sábado, 9 de novembro de 2013

Tem galinha de macumba nas obras de Poliana

No meio da rua uma multidão cada vez maior se aglomerava. Motoristas abandonavam seus carros e se acotovelavam no tumulto tentando descobrir o que ocorria. Pedestres curiosos paravam para bisbilhotar. A polêmica toda começara em meio as obras de repavimentação asfáltica da rainha, na principal avenida do reino. Tudo seguia o rumo esperado, com muito trânsito, confusão, piche e pó de brita. Motorista chato reclamando. Gente desocupada palpitando. A cada vez mais farta assessoria de marketing real, fotografando cada brita que pulava nos buracos e postando nas redes sociais. Nada que não fosse esperado e tolerado em uma obra dessa monta. Mas, eis que, no horário de pico do trecho em reformas a situação chegava a ser cômica. Um dos principais cruzamentos do reino tinha as sinaleiras desligadas. Carros atravessavam-se perigosamente entre si. Pedestres ziguezagueavam apavorados tentando chegar sem fraturas ao outro lado da rua. Caos era pouco para descrever o quadro. Foi nesse momento que uma miúda idosa que passeava com seu Pincher, grita:
 - Onde eles estão! Meu Deus será que ninguém se deu conta?! Eles caíram nos buracos e estão sendo soterrados de asfalto! – desespera-se a senhora correndo para o centro do canteiro de obras.
Aí sim, a situação que já era caótica, tornou-se dramática. Dezenas de pessoas acompanharam a anciã na tentativa de salvar os soterrados.
- Ajudem! Eles devem estar embaixo daquela camada de piche! Parem logo o rolo compactador! – ordena a idosa, ajoelhando-se no chão e começando a revolver o piche com as próprias mãos. Centenas de outras mãos solidárias se misturaram as dela cavando no pó e na brita. Até o Pincher auxiliava.
- Não tem ninguém aqui! Vamos para aquela outra área! Espero que não seja tarde demais para aquelas pobres almas. – emociona-se a senhora comandando o pelotão de salvamento para mais um buraco recém recapeado.
Um motorista que abandonara o carro no meio do cruzamento para descobrir o que ocorria, questionou a um dos presentes o que estava havendo.
- Pessoas acidentalmente caíram nos buracos do asfalto e foram soterrados por piche. Estamos tentando encontrá-las.
 - Que horror! Eu tenho uma pá no carro, vou buscar para ajudar! – apressa-se o outro prestativo.
Com um fato tão grave acontecendo no reino, eis que surge Poliana, a prestimosa rainha para tomar pé da situação. Vestindo terninho branco, scarpins pêssego, o capacete de rainha proletária e cercada por dezenas de bobos da corte, questiona ao grupo:
- Que diabos vocês estão fazendo no meu asfalto novinho! Ficaram loucos! Passaram anos reclamando dos buracos no asfalto, e quando eu resolvo dar fim neles, vocês sentem saudades e criam todos novamente! – grita Poliana fazendo todos pararem com o tom imperativo da monarca.
- Não é isso dona rainha! – responde a idosa dirigindo-se à Poliana para um afetuoso abraço de súdita deslumbrada com o carisma real.
- Sai pra lá velhota! Nem vem com essas mãos empoeiradas pra cima do meu trajinho. Explica o que é essa bagunça toda?
- É que os pobres homens devem ter sido soterrados na obra. Não estão em lugar nenhum. Ninguém os vê há horas. Pode olhar para o trânsito Poliana, o que você vê? – pergunta a perspicaz idosa.
- Uma sinaleira piscando. Um monte de motoristas completamente perdidos. Ninguém sabe quem vai e quem fica. Um motociclista que acabou de colidir com um cone. A ambulância da SAMU. Um cabeludo fazendo malabarismo com bolinhas e cuspindo fogo. Uns mal educados cuspindo palavras de baixo calão... A mim parece uma ótima encruzilhada para Oposição fazer um despacho de macumba. – constata Poliana, serenamente.
- Isso mesmo, visionária rainha! E você está vendo eles? – questiona a idosa.
- Eles quem mulher?! Você acha que caberia ainda mais gente nesse cenário catastrófico? Quem você acha que ainda falta? – irrita-se sua alteza, quase perdendo o eterno sorriso populista.
- Os Azulzinhos! O pessoal do trânsito! Que ajudam a coordenar o tráfego em momentos de caos! Eles não estão aí. Acho que o rolo compressor passou por cima deles. – reponde a idosa com os olhos rasos de lágrimas. – Não conseguimos salvá-los. – lastima a boa velhinha fungando e sendo acompanhada por várias outras pessoas do grupo.

- Os azulzinhos! Vocês fizeram todo esse estrago no meu asfalto novinho para resgatar os azulzinhos! De onde tiraram a idéia estapafúrdia de que eles estariam logo aqui! Que coisa mais sem pé nem cabeça. A senhora deve estar esclerosada! Os azulzinhos estão de folga. Eu mesmo liberei os coitados. Estão todos se concentrando para uma atividade muito importante e motivadora para eles. Vão assistir ao show da Galinha Pintadinha. Eles adoram! A senhora não gosta do Galo Carijó? – continua Poliana, sorridente e conduzindo calmamente a idosa para longe do local onde se ouvia o refrão do espetáculo “Pó,pó, pó....pó,pó,pó, póooo...”

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