
O pequeno grupo de bobos reais se amontoava num canto da sala em atitude suspeita. Disputavam, como crianças curiosas, algumas folhas de jornal. Falavam baixinho tentando não chamar a atenção da rainha que descansava em sua redoma de vidro fumê.
- Deixa eu ver também. Passa logo essa folha, companheiro!
- Olha só isso. É pior do que nós pensávamos. A rainha leva uma surra até na periferia.
- Que povinho mais ingrato e traiçoeiro. Nós gastamos boa parte do nosso tempo e dos recursos públicos entretendo essa gente com fantasias, pirotecnia, shows e pão com lingüiça e é isso que recebemos! Uma bola nas costas da pobre Poliana. – choraminga uma decepcionada integrante da Orquestra Partidária (OP).
- É mesmo. Devíamos ter construído menos canchas de bocha e mais escolas, talvez assim nos livrássemos dessas boladas traiçoeiras.
- Não ia adiantar nadinha. Pelo que diz nessa tal pesquisa a nossa idolatrada rainha é ainda mais rejeitada entre os mais estudados. E, por estudados, entendam aqueles que sabem somar dois e dois.
- Coitadinha da rainha, com todo o sacrifício que ela faz por seus súditos não conseguir largar na frente no concurso de popularidade real. É muita injustiça.
- Não tem nada de injustiça. Isso é tudo perseguição midiática orquestrada por uma elite dominante que não aceita o reinado democrático, popular, inclusivo e...
- Cala a boca Boina Verde! Só estamos nós aqui, então nos poupe desse discurso enfadonho. Essa ladainha a gente guarda pra impressionar os otários mais tarde. – exaspera-se um dirigente do CUT (Companheiros Unidos no Trambique), já entediado com a mesma desculpa esfarrapada de sempre.
- Não dá pra acreditar numa coisa dessas. A rainha vai surtar quando ver isso.
- Nem fale nisso! Não podemos deixar ela ver essa maldita pesquisa de popularidade. Já pensou quando ela descobrir que não é tão adorada e popular quanto nós fizemos ela acreditar que era?! Vai ficar mais histérica do que nunca. Nem uma tonelada de bombons de amarula vai acalmá-la dessa vez. – alarma-se o companheiro da FarsaSindical.
- Isso sem contar quando ela souber que ficou atrás logo dele: Zangão, o sisudo! Vai ser o fim.
- Como é que pode uma coisa dessas? Largar atrás quando se tem a coroa e com toda a ostensiva propaganda que nó fazemos, já é um fiasco daqueles. Agora, perder em popularidade pro Zangão! É inacreditável!
- É verdade. Nem Oposição acreditou, deve estar ainda mais abobada que nós dessa vez.
- Isso é uma catástrofe sem precedentes, pensem bem companheirada. O Zangão é sisudo, ranzinza, rabugento, velho e barrigudo. Não sorri nem pra tirar foto. Detesta beijar velhinhas e pegar criança mijada. Adora usar aqueles coletezinhos cafonas. Não consegue ser simpático nem com photoshop e toda edição de Horário Eleitoral. E, mesmo assim, abateu nossa meiga, simpática e carismática Poliana nas prévias de popularidade real! É inacreditável!
- Não dá pra entender o povo, mesmo. Não sei o que é que tínhamos na cabeça quando disseminamos essa idéia de que o povo devia ter direito a voz e voto. Se era pra dizer bobagens que ficassem de boca fechada, como em toda democracia socialista que se preze. – lastima-se uma antiga estrela dos movimentos sociais e representante fiel das minorias excluídas.
- Com tudo o que a doce e cândida Poliana, com seus olhinhos de biscuit, se esforça para agradar a plebe. Tantos sorrisos e trejeitos. Tantos espetos de linguiçinha para servir. Quanta criança ranhenta para beijar e melecar sua roupa. As intermináveis partidinhas de futebol, bocha e dominó que teve de disputar. E sempre com o eterno sorriso nos lábios. Tudo isso para conquistar o troféu popularidade, e mesmo assim o povo ingrato não reconhece. O que mais a pobre rainha deveria fazer para agradar essa gente?
