domingo, 27 de setembro de 2015

Poliana mãos de tesoura

 Aglomerados no salão real, bobos da corte e aliados de sua alteza aguardavam mais uma importante reunião. Com a crise se espraiando por todos os pagos, Poliana estudava mais cortes de gastos em seu reinado. Os apadrinhados da monarca temiam por suas cabeças e carguinhos. O clima era de tensão e apreensão.
- O que será que Poliana irá cortar desta vez? Já cortamos quase tudo que era supérfluo. Só faltou cortar nossos pescoços. - reflete um companheiro, preocupado.
- É isso mesmo que o povão quer, os invejosos. O povo cobra que ela reduza pastas. - relata um dos bobos.
- Poliana não pode reduzir pastas. Isso é numericamente inviável. - afirma, convicto, o bobo do marketing e pirotecnia.
- É dessa convicção que precisamos para rebater qualquer sugestão de corte de pastas. É inviável, pois são todas de extrema importância para o bom funcionamento do reino. - completa outro companheiro.
- Não é nada disso. - corta o marqueteiro - Na realidade, metade das pastas não têm nenhuma utilidade para o contribuinte. Servem apenas para acomodar nossos aliados. O povo todo sabe disso.
- E o que você quer dizer com número, então?
- São 13 pastas. O número de sorte de Poliana. E vocês sabem como a rainha é supersticiosa.
- Tomara que você tenha razão, mas não sei não. - suspira um dos pajens. - A rainha vai precisar dar uma resposta para o povo. Principalmente depois que os gastos com diárias de viagens caíram na boca grande das redes sociais. Por falar nisso, você lavou a égua nos últimos meses, hein! - comenta em tom de zombaria, dirigindo-se ao bobo do desenvolvimento.
- Foi um dinheirinho suado. Só eu sei o trabalhão que dá carregar a bagagem de Poliana. - responde prontamente o outro, dando de ombros.
- Não é o que o povão anda falando nas tais redes sociais. A maioria dos contribuintes não ganha em dois anos, trabalhando, o que você recebeu em diárias só para pajear a rainha em suas viagens.
- Essa gente não sabe o que é trabalho pesado. E não conhecem, como nós, as excentricidades de nossa alteza. Vocês têm ideia da quantidade de bagagem que Poliana leva em cada bate-volta à sede do poder central? São malas, frasqueiras, necessaires, bolsas. E todos aqueles badulaques que ela carrega nas malas sou eu que tenho de arrumar! É máscara de macadâmia pros cabelos, musse de pepino pro rosto, óleo de cupuaçu para o corpo e creme de castanha para os seus delicados pezinhos. Demaquilantes, esfoliantes, tônicos, adstringentes... Isso sem falar nos sapatos! Dá uma trabalheira danada organizar as viagens da rainha!
- Nossa! Parece mesmo exaustivo. - compadece-se outro bobo.
- É verdade. Por isso que eu abro mão do dinheirinho das diárias. É muito trabalho acompanhar Poliana nessas viagens. Melhor ficar fazendo nada por aqui. - conclui o perspicaz bobo da saúde.
- E você? - dirige-se ao vendilhão aliado e medalha de ouro no deslocamento financiado pelo contribuinte. - Que tanta viagem precisa fazer pela Câmara de Vendilhões? Se o seu papel é fiscalizar o reinado de Poliana e propor leis de interesse do povo, deveria estar mais no reino e nos bairros.
- A questão é a distância entre nós e os problemas de nosso povo. São muito curtas. Não dá pra tirar diária. E nós, os vendilhões itinerantes, estamos fazendo parte de um importante programa de geração de renda. - responde, com fala mansa e serena.
- Interessante. Vão propôr um projeto de lei para implantá-lo aqui?
- Ele já está a pleno vapor. É um programa continuado de complementação de renda com diárias. Vocês sabem como é baixo o salário de um vendilhão. Precisamos fazer uns bicos para nos manter. - responde o campeão de diárias, com a eterna pose de humilde representante do povo, própria dos muito pobres de caráter.
 De repente, o silêncio toma conta do recinto. Poliana, pisando firme, adentrara no salão, para o tão temido anúncio dos cortes. Os bobos esfregavam as suadas mãos, nervosamente. O futuro de seus carguinhos estava em jogo.
- Companheiros. - começa a rainha, com ar abatido. - É com imenso pesar que reúno vocês hoje para anunciar cortes drásticos. As finanças do reino vão de mal a pior. É hora de eu tomar medidas duras e que vão recair sobre cada um de vocês. O povo clama por isso. Exige que eu tome atitude. Os números mostram que nosso palácio está inchado. Temos gente demais. - pausa dramática, enquanto sua vasta corte se remexia nas cadeiras. - Por isso, medidas amargas e dolorosas precisam ser tomadas. E eu as tomarei, doa a quem doer! De hoje em diante, cortarei todas, absolutamente todas as compras de papel higiênico de vocês. A partir de agora, façam o que precisa ser feito em suas próprias casas. É o que o povo espera de mim, e eu jamais decepciono meu povo! - conclui a corajosa Poliana, sob aplausos fervorosos e aliviados de seus pares.
Agora sim, a saúde financeira do reino estava garantida. Graças a Poliana, a economista mãos de tesoura.

