domingo, 25 de outubro de 2015

Os Três Mosqueteiros de Oposição à Poliana


 Reunidos, os três homens discutiam sobre os problemas e dilemas do lugar onde nasceram e consolidaram suas raízes e destinos. Acumulavam a experiência dos que já haviam governado esse reino. Três ex-monarcas. Três importantes figuras da política local. Três nomes eternamente na boca do povo quando o assunto era sucessão. Faltando pouco menos de um ano para a próxima turnê a Horário Eleitoral, era demasiado cedo para lançar nomes, mas nunca era cedo demais para confabulações e articulações.
- Você tem acompanhado as redes sociais, Zangão? - pergunta Chucrute, sorridente.
- Muito pouco. Não vejo utilidade nessas coisas. Acho uma perda de tempo ver fotos de comida. Por que eu iria querer saber quem está comendo o que, com quem e onde? - responde Zangão, o sisudo, com sua praticidade corriqueira.
- Seu nome, longevo amigo, é reiteradamente mencionado nas tais redes, como exemplo de seriedade e competência na administração da coisa pública. - esclarece o Alquimista, com o ar sempre professoral.
- Saber disso não o faz repensar a aposentadoria, Zangão? Que tal calçar novamente as chuteiras e entrar em campo rumo ao hexa, hein seu velho turrão? - pergunta Chucrute, expansivo, abraçando o sisudo com um dos braços.
- Nem pensar. - responde o outro, desvencilhando-se do abraço. Nos últimos dois anos já acostumara-se um pouco com o jeito efusivo de seu antigo rival, hoje, novo amigo. Mas tantos abraços e apertos ainda lhe deixavam desconfortável. - A política atual está muito diferente do que era nos meus tempos. As campanhas são muito mais populistas. Vale mais beijar criancinhas e abraçar velhinhos do que ter um projeto para o reino. E vocês sabem que beijos e abraços não combinam comigo.
- Ao contrário de mim, não é sisudo? - gargalha o ariano, dando um tapinha na perna de Zangão.
- Você? – continua o outro, com um discreto torcer de lábios, que ao seu modo era um sorriso. - Você deve beijar até os buracos do asfalto.
- E chamá-los pelos nomes. - completa o Alquimista, também sorrindo. - O estado calamitoso de nossas vias, isso sim me entristece a alma. Quanto orgulho sentíamos de nossas ruas e avenidas! Cada um de nós, ao seu tempo, cobriu um pouco dessas vias com o negrume quente do conforto e do progresso. Hoje, estão cobertas de descaso e abandono.
- E as propagandas? Tantas mentiras coloridas. Quanto dinheiro jogado fora, meu Deus!Dinheiro público! - desola-se Zangão, balançando a cabeça inconformado. - Quantas obras podiam ser feitas com essa dinheirama toda. Escolas, creches, pavimentação!
- Podia se investir em saúde. Restaurar prédios históricos. - acrescenta o Alquimista, saudoso.
- Moradias populares. Esgotos, galerias... - continua Chucrute, pensativo. - Eu já disse para vocês que quando eu fui rei fiz tantos quilômetros de esgoto que dava para fazer a volta na circunferência da terra e...
- Sim, sim! Nós já sabemos. - corta o Alquimista - Você nos jogou isso na cara mais de uma vez nas disputas em Horário Eleitoral. Agora, no reinado de Poliana, se perfilarem todos os buracos do asfalto, deve dar para ir e voltar de Marte umas três vezes.
- E por falar em restaurar prédios históricos, isso está lhe dando dor de cabeça até hoje, você não se arrepende?
- Durmo eu com a consciência tranquila e límpida daqueles que fizeram o que precisava ser feito ao seu tempo. - começa o Alquimista, com seu timbre de barítono. - Os erros que Justiça a mim imputa como crimes, são os acertos pelos quais sou e serei lembrado por meu povo. Se o preço pelas obras e legados que deixei a esse reino for a permanente espada de Justiça sobre minha cabeça, andarei de cabeça erguida e espinha ereta, como andam apenas aqueles convictos da retidão de suas condutas. Pago o preço da injustiça, com o amor que sempre cultivei e acalentarei por esse reino.
- Ele fez de novo, Zangão! Sempre me faz chorar. - reclama Chucrute, que a essas alturas esvaía-se em lágrimas.
