No
palácio da Rainha Mãe, na sede do poder central de Gigante
Adormecido, o clima era de apreensão naquela ensolarada manhã
dominical. Nossa monarca e seus bobos da corte mais próximos e
fieis, desde cedo agrupavam-se na sala em frente à televisão, aos
notebooks, tablets e iPhones. Era um pelotão de enfrentamento de
crise, diziam os que estavam de fora. Visto de dentro, mais parecia
um grupo em corrente de orações. Suplicavam que tudo fosse menor do
que prometiam as tais redes sociais. A medida que as horas
transcorriam, a máxima se confirmava: nada estava tão ruim, que não
pudesse piorar. O povo fora mesmo às ruas. Protestava. Aos
milhares. Em todo imenso território de Gigante Adormecido. Não
havia como negar. Era impossível fingir não enxergar. O verde e
amarelo cobria ruas, travessas e avenidas em grandes e diminutas
cidades. E o nome da Rainha Mãe, de seu clã estrelado e seus
aliados, era bradado, em democrático coro. Mas eram brados de
revolta e indignação, não os brados de apreço de tempos
longínquos.
- Creio,
adorada rainha, que a senhora precisará se pronunciar, como
monarca, para acalmar os ânimos dos insatisfeitos. - aconselha, um
dos bobos reais, no final da tarde.
- Eu?!
Cê tá louco! Com esse povo todo ouriçado, é só eu aparecer na
TV que vai voar panela por todo o reino! Eu já estou traumatizada. Essa gente tresloucada vaia até a televisão. Desde meu último pronunciamento oficial, não passo nem perto da
cozinha com medo que as panelas se revoltem sozinhas e se atirem na
minha cabeça. Nem pensar! Vocês que falem por mim, meus bobões.
- desliza a soberana.
- E
vamos dizer o quê? - indaga o Bobo da Justiça, sabendo que a
bomba acabara de cair em seu colo.
- Vamos
dizer a verdade! - exalta-se um dos companheiros mais ortodoxos e
braço esquerdo da rainha. – Que trata-se de um ato golpista, de
pessoas ligadas a Oposição, e que não se conformaram ainda com a
derrota do último pleito.
- Vai
ser um pronunciamento em rede nacional, companheiro. Para todo o reino. Não um evento dos Companheiros Unidos no Trambique (CUT). - lembra a rainha. - Quem é que vai cair numa conversa mole dessas? Oposição não
reunia meia duzia de gatos pingatos em seus eventos, em plena
acirrada disputa eleitoral, e agora, sem mais nem menos, consegue
reunir milhões?! Milhões! Só nossa militância consegue
acreditar nessas baboseiras, e esses não estavam nas ruas hoje,
estavam, como nós, bem escondidinhos. Precisamos enrolar os
insatisfeitos. Os nossos, serão sempre nossos, por mais estúpidos
e incoerentes que consigamos nos mostrar.
- Vamos
prometer um pacote de medidas.- sugere um companheiro mais
moderado.
- Isso!
Um pacote! O povo adora pacotes. Desde que não sejam econômicos.
Vamos prometer um pacote com embrulho bem vistoso! - entusiasma-se
um pouco, a abatida monarca.
- Prometeremos
reforma política e o fim do financiamento privado de campanha! - acrescenta outro assessor real, seguindo a cartilha de seu clã para momentos de revolta popular, artigo primeiro, parágrafo único.
- Perfeito!
Reforma política, ninguém, nem mesmo nós, conseguimos explicar o
que é, ou definir como fazer. O povão não vai entender nada, mas
vai achar o título interessante. E o importante é a embalagem,
não o conteúdo. - aprova a Rainha Mãe.
- E o
financiamento público de campanha é uma bandeira nossa, que
precisamos vender a todos os insatisfeitos. As campanhas eleitorais
precisam sair dos bolsos dos contribuintes. São as contribuições
declaradas da iniciativa privada que geram e estimulam a corrupção.
Com o fim da contribuição privada, não haverá mais corrupção
eleitoral. Esse é nosso mote principal.
- Mas...
As empresas vão deixar de contribuir para nós? E para nossos
aliados? Ou para quem tiver mais chance de entrar no poder e
ajeitar uma boquinha para elas? Assim, vamos a pique! - reclama a
rainha, preocupada com o futuro dos políticos.
