Natal. Tempo de reflexões. Até
para Poliana, a rainha da ilusão de ótica e pouca afeita a questionamentos que
pudessem levar a constatações desagradáveis para ela e sua corte. Mas esse ano,
como nunca antes, sua alteza precisava agradecer ao Bom Velhinho. Ao velho Noel
e a esclerosada Justiça que, mais que o idoso barrigudo, demonstrara
conveniente disposição para empurrar com a barriga os pequenos deslizes de uma
rainha com mais prepotência do que cérebro. Poliana amadurecera muito nesse
ano. As semanas passadas na clausura de sua torre, determinadas por uma Justiça
intransigente e excessivamente zelosa com essas bobagens de infrações e
legalidades, fizeram a monarca enxergar o que sua redoma cor de rosa lhe ofuscara
por quatro anos: o populismo garante a quase eterna permanência no poder, mas
uma Justiça ultrajada pode colocar tudo a perder. Convinha a Poliana um pouco
de trato com a coisa pública e o mínimo de discrição nos seus contumazes
desvios éticos.
E Poliana conseguira. Nesse ano,
seus adoráveis bobos aprenderam a lição. Já não se jogavam nos recursos
públicos como porcos em lavagem. Estavam mais comedidos. Um pouquinho por vez,
e em pequenas porções, era o que ensinavam os nutricionistas e as velhas raposas
e eternas sanguessugas do poder, aliadas de Poliana e de seu clã. Nada tão
transparente ou abusivo que pudesse render manchetes de jornais e despertar a velha e caquética Justiça. Seguindo essa
receita, seu reinado passara um ano inteiro sem sequer um grande escândalo da
rainha e sua corte. Palmas a Poliana! Nada como ter a cabeça permanentemente na
guilhotina, a mercê dos frágeis e intempestivos humores da famigerada Justiça, para
que a doce e temperamental monarca colocasse um pouco de freio em sua ânsia por
dinheiro fácil.
Essa nova postura de sua majestade
trazia certa melancolia à Poliana. Nesse ano, seu pé de meia não seria tão
recheado como nos natais anteriores, suspira a rainha. Se tivesse de continuar
nesse ritmo de prudência e moderação, acabaria por ter de sobreviver com o
irrisório salário de monarca. Um verdadeiro despautério, indigna-se sua alteza.
Sorte de Poliana ainda ser sócia majoritária da Laranja Empreendimentos, e de sua
OP - Organizações Poliana - continuar se expandindo com a mesma ligeireza de
outros tempos. Este ano, além dos conhecidos ramos de panifícios e prazer e
entretenimentos, aplicara em grandes e longínquos latifúndios pantaneiros. Só
esperava que seus companheiros do MSTT (Movimento só Tramoia e Trago), não
resolvessem ocupar a área e prejudicar suas jogadas. Nada como ter bom faro para aplicação de
dinheiro fácil em negócios limpos. Pelo menos, nesse ponto, seus adoráveis
súditos podiam ter a certeza de que o suado dinheiro dos contribuintes estava
rendendo bons investimentos. Para Poliana e seus sócios, ao menos. “E tem
neoliberal que acredita que recursos públicos nunca são bem administrados!” – pensa
a renovada Poliana, rainha da transparência e da ética, pendurando as meias
natalinas na árvore.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Havendo dificuldades na postagem dos comentários, o campo URL poderá ser deixado em branco.