- Novidade! Você chora vendo os filmes da Lassie. - resmunga Zangão, oferecendo um lenço ao outro.
- Ele tem o dom da palavra. Fico hipnotizado quando ele fala. - continua, assoando o nariz. - E como é que você sabe que eu choro nos filmes da Lassie?
- Você é um alemão beijoqueiro e chorão, já aprendi isso.
- E você é um velho ranzinza e pão-duro. Mas eu gosto de você! Me dá cá um abraço!
- Nem pensar! Você vai sujar de ranho meu colete novo. Sai pra lá! - rosna o outro, para em seguida se dirigir ao Alquimista. - Você até pode ter a consciência tranquila no tal episódio da restauração do prédio histórico, mas como é que anda sua consciência quando você lembra que carregou Poliana nos braços e a ajudou a chegar ao trono?
- Confesso, sempre astuto Zangão, que nesse caso em particular, nem minhas poções de alquimia conseguem aplacar o inexorável peso de minha consciência.
- A única forma de você se redimir com sua consciência é ajudar a derrubar a turma de Poliana na próxima disputa. - afirma o alemão.
- Quem pariu Poliana que lhe tire a chupeta. - declara Zangão, econômico e prático até nas sentenças.
- Estou ciente de meus mal feitos e minhas intransferíveis responsabilidades. - responde o doutor.
- Precisamos nos manter unidos e encontrar um nome novo para a disputa. Já tenho uma lista de possíveis candidatos. - comunica Chucrute, tirando umas folhas do bolso.
- Tudo isso! - observa Zangão, ajeitando os óculos no nariz, com olhar descrente. - Tem mais nomes que a convocação para seleção. E nenhum artilheiro, também.
- É aí que nós entramos. Com nossa experiência, escolheremos um nome e o tornaremos um novo ídolo do povo, pronto para entrar na disputa e ser campeão.
- Esse é muito jovem.
- Acho esse muito fraco.
- Esse não tem sustentabilidade política.
- Aquele vai bem no centro, mas não entra bem nos bairros.
- Esse é meio arrogante.
Após horas de confabulações, prós, contras e argumentações, os três ídolos da oposição, tão convictos na união de esforços para derrubar Poliana, quase se engalfinhavam no chão. Dedos em riste, rostos afogueados, humores inflamados.
- Você sempre acha que é o eterno dono da verdade, Zangão! - acusa o Alquimista.
- Quem falando! Logo você, que vende a alma ao diabo só para ficar na surdina manipulando em troca de favores. - indigna-se o sisudo.
- Vocês dois são intransigentes! - irrita-se o alemão.
- E você, seu alemão metido, sempre acha que pode fazer parte da solução!
Emburrados, os três, de braços cruzados, sentados no imenso sofá, emudeceram por longo tempo. Nenhum deles queria dar o braço a torcer, como sempre fora. Para quem já foi rei,estar distante da palavra final parecia muito mais difícil do que não ocupar mais o trono. Coisas que os reles mortais não compreendiam.
Após infindáveis minutos, mais calmo, Chucrute levanta-se e coloca um velho DVD no aparelho para apaziguar os ânimos. Na tela, em preto e branco, a velha cadela Lassie mancava pesadamente em meio aos escombros de uma cidade bombardeada pela Segunda Guerra. De repente, os soluços invadem a sala. Zangão chorava copiosamente.
- Você, Zangão! Chorando assistindo a Lassie?! - espanta-se o alemão.
- Essas ruas todas destruídas... toda essa desolação... Parecem as ruas da nossa terra! - Soluça Zangão, em meio as lágimas.
- E aquele prédio desabando! - aponta o Alquimista, também aos prantos. - Tão parecido com nosso velho castelo! - funga, abraçando-se a Zangão.
Chucrute, curiosamente, observava os dois abraçados e sorria. Com lágrimas nos olhos, é claro. Ainda havia tempo. Seriam muitas brigas, acusações, e algumas lágrimas, talvez. Quem sabe poderiam deixar os egos e interesses de lado e pensar unicamente no futuro desse reino, que não era deles, nem de ninguém mais, era de todo o seu povo. Quem sabe o final possa ser diferente, pensa o alemão, enxugando os olhos e assistindo o mesmo velho e surrado filme de outrora.

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