- Claro
que não, magnânima! Isso é o que queremos que todos pensem e
acreditem. É óbvio que a relação fraterna entre corruptos e
corruptores sempre continuará sólida e firme. Só não será
oficialmente declarada. Teremos ainda mais dinheiro em nossas
campanhas. O dinheiro compulsório do contribuinte otário, e o
mesmo dinheiro da iniciativa privada, agora por debaixo dos panos.
- Menos
mal. - suspira a Rainha Mãe, aliviada.
- E
devemos anunciar medidas de combate contra a corrupção. Já que
essa tal corrupção anda na boca da plebe. - Sugere outro assessor
para obviedades.
- Perfeito!
Vamos começar dizendo que nunca antes na história da humanidade,
um reinado se empenhou tanto e deu tanta autonomia aos poderes para
que a corrupção fosse investigada e punida.
- Isso
mesmo! Vamos mentir para o povo que quem deu poder para a polícia
e o Judiciário não foi a Constituição de mais de 25 anos atrás.
Que a autonomia dos poderes só começou em nosso democrático
reinado. Que antes de nós, a polícia e o judiciário eram uns
cachorrinhos adestrados. A polícia e o Judiciário nem se ofendem,
eles nos veneram por nossa postura ética. - concorda a Rainha Mãe,
alienada, como quase sempre.
- Vamos
decretar que corrupção passará a ser crime!
- Mas,
já não é crime? - pergunta a rainha, confusa.
- Não.
Quer dizer... acho que sim, mas vamos dizer que seremos, a partir
de agora, intolerantes. Será crime hediondo.
- Crime
hediondo, é? O povão vai gostar. Mas isso não dá cadeião?
- Na
teoria, rainha, deve dar.
- Mas,
se for assim, quem é que vai legislar ou governar nesse reino? Vou
ter de criar imediatamente o programa Minha Cela, sua dívida. Caso
contrário vai faltar acomodações dignas para tantos digníssimos
representantes do povo. - inquieta-se a rainha.
- São
só promessas rainha! As mesmas que fizemos após as manifestações
de dois anos atrás. São só para enrolar o povão e acabar com a
rebelião popular. Não é para serem levadas ao pé letra. -
esclarece o Bobo da Justiça.
- Entendi.
Acho que deve funcionar novamente. Então, preparem-se meus bobos,
a TV os espera. Tentem dar uma arrumada nessas caras e roupas
amarrotadas. Vocês parecem ter sido pisoteados por todo aquele
povo lá fora. Enquanto vocês me representam no panelaço em rede
nacional, eu vou fazer uma ligação. Preciso ouvir conselhos de
quem realmente entende de crises.
- Vai
falar com seu criador, nosso guru, o Ilusionista, alteza?
- Não.
Vou consultar o Passarinho?
- O
milico?! Da ARENA?!! Pelo amor de Guevara, não basta nós termos
adotado políticas neoliberais, agora vamos trazer a extrema-direita para nosso reinado! - revolta-se ainda mais o companheiro
radical.
- Não
é esse passarinho, seu estúpido. É o passarinho do Maduro, lá
na Venezuela. Aquele que o falecido e saudoso Hugo Chávez usa para
se comunicar do além com o atual presidente bolivariano. De como
conter manifestações populares e tentativas de golpe, o Huguito
era doutor. - esclarece a Rainha Mãe.
- Boa
ideia! - vibra o companheiro xiita. Nesse pacote, podemos incluir,
a exemplo da Venezuela, a liberação do uso de armas letais contra
manifestantes golpistas, e a permissão para a rainha governar por
decreto, sem o parlamento. Seria perfeito!
- Fala
baixo! - inquieta-se o Bobo da Justiça, com bem mais jogo de
cintura, preocupado com a postura do outro em frente as câmera,
logo mais. - E nada de repetir essas coisas na TV. Tente ser um
pouco simpático. Vamos falar de democracia, respeito a liberdade
de opinião e manifestação... - sabatinava o Bobo da Justiça,
tentando evitar um desastre.
Não
funcionou. Bastou pegar o microfone, para o assessor da Rainha Mãe rosnar para os presentes, falar em descontentamento das urnas,
golpismo, intolerância e o blá, blá, blá de palanque do
SindiPelego. O que ele disse, ninguém, mais ouviu. O som das
panelas se sobrepuseram as asneiras. Com assessoria assim, tão
desqualificada e sem senso de ridículo, só resta a nossa Rainha
Mãe bons conselhos de passarinhos, já que de outros animais mais
estúpidos, seu reinado está lamentavelmente infestado.
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