes pode não ser lá muito familiarizado com o tema - nem com as bolas - mas conhece bem de perto as boladas. Carregava-as, até pouco tempo, em maços camuflados em caixas, mas não nas cuecas! Nossa Rainha Mãe parece ter certo fetiche pela Papuda pois, ao seu redor, quem ainda não conheceu as acomodações do local, em breve poderá passar uma temporada por lá. Nada mal para nossa destemida e corajosa faxineira ética.
     E nossa nova Rainha Mãe? Continua a mesma. A mesma rainha-candidata de semanas atrás. Ainda não desceu do palanque. Persiste no discurso cansativo, sobre o mesmo reino fantasioso de Horário Eleitoral. Promete as mesmas promessas requentadas de quando assumira seu primeiro reinado, com as frases desconexas que são a sua cara. Como sempre, não demonstra a que veio. Sobre o mais escabroso escândalo de corrupção em nossa Estatal do Petróleo, passa voando, contemplativa, por cima. Acusa por essa sangria do dinheiro do povo os “predadores internos” e “inimigos externos”. Os predadores internos ela conhece bem, pois foi quem os nomeou, indicou ou aceitou, no mesmo modus operandi usado na escolha dos novos membros da sua corte. Já os inimigos externos devem ser alienígenas, enviados de Oposição ou da Mídia Golpista para desmoralizar nossa rainha e seus confrades. Ou talvez os investidores estrangeiros que ousaram cobrar na justiça a leniência da rainha e seus vassalos com a roubalheira estatizada. Quem sabe o que se passa nos neurônios desconexos de nossa monarca.
     E o pior ainda estava por vir. Quatro anos que prometiam ser longos. Quatro anos de uma oposição ferrenha e afeita a golpes baixos. A oposição de seu próprio clã. Liderada por seu criador, o Ilusionista. O criador já mostrava, na surdina, suas garrinhas prontas a aniquilar sua criatura. Tudo pelo seu velho projeto de poder. Resta saber se nossa Rainha Mãe será uma dócil cordeirinha pronta ao sacrifício para abrir o caminho para volta do salvador. Os próximos capítulos dirão.