Em meio à confusão de badulaques
trazidos por Poliana de sua recente expedição internacional, o seleto grupo de
companheiros se reunia para ouvir os relatos de Golesminha sobre seu tour na
China.
- Volto da China renovado,
companheirada. Fiquei realmente impressionado com tudo o que vi naquele país.
Como são evoluídos os Chineses, muito a frente de nós. Precisaremos nos
esforçar para conseguir alcançá-los um dia.
- É mesmo, Golesma? Eu sempre fui
cética em relação a China. Acreditava que todo o poderio econômico era mais uma
falácia socialista. – surpreende-se a rainha.
- Que nada, Poliana! É
impressionante a capacidade produtiva daquele povo. Eles são incansáveis.
Chegam a trabalhar 12 horas por dia e nem reclamam hora extra!
- Nossa! Quanta dedicação! Nós
aqui nos dedicamos ao governo fazendo turno único no verão. E lá eles fazem
tudo isso em nome do socialismo Chinês? – pergunta a monarca.
- Na verdade, Poliana, a China
avançou muito em seu regime socialista. O que eles têm hoje é quase um
socialismo neoliberal.
- E o que diabos é isso,
companheiro Golesminha? – questiona um membro do clã.
- É um modelo perfeito para
implantarmos aqui companheiros!
- E como é que funciona?
- É um sistema que se baseia
fortemente na economia de mercado, no lucro e no incentivo ao consumo.
- Mas isso não é capitalismo? –
pergunta a rainha, confusa.
- Sim. Mas lá eles não têm esse
monte de leis trabalhistas, encargos e direitos sociais que esse nosso
capitalismo selvagem impõe.
- Ah, tá. Então é socialismo
mesmo. – concorda Poliana.
- É. Mas pelo que conversei com
os camaradas do governo, os imperialistas já estão se infiltrando no país e
tentam desestabilizar o regime.
- Coisa da CIA, aposto! Devem
estar monitorando as conversas da internet, os porcos! - indigna-se um membro
mais ortodoxo do clã.
- Na verdade não. Quem controla e
monitora os acessos na internet por lá é o próprio governo Chinês. São mais de
dois milhões de funcionários 24 horas na vigilância cibernética, deletando
qualquer difamação contra o Estado que possa surgir nessas horrorosas redes
sociais.
- Espetacular! Já pensaram quando
conseguirmos implantar essa vigilância por aqui? Quantos carguinhos para
distribuir pra companheirada! – entusiasma-se outro.
- Mas continue Golesminha, como é
que os imperialistas estão boicotando esse ideal de produção socialista? –
interessa-se sua alteza.
- Instigando o povo mais alienado
e ignorante a fazer greve e protestos pedindo melhores condições de trabalho e
aplicação de leis trabalhistas.
- Que absurdo! – revolta-se o
grupo em coro.
- E como é que o povo se presta
para um papelão desses? – indaga o membro do SindiPelego.
- Sabe como é, né companheiro,
numa população daquele tamanho sempre vai ter quem se preste a ser massa de
manobra. E por conta dessa gentinha desocupada, que não tolera ver o socialismo
crescer, o governo se obrigou a fazer algumas concessões. Amentou de 90 para 98
dias a licença maternidade, por exemplo.
- Tudo isso! Que horror! O que
essa mulherada vai ficar fazendo tanto tempo em casa?! Deve ser por isso que
tem reduzido a quantidade de quinquilharias nas lojas de 1.99 daqui. Deviam pôr
todas no olho da rua, isso sim. – irrita-se uma militante dos movimentos
sociais.
- Mas para compensar, os bebês
com 99 dias já podem começar a trabalhar. São usados para testar as chupetas e
brinquedinhos, garantindo que nenhuma criança ocidental possa se engasgar com
alguma pequena peça mal colocada.
- Que meiguinho! – exclama
Poliana. – Pelo visto, companheiro Golesminha, você voltou realmente
maravilhado com o regime Chinês.
- Maravilhado e arrependido,
alteza. Pense que nós já poderíamos ter implantado um sistema idêntico aqui nos
últimos anos, se eu não tivesse perdido tanto tempo com aquelas baboseiras de
movimentos sindicais. Agora vai dar um trabalhão danado para desfazer a
asneira. – lastima Golesminha, sacudindo a franjinha em desgosto. – E a sua
viagem à Itália, Poliana, como foi? O sistema inovador de construção de casas é
mesmo bom? – pergunta.
- Perfeito! O negócio já está
fechado. Os italianos estão de malas prontas rumo ao nosso reino. Eu trouxe até
umas amostras do produto para exibir a vocês. – empolga-se Poliana retirando
uma caixa da bolsa. – As peças são leves e se encaixam perfeitamente. – explana
a rainha espalhando o material no chão. - Tem um nome cumprido em Italiano,
madin... qualquer coisa. Tá escrito aí na caixa. São isolantes térmicas, os
italianos me afirmaram. Leves e fáceis de montar. Economizaremos em mão de obra,
até uma criança é capaz de erguer uma casa com um material dessa qualidade. Não
precisa de argamassa ou cimento. Não é uma beleza? – pergunta Poliana para o
silencioso grupo.
- Mas rainha... isso são legos! –
anuncia um dos bobos, a constatação já feita pelos demais.
- Que legos nada, seu estúpido!
São os novos tijolos elaborados pelos italianos. Tem o nome do produto aí em
baixo da caixa. Leia o que diz. Acho que é em latim.
- Aqui diz: made in China.
Após alguns minutos de reflexão,
a sempre altiva e inabalável Poliana, dirige-se novamente ao grupo. – Melhor
ainda! Mais uma grande inciativa de meu reinado. Poderemos anunciar em toda a
mídia nossa preocupação com a segurança. Temos a garantia de que nenhuma
criança se engasgará com algum pedaço das novas e inovadoras moradias
populares. Afinal nosso produto passou pelo rigoroso teste de qualidade chinês!
– sentencia Poliana, voltando a montar seu novo brinquedinho, sem perder a pose
jamais.
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