domingo, 4 de junho de 2017

Nós, eles, e a democracia

E em Gigante Adormecido o fim do poço parece nunca chegar. Gravações e grampos telefônicos expõem ao povo o mar de lama - e de dinheiro sujo – onde afundam-se quaisquer esperanças de que algo limpo venha a emergir. É a política apresentada como acordes da mais melancólica música sertaneja, escrita e interpretada por Joesley e Wesley, os reis da picanha. A dupla de larápios bregas saboreia um exílio dourado no exterior, com direito a faturar alguns milhões em especulações por conta da divulgação do enredo de seus lucrativos sucessos. São os royalties de seus direitos autorais pagos pelo povo, por decisão de Justiça. Se a conta não parece muito justa, é por que ainda não conhecemos o final da história, garante Justiça. Ao fim e ao cabo, pagaremos duas vezes, desconfia o povo, cada vez mais cabreiro.   Ao povão resta roer os ossos e amargar desesperança.

E Mesóclise, o rei tampão, corre o risco de vir a ser apenas o primeiro tampão dessa trágica dinastia. Ao se ver com a corda no pescoço, balançando desengonçadamente em um tripé de impopularidade, escândalos de corrupção e aliados em debandada, incorpora sua antecessora e acusa a existência de um complô contra si. Brada confiar na integridade moral de seus amigos – aqueles que correm com malas de dinheiro sujo – e entoa a velha marchinha: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira!” Mesóclise é apenas a outra face da rainha deposta, para quem tinha dúvidas que a escassez de cerne e a abundância de imoralidade eram o cordão umbilical que unia essa outra dupla - menos sertaneja, muito mais Bossa Nova para intelectual delirar.

E quando o grito de “fora!” parecia enfim unir uma nação há anos separada por ideologias, uma onda de terror vermelho colocaria fogo na frágil e emergente aliança por um país decente. Não há solução longe da democracia, e não há democracia sem respeito às leis e a ordem. O incêndio e a depredação de prédios públicos e a violência dos que dão de ombros a ordem pública, fez calar, novamente, a voz da maioria do povo ordeiro e cada vez mais exausto. O “fora!” que deveria ser berrado em uníssono, foi sufocado pela força irracional dos intransigentes e autoritários que desprezam democracia. Uma minoria de baderneiros e terroristas calou a maioria de um povo decente e que anseia por ética e moralidade.

Olhando para baixo, até onde a vista alcança, não é possível calcular o quanto ainda nos resta desse trajeto em queda livre até atingirmos o final desse poço, onde, esperamos, o solo seja suficientemente firme para permitir o impulso que nos fará começar a emergir desse lodaçal absurdo e indigno. Talvez precisemos cair muito para sabermos valorizar o solo firme. Talvez tenhamos muito ainda a afundar. Que saibamos afundar e mergulhar nesse poço imenso de dejetos sem nunca perder democracia de vista. Quando as coisas nos parecerem insuportavelmente difíceis, e serão, que olhemos para cima, e que a luz das leis, da ordem e da democracia sejam sempre nossa meta a alcançar. Todo resto é cantiga de roda para embalar intelectualóide saudoso da ditadura.

 

 

 

domingo, 7 de maio de 2017

Os salvadores da pátria

Os vídeos das delações de empresários de duas das maiores construtoras do Brasil, descontruíram o mito Lula, o maior embuste desse país. A imagem de proletário e sindicalista preocupado com os podres e desvalidos construída por intelectuais sonhadores desmoronou. Quando Emílio Odebrecht, com ar de zombaria, diz que Lula sempre fora um Bon vivant, está atenuando a verdade, que a essas alturas já está mais do que clara para todos que não são cegos pelo messianismo irracional de militantes petistas: Lula sempre foi um vagabundo. Um proletário preguiçoso, um sindicalista pelego, uma prostituta das empreiteiras. Um corrupto.

Mesmo com pés de barro Lula ainda é visto como um messias por seus companheiros, sempre dispostos a atender um chamado seu para defendê-lo de uma grande conspiração midiático-judicial que tenta impedi-lo de retornar ao poder e salvar os pobres e excluídos desse país.  É o perseguido Lula, a mais honesta das almas.

