Após
o verdadeiro dilúvio que assolara a região na última semana,
Poliana reúne-se com dois de seus bobos para discutir os problemas
de mobilidade urbana do reino.
- Eu
não aguento mais ouvir as queixas sobre esse maldito trânsito,
meus bobos. Esse povinho só sabe reclamar. Queixam-se dos buracos
que dificultam a locomoção e também da falta de locais para
estacionar. Não decidem se querem andar ou parar. Querem mesmo é
se queixar! O choratéu dos comerciantes, então, está me deixando
louca. - reclama a perseguida rainha.
- O
povo é muito exigente, Poliana. Quer tudo para ontem. Não sabem
esperar. Estamos estudando uma forma de resolver definitivamente a
questão das vagas de estacionamento. Mas o povo e os comerciantes
precisam ter um pouquinho de paciência. - esclarece o bobo do
tráfego.
- Estamos
estudando isso há anos, meu bobo! Dava para fazer um doutorado no
assunto. - ironiza a rainha.
- É
que esse inovador modelo de parquímetros é bastante complexo. Mas
com as mudanças que faremos nas ruas centrais e a ampliação do
estacionamento oblíquo, iremos dobrar o número de vagas de
estacionamento rotativo.
- Sei...
Inovador, né? - resmunga sua alteza com certo sarcasmo - E essa
história de dobrar o número de vagas, me parece história pra boi
dormir. Mesmo com o estacionamento oblíquo, não consigo imaginar
que se consiga duplicar as vagas no centro.
- Na
verdade, rainha, nós dobraremos mesmo as vagas. Mas elas serão
distribuídas de forma democrática e inclusiva por todo o reino.
Não apenas no centro. Colocaremos parquímetros até na zona
rural! - entusiasma-se o bobão.
- Era
o que eu imaginava. - desespera-se Poliana - Os comerciantes vão
adorar saber que seus clientes precisarão caminhar quilômetros
para chegar ao centro.
- Ora,
Poliana, o povo precisa deixar de ser tão acomodado! Uma
caminhadinha básica faz muito bem para a saúde! - manifesta-se o
bobo das obras, Santo Jorge – o exu tranca rua, trovador e
desportista - terminando sua sessão de alongamentos.
- Você,
meu caro bobo das obras, se conseguisse tapar buracos com a mesma
velocidade com que fala bobagens, seria o mais produtivo dos meus
bobos.- alfineta a monarca. - Sua última manifestação à
Imprensa Livre de que não teríamos tantos problemas com os
buracos se nossas ruas fossem de calçamento, foi uma pérola! Não
sei o que é pior, aguentar sua cantoria nos corredores do castelo,
ou escutar suas entrevistas.
- Obrigada
rainha! - agradece o deslumbrado companheiro, dedilhando seu violão
- As pessoas não reclamam dos buracos no asfalto, onde o asfalto
não existe. É uma estatística impressionante! E além disso o
calçamento é ecologicamente mais correto por permitir a
penetração da água no solo.
- Nossos
buracos no asfalto também. Alguns podem até ser usados como poços
artesianos! - continua Poliana, ainda mais sarcástica.
- O
problema de nossos súditos é que eles criaram a cultura do tapete
negro. Querem asfalto em todas as ruas do reino. Na porta de suas
casas. Uma visão burguesa e ecologicamente atrasada. - esclarece o
bobo das obras, que como filósofo era um excelente animador de
manifestações socialistas.
- Nossos
tapetes negros estão parecendo mais uma suja colcha de retalhos. E
mal remendada! Já tem buraco se criando até nas avenidas recém
pavimentadas. - conclui a monarca.
- Culpa
do comodismo e falta de comprometimento com o meio ambiente desse
nosso povinho deslumbrado. Se não tivéssemos tantos veículos
rodando, não haveriam tantos buracos e o meio ambiente estaria
salvo.- continua o conhecedor e engajado bobo das obras.
- Quem
sabe, meu adorável Santo Jorge, devêssemos deixar os buracos se
unirem a ponto de voltarmos a era do chão batido? O lençol
freático agradeceria. Os veículos circulariam com menor
velocidade e, ainda, combateríamos a mentalidade burguesa,
europeia e atrasada do tapete negro. - sugere a rainha.
- Seria
perfeito, alteza! - entusiasma-se o companheiro.
- E
poderíamos sugerir a substituição de carros por carroças. Ou
mulas! Uma mula ocupa bem menos espaço no estacionamento que os
veículos tradicionais. Mataríamos dois problemas com uma ideia
idiota só. E de brinde, acabaríamos com a choradeira dos
conservadores com relação ao nosso projeto de revitalização do
mato. A velharada irá ao delírio ao ver o velho mato ocupado
novamente por mulas.
- Perfeito
rainha! - entusiasmam-se os dois bobos responsáveis pela
mobilidade urbana.
- Meu
único problema nos próximos anos – reflete Poliana,
circunspecta - será o que fazer com todo o esterco produzido por
esses dois sábios bobos juntos. Era bom pensar em construir uma
esterqueira no castelo, afinal, se seus bobos não eram
suficientemente competentes na produção de soluções práticas
para os súditos, produziam bosta em inacreditável abundância.
Tudo, ao menos, era ecologicamente sustentável.
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