- Não sei, mas quem sabe se ela posasse menos de perua simplória e mais de soberana do reino? Talvez o povo queira uma rainha e não uma bonequinha de historinhas infantis. Prefira a cara azeda do Zangão, com jeito de quem sabe fazer, do que a cara insosa de Poliana que parece não saber o que fazer e querer o que não sabe onde está. Se é que vocês me entendem?
- Não, não entendemos. Você anda muito filosófico pro nosso gosto, deve ter se vendido para Oposição. – indigna-se um dos bobos cegos da rainha.
- Eu estou só dando minha opinião, mas vocês não escutam ninguém. – queixa-se o compamheiro do clã, mesmo frente a carranca fechada do alienado grupo.
- Nós escutaríamos, se você dissesse o que queremos ouvir. – responde convicta outra democrática figura da corte real.
- Falem baixo ou vão acordar a rainha! Vamos parar de brigar e pensar no que fazer para reverter essa catástrofe. Precisamos nos mexer antes que Oposição fique assanhadinha demais. – intervém Líquen, apaziguador oficial da rainha.- Temos que investir ainda mais em propaganda e marketing. Colocar mais dezenas de banners e cartazzes pelo reino. Criar um projeto de inclusão dos subúrbios em nossas propagandas enganosas, estilo Fidel e a gloriosa democracia Cubana. Vamos soterrar a plebe de outdoors e folders, vendendo um reino encantado como em Horário Eleitoral.
- Mas e a tal elite? Como vamos ludibriá-los?
- Esses são os mais fáceis de iludir. É só mostrar para eles alguns filmezinhos chorosos com o povão lutando democraticamente por cada trave de gol e churrasqueira na periferia, que eles se mijam de emoção. Essa gente adora esses contos da carochinha pra intelectual dormir. Juram que são franceses, os coitados.
- E temos que caprichar mais nas churrascadas da OP também. Mais carne e menos pão e repolho pro povão! – sugere um dos bobos eufórico.
- Podíamos cercar os subúrbios com outdoors e cartazzes coloridos, como a redoma de Poliana! Assim eles não conseguiriam ver o lixo, a sujeira, a falta de infra-estrutura e os buracos no asfalto. Com isso, talvez não sintam saudades do insuportável e carrancudo Zangão.
- Ótima idéia companheiro! – estimula Líquen, motivador - É disso que precisamos, iniciativa para iludir por mais alguns meses os súditos e... nossa rainha também. Precisaremos trabalhar como nunca para impedir que sua alteza tenha acesso a esta maldita pesquisa. Ninguém estranho pode entrar na redoma da rainha.
- Já estamos controlando tudo companheiro.
- Ótimo. Nada de rádio, TV, jornais, revistas, internet...
- Internet também? – pergunta um dos pajens, já vermelho como pimentão.
- Claro! Principalmente a internet. Esse é, atualmente, o principal espaço para reacionários desocupados e subversivos espalharem maledicências. Por quê?
- É que eu não cortei a internet da redoma. A rainha adora navegar. Ela passa horas tentando entender as charadas e piadinhas sem graça de um tal
Blog da Poliana...
- Ah, não! Ela ainda tem acesso a internet?! Então, a qualquer momento ela vai ver a pesquisa e vai ser... – tarde de mais para conjecturas, os fieis bobos reais ouvem o som que antecede, para eles, o inferno terreno.
- O que é isso! Quem deixou que Imprensa Livre divulgasse essas mentiras! – o esganiçado e apavorante berro da rainha deixa os bobos momentaneamente imobilizados de pavor. – É mentira! Mentira! – mais gritos, sucedidos pelo som de objetos colidindo com as paredes. – Onde está meu espelho mágico?! – novos objetos quebrando dentro da redoma – O book de fotos dos meus feitos reais, onde está? – urra Poliana, encolerizada, atirando ainda mais coisas nas paredes. – Onde se esconderam os meus bobos? Quando eu pegar vocês, vou arrancar os carguinhos e as mordomias de cada um com as unhas, seus inúteis! – Meus sais! Tragam os meus sais! – o grito histérico de Poliana faz com que os apatetados bobos comecem a correr desatinados, prontos, como sempre, a atender a todas as tolices e frescuras da menos popular, mas sempre intempestiva rainha. - E os bombons de amarula! Tragam já as caixas de bombons de amarula, seu molóides!