Na próxima quarta-feira, tradicional dia de competições futebolísticas, o país aguarda com impressionante expectativa por uma audiência judicial. O depoimento do réu Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz federal Sergio Moro. A expectativa é justificada pela importância do réu e pelas acusações que lhe recaem sobre os ombros. Injustificado é que se dê ao ato formal ares de evento desportivo, com direito a torcida, pipoca, algodão doce, coxinhas e pão com mortadela. Os órgãos de segurança de Curitiba se preparam para receber milhares de manifestantes e montam esquemas para separar as duas torcidas adversárias: os pró- Lula, dos pró-Moro. Como se já não fosse tudo absurdamente ridículo, o acusado deseja a transmissão ao vivo da audiência, para o que sua militância promete a instalação de um grande telão próximo ao foro. Só faltará a lona para completar o circo.

O ridículo do espetáculo expõe uma perigosa face do povo brasileiro: a necessidade de um herói que nos salve de nossas mazelas. Lula, o populista, foi eleito e reeleito como o salvador dos pobres e da pátria. Lula é um corrupto mentiroso e um embusteiro falastrão. Moro é atualmente o maior ídolo nacional, o homem que está colocando corruptos atrás das grades e ajudando a varrer a corrupção desse país. Moro é um competente juiz federal que tem em suas mãos os processos do maior caso de corrupção de que se tem notícia. É um exemplo de juiz, não um salvador.  Moro não vai salvar o país, nem da corrupção, nem dos políticos corruptos. A salvação do Brasil – se é que ele tem salvação – está nas nossas mãos, e só será possível no dia em deixarmos de esperar por heróis que venham nos salvar. Super-heróis são fantasias de criança, está mais que na hora de crescermos.  





domingo, 16 de abril de 2017

Odebrecht, a mãe de todas as bombas

E o tão anunciado e esperado fim do mundo enfim chegara. As apocalípticas delações finalmente vieram a público. Por mais que suspeitássemos de seu conteúdo, vê-las assim fora das sombras causavam um estranho misto de apreensão e redenção. Os meandres do poder começavam a ficar claros ao povo. Nefastos, putrefatos e indigestos meandres. Assim como as cifras. Astronômicas cifras, capazes de deixar zonzos aos pobres e incautos que ainda aturdidos assistiam aos trechos que lhe eram jogados impiedosamente nos telejornais. Ainda mais assustadoras que as vultuosas somas descritas, era a calma e a clareza quase enervante dos delatores ao relatarem episódios tão desprezíveis de nossa história. A riqueza dos detalhes e a desgraçada crueza dos fatos impedem a qualquer um desconfiar da veracidade da sordidez delatada. Em frente à televisão, o povo sente um sufocante aperto na garganta e uma ânsia de gritar que alguém pare o filme, não pode ser este o enredo. Mas, é. Sempre fora, afirmam os narradores com a convicção dos que tudo sabem e já nada temem.  

E havia nomes para todos os gostos, siglas de todas as torcidas, ideologias de todos os odores. Ex-presidentes para satisfazer toda era democrática. Existe apenas pecado no lado de baixo da linha do Equador. E por outros continentes também, afinal nossa corrupção endêmica é padrão exportação.

E na narrativa quase hipnótica dos delatores, estes afirmam que caixa 2 é algo absolutamente corriqueiro. Como ir ao banheiro.  Não existe eleição sem caixa 2, afirmam.  Simples assim!  Feito café com açúcar ou pão com margarina, pensa o povão, remexendo-se desconfortável nas poltronas. Então todos aqueles milhões e milhões... eram só pão com margarina, coisinha pouca afinal. É o que querem que acreditemos. Como parece fácil aceitar que Ministros da Fazenda (Ministros de Estado!), como se office boys fossem, movimentassem milhões de dinheiro sujo, dinheiro não declarado, com a desculpa de financiar campanhas, como se fosse pouca coisa. Não é! Isso é crime! E ao ouvi-los discorrer sobre o assunto parecem falar sobre compras em shoppings centers, pagas com dinheiro deles, e não sobre dinheiro nosso financiando interesses deles. Coisas de tal forma surreais que provavelmente são incompreendidas por boa parte de nosso povo, incapaz de conceber tamanha desfaçatez.

Nos vídeos divulgados ao mundo há espaço para tudo. Seriedade, solenidade, arrependimento, descontração, descaramento. Até lição de moral do velho poderoso chefão dos empreiteiros corruptos querendo posar de pobre vítima do sistema.  Páginas de nossa história que levaremos meses para saborear e desvendar totalmente. As amizades insólitas que construíram um mito de pés de barro que um dia jogaria o país na lama, com certeza prometem ser um volumoso capítulo desse circo de horrores. Aguardemos.

