domingo, 15 de dezembro de 2013

O arrependimento de Golesminha

Em meio à confusão de badulaques trazidos por Poliana de sua recente expedição internacional, o seleto grupo de companheiros se reunia para ouvir os relatos de Golesminha sobre seu tour na China.
- Volto da China renovado, companheirada. Fiquei realmente impressionado com tudo o que vi naquele país. Como são evoluídos os Chineses, muito a frente de nós. Precisaremos nos esforçar para conseguir alcançá-los um dia.
- É mesmo, Golesma? Eu sempre fui cética em relação a China. Acreditava que todo o poderio econômico era mais uma falácia socialista. – surpreende-se a rainha.
- Que nada, Poliana! É impressionante a capacidade produtiva daquele povo. Eles são incansáveis. Chegam a trabalhar 12 horas por dia e nem reclamam hora extra!
- Nossa! Quanta dedicação! Nós aqui nos dedicamos ao governo fazendo turno único no verão. E lá eles fazem tudo isso em nome do socialismo Chinês? – pergunta a monarca.
- Na verdade, Poliana, a China avançou muito em seu regime socialista. O que eles têm hoje é quase um socialismo neoliberal.
- E o que diabos é isso, companheiro Golesminha? – questiona um membro do clã.
- É um modelo perfeito para implantarmos aqui companheiros!
- E como é que funciona?
- É um sistema que se baseia fortemente na economia de mercado, no lucro e no incentivo ao consumo.
- Mas isso não é capitalismo? – pergunta a rainha, confusa.
- Sim. Mas lá eles não têm esse monte de leis trabalhistas, encargos e direitos sociais que esse nosso capitalismo selvagem impõe.
- Ah, tá. Então é socialismo mesmo. – concorda Poliana.
- É. Mas pelo que conversei com os camaradas do governo, os imperialistas já estão se infiltrando no país e tentam desestabilizar o regime.
- Coisa da CIA, aposto! Devem estar monitorando as conversas da internet, os porcos! - indigna-se um membro mais ortodoxo do clã.
- Na verdade não. Quem controla e monitora os acessos na internet por lá é o próprio governo Chinês. São mais de dois milhões de funcionários 24 horas na vigilância cibernética, deletando qualquer difamação contra o Estado que possa surgir nessas horrorosas redes sociais.
- Espetacular! Já pensaram quando conseguirmos implantar essa vigilância por aqui? Quantos carguinhos para distribuir pra companheirada! – entusiasma-se outro.
- Mas continue Golesminha, como é que os imperialistas estão boicotando esse ideal de produção socialista? – interessa-se sua alteza.
- Instigando o povo mais alienado e ignorante a fazer greve e protestos pedindo melhores condições de trabalho e aplicação de leis trabalhistas.
- Que absurdo! – revolta-se o grupo em coro.
- E como é que o povo se presta para um papelão desses? – indaga o membro do SindiPelego.
- Sabe como é, né companheiro, numa população daquele tamanho sempre vai ter quem se preste a ser massa de manobra. E por conta dessa gentinha desocupada, que não tolera ver o socialismo crescer, o governo se obrigou a fazer algumas concessões. Amentou de 90 para 98 dias a licença maternidade, por exemplo.
- Tudo isso! Que horror! O que essa mulherada vai ficar fazendo tanto tempo em casa?! Deve ser por isso que tem reduzido a quantidade de quinquilharias nas lojas de 1.99 daqui. Deviam pôr todas no olho da rua, isso sim. – irrita-se uma militante dos movimentos sociais.
- Mas para compensar, os bebês com 99 dias já podem começar a trabalhar. São usados para testar as chupetas e brinquedinhos, garantindo que nenhuma criança ocidental possa se engasgar com alguma pequena peça mal colocada.
- Que meiguinho! – exclama Poliana. – Pelo visto, companheiro Golesminha, você voltou realmente maravilhado com o regime Chinês.
- Maravilhado e arrependido, alteza. Pense que nós já poderíamos ter implantado um sistema idêntico aqui nos últimos anos, se eu não tivesse perdido tanto tempo com aquelas baboseiras de movimentos sindicais. Agora vai dar um trabalhão danado para desfazer a asneira. – lastima Golesminha, sacudindo a franjinha em desgosto. – E a sua viagem à Itália, Poliana, como foi? O sistema inovador de construção de casas é mesmo bom? – pergunta.
- Perfeito! O negócio já está fechado. Os italianos estão de malas prontas rumo ao nosso reino. Eu trouxe até umas amostras do produto para exibir a vocês. – empolga-se Poliana retirando uma caixa da bolsa. – As peças são leves e se encaixam perfeitamente. – explana a rainha espalhando o material no chão. - Tem um nome cumprido em Italiano, madin... qualquer coisa. Tá escrito aí na caixa. São isolantes térmicas, os italianos me afirmaram. Leves e fáceis de montar. Economizaremos em mão de obra, até uma criança é capaz de erguer uma casa com um material dessa qualidade. Não precisa de argamassa ou cimento. Não é uma beleza? – pergunta Poliana para o silencioso grupo.
- Mas rainha... isso são legos! – anuncia um dos bobos, a constatação já feita pelos demais.
- Que legos nada, seu estúpido! São os novos tijolos elaborados pelos italianos. Tem o nome do produto aí em baixo da caixa. Leia o que diz. Acho que é em latim.
- Aqui diz: made in China.
Após alguns minutos de reflexão, a sempre altiva e inabalável Poliana, dirige-se novamente ao grupo. – Melhor ainda! Mais uma grande inciativa de meu reinado. Poderemos anunciar em toda a mídia nossa preocupação com a segurança. Temos a garantia de que nenhuma criança se engasgará com algum pedaço das novas e inovadoras moradias populares. Afinal nosso produto passou pelo rigoroso teste de qualidade chinês! – sentencia Poliana, voltando a montar seu novo brinquedinho, sem perder a pose jamais.


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