domingo, 13 de setembro de 2015

A revolução dos mimados


 Poliana e sua cada vez mais vasta corte, assistiam abismados a nova onda de protestos que virara moda no reino. Como eram diferentes as cores e entonações de manifestantes quando vistos do lado de cá, pensa a socialista Poliana, do alto de seu castelo. Democracia e liberdade de expressão tornavam-se uma incômoda e desconfortável pedra no sapato quando se está no poder, e antigas bandeiras de seus companheiros, hoje, pareciam ridículas e sem fundamento.
- De onde surgiu essa gente toda que está em frente ao meu castelo?! - questiona a irritadiça rainha, preocupada com o risco de desabamento do velho e judiado prédio com tantas pessoas amontoadas nas escadarias centrais.
- São sem-teto, rainha. Reivindicam o direito à moradia. - elucida um assessor.
- Sem-teto, é? E estavam se escondendo onde até hoje? Se toda essa gente estivesse morando nas ruas, as ruas do reino seriam intransitáveis, ora bolas! Isso até parece os tradicionais embustes orquestrados por nosso clã! - constata a rainha, indignada, observando o movimento popular através da janela do salão real.
- São duas centenas de famílias, Poliana, que invadiram nos últimos dias uma grande área pública. Elas exigem terrenos onde possam erguer suas casas.
- E quem é o líder que está por trás dessa balburdia? - questiona a rainha.
- Não existe líder, é um movimento espontâneo. - responde o assessor.
- Sem essa, companheiro! Não esqueça que você está falando com uma socialista da gema. Só um débil mental acreditaria que essa gente toda acordou numa manhã nublada e resolveu ocupar a tal área, num rompante sincronizado de luta por direitos. - ironiza Poliana, fazendo trejeitos.
- Tem toda razão, minha rainha. - concorda o ilustre membro do MSTT (Movimento Só Tramoia e Trago) – São um bando de desocupados e baderneiros, certamente liderados por Oposição. Querem o direito à terra, sem pagar por ela. Um verdadeiro absurdo golpista. Essa gente de direita perdeu completamente o senso de ridículo!
- É isso mesmo, companheiros! A direita sempre foi sórdida defensora da propriedade privada. Por isso, deve estar estimulando que o povo tome posse de áreas públicas. É a mais descabida privatização dos espaços púbicos! Um absurdo sem igual.
- Golpistas sem coração! Usando o povão como massa de manobra. - choraminga uma ortodoxa líder de movimentos sociais.
- E o que vamos fazer com esse povo todo? - questiona Poliana.
- Vamos enrolá-los, é claro! Não podemos, jamais, ceder às pressões da direita. Seria o fim de nosso sonho socialista. - responde, prontamente, outro engajado companheiro.
- Então façam isso! Vocês, os desocupados pagos com verbas públicas do MSTT e representantes dos autênticos ativistas dos movimentos sociais, estão encarregados de iludir esses invasores sem noção. - sentencia Poliana. - E que outros ignorantes manipuláveis estão se manifestando hoje no meu reino? - indaga a democrática rainha.
- Estudantes, alteza. Universitários queimaram entulhos e estão obstruindo a saída dos ônibus durante toda a manhã de hoje.
- Um criaredo ranhento e burguês, que não demonstra qualquer respeito pelos pobres proletários que dependem do transporte público para chegarem a seus locais de trabalho. Não respeitam, esses filhinhos de papai reacionários, o legítimo direito de ir e vir da classe operária. - discursa efusivamente o companheiro sindicalista, comodamente esquecido dos tempos em que queimava pneus em vias públicas e impedia o acesso de trabalhadores às empresas.
- E eles querem o quê, afinal? - pergunta a monarca.
- Querem passe livre no transporte público. - informa o assessor de marketing.
- Certamente não estudam economia, esses jovens energúmenos! - indigna-se Poliana, com os olhinhos de biscuit irradiando impaciência e contrariedade. - Eles acham que ônibus, motoristas e combustível caem do céu, feito propinas em estatais? Não têm qualquer senso de ridículo? Onde estudam esses mimadinhos elitistas?
- Na universidade pública, alteza.
- Só podia ser! É tudo culpa de nosso clã! - reclama a rainha, queixosa. - Passamos décadas vendendo a ideia insustentável de que o Estado deve prover de tudo a todos, como se todo saco não tivesse fundo. E mais de uma década enfiando nossas alienadas crias nas universidades para formarem mais e mais tolos ideologicamente adestrados. Agora, nós mesmos estamos colhendo os frutos podres. - suspira, desolada - Devíamos ter investido mais recursos públicos em formação, e não em ideologização sem consistência prática. - constata, desesperada, a monarca.
- O que faremos agora, magnânima?
- Por certo, deveríamos dar um tundão de laço em todos esses pirralhos mal educados e neo-revolucionários das causas impraticáveis. Mas, aí sim, ficaríamos mal nas fotos e manchetes. - reflete Poliana. - Terei de posar, ao lado dos manifestantes, como uma legítima monarca socialista que respeita as pautas e reivindicações esdrúxulas. Tragam-me aquela velha e mofada camiseta do Che, e um boné encardido dos meus tempos de líder estudantil. - ordena a rainha.
- E nossa bandeira vermelha e estrelada, alteza?
- Não! Essa não! - apavora-se Poliana. - Atualmente essa coisa queima o filme de qualquer um. Precisamos nos desgrudar desse símbolo como nos desgrudamos de nosso passado e nossos discursos. - filosofa Poliana. - Mas, pensando bem... um pãozinho com mortadela até pode agradar. Se bem me lembro, esses jovens revolucionários idealistas costumam ficar esfomeados depois de um fuminho e algumas horas de pichação de propriedade privada. E nós, do grande clã, sempre soubemos alimentar essas verdadeiras consciências populares. - conclui Poliana, a velha defensora das causas insustentáveis, sustentadas com dinheiro alheio.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Pixuleco, o monstro inflável


