A temporada longe do trono e de sua redoma de vidro fumê
fizera maravilhas a Poliana. Sua alteza voltara revigorada e com uma nova visão
do reino. Conhecera os buracos no asfalto ao menos, e tratara de colocar seus
serviçais a cobri-los assim que reconquistara a coroa que lhe fora
temporariamente confiscada. “Talvez eu deva sair com maior frequência de minha
redoma.” – pensa Poliana – “ E sem a companhia de meu cortejo de pajens e
bobos. A algazarra e as adulações deles
prejudicam minha visão e meu olfato.” – conclui a rainha, num rápido lapso de
bom senso.
Não foram apenas os buracos no asfalto que nossa rainha
aprendera a reconhecer. Amizades fraternas foram perdidas. Alianças
desinteressadas se romperam. Discursos calorosos esfriaram. Interesses
requentados voltaram ao cardápio. Depois de tudo isso, Poliana jamais seria a
mesma. Nem sua majestade, nem sua corte de bobos. Satisfazer as novíssimas
amizades parecera fácil no princípio. Bastava aplicar a velha fórmula
matemática de trocar apoio por carguinhos. Mas acomodar tanta gente superava as
leis da física. Eram muitos os glúteos para tão poucas poltronas. E cada um de
seus aliados achava que seus adoráveis traseiros mereciam as mais robustas
cadeiras. Como faltavam cadeiras em seu reino! - desesperava-se a experiente
monarca. – Quase tanto quanto faltavam curandeiros e remédios. Mas desses
últimos apenas seu povo sentia falta. Já a escassez de cadeiras e troninhos
provocavam uma dor de cabeça danada em Poliana e muita dor de cotovelo em seus
companheiros. Fazer o que? Poliana precisava decepar algumas cabeças. Cabeças pequenas,
já que conseguira acomodar quase todos os ânimos do alto escalão. Mas cabeças
pequenas também abanaram bandeirinhas e exigiam seu lugar nas turgidas e
convidativas tetas públicas. A revolta dos decapitados ainda renderia alguns
transtornos a Poliana. Por enquanto seus velhos e novos bobos da corte ainda se
divertiam com a recém aberta temporada de caça as bruxas. Regozijavam-se
perseguindo os serviçais de carreira dos quais não podiam simplesmente se
livrar. Era puro deleite. Sua vasta corte adorava esse período de festividades.
Alguns viviam apenas para esse momento, como seu povo para o Carnaval. Outros se
dedicavam a caçada com muito mais disposição e ímpeto do que jamais se
dedicaram a seu reino ou seus trabalhos. Se sua rainha conseguisse o milagre de
transformar rancor e picuinhas em empenho e respeito pelo suado dinheiro dos
contribuintes, conquistaria seu verdadeiro reinado de oportunidades. Uma pena
que Vontade Política, sua varinha de condão, não surtisse efeito nesses casos.
Aliás, Vontade Política sempre funcionara muito melhor em Horário Eleitoral.
Devia ser o clima tenso de Mundo Real que circuitara a coitadinha.
Mas Poliana, agora mais madura e calejada, sabia que o fervor
da caça as bruxas tinha tempo limitado. Logo, logo sua nova corte precisaria mostrar
a que veio. Essa era a parte que Poliana mais temia. “Tomara que eu tenha feito
as escolhas certas dessa vez.” – suspira a ressabiada rainha. Afinal, decisões
muito mais simples, mas desastrosamente equivocadas, quase fizeram com que sua
majestade fosse decapitada também. Sentir o fio da navalha tão próximo de seu delicado
pescoço ainda causava certa revolta em suas entranhas reais. Quem sabe Poliana
consiga escapar ilesa da revolta dos companheiros decapitados pela rainha. “ As
cabeças cortadas não farão falta ao meu reinado, mas os braços que abanam
bandeirinhas sempre podem ser úteis no futuro. Sorte minha, que meus aliados só
guardam rancor dos adversários e jamais se voltariam contra a carismática e
doce Poliana. Com todo meu traquejo e doçura não corro o risco de passar de
rainha a bruxa.” – pensa Poliana, seguramente protegida da caça as bruxas.
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