sábado, 23 de março de 2013

Macarrão de letrinhas no país do carnaval


Com um suspiro de desalento o velho fecha o jornal e joga sobre a mesa. Acordar aos primeiros raios de sol, preparar o mate e ler os jornais do dia, era a rotina diária desse octogenário.  Orgulhava-se intimamente de se manter informado e conseguir conservar ainda sua mente aguçada, apesar da idade. Quisera ter podido estudar mais em sua mocidade distante. Mas eram outros aqueles tempos e outras as prioridades. O trabalho no campo e a necessidade de ajudar seus pais no sustento da família lhe afastaram precocemente dos bancos escolares. Lembrava-se como se fosse hoje dos quilômetros que tivera de andar para chegar à pequena escola onde cursara até o quarto livro. Eram tempos difíceis aqueles de sua infância. Épocas de penúria que, se não deixaram marcas no corpo, moldaram o caráter do homem que fora na vida. Ainda hoje, mergulhado em recordações, quase podia sentir o frio da geada que se infiltrava sem piedade em suas surradas alpargatas no caminho que levava até a escola. Recordava com respeito da serena e paciente professora que lhe ensinara a juntar as primeiras letras. Da freira austera que ralhava com ele e seus amigos pelas molecagens e peraltices de criança. Apesar das dificuldades sentira-se triste ao ter de deixar o colégio. A oportunidade de aprender era uma graça a que poucos tinham acesso naqueles anos longínquos. Um presente caro que o menino que fora soube reconhecer.
Olhando novamente o jornal que a pouco abandonara, o velho suspira novamente. Educação deixara de ser um presente e passara a ser obrigação do Estado e de uma sociedade que se propusera a evoluir. Uma dádiva, se assim fosse de fato. Hoje se dispunha de estradas, escolas, transporte e o tão sonhado acesso ao ensino. Mas o agigantamento de seu país parecia ter apequenado as mentalidades e as ambições. Pelo menos é o que enxergava esse velho ignorante e míope. Na ânsia de mostrar ao mundo seu crescimento como nação desenvolvida, transformaram a educação em mera alegoria carnavalesca. Houve épocas em que se sonhava com justiça social, onde o acesso à educação seria a justa forma de ascensão dos pobres e desfavorecidos. Devia ser teoria, pensa o ancião cabisbaixo. Preparar macarrão instantâneo parecia ser a nova fórmula para a tão alardeada inclusão das minorias. Estranho processo pedagógico esse: macarrão e circo para nossa sociedade pensante. Para esse velho esclerosado parecia apenas uma forma rápida e barata de aniquilar massa crítica. Tudo com a conivência silenciosa e omissa de nossos educadores, lastima o idoso, sentindo uma saudade doída de sua professora de infância.  Talvez devesse ter estudado menos. Ter aprendido a pensar devia ser o que lhe causava essa inquietante angustia no peito. Sorte dessa nova geração não ter de passar por isso, conclui o velho tristonho. Tomara que nossos jovens ainda saibam calcular as medidas da receita de macarrão instantâneo. Se não souberem, sempre se pode criar cotas para estes também. Em um futuro, não muito distante, existirão cotas para quem sabe ler e escrever nas universidades, afinal, esses serão por fim, as minorias em nosso gigante e evoluído país da copa, das olimpíadas e do miojo. 

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