Que essa hecatombe que se abateu sobre nós sirva para separar o joio do trigo. Se não restar trigo, é hora da semeadura.

 

 

 

 

sábado, 8 de abril de 2017

Cem dias, fim de trégua

Passados cem dias, a lua de mel acabara. A tradicional trégua concedida aos novos gestores da coisa pública chegou ao fim. É hora de mostrar a nova cara prometida em Horário Eleitoral. Se não o retrato completo, um rascunho convincente ao menos. É o que esperam os súditos.

E no pacato e hospitaleiro reino de Campo Pequeno as coisas não seriam diferentes, bem sabe Chucrute, o novo monarca, já sentindo o peso da tão almejada coroa. Fora escolhido para ser o furacão da mudança, pois hoje sentia-se como uma singela baforada, ligeiramente cálida. E seria cobrado por isso, estava ciente. É chegada a hora de dar a cara a tapa e de mostrar que espécie de monarca será. São conhecidas de todos as dificuldades financeiras das contas públicas. Dificuldades essas que já eram esperadas por Chucrute durante a disputa ao trono. Portanto, o novo rei não pode dizer que não sabia. Como não poder justificar a demora no cumprimento das promessas por conta da burocracia da coisa pública, pois já fora rei e conhece a fundo o engessamento da paquidérmica máquina. Se vida de rei é difícil, a de quem volta ao trono é ainda pior, estava aprendendo o ariano, a essas alturas bem mais circunspecto que o habitual.

Sentado no amplo salão real, Chucrute parecia um tanto solitário no entardecer desses cem dias. O castelo não era o mesmo de seu reinado anterior, refletia. As infiltrações e a decadência eram evidentes. Precisava evitar que essa decadência se infiltrasse em seu reinado, pensa, um tanto aflito. O trono também não lhe parecia tão confortável como fora em outros tempos. Sinal de envelhecimento de seus glúteos, com certeza. Deveria ter escutado sua esposa e se dedicado um pouco a prática do Pilates nesses 16 anos, constata massageando as nádegas doloridas. Algumas coisas não mudaram com o tempo, constata. Poder e vaidades eram algumas delas. A disputa por poder e a fogueira de vaidades na política continuam idênticas. Que desgraça! Conhecido pela memória espetacular, capaz de lembrar até a quinta geração de todos os seus súditos, nosso prodigioso monarca não poderá sequer alegar não se recordar dos asquerosos meandres do poder.

 Olhando seu amado reino através das janelas do castelo, Chucrute suspira desanimado. – Talvez fosse uma boa ideia colocar a redoma de vidro fumê de Poliana novamente por aqui. Só por uns dias, é claro! A realidade é tão deprimente. – titubeia um suspiroso Chucrute, o prometido tornado da mudança, já ansiando por um pouco de ilusão de ótica, eterno ópio dos reis desse adorável lugar.

 E se o reinado é de mudança - embora curiosamente algumas moscas permaneçam as mesmas - no reino dos Botas Amarelas as mentalidades continuam tacanhas. No que concerne o bom uso do dinheiro público todos são unânimes em erguer a bandeira da moralidade. Moralidade essa que se esvai rapidamente quando o dinheiro público deixa de regar os interesses desses mesmos grupos de baluartes da moral de cuecas rotas. O ar de profundo ultraje e mágoa – com direito a narizinhos empinados e tudo – pelo corte de recursos do contribuinte para canarinhos e galos, merecia premiação com o troféu “Gente Estúpida”. O mesmo vale para os adoradores de corridas de automóveis, que se debulham em lágrimas nas redes sociais pela falta de aporte financeiro ao evento. Seria um chororô divertido se não fosse ridículo e absurdo que pessoas não tenham a menor noção de que dinheiro público não é para financiar clubes de futebol ou competição de rally. Como não é, absolutamente, para reformar salões comunitários ou instalações religiosas de quaisquer credos. Clubes de futebol que não contam com torcida suficiente para se manterem em pé, que fechem as portas. Comunidades religiosas que não conseguem se organizar com o auxílio de seus fiéis, que rezem ao ar livre sob as bênçãos de Deus. Dinheiro público, dos contribuintes, não pode socorrer as cadeiras e arquibancadas vazias de eventos, igrejas, salões, ginásios ou estádios. Dinheiro público é para socorrer os doentes amontoados em cadeiras e macas nas emergências superlotadas de hospitais. Quem  não consegue entender isso é estúpido ou de caráter deturpado. Aqueles que convenientemente esquecem a bandeira da ética na hora de defender a “doação” de dinheiro público para seus clubes, congregações e agremiações de qualquer natureza, que tenham ao menos a decência de pendurarem suas cuecas rotas em mastros e exibi-las em praça pública com os dizeres: Moralidade para os outros, dinheiro público para os meus!

