domingo, 22 de março de 2015

Solução para momentos de crise: promessas requentadas


No palácio da Rainha Mãe, na sede do poder central de Gigante Adormecido, o clima era de apreensão naquela ensolarada manhã dominical. Nossa monarca e seus bobos da corte mais próximos e fieis, desde cedo agrupavam-se na sala em frente à televisão, aos notebooks, tablets e iPhones. Era um pelotão de enfrentamento de crise, diziam os que estavam de fora. Visto de dentro, mais parecia um grupo em corrente de orações. Suplicavam que tudo fosse menor do que prometiam as tais redes sociais. A medida que as horas transcorriam, a máxima se confirmava: nada estava tão ruim, que não pudesse piorar. O povo fora mesmo às ruas. Protestava. Aos milhares. Em todo imenso território de Gigante Adormecido. Não havia como negar. Era impossível fingir não enxergar. O verde e amarelo cobria ruas, travessas e avenidas em grandes e diminutas cidades. E o nome da Rainha Mãe, de seu clã estrelado e seus aliados, era bradado, em democrático coro. Mas eram brados de revolta e indignação, não os brados de apreço de tempos longínquos.
- Creio, adorada rainha, que a senhora precisará se pronunciar, como monarca, para acalmar os ânimos dos insatisfeitos. - aconselha, um dos bobos reais, no final da tarde.
- Eu?! Cê tá louco! Com esse povo todo ouriçado, é só eu aparecer na TV que vai voar panela por todo o reino! Eu já estou traumatizada. Essa gente tresloucada vaia até a televisão. Desde meu último pronunciamento oficial, não passo nem perto da cozinha com medo que as panelas se revoltem sozinhas e se atirem na minha cabeça. Nem pensar! Vocês que falem por mim, meus bobões. - desliza a soberana.
- E vamos dizer o quê? - indaga o Bobo da Justiça, sabendo que a bomba acabara de cair em seu colo.
- Vamos dizer a verdade! - exalta-se um dos companheiros mais ortodoxos e braço esquerdo da rainha. – Que trata-se de um ato golpista, de pessoas ligadas a Oposição, e que não se conformaram ainda com a derrota do último pleito.
- Vai ser um pronunciamento em rede nacional, companheiro. Para todo o reino. Não um evento dos Companheiros Unidos no Trambique (CUT). - lembra a rainha. - Quem é que vai cair numa conversa mole dessas? Oposição não reunia meia duzia de gatos pingatos em seus eventos, em plena acirrada disputa eleitoral, e agora, sem mais nem menos, consegue reunir milhões?! Milhões! Só nossa militância consegue acreditar nessas baboseiras, e esses não estavam nas ruas hoje, estavam, como nós, bem escondidinhos. Precisamos enrolar os insatisfeitos. Os nossos, serão sempre nossos, por mais estúpidos e incoerentes que consigamos nos mostrar.
- Vamos prometer um pacote de medidas.- sugere um companheiro mais moderado.
- Isso! Um pacote! O povo adora pacotes. Desde que não sejam econômicos. Vamos prometer um pacote com embrulho bem vistoso! - entusiasma-se um pouco, a abatida monarca.
- Prometeremos reforma política e o fim do financiamento privado de campanha! - acrescenta outro assessor real, seguindo a cartilha de seu clã para momentos de revolta popular, artigo primeiro, parágrafo único.
- Perfeito! Reforma política, ninguém, nem mesmo nós, conseguimos explicar o que é, ou definir como fazer. O povão não vai entender nada, mas vai achar o título interessante. E o importante é a embalagem, não o conteúdo. - aprova a Rainha Mãe.
- E o financiamento público de campanha é uma bandeira nossa, que precisamos vender a todos os insatisfeitos. As campanhas eleitorais precisam sair dos bolsos dos contribuintes. São as contribuições declaradas da iniciativa privada que geram e estimulam a corrupção. Com o fim da contribuição privada, não haverá mais corrupção eleitoral. Esse é nosso mote principal.
- Mas... As empresas vão deixar de contribuir para nós? E para nossos aliados? Ou para quem tiver mais chance de entrar no poder e ajeitar uma boquinha para elas? Assim, vamos a pique! - reclama a rainha, preocupada com o futuro dos políticos.
