Com um suspiro de desalento o velho fecha o jornal e joga
sobre a mesa. Acordar aos primeiros raios de sol, preparar o mate e ler os
jornais do dia, era a rotina diária desse octogenário. Orgulhava-se intimamente de se manter informado
e conseguir conservar ainda sua mente aguçada, apesar da idade. Quisera ter
podido estudar mais em sua mocidade distante. Mas eram outros aqueles tempos e
outras as prioridades. O trabalho no campo e a necessidade de ajudar seus pais
no sustento da família lhe afastaram precocemente dos bancos escolares. Lembrava-se
como se fosse hoje dos quilômetros que tivera de andar para chegar à pequena
escola onde cursara até o quarto livro. Eram tempos difíceis aqueles de sua
infância. Épocas de penúria que, se não deixaram marcas no corpo, moldaram o
caráter do homem que fora na vida. Ainda hoje, mergulhado em recordações, quase
podia sentir o frio da geada que se infiltrava sem piedade em suas surradas
alpargatas no caminho que levava até a escola. Recordava com respeito da serena
e paciente professora que lhe ensinara a juntar as primeiras letras. Da freira
austera que ralhava com ele e seus amigos pelas molecagens e peraltices de
criança. Apesar das dificuldades sentira-se triste ao ter de deixar o colégio. A
oportunidade de aprender era uma graça a que poucos tinham acesso naqueles anos
longínquos. Um presente caro que o menino que fora soube reconhecer.
Olhando novamente o jornal que a pouco abandonara, o velho suspira
novamente. Educação deixara de ser um presente e passara a ser obrigação do Estado
e de uma sociedade que se propusera a evoluir. Uma dádiva, se assim fosse de
fato. Hoje se dispunha de estradas, escolas, transporte e o tão sonhado acesso
ao ensino. Mas o agigantamento de seu país parecia ter apequenado as
mentalidades e as ambições. Pelo menos é o que enxergava esse velho ignorante e míope. Na ânsia
de mostrar ao mundo seu crescimento como nação desenvolvida, transformaram a educação
em mera alegoria carnavalesca. Houve épocas em que se sonhava com justiça
social, onde o acesso à educação seria a justa forma de ascensão dos pobres e
desfavorecidos. Devia ser teoria, pensa o ancião cabisbaixo. Preparar macarrão
instantâneo parecia ser a nova fórmula para a tão alardeada inclusão das
minorias. Estranho processo pedagógico esse: macarrão e circo para nossa
sociedade pensante. Para esse velho esclerosado parecia apenas uma forma rápida
e barata de aniquilar massa crítica. Tudo com a conivência silenciosa e omissa
de nossos educadores, lastima o idoso, sentindo uma saudade doída de sua
professora de infância. Talvez devesse
ter estudado menos. Ter aprendido a pensar devia ser o que lhe causava essa
inquietante angustia no peito. Sorte dessa nova geração não ter de passar por
isso, conclui o velho tristonho. Tomara que nossos jovens ainda saibam calcular
as medidas da receita de macarrão instantâneo. Se não souberem, sempre se pode
criar cotas para estes também. Em um futuro, não muito distante, existirão cotas
para quem sabe ler e escrever nas universidades, afinal, esses serão por fim,
as minorias em nosso gigante e evoluído país da copa, das olimpíadas e do
miojo.
assim tu me fazes chorar, filha!
ResponderExcluirChoremos todos! Pelos que não podem fazê-lo.
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