domingo, 29 de setembro de 2013

Parecenças

Interessante como as aparências, às vezes, podiam ser piores e causar mais danos que o conteúdo, pensa o velho, observando à fumaça acinzentada de seu palheiro. Esse era o dilema que atingia seu país e seu povo no recente novo episódio do mensalão. A esse ancião de pouco estudo, era fácil acreditar que a ilustre corte de magistrados tenha as razões técnicas para decidir como decidiu. Era o certo aos olhos da lei. Aos olhos do povo, no entanto, parecia mais um achaque aos anseios da nação pela punição de políticos corruptos.

Seu povo, que há poucos meses mostrou claramente seu descrédito com os poderes Executivo e Legislativo, sente-se agora, perigosamente traído pelo Judiciário também. A passionalidade do povo é leiga, reflete o velho, pode não ter razão técnica em sua revolta, mas tem motivos suficientes para enxergar o que vê. E o que o leigo vê, parece mais uma conivência de um dos poderes com a imoralidade e a impunidade, como uma infringência ardilosa contra a decência e a moralidade do país. Pior que qualquer golpe de Estado é o golpe sutil e continuado na credibilidade de suas instituições. Temerário golpe, suspira o idoso. Uma nação órfã de representatividade é um terreno fértil à anarquia e ao autoritarismo. Tomara, não tenhamos de passar por isso novamente nesse país, pensa o velho preocupado. Tomara a politicamente renovada corte de ilustres magistrados do STF não desfira, nos próximos capítulos desse controverso enredo, mais um duro golpe na confiança de seu povo na Justiça. De golpe em golpe, desmorona lentamente a tão sonhada democracia. Quem sabe, reflete o ancião, o que parece talvez não o seja, e tudo não passe de reminiscências de um idoso senil.  Quem sabe? Os digníssimos Ministros do STF, com suas consciências e convicções técnicas, com certeza o sabem. Nos resta confiar e acreditar em quem o sabe, conclui o idoso apagando seu palheiro.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Nostalgia de Rainha

Encerrada em sua redoma Poliana observava a chuva que não dava tréguas aos seus súditos. A rainha andava nostálgica nos últimos tempos. A chuva sempre causava este estranho efeito em sua alteza. Depois da tormenta, surgem os buracos no asfalto. Como se não bastassem as centenas que já havia, pensa Poliana. 
Quanta saudade sentia de Horário Eleitoral! Aquilo sim era lugar bom de viver. Não tinha tempo ruim ou buracos no asfalto que uma boa edição não resolvesse. Reinar era muito mais fácil, colorido e perfumado em Horário Eleitoral. Sem Imprensa Livre ou a famigerada Justiça para lhe infernizar. Se soubesse antes as agruras que iria enfrentar talvez tivesse escolhido outro caminho, bem menos pedregoso e esburacado.
Pelo menos nesses seus últimos meses de reinado parecia estar conseguindo contornar as trapalhadas crônicas de seus bobos e evitar os freqüentes e repetitivos escândalos midiáticos. Melhor nem pensar muito alto, preocupa-se Poliana, pois seus bobos são mestres em cometer deslizes éticos e podiam acordar a qualquer hora.
Até Imprensa Livre andava dando trégua a rainha ultimamente. Nada como algumas inserções publicitárias e alguns carguinhos bem distribuídos para conseguir um pouco de paz de espírito. Sorte de Poliana ser tão astuta.
Só lhe restava acomodar Justiça definitivamente também, para sua paz continuar perene.  Para essa, no entanto, de nada adiantava oferecer carguinhos. Tomara que no fim, bem no fim das contas, sempre pudesse lhe sobrar alguma infringência caridosa de Justiça, pensa a sonhadora  Poliana já fazendo planos para o futuro.


