domingo, 1 de março de 2015

Trânsito interrompido nos neurônios reais


No Palácio Real da Rainha Mãe, sede do poder de Gigante Adormecido, os bobos da corte confabulavam, aos sussurros, preocupados. Se as coisas, há muito não andavam bem, nos últimos dias não andavam nada. O reinado de sua alteza sofria de um gigantesco e alarmante bloqueio. E não era o contínuo, persistente e teimoso bloqueio de nossa monarca e sua corte, que imobilizava a economia, estagnava o crescimento e causava insatisfação popular. Não era, sequer, a conhecida imobilidade, descaso e lerdeza do parlamento em aprovar medidas necessárias ao povo e ao reino. Dessa vez a situação era verdadeiramente séria. Alarmante. Aqueles que realmente fazem falta, resolveram se rebelar. Aqueles que têm serventia. Aqueles dos quais todo povo sente na pele a ausência, em poucos dias de paralisação. Os que transportam o crescimento e a riqueza do país nas caçambas. Tão diferentes daqueles que carregam o suado dinheiro surrupiado do povo em suas cuecas. E o drama da companheirada, era o maior dos dramas. Como explicar à Rainha Mãe a dramática situação. Todos os mais próximos asseclas de sua alteza eram sabedores das conhecidas dificuldades da rainha em entender, e que dirá, aceitar, qualquer percalço, contratempo ou crise em seu fantasioso reinado. Por isso, suavam em bicas, os bobos da corte da rainha, como nunca algum dia tiveram de suar trabalhando.
- A situação está um pouquinho preocupante, magnânima. Os caminhoneiros resolveram parar e a produção está estacionada nas estradas. Já há indícios de desabastecimento em alguns locais.
- Ora, meu querido, não tenho tempo para essas picuinhas de movimentos classistas nesse momento. Tenho um importante loteamento do Minha Caixa, Eterna Dívida para entregar em algum lugarejo desse enorme reino. Preciso pensar na minha popularidade, cê sabe! - responde a monarca, com ar de enfado.
- Mas é que a crise parece séria, rainha. Há ameaça de falta de combustíveis no reino.
- Falta de combustíveis?! Que bobagem! - exaspera-se a Rainha Mãe - Como é que cês caem numa conversa dessas. Nós temos o pré-sal, capaz de produzir centenas de barris de petróleo em .... 20 anos! Jamais faltará combustível nesse reino. Eu garanto! Nem que a vaca tussa!
- Mas, rainha, os caminhoneiros estão parados há dias nas estrada.
- Obras do PAC?
- Não. Eles querem redução no preço do frete e do diesel. Queixam-se do aumento dos combustíveis...
- Olha aqui, queridinho - rosna sua alteza - eu acho que vocês e esses caminhoneiros tem algum probleminha, pois não houve nenhum aumento de combustível no meu reinado. Não sei de onde vocês tiram umas notícias ridículas dessas. Deve ser das propagandas enganosas de Oposição.
- Na verdade, alteza, houve um pequenino aumento do valor nas bombas e...
- Não teve aumento!- corta rispidamente sua majestade - Houve um reajuste! E reajuste não é aumento! - irrita-se ainda mais a rainha, deixando seus assessores temerosos e confusos.
- Claro, claro, magnânima. - contemporiza um dos bobos, para acalmar o ânimo real. - Nós sabemos, mas a senhora sabe como o povão é ignorante e não entende nada de economia. Mas precisamos dar um jeito de acabar logo com essa manifestação para que não acabe prejudicando sua popularidade.
- Isso é fácil. Pelo amor de Deus! Vocês fizeram isso a vida toda. É só enrolar a turma. Chamem as lideranças para negociar. Ofereçam meia duzia de propostas inúteis. Sempre há os pelegos nos sindicatos dispostos a lutar por nós e manipular a categoria. Vocês sabem melhor do que eu como é que isso funciona.
- É um pouco mais complicado, rainha. Eles não estão subordinados a uma liderança. É um movimento autônomo. Independente. Está difícil cabresteá-los.
- Mas quem fala por eles?
- Eles falam por si. E se comunicam com uma rapidez impressionante através das redes sociais. São mais rápidos que nós.
- Nada de assembleias, pautas e atas? - pergunta a monarca, espantada.
- Nadinha.
- Nem bandeiras vermelhas? - escandaliza-se sua alteza.
- Nenhuma bandeirinha vermelha. É um movimento de elite. Golpistas, é claro. Um bando de desocupados que passam o dia no facebook ou dirigindo suas Mercedes. Gente inconformada com todos os avanços sociais de nosso reinado. - explica o Bobo da Justiça, com a lucidez própria dos muito justos de raciocínio.
- Mas deve haver um articulador. Oposição deve estar envolvida, incitando essa gente! Eles são caminhoneiros, ora bolas. Não têm uma ideologia, como os nossos seguidores. Estão sendo manipulados por alguém. Precisamos descobrir quem?
- Não sei, não, rainha. Parece ser algum descontentamento espontâneo. E já tem pessoas em todo reino demonstrando apoio a essa gente.
- Descontentes com o que?! - vocifera a monarca. - As coisas estão uma maravilha! Nosso reinado vai de vento em popa! Se acham que a gasolina está cara que se mandem para Venezuela. Lá o combustível é quase de graça. Mas avisem para esses desocupados, sem vontade de trabalhar, que levem papel higiênico, pois é artigo raro em nosso reino-irmão. Quero ver fazerem manifestaçãozinha por lá. - acrescenta a Rainha Mãe, com um meio sorriso de escárnio. - Eles têm de ter um líder! Precisamos achar o culpado por essa anarquia. - reflete - Como conseguem se organizar?
- Eles se comunicam por telefone. Nesse tal de Whatsapp. Em poucos minutos conseguem organizar manifestações em todo o território. É uma catástrofe!
- Por telefone celular?! Que inferno! Malditos telefones celulares! Nos nossos tempos de militância ninguém tinha acesso a essas geringonças capitalistas. Podíamos manipular esses movimentos facilmente. Agora viramos reféns de nosso próprio povo. Um absurdo! Tudo culpa dessa tecnologia desgraçada! Quem foi o estúpido, irresponsável que permitiu que a telefonia celular se expandisse por todo esse imenso reino?! Só pode ter sido um neoliberalzinho, burguês e ....
A Rainha Mãe cala-se rapidamente, estarrecida. Um clarão de entendimento se abateu sobre ela. O mesmo sentimento correu, como um choque elétrico, entre todos os companheiros da sala. Todos, ao mesmo tempo, arregalaram os olhos ao darem-se conta da dura constatação. Em um uníssono, balbuciaram: - FHC!
- Ele! Foi ele! Sempre ele! - choraminga a rainha, balançando a cabeça, desolada.
- A herança maldita de FHC! - lamuriam-se todos, desanimados. Não havia saída. Era uma luta perdida. Os fantasmas não morrem jamais.

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