- Claro que não, magnânima! Isso é o que queremos que todos pensem e acreditem. É óbvio que a relação fraterna entre corruptos e corruptores sempre continuará sólida e firme. Só não será oficialmente declarada. Teremos ainda mais dinheiro em nossas campanhas. O dinheiro compulsório do contribuinte otário, e o mesmo dinheiro da iniciativa privada, agora por debaixo dos panos.
- Menos mal. - suspira a Rainha Mãe, aliviada.
- E devemos anunciar medidas de combate contra a corrupção. Já que essa tal corrupção anda na boca da plebe. - Sugere outro assessor para obviedades.
- Perfeito! Vamos começar dizendo que nunca antes na história da humanidade, um reinado se empenhou tanto e deu tanta autonomia aos poderes para que a corrupção fosse investigada e punida.
- Isso mesmo! Vamos mentir para o povo que quem deu poder para a polícia e o Judiciário não foi a Constituição de mais de 25 anos atrás. Que a autonomia dos poderes só começou em nosso democrático reinado. Que antes de nós, a polícia e o judiciário eram uns cachorrinhos adestrados. A polícia e o Judiciário nem se ofendem, eles nos veneram por nossa postura ética. - concorda a Rainha Mãe, alienada, como quase sempre.
- Vamos decretar que corrupção passará a ser crime!
- Mas, já não é crime? - pergunta a rainha, confusa.
- Não. Quer dizer... acho que sim, mas vamos dizer que seremos, a partir de agora, intolerantes. Será crime hediondo.
- Crime hediondo, é? O povão vai gostar. Mas isso não dá cadeião?
- Na teoria, rainha, deve dar.
- Mas, se for assim, quem é que vai legislar ou governar nesse reino? Vou ter de criar imediatamente o programa Minha Cela, sua dívida. Caso contrário vai faltar acomodações dignas para tantos digníssimos representantes do povo. - inquieta-se a rainha.
- São só promessas rainha! As mesmas que fizemos após as manifestações de dois anos atrás. São só para enrolar o povão e acabar com a rebelião popular. Não é para serem levadas ao pé letra. - esclarece o Bobo da Justiça.
- Entendi. Acho que deve funcionar novamente. Então, preparem-se meus bobos, a TV os espera. Tentem dar uma arrumada nessas caras e roupas amarrotadas. Vocês parecem ter sido pisoteados por todo aquele povo lá fora. Enquanto vocês me representam no panelaço em rede nacional, eu vou fazer uma ligação. Preciso ouvir conselhos de quem realmente entende de crises.
- Vai falar com seu criador, nosso guru, o Ilusionista, alteza?
- Não. Vou consultar o Passarinho?
- O milico?! Da ARENA?!! Pelo amor de Guevara, não basta nós termos adotado políticas neoliberais, agora vamos trazer a extrema-direita para nosso reinado! - revolta-se ainda mais o companheiro radical.
- Não é esse passarinho, seu estúpido. É o passarinho do Maduro, lá na Venezuela. Aquele que o falecido e saudoso Hugo Chávez usa para se comunicar do além com o atual presidente bolivariano. De como conter manifestações populares e tentativas de golpe, o Huguito era doutor. - esclarece a Rainha Mãe.
- Boa ideia! - vibra o companheiro xiita. Nesse pacote, podemos incluir, a exemplo da Venezuela, a liberação do uso de armas letais contra manifestantes golpistas, e a permissão para a rainha governar por decreto, sem o parlamento. Seria perfeito!
- Fala baixo! - inquieta-se o Bobo da Justiça, com bem mais jogo de cintura, preocupado com a postura do outro em frente as câmera, logo mais. - E nada de repetir essas coisas na TV. Tente ser um pouco simpático. Vamos falar de democracia, respeito a liberdade de opinião e manifestação... - sabatinava o Bobo da Justiça, tentando evitar um desastre.
     Não funcionou. Bastou pegar o microfone, para o assessor da Rainha Mãe rosnar para os presentes, falar em descontentamento das urnas, golpismo, intolerância e o blá, blá, blá de palanque do SindiPelego. O que ele disse, ninguém, mais ouviu. O som das panelas se sobrepuseram as asneiras. Com assessoria assim, tão desqualificada e sem senso de ridículo, só resta a nossa Rainha Mãe bons conselhos de passarinhos, já que de outros animais mais estúpidos, seu reinado está lamentavelmente infestado.

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