Recostada
nas almofadas, exaurida de todas as forças, Poliana acompanhava entorpecida o
diálogo travado entre seus fieis parceiros de locupletações.
- Não sei
não, companheirada. A coisa pode ficar feia desta vez.
- Bobagem.
Nós já passamos por estradas mais esburacadas e pedregosas antes. Sempre tem
alguém para tirar as maiores pedras do nosso caminho.
-Você quer
dizer roubar as pedras, né companheiro – ironiza a cansada Poliana. – Se vocês
não se atirassem que nem porco em lavagem em qualquer oportunidade de chafurdar
na coisa pública, eu não estava nessa situação.
- Nós
sabemos rainha. Agora aprendemos a lição. Nos próximos anos seremos mais
cuidadosos. – afirma um dos asseclas, não parecendo muito arrependido.
- Não
adianta ficarmos chorando sobre o lixo derramado. Temos de arrumar uma forma de
continuar empurrando a sujeira para baixo do tapete por mais algum tempo. O importante é que nosso clã é sempre muito
unido. Uma mão lava a outra e as duas juntas lavam muito mais dinheiro sujo.
Esse é o nosso lema. Essa é a nossa marca!
- E esse é
meu jeito de governar! – Poliana, sonolenta, repete o jargão que era obrigada a
dizer centenas de vezes na sua atribulada maratona em Horário Eleitoral.
- É só uma questão
de interpretação e de que lado da sujeira você está. Se a imundice está do
nosso lado é sempre perseguição, ou modernamente denuncismo. Nós não roubamos,
apenas cometemos erros. – acrescenta um assessor folhando a cartilha do grande
clã.
- Mas nós já falhamos em tentar tirar Justiça
da nossa cola. A coisa tá ficando preta até pra nossos mestres mensaleiros. Eu tô
começando a ficar preocupado com o rumo que isso está tomando. Vocês já
pensaram se o povo das bandas de cá resolve aderir a essa onda de moralidade?
Vai ser nosso fim.
- Não tem
problema, Justiça não está com essa bola toda por aqui. Ela se acha muito
engraçadinha, mas não é páreo para nós.
- Nem
Oposição é páreo para Poliana. Vocês viram a enorme popularidade da rainha?! É
inacreditável!
- É inadmissível,
isso sim! Eu devia ter tido índices muito maiores naquela pesquisa seus
molóides! - indigna-se Poliana, que já estava quase adormecida – Vocês esqueceram
que a tal pesquisa foi feita entre nossa militância? Tem gente do nosso time
jogando contra mim, e quando eu descobrir quem são aí sim a coisa vai ficar
preta. - ameaça sua alteza, entre um bocejo e outro.
- Nenhum de
nós seria capaz de trair nossa rainha! – apressa-se em afirmar um representante
da Irmandade do Fogo. – Nós seguiremos nossa majestade até o fim! Não vamos
abandonar o barco. – acrescenta sem muita convicção.
- Assim eu
espero. – continua Poliana, recostando-se ainda mais nas almofadas, pronta para
um cochilo.
- Como eu
dizia, nós só precisamos enrolar os súditos por mais poucos dias. Justiça nós
vamos conseguir enrolar por anos a fio. Vai dar tempo de Poliana se aposentar.
- Acho que
nossa estratégia de marketing está excelente. Precisamos continuar nos fazendo
de vítimas perseguidas por uma Oposição sem princípios. O povão quase vai as
lágrimas quando Poliana assume o papel de Joana d’Arc populista.
- E essa
história de terrenos e desapropriações? Como vamos justificar?
- Reforma agrária,
é claro. E se não funcionar vamos dizer que até nisso somos melhores que
Oposição. A simplória recalcada não sabe nem superfaturar direito! Quando se
trata de superfaturamento nós somos imbatíveis.
- Vocês não
acham que devíamos ter um plano B, para a remota possibilidade de Poliana
tropeçar e cair nas mãos da intolerante Justiça? – questiona um dos bobos, abaixando
o tom de voz para não ser ouvido por sua adormecida rainha.
- Já
estamos trabalhando nisso, companheiro. - cochicha uma das velhas raposas da
Irmandade do Fogo – Se todo o lixo dos impressos soterrarem nossa adorada
rainha, nós riscamos o fósforo e vamos adiante! Tenho certeza - acrescenta em tom de troça-
que Poliana nem vai reclamar em se tornar a Joana d’Arc de nossa boa causa.
Alheia a sorrateira conspiração que lhe cercava,
Poliana dormia a sono solto em seu adorado castelo de ilusões. Dormia e
sonhava. Em seu sonho corria desembestada por ruas cheias de buracos, pedras e
pardais. Perdida em tantas rótulas e desvios, não conseguia encontrar seu
castelo para alcançar seu adorado trono. Estava sendo caçada! Uma Justiça
irônica e deformada estava em seu encalço. Preocupada em fugir da perseguição ferrenha
de Justiça, nem percebia o que as sombras de seu reino escondiam. Camuflados, atrás
dos arbustos, estavam alguns de seus aliados e parceiros. Munidos de traições,
esperavam a hora certa de abater sua, até então conveniente e lucrativa, rainha.
Aterrorizada, Poliana acorda. “Ainda bem que foi só um pesadelo.” Nenhum de
seus confiáveis amigos ousaria trair a popular e crédula Poliana. – pensa sua
majestade, voltando a seu mundo de sonhos e fantasias.
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