 Em Gigante Adormecido surge uma terrível ameaça aos companheiros. Uma criatura horrenda e assustadora tira o sono e a paz de espírito da companheirada. Nem Justiça, com a espada rente ao pescoço de conhecidas figuras do clã estrelado, causara tanto temor e desconforto. Delatores revelando vultuosas cifras desviadas dos cofres públicos tornavam-se preocupações pequenas frente esse novo e implacável adversário. Até o rebelde e poderoso presidente do parlamento era café-pequeno. O inimigo número um do exército vermelho pairava ameaçadoramente sobre Gigante Adormecido.
Seria cômico se não fosse demasiadamente ridículo, ver a companheirada a tal ponto indignada. Indignada não com os ilustres membros de seu clã, atolados até as orelhas em corrupção. Imoralidade, propinas e roubo do dinheiro do povo não eram capazes de causar um pouco de rubor aos seguidores da estrela. Uma onda de indignação e revolta na companheirada precisava de uma motivação mais forte e ultrajante, como essa nova fera asquerosa que os ameaçava. Um boneco inflável fora declarado o inimigo mais odiado dos companheiros. Pixuleco, a besta. Os adoradores da besta que inspirara a caricatura de borracha, mobilizavam-se raivosamente na tentativa de aniquilar o famigerado boneco. Nas redes sociais conclamavam seu exército para atentar contra a integridade inflável da sarcástica criatura. Até mesmo o messias da companheirada, o Ilusionista, tirara as barbas de molho e resolvera rivalizar, em nota, com seu oponente. O boneco silenciou. Sinal da falta de substância de suas vísceras e ideologias, acreditam piamente os companheiros.
A companheirada, em clara demonstração de caráter autoritário e antidemocrático, buscava todas as formas de impedir o direito de ir e vir, ou simplesmente pairar no céu, de Pixuleco. É poluição visual, argumentavam os membros do clã. Ocupação indevida de espaços públicos, tentavam defender os assessores pagos com dinheiro do povo. Enquanto os companheiros debatiam-se abobalhados tentando derrubar a caricata criatura, Pixuleco flutuava imponente nos céus de Gigante Adormecido. Os militantes mais ensandecidos e paranoicos eram capazes de enxergar um debochado sorriso de escárnio no rosto borrachudo. Os companheiros, enfim, encontraram um adversário à altura de suas ideologias vazias e caráter rarefeito. Um boneco de borracha, com as entranhas recheadas de gás, era capaz de fazer tremer o pitoresco mundinho da companheirada. Nunca antes na história de Gigante Adormecido, a imbecilidade mostrara-se de forma tão deprimente. Pixuleco, a besta inflável, tornara-se o novo símbolo da falta de cerne e senso de ridículo dos companheiros. O humor, como quase sempre, mostrava-se o pior inimigo dos medíocres.