Os dois homens trabalhavam tranquilos na antiga sede de
campanha, cada qual em sua poltrona, entretidos e compenetrados com seus novos
afazeres.
- Acho que não está bom. Eu andei perdendo alguns pontos. –
preocupa-se Chucrute, olhando atentamente e comparando com o cenho franzido, o
gráfico e os pontos que tinha a sua frente. - O que você acha Zangão?
- Uma desgraça. Você vai ter de começar tudo de novo. –
responde o outro, mal tirando os olhos de sua tarefa.
- Começar de novo não é problema para mim. Já deve ser a
quinta vez, se não errei as contas. Eu sou sempre muito persistente. – reponde
o alemão, nem um pouco desanimado com os sinais evidentes de fracasso.
- Não é persistência, é teimosia. Coisa de alemão. – responde
Zangão, curto e objetivo como sempre. – Por falar em persistência, você teve
notícias do Alquimista? Ele conseguiu fazer as pazes com Poliana?
- Parece que ainda não. Estão com as relações estremecidas.
Poliana é um tanto rancorosa, você sabe. Mas ela vai acabar perdoando ele.
Ninguém consegue guardar mágoa do Alquimista. Ele é tão cativante! – responde
Chucrute com os olhos vívidos de admiração – Eu mesmo, não posso ver aquele
mago falar. É só ele começar a discursar com aquela fala macia e sedutora, que
eu já me arrepio todo e esqueço todos os desaforos que ele já me fez. O homem é
um mestre. E eu sou uma manteiga derretida. – admite o ariano, dando de ombros
e sorrindo.
- Eu já percebi. Bastaram dois ou três substantivos e algumas
locuções adverbiais e você já estava chorando e beijando a careca dele.
- Eu beijei sua careca também, e você só rosna e resmunga,
seu velho ciumento. – atiça Chucrute cutucando o outro, provocador.
- Ciumento, eu? Até parece! – bufa o outro, ajeitando os
óculos no nariz. – Você beija até os postes!
- Eu adoro as andanças pelo reino. Sentir o calor desse povo
hospitaleiro. Você não sabe o prazer que me dá conversar com nossa gente
simples, de coração aberto. Ouvir cada dona de casa. Cada mãe de família. A história
de suas vidas me enchem os olhos de lágrimas e o coração de esperanças. Eu sou
assim. Simples e emotivo. – continua Chucrute já com os olhos rasos de
lágrimas.
- E chorão. – resume o sisudo – Eu já me acostumei. Toma aqui
um lenço de tergal. Ultimamente eu trago meia dúzia comigo. Mais um hábito que
tive que mudar depois que comecei a conviver de perto com você.
- Podia trazer lenços descartáveis. São mais higiênicos. –
informa Chucrute enxugando as lágrimas e devolvendo o acessório a Zangão.
- São muito caros. Do jeito que você chora ia me levar a
falência. – resmunga o outro voltando a seus afazeres com seriedade.
- Eu estou me sentindo entediado. Ficar parado esperando é
uma tortura para minha pessoa. – agita-se Chucrute na poltrona. - Nada acontece
há dias nesse reino.
- Verdade. – confirma o sisudo.
- Será que Justiça não vai mudar de ideia? Até quando teremos
que ficar de molho? Não é justo todo o dinheiro investido, todo esforço
desperdiçado e todo apoio conseguido!
- E todo sapo engolido. – acrescenta Zangão, circunspecto.
- Isso também. – concorda o ariano. – Regados a muito Engov e Lacto-purga! – debocha irreverente o alemão.
- Justiça sempre foi meio lerdinha. Surpreendente foi ela ter
trabalhado tanto nos últimos meses. Agora deve ter tirado férias. Mulheres
adoram férias! Você sabe como Justiça funciona, não é? Ela precisa pensar muito
antes de se decidir. – justifica Zangão, mais centrado e experiente e menos
afoito que o outro.
- Sei, sei. Assim são as mulheres. Pensam, pensam, pensam e
mudam de ideia como mudam de sapatos. E você deve saber melhor do que eu a
quantidade absurda de sapatos que uma única mulher tem. E isso que elas só têm
dois pés.
