No meio da rua uma multidão cada vez maior se aglomerava.
Motoristas abandonavam seus carros e se acotovelavam no tumulto tentando
descobrir o que ocorria. Pedestres curiosos paravam para bisbilhotar. A
polêmica toda começara em meio as obras de repavimentação asfáltica da rainha,
na principal avenida do reino. Tudo seguia o rumo esperado, com muito trânsito, confusão, piche e pó de brita. Motorista chato reclamando. Gente desocupada
palpitando. A cada vez mais farta assessoria de marketing real, fotografando
cada brita que pulava nos buracos e postando nas redes sociais. Nada que não
fosse esperado e tolerado em uma obra dessa monta. Mas, eis que, no horário de
pico do trecho em reformas a situação chegava a ser cômica. Um dos principais
cruzamentos do reino tinha as sinaleiras desligadas. Carros atravessavam-se
perigosamente entre si. Pedestres ziguezagueavam apavorados tentando chegar sem
fraturas ao outro lado da rua. Caos era pouco para descrever o quadro. Foi
nesse momento que uma miúda idosa que passeava com seu Pincher, grita:
- Onde eles estão! Meu
Deus será que ninguém se deu conta?! Eles caíram nos buracos e estão sendo
soterrados de asfalto! – desespera-se a senhora correndo para o centro do canteiro
de obras.
Aí sim, a situação que já era caótica, tornou-se dramática.
Dezenas de pessoas acompanharam a anciã na tentativa de salvar os soterrados.
- Ajudem! Eles devem estar embaixo daquela camada de piche!
Parem logo o rolo compactador! – ordena a idosa, ajoelhando-se no chão e
começando a revolver o piche com as próprias mãos. Centenas de outras mãos
solidárias se misturaram as dela cavando no pó e na brita. Até o Pincher
auxiliava.
- Não tem ninguém aqui! Vamos para aquela outra área! Espero
que não seja tarde demais para aquelas pobres almas. – emociona-se a senhora
comandando o pelotão de salvamento para mais um buraco recém recapeado.
Um motorista que abandonara o carro no meio do cruzamento
para descobrir o que ocorria, questionou a um dos presentes o que estava havendo.
- Pessoas acidentalmente caíram nos buracos do asfalto e
foram soterrados por piche. Estamos tentando encontrá-las.
- Que horror! Eu tenho
uma pá no carro, vou buscar para ajudar! – apressa-se o outro prestativo.
Com um fato tão grave acontecendo no reino, eis que surge
Poliana, a prestimosa rainha para tomar pé da situação. Vestindo terninho
branco, scarpins pêssego, o capacete
de rainha proletária e cercada por dezenas de bobos da corte, questiona ao
grupo:
- Que diabos vocês estão fazendo no meu asfalto novinho!
Ficaram loucos! Passaram anos reclamando dos buracos no asfalto, e quando eu
resolvo dar fim neles, vocês sentem saudades e criam todos novamente! – grita
Poliana fazendo todos pararem com o tom imperativo da monarca.
- Não é isso dona rainha! – responde a idosa dirigindo-se à
Poliana para um afetuoso abraço de súdita deslumbrada com o carisma real.
- Sai pra lá velhota! Nem vem com essas mãos empoeiradas pra
cima do meu trajinho. Explica o que é essa bagunça toda?
- É que os pobres homens devem ter sido soterrados na obra.
Não estão em lugar nenhum. Ninguém os vê há horas. Pode olhar para o trânsito
Poliana, o que você vê? – pergunta a perspicaz idosa.
- Uma sinaleira piscando. Um monte de motoristas completamente
perdidos. Ninguém sabe quem vai e quem fica. Um motociclista que acabou de
colidir com um cone. A ambulância da SAMU. Um cabeludo fazendo malabarismo com
bolinhas e cuspindo fogo. Uns mal educados cuspindo palavras de baixo calão... A
mim parece uma ótima encruzilhada para Oposição fazer um despacho de macumba. –
constata Poliana, serenamente.
- Isso mesmo, visionária rainha! E você está vendo eles? –
questiona a idosa.
- Eles quem mulher?! Você acha que caberia ainda mais gente
nesse cenário catastrófico? Quem você acha que ainda falta? – irrita-se sua
alteza, quase perdendo o eterno sorriso populista.
- Os Azulzinhos! O pessoal do trânsito! Que ajudam a
coordenar o tráfego em momentos de caos! Eles não estão aí. Acho que o rolo
compressor passou por cima deles. – reponde a idosa com os olhos rasos de lágrimas.
– Não conseguimos salvá-los. – lastima a boa velhinha fungando e sendo acompanhada
por várias outras pessoas do grupo.
- Os azulzinhos! Vocês fizeram todo esse estrago no meu
asfalto novinho para resgatar os azulzinhos! De onde tiraram a idéia estapafúrdia
de que eles estariam logo aqui! Que coisa mais sem pé nem cabeça. A senhora deve
estar esclerosada! Os azulzinhos estão de folga. Eu mesmo liberei os coitados.
Estão todos se concentrando para uma atividade muito importante e motivadora
para eles. Vão assistir ao show da Galinha Pintadinha. Eles adoram! A senhora
não gosta do Galo Carijó? – continua Poliana, sorridente e conduzindo calmamente
a idosa para longe do local onde se ouvia o refrão do espetáculo “Pó,pó, pó....pó,pó,pó, póooo...”
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