sábado, 14 de setembro de 2013

Poliana, Deusa e soberana

Numa sexta feira treze, as bruxas estavam soltas no castelo real. Uma ensandecida Poliana convocara todos os aliados para uma reunião de emergência. Majestosamente sentada em seu trono, com seu séquito ajoelhado aos seus pés, a altiva monarca tratava de colocar ordem na casa e arreios nos que ousavam lhe contrariar.
- Vamos recapitular meus servos! Quem é a rainha absoluta desse reino?! – pergunta novamente a monarca, agitando ameaçadoramente seu cetro.
- Você, ó magnânima Poliana! – responde o adestrado grupo em uníssono.
- Quem escolhe, decide e determina?! – continua sua alteza real.
- Você, ó magnífica rainha! – responde novamente a corte de vassalos.
-Nossos aliados na Câmara de Vendilhões devem defender os interesses de quem?
- Do povo! – responde um apressadinho, lembrando-se das antigas aulas de moral e cívica e esquecido de que a moral, assim como a tal disciplina, há muito fora abolida.
- Errado! – berra a rainha, acertando o bobo com o cetro. – A câmara de vendilhões está a serviço da rainha!
- Então quem defende os interesses do povo é Oposição? – pergunta o outro, ainda tonto com a pancada.
- Claro que não, seu estúpido! Oposição defende os interesses de Oposição. Você anda assistindo muito Horário Eleitoral.
- E quem representa o povo então?
-Nós! Fomos eleitos para isso, será que você não aprendeu nada com aquela patética Democracia?
- Mas e quando os interesses do povo forem diferentes dos nossos?
- Nós impomos ao povo nossas certezas e vontades, com o apoio e conivência de seus representantes vendilhões. Assim o povo acredita que seus interesses estão representados e fica satisfeito. Simples assim! É tão difícil de entender?
- Acho que fiquei meio confuso depois dessa pancada na cabeça. Mas se um de nossos vendilhões aliados resolver defender o povo que o elegeu?
- É porque está defendendo os interesses de Oposição. É um vendilhão vendido, isso sim! E precisa ter suas asinhas e alguns carguinhos cortados para não voar muito longe. Qualquer um que ouse pensar diferente de Poliana precisa ter a cabeça decepada para aprender a não usá-la sem meu consentimento. Assim se faz democracia. Alguém discorda? – pergunta sua alteza, com o cetro em punho.
- Não! Ó democrática rainha! – respondem todos, em respeitosa reverência, para deleite de Poliana, deusa unânime e inquestionável nesse reino.


domingo, 8 de setembro de 2013

A paranóia vermelha do clã de Poliana

Uma paranóica Poliana encontrava-se encerrada em sua redoma blindada. Encostada na parede olhava sistematicamente para os lados. Nem mesmo seus sempre atentos bobos e pajens estavam entendendo o comportamento estranho da rainha.
- O que deu nela dessa vez? Outra overdose de bombons de amarula? – pergunta um pajem real, servindo aos presentes um pouco do chá do castelo.
-Acho que não. Ela está muito ligadona. Você não andou dando pra rainha algum daqueles seus “charutos” especiais, Boina Verde? – pergunta para o corpulento e psicodélico companheiro.
- Ô louco, meu! Sua alteza, ao natural, já é um ataque de estrelismo e sandices atrás do outro. Imagina chapadona! – responde o outro em inusitado surto de bom senso.
- Então algo realmente sério deve estar acontecendo. Melhor conversarmos com ela. – resolve um assessor – O que está havendo alteza?
- Fale baixo, seu bobo! Eles podem escutar! – sussurra Poliana, olhando mais uma vez a sua volta.
- Eles quem, rainha? – preocupa-se outro companheiro, também olhando ao redor.
- Eles estão por todo lado, será que vocês não se deram conta ainda. A espreita, só esperando para dar o bote. – responde a monarca, sudorética.
- Credo, Poliana! Você está nos assustando. – reage um dos bobos, servindo um pouco mais de chá para acalmar os ânimos. – De quem você está falando?
- Em que mundo vocês vivem, seus moloides? – continua a rainha, erguendo o tom de voz, para tapar a boca, assustada, em seguida. – Não receberam o alerta vermelho de nosso clã? Está em todas as redes sociais.
- Alerta vermelho?! – sussurra o grupo, cada vez mais ansioso.
- Sim. Alerta golpista! – reponde Poliana.
- Meu Deus! Então é coisa séria! – reage um companheiro arregalando os olhos e derramando o chá no pires, com mãos trêmulas.
- Quem está nos ameaçando de golpe, alteza? Justiça?
- Não. Pior, muito pior! – informa a rainha, roendo as unhas.
- A mídia reacionária, então?
- Nada disso! São eles! Eles! Nossos maiores e mais cruéis inimigos. Precisamos nos proteger. São ordens de nosso clã. A ameaça paira sobre nossas cabeças. – relata a acuada Poliana para sua cada vez mais apavorada audiência.
- Mas quem são eles, rainha? – indaga um bobo pegando uma cadeira para se defender de um possível ataque.
- Eles! Os ardilosos, desprezíveis e desumanos: imperialistas norte americanos! – alerta a monarca, levando as mãos à cabeça.
- Pela saúde de Fidel! Não pode ser verdade!
- É a mais pura verdade. Eles instalaram escutas por todo Gigante Adormecido. Monitoram cada um de nossos passos. Sabem de todas nossas falcatruas. E tem mais, muito mais!
- Conta logo alteza!
- Eles se infiltraram nas redes sociais com aquele pessoal mascarado e anônimo que incita as manifestações populares. Pretendem promover a desordem para nos desestabilizar e então tomar o poder.
- Querem instituir uma ditadura imperialista aqui! Céus! Isso não pode estar acontecendo.
- E o pior de tudo. Vocês sabem com quem os imperialistas norte americanos se aliaram para nos derrubar? – pergunta Poliana.
- Com quem? – questionam todos em temerosa expectativa.
- A Al-Qaeda! – responde a monarca convicta.
- Não pode ser! Os capitalistas mercenários juntando-se a Al-Qaeda só para pôr fim a nosso Império no Gigante Adormecido! Só pode ser um pesadelo.
- Não é! É a pura verdade. É só olhar pela janela do castelo. O golpe está armado. Vejam! – ordena Poliana para o grupo que se dirigia cuidadosamente à janela.
- Céus! É mesmo verdade! Olhem só isso! O exército está nas ruas! O povo abana a bandeira nacional! O imperialismo está tomando o poder em Gigante Adormecido! É o nosso fim! – desespera-se um dos bobos.
- Pera aí, companheirada! Vocês estão indo longe demais! – pondera, preocupado, o Boina Verde. – Golpe dos imperialistas norte americanos é forçar um pouco a barra, até pra mim que sou bolchevique! Aquilo lá fora é só o desfile de sete de setembro! – alerta.
- É você que está cego, Boina Verde! A grande mídia golpista deve ter feito lavagem cerebral em você também! Eu disse que você não devia assistir as novelas. Elas estão repletas de mensagens subliminares a serviço do imperialismo. – afirma outro companheiro.
– Vamos improvisar barricadas. Precisamos nos proteger e ganhar tempo antes que os golpistas tomem o castelo. Rápido! – ordena Poliana para o grupo que corria a empilhar cadeiras em frente às portas e janelas.
Pensativo, o Boina Verde observava o paranóico grupo. Após alguns minutos de reflexão, se aproxima de um dos pajens e pergunta:
- Que chá era aquele que você serviu? Camomila?
- Não. – responde o outro enquanto procurava por um bom esconderijo na sala. – Peguei um pouco daquele chá que você guarda nos bolsos. Não sei que erva é aquela, mas tinha terminado a cidreira do castelo.

