Me perguntaram esses dias, em tom de provocação com pitadas de tolas e
distorcidas ideologias políticas, se eu torcia pelo Brasil. Respondi
de pronto, sem pestanejar: sempre torci pelo Brasil. Mas a resposta,
que para mim é clara e cristalina, ao meu interlocutor pareceu não
ter caído com o devido grau de entendimento. Por isso, resolvi
esmiuçar mais o assunto. Não me recordo, de um dia sequer em minha
vida em que não tivesse torcido pelo Brasil. Lembro perfeitamente,
de meu entusiasmo de criança, torcendo em frente a nossa novíssima
televisão a cores, pela seleção de 1982, de Sócrates, Zico e
Falcão. Com toda certeza meu primeiro momento de verdadeiro ufanismo.
Seguido de decepção e frustração. Recordo o sentimento de
injustiça por não termos alcançado o título, que em minha visão
de criança era mais do que merecido. Hoje, adulta, consigo entender
- com certo rancor infantil é verdade - que a arte e a beleza tenha
perdido para técnica, a objetividade e a eficiência. A falta de
objetividade, técnica e eficiência parecem ser pragas que corroem
as entranhas de nosso país até os dias atuais. E já se vão muitas
décadas desde então.
Se
torço pelo Brasil? Jamais deixei de torcer, desde aquela triste Copa
do Mundo perdida. Torço pelo meu país quando me revolto e solto
meus parcos gritos de desaforo contra os corruptos que se apropriam
imoral e indevidamente do que é nosso. Torço pelo Brasil quando me
indigno com a imoralidade e promiscuidade reinantes no meio
político-partidário. Torço pelo Brasil quando faço eco a todas as
vozes que denunciam as sórdidas tentativas de amordaçar a imprensa, aparelhar
o Judiciário e manipular as massas. Torço pelo Brasil quando me
revolto com o assassinato diário do ensino público, que tem jogado
jovens na eterna condição de subserviência e servidão a um estado
tutor que não pretende que seus filhos voem dos ninhos da submissão
e sejam, enfim, cidadãos de fato e de direito, senhores de seus
destinos e suas escolhas. Torço pelo Brasil quando luto por um
sistema de saúde pública gratuito, integral e equânime, não
apenas em artigos e parágrafos de leis de mais de 20 anos, mas na
realidade diária de seus usuários e contribuintes. Torço por meu
país quando esperneio por não ter disponível um exame diagnóstico
básico e necessário no sistema público de saúde brasileiro. Torço
pelo Brasil quando compro brigas que não são minhas, mas são
brigas justas, éticas e dignas de serem lutadas. Torço pelo Brasil
quando escuto políticos inconsequentes, cínicos e incompetentes,
jogarem toda a culpa da falta de investimentos públicos no sistema
de saúde, nas costas dos profissionais que ali labutam. E mesmo ao
ouvir os idiotas bradarem infâmias e insolências, ainda assim -
como tantos outros colegas - gritar, questionar, argumentar, me
indignar, mas trabalhar – como trabalhamos tantos - em prol
daqueles que não tem culpa dos idiotas, pilantras e inconsequentes
que governam esse país.
Torço pelo Brasil, mesmo quando é mais
fácil desistir. Pois é muito mais fácil desistir de um país que
há muito parece ter desistido de seu povo. Um Brasil onde o povo é apenas
slogans coloridos de campanhas eleitorais ou eleitoreiras ou um
alegre jingle promocional da Copa do Mundo. Para torcer
verdadeiramente pelo Brasil, há que se ter mais que patriotismo. Há
que se ter cerne, honra e coragem. Há que se colocar, todo o dia, a
cara tapa. É saber apanhar, mesmo sem merecer, e bater sem medo de
errar. É aceitar as consequências de ser chamado de antipatriota,
golpista, burguês ou elitista por questionar o que é inegavelmente
imoral ou injusto. Torcer pelo Brasil não é para qualquer
brasileiro. É qualidade apenas daqueles que valorizam e
verdadeiramente amam seu país. Torcer pela seleção brasileira
qualquer um pode torcer. Mas torcer realmente pelo Brasil, é para
poucos. Poucos que têm e reconhecem os valores que não se aprendem em
jingles ou campanhas promocionais. Quem ama realmente o Brasil
não veste verde e amarelo apenas em dias de jogos da seleção
brasileira. Mas veste-se de ira, questionamentos e indignação todos
os dias de sua vida. Assim se faz uma Nação decente e justa. Uma
torcida barulhenta talvez faça um time campeão. Toda uma Nação
consciente, fará, com certeza, um país decente algum dia. Por
acreditar nisso, ainda torço pelo Brasil - como tantos que ainda
torcem e acreditam. E por todos nós brasileiros. E, pelos próximos
dias, torço por nossa seleção e seu futebol, também. Que sejamos
todos nós campeões!
Coluna muito bem escrita. Crítica contundente, porém procedente, da forma de pensar de muitos brasileiros. A seu exemplo também torço pelo Brasil. Por um Brasil que acredita, que sonha, que sofre e que não entende como as decisões políticas são tomadas, algumas frontalmente contrárias ao que sempre pregaram os detentores do poder. Siga em frente, acredite, lute, não desanime. É possível sim a construção de uma sociedade mais consciente desde que cada cidadão seja responsável por seus atos e que o Estado deixe de tutelá-lo como se incapaz fosse. O nosso voto tem o poder da mudança. Ouse, lute, acredite, é possível. Como diria Simone: desesperar jamais.............................. desistir......................jamais.
ResponderExcluirPoliana, vc atingiu o âmago de todos quantos amam este País. Junto-me a esse seu pensamento como milhões de brasileiros. Precisamos, mesmo que estejamos desiludidos (ás vezes) torcer pelo Brasil. Um dia chegaremos lá.
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