O mundo inteiro parara e aguardara, em ansiosa expectativa,
pela consagrada fumaça branca que surgiria no céu. Os verdadeiros cristãos
oravam com fervor. Os céticos faziam ares de pouco caso. Os cínicos cultivavam
descrença e desesperança. Houve até quem fizesse apostas em bolões um tanto
pecaminosos. Mais uma estratégia de marketing, acreditavam outros, para
angariar fieis desacreditados na milenar doutrina. E eis que, mais rápido do
que contavam os céticos e os cínicos, o novo Papa fora escolhido. E para
desalento de outros, cativara rapidamente a multidão de católicos. Um pontífice
simples e despretensioso. De olhar cândido, sorriso tranquilo e postura
humilde. Um Jesuíta, apenas. Menos do que esperavam os apostadores. Mais do que
sonhavam os descrentes na Santa Igreja. Mas, em tempos de informação
instantânea, as retaliações e os ranços surgiram na velocidade da luz, turvando
com a fumaça negra das acusações a imagem do primeiro Francisco das multidões. O
Papa apoiara ditaduras e tiranos, bradavam alguns nas redes sociais, com o
mesmo ardor com que erguiam-se em defesa de ditadores caribenhos e
questionáveis democracias bolivarianas. A contradição e a tirania pareciam
estar na alma da velha América Latina. Gravadas a ferro, fogo e devoção. Das
veias abertas de nossa América Católica ainda jorravam paixões cegas e
alienadas e o sangue quente e rubro dos miseráveis. Os miseráveis defendidos
por Francisco, o novo pontífice.
Que estranha luta manchava o solo desta América Latina. Que
estranha sina carregava esse sofrido povo. Um povo humilde e devoto, sempre
pronto a abraçar as mais estapafúrdias ideologias, os mais cruéis e insolúveis
ditadores ou populistas. O poder emana do povo, enquanto o mesmo povo chafurda
na lama densa da miséria, da desigualdade e da corrupção. Os poderosos continuavam
os mesmos, travestidos com pompas, glórias e utopias vazias de significado
prático. A miséria, a fome e a desigualdade mudaram de cara e de cheiro nas
propagandas institucionais de cada demagógico país da latino-américa dos
excluídos. Um povo, soberano povo, sutilmente alijado do poder da educação, da
cultura e do livre arbítrio, mas sabidamente detentor do poder do voto. O voto
que mantinha quadrilhas. O mesmo voto que sustentava tiranos. O eterno voto que
perpetuava desigualdades e alicerçava a pobreza dessa gente sofrida. Mas, assim
mesmo, o democrático e sonhado voto. Graças
aos céus pelo poder do voto, bradavam aqueles que defendiam ditaduras
caribenhas, em uma cruzada de incoerências. A escolha do Papa deveria ser por aclamação
popular, acreditavam esses mesmos. Quem sabe um conclave em alguma rede social
ou em algum espetáculo virtual, onde as virtudes fossem sutilmente
transformadas e os defeitos virtualmente maquiados para deleite da intelectual sociedade
cibernética e para manutenção da associação de excluídos pelo cabresto da ignorância
original. Que Deus proteja e ilumine Francisco das contradições de sua América
Católica que, como dizia o poeta, “sempre precisará de ridículos tiranos.”
Tiranos escolhidos pelo povo. Essa é a nova ordem de nossa peculiar e maravilhosa
América Latina. A América de Francisco
das multidões e dos excluídos.
Eh verdade, gostei muito do texto!
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