- Ah! Então tá explicado! – suspira o companheiro Boina Verde, aliviado. Melhor assim. Agora era só esperar o efeito da erva passar, que a ameaça imperialista ia sumir também. Pela sua experiência, era só uma questão de poucas horas. 

domingo, 1 de setembro de 2013

Fala Sério! Os párias da pátria


Semana da pátria. Que pátria é essa que se apresenta, assim tão despudorada a seus filhos? Que país é esse que não se envergonha mais de tudo aquilo que deveria ruborizar até a verde e amarela bandeira? Como pedir aos massacrados e vilipendiados professores que preguem o certo e justo, nas esfarrapadas escolas públicas brasileiras, quando o tráfico de drogas impera soberano nos subúrbios e a imoralidade prevalece no Congresso Nacional?
Que triste modelo de conduta e prosperidade optamos por apresentar aos filhos dessa pátria mãe gentil. Políticos corruptos ou omissos inocentando seus pares. Condenados por crime contra a administração pública e formação de quadrilha, agora, ao que parece aos olhos da nação, podem sentir-se em casa, com uma ilustre e representativa quadrilha a lhe apoiar. Quadrilha eleita e escolhida por nós. Com gente desse quilate a legislar, fica fácil entender o porquê de tão poucos corruptos serem punidos no Brasil. Muito mais fácil compreender que os condenados mensaleiros permaneçam impunes, enquanto os magistrados ministros do STF se enredam nas artimanhas das leis criadas pelos quadrilheiros do Congresso Nacional. Tudo está em seu lugar para àqueles que nenhum apego demonstram a moral e a correção. Tudo parece pateticamente fora do eixo para os demais.  Pouco a pouco, sutil e sorrateiramente, denigre-se para o povo a imagem do Judiciário também. A população sente-se perigosamente órfã dos três Poderes. Essa nação que há poucos meses foi às ruas exigindo educação e saúde padrão Fifa, ganhou como resposta um congresso padrão Pampulha. Pode parecer deboche, mas é só um recado de nossos tão criticados políticos à multidão que lotou as ruas pedindo o fim da corrupção. Melhor nos calarmos e permanecermos em casa de agora em diante, pois nada está tão ruim que não possa piorar. Afinal, os “pampulheiros” são muito mais unidos e organizados do que nós, e contam agora, se já não contavam antes, com gente qualificada para lhes chefiar e orientar.