- Calcule a quantidade de vezes que Justiça ainda pode mudar
de opinião! – alarma-se Zangão balançando a cabeça, resignado.
- Nem me fale uma coisa dessas. Se Justiça continuar nesse
ritmo, nosso reino vai entrar para o livro dos records como a terra com maior número de reis por habitante no mais
curto período de tempo. – replica Chucrute.
- Para quem já deve ter o maior número de escândalos, não vai
fazer diferença. –responde Zangão.
- E por falar em escândalos, até esses andam parados no
reino. Faz dias que não estoura nenhum. Será que a turma de Poliana tomou juízo
e entrou nos eixos afinal?
- Duvido. Eles andam é desarranjados. Ninguém sabe mais de
que lado está. Pelo menos nisso, Justiça, como boa e velha mulher, conseguiu
baratinar a companheirada. Vai levar alguns dias até Poliana botar ordem na
casa. Aí sim, as falcatruas vão começar a saltar como antes.
- Pode ser que Justiça interfira. – completa Chucrute
esperançoso, atrapalhando-se um pouco com a difícil e atribulada tarefa que
executava.
- Se ela não estiver no Caribe. Nas Ilhas Cayman. – completa
Zangão, tirando os óculos para examinar o resultado de seu trabalho.
- Temos que confiar em Justiça. – afirma Chucrute, levemente
exaltado ao ver que seu trabalho parecia não estar evoluindo a contento.
- Justiça é digna de toda nossa confiança e merecedora de
nosso respeito absoluto e inquestionável. – sentencia Zangão, convicto. – Mas é
mulher. E como toda mulher está sempre sujeita a seus ataques de fúria desmedida
e ternura excessiva. Cabe aos homens de bom senso, dormir de touca, de pantufas
e de armadura.
- Isso você aprendeu sendo cinco vezes rei? – pergunta o
questionador Chucrute.
- Não. Aprendi dormindo várias noites no sofá da sala. –
responde o outro com um leve sorriso.
- Ah, sei como é isso. Viu só? Nós dois temos alguma coisa em
comum! – gargalha o alemão se contorcendo na poltrona ao imaginar o sisudo, de
pantufas e chambre, dormindo apertado em um sofá. Após vários minutos de
rizadas, ele retorna ao seu trabalho e exclama com desagrado: - Que droga!
Deixei escapar mais uns pontos!
- Você não tem jeito para essas coisas Chucrute! Você é muito
afoito. Nós passamos a tarde inteira aqui e você não produziu nada. Olha só eu.
Já terminei meu trabalho. – informa Zangão, em tom de crítica.
- Nem vem que não tem, Zangão! Você tem muito mais prática
que eu. Está aposentado há anos, só jogando paciência, palavras cruzada e
aprendendo trabalhos manuais. Eu só tive minhas primeiras aulas de tricô essa semana!
É claro que você largou em vantagem. – indigna-se o ariano um tanto vermelho de
frustação.
- Que seja. Mas você não fez nem a gaitinha do pulôver! Eu
terminei o meu todinho. – vangloria-se Zangão.
- Terminou coisa nenhuma! Faltam as mangas! – alerta Chucrute,
jogando as agulha de lado e cruzando os braços emburrado.
- Não é um pulôver, é um colete, seu bobão. Não tem mangas.
Todo mundo sabe que eu adoro coletes. – informa Zangão vestindo sua obra prima
de confecção moderna.
- Ah, é. Tinha esquecido do seu gosto clássico para roupas.
Você vai ir vestindo ele pra casa? – pergunta Chucrute, já esquecido da pequena
desavença e adquirindo novamente o ar otimista e brincalhão.
- Nem pensar! Minha mulher detesta os meus coletes. Se eu
chegar em casa vestindo um negócio desses vou ter de dormir na sala de novo. E
você sabe como é né Chucrute, na minha idade a coluna já não aguenta essas orgias.
– informa Zangão piscando o olho para o companheiro de lãs, agulhas e confabulações.
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