A chuva desabava sem piedade sobre o reino de Poliana, e levava
consigo o pouco que restava da pavimentação asfáltica. A impressão
dos súditos que trafegavam nas maltratadas vias públicas era que
muito em breve o reino inteiro seria engolido pelos buracos e
desapareceria do mapa. Talvez fosse essa a intenção da rainha e sua
paquidérmica corte. Alguma utilidade deviam ver na esburacada
situação. Quem sabe, fosse a velha e surrada tática de colocar o
bode na sala. Fazer os motoristas sacolejarem até o limite da
paciência para depois oferecer a solução e colher os frutos. No
ritmo lento com que sua alteza e seus bobos se movimentavam, melhor
seria plantar tomates nos tais buracos, ao menos garantiriam os
frutos. A inércia de seu primeiro reinado permitira que os buracos
se encontrassem, acasalassem e se multiplicassem feito praga. Agora,
não havia piche e pó de brita que dessem conta do problema. Nos
áureos tempos do alinhamento fisiológico, quando dinheiro caía do
céu, Poliana deslumbrava-se em inaugurar canchas de bocha e
churrasqueiras, deixando a manutenção das ruas de lado e
democratizando o acesso aos buracos. Hoje em dia, tragicamente, só o
que cai do céu é chuva, fazendo brotar os malditos buracos que,
cheios d'água, mais pareciam banheiras de ofurô. Quem sabe devesse
começar a inaugurar banheiras de ofurô na periferia. Ou condomínios
de buracos para os sem-teto.
Poliana precisava com urgência encontrar uma forma criativa de
enrolar os contribuintes. Para isso, já anunciara, com a devida
pompa e publicidade, mais um ousado, democrático e inovador programa
para por fim ao problema. O PRO – Projeto de Remendo Ostensivo.
Mais uma obra com a cara de Poliana, especialista em ilusão de
ótica. E com que facilidade se iludia o povo, constata a monarca.
Era só uma questão de números. Seu povo, todos sabem, não era lá
muito afeito a matemática, portanto era só propalar alguns números
robustos que o sucesso estava garantido. E serão milhões de
recursos públicos, toneladas de pó de brita, milhares de metros
quadrados, dezenas de ruas, quilômetros de vias repavimentadas.
Verdadeira apoteose. O povo assistia as propagandas embevecido,
sonhando com o negro tapete a revestir todo o reino. Poliana estava
oferecendo aos contribuintes a oportunidade única de trafegar
suavemente pelas vias recauchutadas, sem solavancos. Solavancos
esses, que não existiriam se Poliana e sua trupe tivessem feito o
necessário em seu devido tempo. Agora, o povo deve louvar e
agradecer sua alteza por sua benevolência. Na prática, contudo, a
conversão dos números revelava que o projeto era um pouco mais
modesto do que a marquetagem oficial fazia parecer. Cada bairro do
reino terá, apenas, sua principal via de comunicação ao centro
reasfaltada e remendada, e mais algumas acessórias. E todas as
outras centenas de ruas que encontram-se em estado de calamidade?
Permanecerão agonizando, carcomidas por buracos, é claro. Pura
falta de sorte dos milhares de contribuintes que não residem ou
trafegam unicamente nas vias contempladas pelo remendão. Sorte mesmo
seria morar e trafegar nos vídeos promocionais de Poliana. Aos
desassistidos pelo programa de inclusão asfáltica da rainha,
restava sacolejar por mais alguns anos. Sacolejos, avarias e
transtornos que, segundo sua majestade, seriam muito melhor tolerados
por seus súditos ao saberem que a poucos metros ou quilômetros
existe uma via de asfalto novinho, feita com todo carinho por nossa
adorada e prestimosa monarca Poliana, a rainha das meias verdades e
do marketing ostensivo, pago com dinheiro público.
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