domingo, 19 de março de 2017

O BBB dos vendilhões

  • Enquanto em Gigante Adormecido o povo descobria algo mais podre que a política - a carne - no pacato reino de Campo Pequeno a Câmara de Vendilhões prometia inovação. A esperança dos súditos de renovação, com novos vendilhões de Situação e Oposição, mostrava-se só mais um engodo bolorento e putrefato, como salsichas e presuntos.
  •  Pois a nova legislatura, com novos e ávidos vendilhões do povo, resolvera adentrar logo de cara na era da modernidade tecnológica. Nada mais das arcaicas e prosaicas votações de outrora, com simplórias contagens manuais, feito chamada do colegial. Afinal, uma vastíssima assembleia de dezessete notáveis necessitava de um painel eletrônico para controlar as acirradas disputas voto a voto. Seria uma temeridade que algum ignóbil qualquer deixasse de contabilizar um importante voto de louvor ou fizesse vistas grossas no momento sublime em que nossos vendilhões decidem dar o nome a uma viela. Uma câmara tradicionalmente tão afeita a discussões e votações importantes, como solicitações de lombadas e bueiros, necessita de fato e por mérito, de um painel eletrônico para coroar suas produtivas reuniões. O súdito que discordar poderá mandar um email ou torpedo a seu vendilhão preferido, e torcer que o mesmo saiba como lidar com a avançada tecnologia de mensagens eletrônicas.
    E já que aos nossos ilustríssimos vendilhões são atribuídas a elaboração de leis, urge a necessidade de assessoria jurídica. Tudo perfeitamente lógico e explicado. Mas, se por aqui o campo é pequeno e a câmara é tradicionalmente uma servil assembleia de vassalos que se limita a abanar o rabo para as propostas do executivo e aprovar moções de apoio e nomes de rua, qualquer advogado de meia pataca serviria. Pois aos nossos bravos vendilhões nem ao menos uma pataca inteira está de bom tamanho. A assessoria jurídica da casa não é suficiente já que a pilha de solicitações de controladores de velocidade se acumula nas mesas. Faz-se necessário a contratação de mais uma empresa de advocacia para auxiliar nossos eleitos. Só para se dedicar e embasar juridicamente a correta denominação das ruas do reino. Que sorte nossa, os súditos, podermos contar com representantes tão preocupados com a forma legal de usurpar nossos recursos.
    E como avanço pouco é coisa de colono ou suburbano, nossos vendilhões decidiram aparecer. Não aparecer nas comunidades onde conquistaram seus votos de apoio e crédito, é lógico. O negócio era aparecer na TV. E se a TV não vai aos tolos, os tolos compram a TV com o bom e velho dinheiro público. A Câmara de Vendilhões adquirira para si um canal aberto de televisão. Negócio da China, de causar inveja às grandes empresas da área de telecomunicações que hoje tropeçam para manterem-se de pé. Tudo que o povo desse reino almejava era um canal inteirinho pautado por seus eleitos vendilhões. Com tantas discussões vazias e protagonistas medíocres será o fim do BBB. Concorrência desleal, de fato. Os custos dessa televisiva vaidade tupiniquim sairá, é claro, dos bolsos dos contribuintes. Pois bolso de contribuinte não tem fundo, como sem fundo é a falta de senso de ridículo de nossos eleitos.
    No amistoso e acolhedor reino de Campo Pequeno o povo optou por mudança. A voz desse povo gritava por um basta. Pois a mudança veio. Fez-se a renovação. Mudaram as moscas. Agora cabe ao povo decidir se quer que a bosta seja apenas revirada, ou coberta de vez e definitivamente. Quem paga picanha e aceita comer papelão vale aquilo que defeca.
     
     
  •