Na reunião semanal da rainha com
sua corte, faltava espaço para tantos bobos e pajens. Para contentamento e escárnio
dos serviçais de carreira, nessas horas até o alto clero participava das
tradicionais danças das cadeiras que assolava a vala dos comuns (aqueles que não eram contemplados com carguinhos ou as benevolentes mãos protetoras e coniventes da
companheirada). Por falta de cadeiras no recinto para acomodar tanta chefia, os
coitados se revezavam em escala de treze minutos. Treze sentados, treze de
pé. E todos torciam para a reunião não se alongar demais.
- Quero dizer a vocês todos, meus
adoráveis bobos, que estou muito satisfeita com os novos projetos apresentados
por vocês nesses últimos dias. Parabéns! – elogia Poliana para seu enorme
séquito de prestativos vassalos.
- Muito obrigada alteza! Nós nos
sentimos todos honrados em poder servi-la e agradá-la sempre. – agradece um
companheiro emocionado e bajulador.
- Gostei particularmente desse
novo modelo de vias públicas instaladas no centro no reino. Não acredito que
tenha outro projeto semelhante no resto do mundo. Na viagem que farei a Europa
nos próximos dias ficarei atenta a isso. Se for mesmo inovador, precisaremos
patentear e divulgar! – entusiasma-se Poliana.
- De que projeto você esta
falando, rainha? – questiona o bobo do tráfego.
- Das vias elevadas, é claro! –
esclarece Poliana, radiante.
- Ah, as vias elevadas... –
comenta o bobo completamente confuso, sem saber do que falava a monarca.
- Consegui escapulir de minha
redoma ontem e fui caminhar na avenida. Pude perceber que em alguns pontos o
asfalto quase ultrapassa a calçada. Imagino que a intenção seja dar maior
visibilidade ao automóvel.
- Claro, alteza! É justamente
isso! – improvisa o outro.
- Me emocionou principalmente a óbvia preocupação de vocês com os cadeirantes, que nesse novo modelo, nem
precisarão de rampas!
- Isso mesmo, Poliana. Levamos
meses desenvolvendo esse minucioso projeto de inclusão e acessibilidade. –
ajuda a enrolar o bobo das obras.
- E em dias de chuva, nossos
motoristas poderão circular até nas calçadas, de Jet Ski, o que auxiliará bastante na fluidez do trânsito, não é
mesmo?
- Com toda certeza, rainha. Já
estamos elaborando uma proposta de incentivo ao uso de Jet Skis no reino. É uma tendência moderna onde o trânsito flui
melhor através do empoçamento das águas.
- Que bela iniciativa! A única
coisa que me preocupou foram as nossas magníficas travessias elevadas para os
pedestres. Em alguns pontos, pelo que vi, teremos de elevá-las tanto que talvez
seja necessária a instalação de elevadores de acesso.
- Brilhante ideia magnânima!
Travessias de pedestres com elevadores de acesso, com toda certeza é inovador e
digno de muito marketing. – deslumbra-se o bobo da mídia e pirotecnia
patrocinada pelo dinheiro público.
- Agora, teve um projeto
apresentado por vocês essa semana que realmente me encheu de orgulho! É de iniciativas
assim que o reino precisa. Gente como nós, capazes de estabelecer prioridades!
Não podemos no ater as mesmices insignificantes de sempre: falta de leitos, de
exames, de tratamentos, de creches e de esgoto. Precisamos saber captar do que
realmente nosso povo precisa e anseia. E nós conseguimos ter a sensibilidade
para ouvir o que nunca foi dito e tomar uma atitude. – discursa Poliana,
gesticulando e esganiçando a voz, como nos palanques.
- A qual das dezenas de programas
ridículos que eu postei no facebook esta semana, você está se referindo,
Poliana? – pergunta o, ainda um pouco questionador, bobo do marketing.
- O que vai dar nome as ruas do
cemitério, é claro! Uma necessidade urgente e básica, como remédios e
saneamento, e que vai custar tão baratinho. Menos que os trezentos e tantos mil
que prevíamos. Uma bagatela, para uma medida tão emergente e prioritária. Sorte
nossa que existem empresas de fora do reino habilitadas para um serviço tão
complexo, não é mesmo?
- Sorte mesmo. – concordam todos.
- Será que a tal empresa vai
levar muito tempo para nomear todas as ruas do cemitério, rainha? – pergunta o
marqueteiro.
- Oficialmente, um seis meses. Na
prática, acho que terminam em uma tarde. Por quê? – indaga a monarca.
- É que nos próximos meses
devemos estar distribuindo os nossos tradicionais informativos dos grandes
feitos de nosso reinado, volumosos e recheados de meias verdades e coloridas
mentiras. E se os endereços no cemitério já estiverem concluídos, pensei em
aumentar as tiragens e enviar um para cada morador do local. – responde o
marqueteiro oficial.
- Brilhante ideia, meu jovem e
sábio bobo! Nossos informativos só servem para jogar recurso público na latrina
e ajudar nossos companheiros de clã. Ninguém lê aquelas porcarias mesmo.
Aumente as tiragens e mande um para cada túmulo. Com mais um de nossos
magníficos e úteis projetos, os carteiros não terão como se perder nas entregas.
E os serviços públicos de saúde devem ser informados dos novos endereços, para
mandarem aquelas cartinhas tolas que estão me causando dores de cabeça e
ameaças de auditoria. Os mortos, ao menos, não podem mais se queixar de
superfaturamentos ou da ausência de políticas públicas de saúde. Sorte nossa,
não é mesmo? – acrescenta Poliana, soberana inquestionável das prioridades fúteis
e gestora acomodada de problemas emergentes.
Muito bom o artigo, conheço diversos mentores do referido projeto para de rua cemiterial (criaram até comissão com pagamento de GS aos referidos mentores),
ResponderExcluirkkkk, se acham uns gênios. (pior que quem paga a conta somos nós)